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domingo, 24 de julho de 2022

EVOLUCIONISMO CEGO, SELECIONISMO NATURALISTA ALEATÓRIO E CRIACIONISMO INTELIGENTE

Não existe evolução ou seleção natural "criadoras", quando muito são causas segundas subordinadas á causa primeira, numa linguagem aristotélica, talvez possamos afirmar que estas são causas de "destruição" seletiva ou evolutiva num sentido bruto da palavra.

Da mesma forma que criadores de animais selecionam e evoluem linhagens com certas características passíveis de manipulação por meio de cruzamentos genéticos ou mesmo de manipulação de DNA, mas não são sistemas criadores no sentido existencial desde o nada.

Por falar em causa primeira e causa segunda, também temos a matéria primeira e a matéria segunda, afirmamos que Deus é a causa primeira que gera a matéria primeira, que numa linguagem platônica é o mundo das idéias primeiras, modelos arquetípicos que são projetados na mente divina, que servem de modelo para replicação na própria conformação de cada aspecto da realidade física e/ou concreta.

Neste ponto me socorro de Wolfgang Smith (01) que constatou que os fenômenos analisados pelos experimentos da física quântica ao serem objeto de interpretação com base na metafísica clássica permite a definição do conceito de causalidade vertical.

O que é testemunhado nos experimento da física quântica, quando é constatado o decaimento de estado, quando o objeto físico sai da condição de indeterminação onda/partícula e adquire uma forma detectável de forma definida, então estamos observando a manifestação de uma matéria segunda informe sendo submetida a uma causalidade vertical, na qual a forma eterna oriunda da mente de Deus incorpora-se como realidade física e manifesta-se como um ato que é continuidade da Criação.

Em suma, se adotamos uma metafísica de base aristotélica é bem mais fácil de se compreender a intuição de diversos cientistas da física no sentido de que a realidade permanece em constante criação (02).




Notas:








(02) “Criação não terminou, o mundo acontece de uma forma nova a cada momento” (DÜRR, Hans-Peter. Da ciência à ética: a física moderna e a responsabilidade do cientista; tradução de Lumir Nahodil. – 1.ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 47).

sábado, 12 de outubro de 2019

A LUZ É A PRÓPRIA CORPOREIDADE

NOTA INTRODUTÓRIA

Roberto Grossateste (c. 1168? - 1253) entre 1215 e 1220 produziu a obra "A luz, o tempo e o movimento", da qual abaixo reproduzo um único parágrafo que diz respeito à concepção de que a luz é a fonte da corporeidade, a origem de todas as formas corporais. Para facilitar a leitura separei o texto em diversos parágrafos para facilitar o foco da leitura:


Roberto Grossateste, Bispo de Lincoln



"A primeira forma corporal, chamada por alguns de corporeidade, penso que é a luz. Pois a luz, per se, difunde-se a si mesma por toda a parte, de tal maneira que de um ponto de luz se pode gerar instantaneamente uma esfera de luz de qualquer magnitude, contando que algo opaco não se interponha como obstáculo.

Da corporeidade é que sucede necessariamente a extensão da matéria em três dimensões, apesar de serem, a corporeidade e a matéria, substâncias simples in se, sem qualquer dimensão.

Na verdade, uma forma simples in re e sem dimensão não poderia produzir, por toda a parte, dimensão na matéria, a qual é igualmente simples e sem dimensão, exceto multiplicando-se a si mesma, difundindo-se instantaneamente por toda parte, e estendendo a matéria nessa difusão de si mesma, uma vez que a forma não pode abandonar a matéria, pois não é separável, nem pode a matéria ser esvaziada de forma.


Robeto Grossateste, como retratado no século XIII



Eu disse antes, porém, que a luz é que possui, per se, essa operação de multiplicar-se a si mesma e de difundir-se instantaneamente por toda a parte. 

Portanto, o que faz isso ou é a luz, ou é algo que o faz como participante da luz, a qual o faz per se.

Logo, a corporeidade ou é a luz mesma ou é aquilo que faz a referida operação e introduz dimensões na matéria enquanto participa da luz e age por virtude da luz.

É impossível, porém, que a primeira forma introduza dimensões na matéria por virtude de uma forma subsequente a ela mesma.


Estudo de difração da luz por uma lente esférica, 1250



Logo, a luz não é uma forma subsequente à corporeidade, mas é a própria corporeidade."





Fonte: 


Grossateste, Roberto, 1168?-1253. A luz, o tempo e o movimento / tradução de Renato Romano, apresentação de Raphael De Paola - Porto Alegre, RS: Concreta, 2016, p. 85.

domingo, 1 de julho de 2018

O processo criativo no devir



Na teoria quântica existe o conceito de "colapso do vetor de estado", que é aquele momento em que o aspecto indeterminado da partícula quântica (quantum) consolida-se em um estado determinado, que faz surgir o evento definidor da forma de manifestação do objeto físico.

Wolfgang Smith define que esse é o momento em que a matéria informe do objeto físico sofre a ligação, dentro de uma relação de causalidade vertical com a sua forma substancial determinante e eterna, no sentido aristotélico-platônico, quando então se torna uma criatura composta de matéria e forma.

O momento de "colapso do vetor de estado", portanto, é uma prova científica de um ato de criação, ou seja, a criação é um processo permanente, é um processo de permanente concretização do devir.
Sem o devir, sem a liberdade, sem a livre escolha entre diversos modos potenciais, não haveria nem a virtude e nem o pecado, nem acertos e nem erros, seríamos como  aquelas máquinas tão celebradas e desejadas pelo modelo proposto na física newtoniana, e pela filosofia moderna em geral, ambas marcadamente determinísticas.

Não fosse o permanente processo de transição entre potência e ato, que criam possibilidades oriundas de jogo de probabilidades inerentes à realidade, seríamos meros agentes aplicadores de éticas teóricas, que não se comunicam com razões práticas, e, seríamos pessoas feitas de carne e osso, que nem acreditam na realidade objetiva do mundo, nem na concretude de seus ossos.
A realidade do devir, se for considerada dentro da realidade do Absoluto que é Deus, necessariamente, já está contida em todas as suas possibilidades em  potência.
Todavia, o devir é um processo de realização temporal, que se opera mediante um afunilamento das possibilidades e potencialidades, em formas concretas definitivas, em que o devir se torna um presente, que instaura fatos históricos únicos e definitivos, cuja graduação dependerá de um infinito número de fatores.
Neste sentido, o devir é algo que sempre foi discutido na filosofia, e esta já possuía a base dos conceitos do indeterminismo quântico ao discutir sobre o livre-arbítrio.

A criação está em permanente processo, uma vez que é permanente e contínua criação, no âmbito da criação já criada, pois a criação é dinâmica e co-participativa, em um certo sentido, quando se considera sua realização temporal mediante a experiência de cada vida individual.

domingo, 3 de junho de 2018

O MÉTODO CIENTÍFICO É COMO UMA REDE DE PESCA!




Hans-Peter Dürr (7/10/1929-18/05/2014) relata que a mecânica clássica não mais serve para explicar inúmeros fenômenos físicos, como os elétrons e o magnetismo.

A formulação da mecânica quântica revelou aos cientistas “para sua surpresa que os seus conhecimentos de, e o seu saber sobre, a realidade por eles imaginada em abstracto têm muito a ver com os métodos com os quais investigam a natureza” (DÜRR, p. 40).

Para esclarecer a afirmação supramencionada, lanço mão de uma versão resumida da parábola de Sir Arthur Eddington, citada por Dürr, ao descrever uma rede feita para pescar peixes de 05 centímetros ou mais.


Evidentemente, referida rede, somente pode pegar peixes dentro de seu limite de mensuração.

O cientista considera-se livre de recorrer ao que considera como vagas especulações, pois contenta-se com o que consegue apanhar com base nos limites possíveis de mensuração eleito por seu método de pesquisa.

Um metafísico, que aceite a objetividade do mundo, considerará tal método inadequado para abarcar toda a realidade dos peixes, pois o universo de peixes é muito mais amplo que os limites subjetivos da rede.



O epistemólogo, dá razão ao metafísico, sobre o caráter subjetivo e parcial da afirmação do cientista, acerca do tamanho mínimo dos peixes possíveis de captura, mas, afirma que não se deve perder tempo medindo todos os peixes, para determinar o tamanho mínimo desta categoria de ser, basta medir a própria rede, aquilo que não for observável e mensurável não será objeto de análise científica:

"Este modo epistemológico de encarar o problema confere validade absoluta à lei. Isto corresponde ao enunciado de Kant, segundo o qual as descobertas gerais fundamentais da Física dão bons resultados na experiência porque estabelecem condições necessárias para a experiência" (DÜRR, p. 42)

A rede simboliza o estreitamento da realidade, e a alteração qualitativa operada pelo nosso pensamento, e relaciona-se à possibilidade de se conhecer cada vez melhor a “estrutura” e não o conteúdo da realidade, o que implica no risco de “descurar das coisas” (DÜRR, p. 44).

Trecho do artigo "Kant, ciência moderna e liberdade humana" disponível em: 


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: TEMPO E ESPAÇO SÃO SUCESSIVIDADE E SIMULTANEIDADE (CAP. 06 - D)



Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


É fundamental da filosofia pitagórico-platônica a presença do allós, do outro, como o khosmos, que é outro que o Ser Supremo. O khosmos implica heterogeneidade, implica o héteros, o outro, distinto, e o modo de ser especìficamente êste ou aquêle é o modo de ser que é outro que outro. A afirmação do Ser Supremo implica o allós, porque é, unìvocamente, êle mesmo, e em plenitude ontológica êle mesmo, e também o poder de realizar tudo quanto pode ser, o que pode vir-a-ser, os possíveis, que são outros que outros. A afirmação do Ipsum Esse, o ser si mesmo, exige o ser outro, o conjunto das coisas outras, allós.

O que é outro que outro, só pode ser tal, simultânea ou sucessivamente pois a disjunção é perfeita, como vimos, o fundamento é, pois, ontológico e não psicológico apenas, como o queria Kant. Dêste modo, o que fundamenta o espaço é a simultaneidade, como o que fundamenta o tempo é a sucessividade. Estas, ontològicamente, antecedem aquêle, e o existir outro, que é o existir heterogêneo, das coisas que não são em plenitude ontológica, implica a presença da simultaneidade e da sucessividade. E a sensibilidade do ser psicològicamente organizado não poderia ser distinta, pois não haveria sensação sem o outro que outro, porque sentir é afirmar, de certo modo, outro que outro, e essa afirmação implica a copresença da simultaneidade e da sucessão, em graus maiores ou menores.


Dêste modo, o tempo e o espaço, que para Kant são formas puras da sensibilidade, são, realmente, esquemas posteriores, que se fundamentam na simultaneidade e na sucessão, que são primordiais, não só da sensação, como do próprio existir e do ser, o que lhes dá uma razão ontológica (1). E é esta razão ontológica que empresta validez e segurança à experiência no sentido kantiano, a qual termina por desvanecer-se quanto ao seu valor, como vimos na análise que fizemos da obra daquele autor em "Filosofia Concreta" e, sobretudo, em "As três Críticas de Kant".

A justificação da continuidade da extensão, considerada não só matemática, como fisicamente, fundamenta-se na não coincidência das partes, que se dão umas extra às outras. As coisas quantitativas são compostas de partes extra partes, mas, por serem estas tomadas extensivamente, são divisíveis em partes, pois onde há extensão há distância. Esta, enquanto tal, é homogeneamente ela mesma em sua especificidade, e, considerada matemàticamente é, portanto, divisível em partes extensas in infinitum. Todo modo de ser quantitativo é, pois, enquanto tal, divisível in infinitum, quando considerado em sua extensidade.



A extensão pode ser considerada como actual ou como virtual. É actual aquela que tem de fato partes extra partes, as quais não coincidem todas no mesmo ponto. Essa extensão pode ainda ser local e não-local. É local, quando comensurada com o lugar, como o são os corpos. É não-local, quando incomensurável com o lugar, quando é toda no todo e toda em cada uma das suas partes singulares, cuja realidade é matéria controversa. Contudo, no caso dos anti-prótons, que revelam, ao anular os prótons, que o resultado não tem extensidade apta a ser captada pelos sentidos, ampliados por instrumentos, não se pode admitir que esse resultado seja uma aniquilação total do ser, o que é ontologicamente impossível e, portanto, absurdo, como o provamos em "Filosofia Concreta". O que resulta, a chamada anti-matéria na física moderna é anulação da extensão atual ou potencial, mas, se for a primeira, será não-local.



Chamam, ainda, de extensão aptitudinal o accidente que tem partes integrantes (que são as que não constituem a essência de uma coisa, pois estas são as partes essenciais). As partes essenciais são aquelas que, faltando apenas uma, a coisa deixa de ser o que é. Constituem elas a essência do todo. Assim a animalidade e a racionalidade são partes essenciais do homem, pois faltando uma ou outra, o homem deixa de ser tal. A parte integrante, ao inverso, não constitui a essência do todo, e a ausência de uma não implica a perda da especificidade, como a falta de um braço não leva ao desaparecimento do homem. Estas partes integrantes são chamadas de homogêneas ou heterogêneas. As homogêneas são entre si semelhantes especificamente, e até acidentalmente, como as partes de um pedaço de ferro, enquanto ferro. São heterogêneas aquelas que diferem entre si accidentalmente, como o são as partes de um ser vivo.

Pergunta-se, na Cosmologia, e é um dos seus grandes problemas, qual o efeito formal da quantidade: é dar extensão entitativa à substância, ou dar extensão actual local ou não local, ou dar uma extensão aptitudinal, ou a exigência da extensão?

É mister, em primeiro lugar, saber o que se entende por efeito formal. É o que resulta da comunicação da forma com o seu sujeito. Assim o efeito formal da côr é o colorido, do calor o ser quente. Classifica-se, ainda, o efeito formal em primário e secundário. É primário o que não pode deixar de dar-se sem contradição, desde que a forma seja dada. Se se dá o calor, tem de se dar o quente; se há cogitação no intelecto, êste está em ato. Secundário é o que, exigida a forma, se faltar, não implica contradição.

(1) O existir ou o ser implicam o que existe ou é, simultânea ou sucessivamente, ou ambos, já que a disjunção é perfeita e a não aceitação seria a negação do sujeito, pois se não é nem simultânea, nem sucessivamente, nem ambos, não é, nem existe.

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p.36-39

sexta-feira, 16 de junho de 2017

DIMENSÕES HISTÓRICO-PRÁTICAS DA INVESTIGAÇÃO NATURAL

A verdade é nosso primeiro amor, e dela termos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição.
Carlos A. Casanova em sua obra "Física & realidade: reflexões metafísicas sobre a ciência natural", cuja tradução foi feita pelo físico e filósofo da ciência Raphael D. M. de Paola, descreve alguns aspectos muito interessantes a respeito das dimensões históricas e práticas da investigação natural, na qual demonstra que nossas indagações científicas são diretamente vinculadas ao que "nos foi transmitido no lar e na sociedade" (p. 141).

Carlos Augusto Casanova Guerra
Casanova define que a "autêntica atividade científica é uma atividade prática e institucional, orientada, por isso, a certos bens dos quais emanam regras", e que a "empresa científica" é o compromisso com a busca da verdade, por esta ser "uma atitude natural do espírito humano" (p. 144), para em seguida declamar que:


[...] A verdade é nosso primeiro amor, e dela temos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição. Então, retrospectivamente, podemos dar-nos conta de que o que sempre amamos era o que já descobrimos. Feitas todas essas correções, diria que MacIntyre tem razão, que a ciência é um empreendimento prático e institucional (p. 144).

Do aspecto prático e institucional da atividade científica derivam cientificismo ou positivismo, dado seu caráter técnico e operacional, torna-se portador de valores contrários às "verdades fundamentais acerca da natureza humana e da sociedade sobre a ordem política pode acabar destruindo ou debilitando consideravelmente as condições históricas que fazem possível a ciência.” (p. 145).

Esta postura da ciência que entra em guerra com os valores humanos naturais torna necessária  uma "teoria ética não sofística", pois o "amor à verdade que está na raiz da atividade de investigação fecunda pode exigir muitas vezes um verdadeiro ascetismo" (p. 145), e relata que:

[... ]é necessário um grande desapego às próprias teorias dos demais para aceitar os resultados dos experimentos e fazer as observações com a amplitude que requerem as descobertas importantes. O cientista deve ter os olhos livres de vaidade e inveja, de más paixões e interesses baixos. 


[...] Nada retardará mais a decisão que deveria levar a uma reforma bem sucedida na teoria física que a vaidade que torna o físico demasiado indulgente cm seu próprio sistema e demasiado severo para com o de outrem (p. 145-6)

Casanova esclarece de forma clara que o cristianismo foi o provedor da condição de possibilidade da existência de uma ciência tal qual a conhecemos, pois:

sua postulação do começo temporal do mundo, da liberdade e transcendência de Deus e do ato criador, deixou aberta a possibilidade de uma investigação astronômica que rompesse na Cristandade latina com a astronomia teológica averroísta (p. 147).

A crise da ética na ciência aprofundou-se com Descartes, quando este postulou uma visão do mundo que recorreu ao "nominalismo ou ficcionismo das hipóteses" que influenciou de forma deletéria seus seguidores, pois tal método visou sobretudo  "lograr uma certa tolerância" politicamente correta entre as ciências e a teologia cristã, atitude que deixou de lado o rigor na busca da verdade em seu sentido metafísico e racional.

Tal postura frutificou, nos séculos seguintes, "uma atitude de desprezo pela sabedoria e pela verdade, substituídas pelo 'útil' e pleo 'progresso'", que na prática da ciência se configurou no ceticismo filosófico, que recusa estudar as causas em suas investigações físicas, e, com isso, se tornou predominantemente experimental.

Para concluir esta breve resenha deixo aos leitores uma síntese do progresso do materialismo:

"O progresso da ciência deu lugar de fato ao surgimento da metafísica materialista, ingênua certamente, mas que iria ter uma grande influência nos séculos XVIII e XIX, e por definição anti-teológica. O Deus dos cientistas […] o 'ser inteligente e poderoso' reverenciado por Newton nos Principia, quando apropriado pelos deístas do século XVII, já não mais dava primazia ou unidade ao cristianismo entre todas as religiões. A estratégia 'ficcionista' ou 'convencionalista' adotada por Descartes e proposta por Berkeley, a mais corrosiva de todas, converteu-se, em mãos dos filósofos seculares, como David Hume (1711-1776) e Emmanuel Kant (1724-1804), na origem de uma doutrina que era a uma só vez anti-racional e anti-teológica. Aplicada universalmente, como o foi inevitavelmente, deixou de ser uma defesa da Teologia contra a Ciência e converteu-se numa ameaça para todo o conhecimento, fosse racional ou revelado. (p. 147-8)

Werner Nabiça Coêlho - 16/06/2017

sábado, 20 de maio de 2017

AFORISMOS: VIDA INTERIOR E PARTÍCULAS



SOBRE A VIDA INTERIOR 

A vida interior é o testemunho de um esforço da vontade, que almeja obter a sinceridade da consciência para consigo mesmo.

A vida interior define-se como autoconsciência que possui a seriedade necessária para se alcançar o nível das verdades espirituais.

O discurso interior da consciência não é excludente das outras formas de vida da inteligência, mas é uma definição que remete à complexa relação entre a simplicidade do ser uno e indivisível em sua inteireza, algo que define a alma, e nossa impossibilidade empírica de obter informações fora do campo espaço-temporal, em cujo contexto só podemos ter acesso de modos parciais e especializados.

Há que se ter uma forma de juntar o que está separado!

As sendas de Sócrates e Cristo são bons caminhos a se trilhar.

O SIMPLES E O CONCRETO

O simples é o atributo do uno, e o uno contém a totalidade que é considerada simples somente perante aquele que é o Ser em sua integralidade, o concreto como é percebido pela percepção humana é um complexo sem fim, simplificado em abstrações provisórias com o uso de recursos verbais e mentais.

PARTÍCULAS E O LIMITE DA METODOLOGIA

Até onde sei os limites são conceituais, pois não há uma verdadeira observação e medição direta, alguma coisa escapa à "observação científica".

A metodologia da pesquisa científica na área da física de partículas suscita perguntas sobre os verdadeiros problemas relativos à realidade da física de partículas.

Perguntas de natureza ontológica a respeito da objetividade e concretude do mundo, da qual a metodologia abstrai somente alguns dados parciais.

CONTÍNUO, CONCRETUDE E OBJETOS FÍSICOS

Há uma distinção entre o contínuo da realidade como o percebemos, que é a concretude das coisas, e as hipóteses descritivas do objetos físicos, oriundos de uma abstração cheia de hipóteses e condições matematizáveis.

Por mais que haja indícios de tais objetos físicos, os mesmos são elementos parciais, parcialmente detectáveis, que se encontram inseridos no contínuo, não são apartados de fato, mas somente são abstraídos com base no corte metodológico científico.

Há uma gama muito grande de objetos e fenômenos cuja realidade escapa à pesquisa.

18.05.2017 - Werner Nabiça Coêlho

sábado, 22 de abril de 2017

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: DISTINÇÃO, SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE (CAP. 06-C)


Observações preliminares.
O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


DISTINÇÃO, SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE SEGUNDO MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS



 
Fundamentalmente, nossos meios de conhecimento sensível (e no homem se fundam nos sentidos) captam os factos, simultânea e sucessivamente.



As coisas extensas, que são aquelas em que as suas partes distintas não coincidem num mesmo ponto, mas que se dão umas "extras" às outras, são captadas visualmente como simultâneas, quando se trata das pequenas extensões, e não daquelas em que os olhos devem percorrer (portanto, sucessivamente) o que se extende.



O tacto capta a extensão "sucessivamente", salvo as pequenas extensões, sentidas simultâneamente. De olhos fechados, percorremos com os dedos a extensão da mesa, e a sensação é sucessiva. Simultaneidade e sucessividade são fundamentais da sensibilidade.



Não esqueçamos que simultâneo e sucessivo são extremos disjuntos perfeitos. Não há meio têrmo entre êles. Ou algo é simultâneo ou é sucessivo, ou ambos, porque o que sucede de certo modo se simultaneíza, pois, do contrário, não haveria fundamento para sucessão, porque o que se dá "extra" a outro no existir, implica a simultaneidade de certo modo; o que perdura, implica a simultaneidade de seu ser, que insiste e persiste após si mesmo. Não havendo meio têrmo entre tais extremos, não são êles apenas fundamentais da sensibilidade, mas fundamentais ontològicamente, pois não há outro modo de ser que não seja simultâneo ou sucessivo, ou participando de ambos. São êles fundamentais da nossa sensibilidade que presta simultaneidade e sucessão às coisas; são os entes que são ora sucessivos, ora simultâneos, ora ambos.



As coisas só se podem distinguir realmente de dois modos: o distinto é outro que outro, e como tal ou é outro que outro no mesmo, insistindo no mesmo, ou outro que outro, insistindo "extra" o outro, quer sucessiva, quer simultâneamente.


 

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 36.

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: OS CONCEITOS DE ESPAÇO E TEMPO SÃO "A POSTERIORI" (CAP. 6-B)

Observações preliminares.
O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).





 
Assim com a nossa experiência nos mostra haver sêres extensivos, mostra-nos haver também intensivos. O verde é verde em si mesmo, não é algo que se extende, não tem suas partes extra às outras, enquanto o tamanho as tem. A dimensão do tamanho é a extensão, a da qualidade é a perfeição qualitativa, é a forma da qualidade, pois uma coisa verde é menos ou mais "verde", tomando-se, aqui, "verde" em seu aspecto formal, perfectivo. Um tamanho pode ser maior ou menor no sentido de ter mais ou menos "partes extra partes", mas enquanto extensão, formalmente considerado, é extensão apenas, e não mais ou menos extensão formalmente considerada. Assim se diz que a quantidade não tem graus, porque é quantidade perfectivamente, enquanto a qualidade pode ter escalaridade, graus, porque o qualitativo pode ser mais ou menos em relação a uma forma perfeita, que virtualmente compreendemos, pois podemos dizer que o céu é mais ou menos azul, que um homem é mais ou menos sábio. Consideramos, como medida, a perfeição da sabedoria, pois o tê-la indica que se tem um grau de sabedoria. Só a Deus se poderia atribuir a perfeição absoluta da sabedoria, só a "teria", e a "seria" em plenitude ontológica.
 
Com essa rápida explanação do conceito de extensão, vê-se que o nosso conceito de espaço é "posterior", e fundado na experiência da extensão, e não como o pretendiam alguns filósofos, entre êles Kant, de que o espaço (como o tempo também), fôssem "a priori" à experiência.



Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 35.

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O QUE FUNDAMENTA O CONCEITO DE ESPAÇO? (CAP. 06-A)

Observações preliminares.
O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas). 






É o espaço que fundamenta a extensão, 

ou é esta que fundamenta aquêle?


A pergunta é de máxima importância, 


e não pode ainda receber uma resposta completa.


Contudo, já podemos, em face do que foi examinado,


concluir alguns aspectos importantes,

capazes de esclarecerem tema de tal valor.


A intencionalidade, que se empresta ao conceito de extensão,

é a de indicar a "tensão" que se dirige "ex",

para fora,

que se afasta,

a tensão centrífuga,


assim como intensidade corresponde 

à tensão que se dirige "in",

para si mesma,

que é centrípeta.

 

Há extensão

onde a posição das partes

se dão umas extra às outras.

 

Não só o conceito,

mas também a experiência nos revela

que a extensão implica:



1) distinção real entre as partes;



2) não coincidência das partes num mesmo ponto.



A extensão exige "fundamentalmente", a distinção,

o ser "outro", o "alter", a alteridade simultânea,

pois o outro não é algo que decorre após ao primeiro,

mas que se dá simultâneamente com o primeiro,

como ponto de partida. 



Assim, por ser possível haver distintos na mesma coisa,

a distinção, aqui, não é apenas esta,

mas acrescenta ainda que

o distinto se põe fora da mesma coisa ("ex");


ou seja, do mesmo que serve de ponto de partida.



Essa colocação "extra" aos de que se distinguem,

embora da mesma espécie,

pois a extensão é sempre da mesma espécie,

mas é, situalmente outra que outra,

tomada como ponto de referência ou de comparação.



Essa distinção serve de estímulo aos nossos sentidos espaciais,

que são a visão, o tacto em menor escala, a audição.



Os pontos "extra" uns aos outros estimulam os sentidos.



Os olhos podem captá-los em maior simultaneidade,

enquanto o tacto os capta em sucessão,

e a audição por referência.





Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 34-5.
 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: SÃO DIVISÍVEIS OS CORPOS? (cap. 03)

Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).

"SÃO DIVISÍVEIS OS CORPOS?

A divisibilidade é a aptidão de separar as partes que estão unidas. Uma extensão, formalmente considerada, é divisível matemática ou hipotèticamente. Se um corpo é fisicamente divisível, sê-lo-ia por meio mecânico ou por intermédio de reacções químicas. Dir-se-á que uma divisão é metafísica, mas apenas pela acção de um ser superior a nós, como Deus.
É possível a divisibilidade metafísica infinita em acto? Poder-se-ia separar um corpo em partes que seriam em número infinito em acto? Essas partes seriam absolutamente simples, pois, do contrário, seriam, por sua vez, divisíveis, e não se teria atingido a infinitude em acto, mas apenas um número elevado. Essa divisão é impossível por ser absurda, como veremos. Restaria, então, a divisão finita em acto, e também a divisão potencial matemática sem fim, in infinitum, nunca, porém atingindo um têrmo, como se pode considerar quanto à extensão tomada formalmente; não, porém, materialmente.

Quando se afirma que é possível obter-se uma divisão infinita em acto da extensão, afirma-se uma absurdidade. Apenas pode-se admitir uma divisibilidade potencialmente infinita (um divide-se em duas partes, estas em duas outras, que serão quatro; estas em duas, que formarão oito e assim sucessivamente) uma divisibilidade hipotética, como se faz na matemática, não, porém, física, como alguns tentam alegar, como o fêz Zeno de Eléia, Demócrito (com seus átomos-indivísiveis) e muitos autores modernos e antigos, inclusive alguns escoláticos (1).


Em contrário a esta tese, temos a de Aristóteles, comumente aceita pelos escolásticos.

Para expô-la, é mister esclarecer alguns conceitos. As partes integrantes podem ser alíquotas, aliquantas e proporcionais. As partes alíquotas são aquelas cuja repetição iguala ao todo contínuo; aliquantas, aquela que, repetidas, não igualam ao todo; ou o excedem ou não o atingem; são incomensuráveis, como o diâmetro o é para a circunferência. Proporcionais são as que decorrem da mesma divisão ou subdivisão, feitas segundo a mesma proporção, como o todo dividido em dois, e as partes resultantes divididas em duas e, assim sucessivamente, sem alcançar a um fim.

O contínuo matemático não consta de entes simples, mas de partes sem fim divisíveis.


O contínuo é extenso, e a extensão conta de partes extensas, porque é formalmente um todo homogêneo. Matemática ou hipotèticamente, e também metafisicamente, a extensão, enquanto tal, é sempre extensa. Afirmam os defensores desta tese, e o procuram demonstrar, que aquela, assim considerada, não é divisível sem fim em partes alíquotas, mas em partes proporcionais. Em qualquer divisão é obtida alguma parte, e esta divisível pelo meio, em terças, em quartas, sem fim. Por isso, matemàticamente, pode-se dividir a extensão in infinitum. É também postulado pela tese que o contínuo matemático não consta de entes simples sem extensão, como afirmaram os filósofos anteriormente citados. Muitos são os argumentos apresentados em defesa desta tese que, por sua vez, serve de refutação à tese anterior. Se o contínuo constasse de indivísiveis, seriam êstes pontos, sem dimensão, como já vimos, que é a característica de ponto. Ou êles se tocam, ou não. Se se tocam, coincidem, e como não são extensos, não formariam uma extensão, e se não se tocam, não temos mais o contínuo, mas o descontínuo. Muitas provas matemáticas foram apresentadas em defesa desta tese: no quadrado, a diagonal e os lados são incomensuráveis, e se o contínuo constasse de pontos, tal não se daria, como também não se daria na circunferência em relação ao diâmetro.


Um ponto indivisível não pode ter duas faces, pois elas seriam idênticas numa só. O contínuo é um composto potencial, porque dêle se podem extrair as partes, e não um composto actual, porque êle não surge de partes preexistentes, pois se estas fôssem simples, o contínuo constaria de coisas simples. Se compostas, por sua vez, estas seriam formadas de partes compostas ou simples, e assim iríamos ao infinito. A diferença, que há num composto contínuo, e num composto essencial, é que, no primeiro, as partes não preexistem, mas podem ser determinadas, enquanto, no segundo, as partes, de certo modo, são preexistentes ao composto.

Os autores, que combatem esta tese, afirmam que se o contínuo é divisível in infinitum, é êle composto de partes em número infinito. Nêste caso, teríamos uma multidão infinita em acto, o que é absurdo, levando, portanto, a repelir que o contínuo matemático seja divisível em acto, mas apenas a infinitude em potência.

Não satisfeitos com essa argumentação, os defensores da posição contrária argumentam do seguinte modo: possível é tudo que pode realizar-se em acto sem contradição, e se um contínuo matemático é divisível in infinitum, êle poderia, então, actualizar-se, o que seria contraditório. Mas os defensores da tese respondem que não se afirma sua possibilidade simultânea, mas apenas sucessiva e inexaurível.
Simultâneamente não seria possível esta divisão, mas apenas sucessiva e inexaurìvelmente. Afirmam que a divisibilidade in infinitum  consiste apenas na afirmação de que o contínuo não pode ser exaurido por partes proporcionais. Afirmam outros que Deus, com o seu infinito poder, poderia, então, dividir in infinitum o contínuo matemático, e essas partes seriam, consequentemente, finitas, o que impediria se dissesse que é êle divisível in infinitum. Mas a resposta não se faz esperar, porque, se assim fôssem, estas quantas partes seriam simples, e, então, o contínuo constaria de indivisíveis.  Ademais, as partes podem ser divididas sucessivamente, e não simultâneamente, e porque o contínuo constaria de indivisíveis, o que repugna à demonstração já feita. O argumento de Zeno de Eléia reduz-se, em suma, ao seguinte: se o contínuo fôsse divisível in infinitum não poderia ser percorrido. Contudo êle é percorrido; portanto não é divisível in infinitum. Justifica-se êste argumento, porque, transitando-se uma parte, restaria um número infinito de partes a serem transitadas, o que impediria de alcançar-se o infinito. Se numeramos as partes, realmente tão poderia acontecer. O móvel não transita numerando as partes, mas, sim, por um movimento contínuo, que é extenso, que se extende, porque se o movimento não tivesse extensão também não haveria movimento. Dizem outros que  a tese da divisibilidade do contínuo matemático é inaceitável, porque se é divisível in infinitum, o contínuo menor teria tantas partes iguais quanto o contínuo maior, o que é absurdo. (negritei)

A distinção entre parte proporcionais e partes alíquotas permite compreender a tese. Se as partes fôssem alíquotas, então, sim, tal seria possível, não, porém, se forem proporcionais e desiguais.

Dizem os adversários da tese que o número compõe-se de unidades, e que, portanto, igualmente um contínuo é composto de pontos simples. Mas há disparidade nesta afirmativa, porque o número é uma quantidade discreta, enquanto o contínuo é uma quantidade contínua. O argumento de Zeno de Eléia fundava-se no seguintes silogismo: a magnitude infinita não pode ser percorrida por um tempo infinito; ora, se se dá uma magnitude divísivel in infinitum, ela é infinita; logo, não pode ser transitada pelo tempo finito. Não considerou Zeno, porém, uma distinção bem simples: é que a magnitude infinita em acto não é afirmada, mas apenas a em potência. O tempo finito também é infinito em potência. Se o tempo finito não fôsse infinito em potência, Zeno teria razão. (negritei)

O argumento de Aquiles, apresentado por Zeno, fundava-se de que sendo o espaço divisível in infinitum, aquêle, apesar de sua grande velocidade, não poderia jamais alcançar a tartaruga, desde que esta partisse de um ponto mais distante dêle, porque a infinitude do espaço impediria que êle a alcançasse, pois ao chegar ao ponto, onde ela anteriormente estava, já estaria ela mais distante, e assim sucessivamente. Se realmente tivesse Aquiles que percorrer, partindo de um ponto para o ponto sucessivo, tal estaria certo, mas o movimento daquele é um movimento descontínuo (feito em passos), como também o é o da tartaruga, e o daquele é mais veloz; ou seja, percorre, no mesmo tempo, maior extensão, o que permite que êle a alcance. Note-se que o espaço a ser percorrido pode ser dividido pelos passos de Aquiles. O passo já é qualitativo o que mostra a quantidade inseparável da qualidade, como ainda veremos.


A parte de um todo é sempre menor do que êle. Um ente, sem partes e sem extensão, seria um ente simples e, como tal, por não ter extensão, não é extensistamente comparável a outro. Como poderia a extensão ser constituída do que não é extenso? Já que a idéia de extensão aponta para a tensão ex, centrífuga, que foge de um ponto, o que os defensores desta tese afirmam é a divisibilidade in infinitum do contínuo matemático, do contínuo metafísico. Quanto ao contínuo físico, veremos mais adiante como êles se comportam em oposição a outros postulados, eivados de absurdos, por serem fundamentalmetne contraditórios.


A afirmativa de que o contínuo matemático é composto de indivisíveis e sem extensão leva à afirmação de que a extensão é constituída de não-extensão, o que é contraditório, ou que a essência do extenso seria o não-extenso, pois tratando-se de um todo homogêneo, como é o contínuo matemático, as suas partes são especìficamente idênticas ao todo, e se são elas inextensas, como poderia o todo ser essencialmente extenso? Neste caso, que é o do todo integral homogêneo, o que se atribui essencialmente  ao todo atribui-se à parte, e vice-versa. Portanto, seria patente a contradição. Que o extenso seja produto de uma entidade não extensa, é matéria a ser discutida, mas que seja constituído, em suas partes integrais, de partes inextensas, tal seria absurdo.


Não se palmilha aqui matéria fácil, pois longas são as especulações matemáticas em tôrno dêsse tema, as quais, se aqui reproduzidas, apenas alongariam a matéria, sem grande proveito quanto à explicação, pois as aporias são inegáveis. E elas surgem e se firmam mais comumente entre filósofos menores, por fazerem êstes confusão entre o contínuo matemático ou hipotético e o metafísico, com o contínuo físico. E chegam a afirmar, como fêz Demócrito e também ilustre escolásticos, que, fisicamente, o extenso é composto de entidades inextensas, portanto indivisíveis, átomos, o que nem para o contínuo matemático se pode admitir, quanto mais ainda para o contínuo físico, em face das demonstrações acima apresentadas.




A Cosmologia especula sôbre os entes móveis, isto é, aptos à translação espacial. São êstes entes quantitativos e, consequentemente, exigem o estudo da quantidade contínua e da descontínua, que é fundamental para os posteriores exames cosmológicos.

Temos aí, portanto, o exemplo do êrro cosmológico, que teve grande influência no filosofar.

(1) Também se atribui indevidamente a Pitágoras este tese. Não o colocamos entre os defensores dêsse postulado. A demonstração que teríamos de apresentar seria longa, e fazemo-la nas obras que escrevemos sôbre o pensamento do verdadeiro fundador da filosofia ocidental, tantas vêzes incompreendido, e ao qual se tem atribuído pensamentos que têm sua origem nos chamados pitagóricos, discípulos posteriores.

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 19-24.