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domingo, 5 de abril de 2020

A PANDEMIA QUE VITIMOU O BOM SENSO

Ésquilo (525/524 a. C.- 456 e 455 a.C)

Ésquilo, por volta de 400 anos a. C., já afirmava que na guerra,  a verdade é a primeira vítima, parafraseando-o, posso afirmar que nessa pandemia do vírus chinês, o bom senso foi a primeira vítima, uma vez que é óbvio que quarentena não é isolamento de toda a população, mas o isolamento de pessoas infectadas ou de pessoas do grupo de risco.

A religião positivista que erigiu a ciência como a medida de todas as cousas é tão estúpida que pressupõe uma permissão burocrática para liberar novos tratamento em plena emergência e calamidade.

Prefiro ficar com Aristóteles (Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 a.C.) que, por ser filho de médico, possuía senso comum suficiente para saber que a medicina é filha da arte e da experiência de cuidar paciente por paciente, com todas suas idiossincrasias.

O bom senso, se vigorasse ainda, deveria nos remeter à necessidade de sustentar a continuidade dos bens da vida, para que possamos ter recursos para tratar dos mais necessitados.

Para onde foi parar a experiência e a arte acumuladas pelos séculos dos séculos?

Aonde está a confiança na responsabilidade e no engenho humanos?

O medo da morte nublou o entendimento do Povo e seus governantes, e este mesmo medo está servindo de atalho para inúmeras formas de morrer, uma mais insidiosa que a outra, seja pela fome, seja pela violência, pela depressão e desespero, ou mesmo por meio de guerras.

Quem viver verá!

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A GUERRA POLÍTICA E O PODER DA LINGUAGEM

E os campos talados, 
E os arcos quebrados, 
E os piagas coitados 
Já sem maracás; 
E os meigos cantores, 
Servindo a senhores, 
Que vinham traidores, 
Com mostras de paz.
I-Juca Pirama, Gonçalves Dias

Temos que encarar a partir do próximo ano de 2019 uma nova guerra política e social em defesa das instituições, muito diferente da ora superada guerra eleitoral, pois iniciará em amplo espectro de lutas pelo futuro de nossa Nação, e, no meu entender, um dos mais fundamentais teatros de operações será o campo de batalha da linguagem (escrita, falada, musical, intelectual, midiática, política e educacional). 

A linguagem é uma manifestação física do pensamento, o ato de pensar é operar ideias, e idear é formar imagens, cuja realidade pode estar numa simples ilusão mental, como também pode ser o ato de acessar o campo da verdadeira realidade, aquela que vive na eternidade. Será que estou um pouco platônico hoje?

O domínio da linguagem é o primeiro domínio da ação política, pois a palavra move a mente, e esta move o corpo, e muitas pessoas movem o mundo.

A "coisa em si" da política é poder da personalidade humana, e um fator fundamental é sua boa formação moral e cultural (1), é o poder pessoal de mobilizar outras vontades para um objetivo comum, certo ou errado, virtuoso ou vicioso, não importa, o poder pessoal de mobilizar muitas vontades e fazê-las marchar como uma só pessoa é capaz de modificar a história.

Política é o reino em que uma pessoa, em sua ação humana determina outras ações humanas, e as subordina, essa é manifestação do poder: pessoas mandando em pessoas. 

Não existe um ser inerente ao acontecer político, o que existe é uma ocasião para o pecado, ou para a santidade.

Quando discutimos sobre política, falamos sobre vícios e virtudes de pessoas que são investidas de mandatos, ou simplesmente de poder, pois o poder deriva da energia acumulada pela representação (mandato) de grupos, multidões e povos.

Política não é um objeto de estudo que obedece categorias ontológicas, não existe um "ser" na política, trata-se um fenômeno derivado da vontade humana, que possui o potencial para o bem ou para mal. 

Alguém percebeu que esta é a primeira vez, na história recente do Brasil, e dos últimos 50 anos, que o Povo venceu reiteradas batalhas políticas (2013, 2016 e 2018) e, com isso, vem criando um novo domínio da linguagem?! 

Desde a forma mais coloquial, até a forma mais acadêmica de comunicação, passando pela manifestação humorística e artística, musical e performática, gráfica e gestual, a linguagem está em efervescência, e foi esta força da linguagem, e a comunicação propiciada pelas mídias eletrônicas que forjaram este momento.

Em 2013 o Olavo de Carvalho havia destacado que estava o movimento rebelde popular falto de um líder, e que quando muito poderia surgir uma liderança com a função de representar um símbolo catalisador dos anseios em ebulição, e, este símbolo, já estava em processo de crescimento, e o Povo que não é bobo já o havia cognominado de Mito, mas seu nome próprio já traz Messias.

Um ponto de partida para a renovação do debate político, pelo menos, seria mudar o foco para a discussão sobre a definição do que seja um conservador e um não-conservador, creio que esta é definição que se deve buscar.

O conflito político de nosso tempo é esta luta pela supremacia da comunicação de idéias, e, confesso que fiquei besta, ao ponto de minha cara cair ao chão, pois acabei de descobrir que o Norberto Bobbio é um seguidor da teoria de Gramsci, e que a ideia tão propalada de "sociedade civil" é um jargão para encobrir a realidade de hegemonia da esquerda revolucionária (2).

Para Gramsci a sociedade civil é a manifestação da hegemonia da revolução comunista que domina as idéias (superestrutura), mediante educação, cultura e imprensa, e a economia e o governo (estrutura) mediante a hegemonia que absorve a sociedade política e cria a Igreja-partido que substitui a força pela hegemonia do consenso revolucionário tatuado profundamente na alma humana, mediante a supressão de qualquer dissonância de idéias. A sociedade civil é a manifestação do partido do pensamento único que se julga politicamente correto.

A Revolução Francesa (3) começou com uma Assembléia Constituinte revolucionária, onde havia uma esquerda da esquerda e uma direita da esquerda, prosseguiu com a Convenção em que esquerda da esquerda foi suplantada pela extrema esquerda da esquerda, e concluiu com um arremedo de República Romana, com direito a triunvirato, sendo sucedido por um Imperador. 

Daí ficam ensinando essa ladainha de que foi a Revolução Francesa que criou a Esquerda e a Direita, sejamos francos, os franceses fizeram uma versão esquerdista e revolucionária daquilo que os americanos fizeram na forma de uma revolução libertadora e conservadora.

Pedro Calmon (4) refere a natureza episódica, e topográfica, na criação da definição de direita e esquerda, por ocasião da Revolução Francesa, para em seguida sintetizar a diferença entre a atitude serena e conservadora da atitude precipitada e emocional:

"os caminhos divergentes da solução serena, portanto conservadora, e da solução precipitada, portanto emocional, dos problemas do povo, com as respectivas doutrinas, de evolução ou revolução"

Para finalizar  rememoro Aristóteles para quem todas as comunidades visam algum bem, e a comunidade mais elevada de todas é aquela que engloba todas as outras, e esta visará o maior de todos os bens (5), mas o mesmo filósofo destaca que em assuntos de política de Estado, um teórico costuma ser incapaz de praticá-la, enquanto que o político possui uma capacidade intrínseca e experimental (6), todavia, tanto faz se for o cientista político, ou o próprio político, devemos manter o foco de que a melhor coisa que pode acontecer é haver uma preocupação comum com um fim correto (7).

NOTAS

(1)"Se, por conseguinte, tal como foi dito, para que alguém se torne uma pessoa de bem tiver de ser corretamente educada e formada nos bons hábitos e seguir a sua vida de forma a preenchê-la com ocupações úteis e não praticar ações vis, voluntária ou involuntariamente, tal é possível que venha a acontecer, se os homens projetarem as suas existências de acordo com certa forma de compreensão e segundo uma ordem correta que tenha força para prevalecer." (1180a15) [Aristóteles, Ética a Nicômaco, Atlas, 2009, p. 242]

(2) Um esclarecedor trecho de lavagem cerebral, com a qualidade do selo da teoria gramsciana, da autoria de Norberto Bobbio, quando esse comunista das letras jurídicas define "o conceito de sociedade civil": "No início do século XIX, como já disse, as primeiras reflexões sobre a revolução industrial tiveram como consequência uma inversão de rota diante da relação sociedade-Estado. É um lugar-comum que nos escritos jusnaturalistas, a teoria do Estado é diretamente influenciada pela concepção pessimista ou otimista do estado de natureza; quem considera o estado de natureza como malvado concebe o Estado como uma inovação, enquanto quem o considera como tendencialmente com tende mais a ver o Estado uma restauração. Esse esquema interpretativo pode ser aplicado aos escritores políticos do século XIX, que invertem a rota da relação sociedade/Estado, vendo concretamente a sociedade industrial (burguesa) como a sociedade pré-estatal: existem alguns, como Saint-Simon, que partem de uma concepção otimista da sociedade industrial (burguesa), e outros, como Marx, de uma concepção pessimista. Para os primeiros, a extinção do Estado será uma consequência natural e pacífica do desenvolvimento da sociedade dos produtores; para os segundos, será necessária uma viravolta absoluta, e a sociedade sem Estado será o efeito de um autêntico salto qualitativo. O esquema evolutivo que parte de Saint-Simon prevê a passagem da sociedade militar para a sociedade industrial; o de Marx, ao contrário, a passagem da sociedade (industrial) capitalista para a sociedade (industrial) socialista.
O esquema gramsciano é indubitavelmente o segundo; mas a introdução da sociedade civil como terceiro termo, após a identificação da mesma não mais com o estado de natureza ou com a sociedade industrial (ou, mais genericamente, com a sociedade pré-estatal), e sim com o momento de hegemonia, ou seja, com um dos momentos da superestrutura (o momento do consenso contraposto ao da força), parece aproximá-lo do primeiro esquema, na medida em que, nesse, o Estado desaparece em consequência da extinção da sociedade civil, isto é, mediante um processo mais de reabsorção do que de superação. Desse modo, o significado diverso e novo que Gramsci atribui à sociedade civil nos deve colocar em guarda contra uma interpretação excessivamente simplista: contra a tradição que traduziu na antítese sociedade civil/Estado a antiga antítese entre estado de natureza/Estado civil, Gramsci traduz na antítese sociedade civil/sociedade política uma outra grande antítese histórica, a que se dá entre a Igreja (e, em sentido lato, a Igreja moderna é o partido) e Estado. Por isso, quando fala de absorção da sociedade política na sociedade civil, ele pretende referir-se não ao movimento histórico global, mas somente ao que ocorre no interior da superestrutura, a qual é condicionado por sua vez - e em última instância - pela modificação da estrutura: temos, portanto, absorção da sociedade política na sociedade civil, mas, ao mesmo tempo, transformação da estrutura econômica dialeticamente ligada à transformação da sociedade civil." (Norberto Bobbio, O conceito de sociedade civil, original italiano: Gramsci e la concezione della societá civile, Edições Graal Ltda., Rio de Janeiro, 1994. 51-2)

(3) A magistratura e a advocacia sempre teve um pé bem enterrado em movimentos revolucionários esquerdistas: "Aos 5 de maio de 1789, [...] a França, via, com uma curiosidade inquieta desfilarem êsses deputados eleitos por quatro milhões de cidadãos reunidos nos diversos pontos do reino, em quinhentos colégios eleitorais, para revelarem e para corrigirem os abusos, na conformidade dos mandatos. Quanto não devia esperar da admirável harmonia com que êsses mandatos tinham sido redigidos, e do predomínio popular das eleições! De trezentos deputados do clero, só quarenta e novem eram bispos; a nobreza não contava mais de duzentos e oitenta e cinco membros, [...]. Em seiscentos representantes do terceiro Estado, compreendiam-se cento e cinquenta e três magistrados inferiores, cento e noventa e dois advogados, apenas setenta e seis proprietários e poucos homens de letras." (Cesar Cantú, História Universal, Editôra das Américas S.A, vol. XXVIII, São Paulo, p. 10)

(4) "Direita e esquerda. Não previu Rousseau a divisão em partidos da massa parlamentar. Na Inglaterra liberais e conservadores provinham històricamente das fôrças desavindas, 'lordes' e 'comuns', separadas mais tarde, em dois grupos de interêsses atendidos por duas diferentes concepções de vida. Eram partidos orgânicos, cuja duração refletia uma ação inesgotável.
A Convenção francesa, trabalhada pelas diferenças ideológicas ao fogo das paixões quotidianas, desmembrou-se em direita e esquerda - sentando-se de uma lado e de outro da assembléia os moderados e os revolucionários - para que, naquela tempestade política, houvesse, pelo menos, uma distinção topográfica. Ficaram os apelidos. Para partidos permanentes rótulos 'à inglêsa". Para atitudes sociais, classificação 'à francesa". Referiu-se esta à filosofia e aquela à composição. Esquerda e direita, tornaram-se tendências; liberais e conservadores, as facções. E a reação se chamou genèricamente - ultramontana. Tornaram os caminhos divergentes da solução serena, portanto conservadora, e da solução precipitada, portanto emocional, dos problemas do povo, com as respectivas doutrinas, de evolução ou revolução, cujo debate encheria o século XIX e cuja decisão alcança os nossos dias." (Pedro Calmon, História das Idéias Políticas, Livraria Freitas Bastos S.A., 1952, p. 241)

(5) "Observamos que toda a cidade é uma certa forma de comunidade e que toda a comunidade é constituída em vista de algum bem. É que, em todas as suas acções, todos os homens visam o que pensam ser o bem. É, então, manifesto que, na medida em que todas as comunidades visam algum bem, a comunidade mais elevada de todas e que engloba todas as outras visará o maior de todos os bens. Esta comunidade é chamada 'cidade', aquela que toma forma de uma comunidade de cidadãos." (1252a1-5) [Aristóteles, Política, Editora Vega, Lisboa, 1998, p. 49]

(6) "[...] no caso da perícia em assuntos de política de Estado, nenhum dos que proclamam ensiná-la, os sofistas, a põe em prática. Ela é antes exercida por aqueles que tomam parte em assuntos de política de Estado, os quais parecem mais pô-la em prática através de certa quantidade através de certa capacidade que lhes é intrínseca e pelo conhecimento obtido por experiência do que por uma qualquer forma de pensamento compreensivo dos assuntos. Pois ninguém os vê ler nada ou escrever o que quer que seja acerca desses assuntos (ainda que isso lhes trouxesse, eventualmente, mais fama do que a redação de discursos forenses e de natureza parlamentar), ou terem feito dos seus filhos ou de alguns dos seus amigos homens com capacidade e de ação política." (1181a1-5) [Aristóteles, Ética a Nicômaco, Atlas, 2009, p. 244]

(7) "A melhor coisa que pode acontecer é haver uma preocupação comum com um fim correto [e que haja o poder de o pôr em prática]. Mas quando isto é completamente negligenciado pela comunidade, parece evidente que caba a cada um contribuir para que os próprios filhos e amigos obtenham uma orientação em direção à excelência, ou pelo menos para se decidirem nessa direção" (1180a30) [Aristóteles, Ética a Nicômaco, Atlas, 2009, p. 242-3]

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O QUE CONSERVAR?!

Nosso problema é justamente essa noção de constituição estruturada ideologicamente como um mandamento divino, em 1988 nos lançaram dentro de uma armadilha que agora está se fechando, a constituição jurídica está separada de nossa constituição social, estamos na emergência de um período de ajustes que serão muito violentos para os beneficiários deste esquema que está estabelecido


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Meu amigo me pergunta o que fazer? Não sei muito não... mas, por enquanto, creio que preparar o espírito para as dificuldades vindouras, afiar a mente para pensar em cenários de sobrevivência, e, dentro das forças pessoais de cada um ainda é possível agir quando necessário, e, sobretudo, aprender com todas as desilusões, pois a realidade brilha com mais esplendor quando a visão das coisas é verídica, essa é a origem da prudência, que é aprender com as próprias decepções, e, se possível, com as alheias

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A tensão está no ar como uma carga de energia prestes a romper o éter com a fúria e o som do trovão, creio que a história dos próximos anos sofrerá uns bons solavancos, teremos, talvez, um período duro, tal como foram os anos 30/40 do século XIX, durante a qual a nacionalidade experimentou riscos de dissolução, de uma forma ou de outra, estamos assistindo ao teatro da história se encaminhando para a encenação de nossa tragédia, todavia, espero que nossa comédia habitual prevaleça, pois é melhor 
ser um tolo que ri da própria imprudência que ser um herói preso ao destino e ao sofrimento

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Aristóteles estudou a conduta humana conforme a virtude, esta é a ética, cuja culminância é a virtude da justiça, deste ponto de partida ele passou ao estudo da política, o meio prático pela qual o corpo social poderá ser sustentado por diversas formas de organização, conforme a complexidade social e o caráter de um povo determinado, o bem comum poderá ser perseguido sob as ordens de um monarca, uma aristocracia ou por meio de uma república representativa, o elemento de distinção é a busca justiça por meio de uma phronesis (justiça concreta, prudência) que sustente e conserve o legado de todo aquele bem que as gerações anteriores conquistaram a duras penas, e que cada geração tem o dever de reavivar a chama

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O animal racional, que se ocupa de sua autopreservação com base em seu trabalho, que protege sua família, defende sua pátria e ama a Deus, ou pelo menos permite que o próximo assim o faça com liberdade, possui o instinto inerente à política conservadora

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Conservador é como o capitão cuja habilidade é confirmada em meio à tempestade, é aquele que consegue aportar em segurança, pois navega considerando a realidade objetiva

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A verdade, manifestada no que é bom, belo e justo, é a única referência válida para algo que se julgue uma política conservadora


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O bem e o mal são posições morais tomadas perante a realidade, na luta entre a ilusão demoníaca e a objetividade divina


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Esquerda e direita são facções oriundas do conflito entre os revolucionários maçônicos durante a revolução francesa



Werner Nabiça Coêlho












sábado, 25 de fevereiro de 2017

A EUGENIA ONTEM E HOJE

Sir Francis Galton (1822-1911)

Bioética é um ramo da ética, e a ética por sua vez é um galho que emerge da grande árvore da reflexão filosófica, esta é uma planta cuja origem está no afeto do ser humano ao bem, e ao natural sentimento de dúvida e admiração que resulta do conhecimento da própria ignorância, e da necessidade de suprir tal carência.
 


Aristóteles ao tratar da definição de filosofia descreve que seu objeto é "especular sobre os princípios e as causas, pois o bem e o fim das coisas é uma causa"(1), e constata:
De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre maiores [...]. Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito com efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis. De modo que, se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância, é evidente que buscavam o conhecimento unicamente em vista do saber e não por alguma utilidade prática. (2)


Na perspectiva aristotélica, podemos afirmar que a ética, também, origina-se na reflexão sobre a conduta humana, que tanto nos deixa espantados, admirados e perplexos.

Alguns posicionamentos bioéticos espantosos sobre a eugenia estão em debate no países do Atlântico Norte, lembrando que eugenia significa "bem-nascido".

Com base na obra "Contra a perfeição" de Michael J. Sandel, relata que Francis Galton, primo de Charles Darwin, em 1883, aplicou métodos estatísticos ao estudo da hereditariedade, e, com base nisso, defendeu uma nova filosofia naturalista da ciência:
O que a natureza faz às cegas, devagar e de modo grosseiro, os homens podem fazer de modo providente, rápido e gentil (...). O aprimoramento de nossa raça me parece ser um dos mais elevados objetivos que podemos buscar racionalmente (5)
 
Em 1910 Charles B. Davenport abriu o Eugenic Records Office em Cold Spring Harbor, Long Island, para desenvolver pesquisas no sentido de evitar a reprodução dos geneticamente desqualificados.


Margaret Sanger, pioneira do feminismo e do controle de natalidade defendia a eugenia, para que "Mais crianças dos qualificados, menos dos desqualificados – essa é a principal questão do controle de natalidade" (6)



Nos anos 1920 cursos de eugenia eram ministrados em 350 faculdades e universidades dos Estados Unidos, para alertar os jovens americanos para o seu dever reprodutor.

Em 1907 o Estado de Indiana adotou a primeira lei de esterilização compulsória para pacientes mentais, prisioneiros e miseráveis, e que 29 Estados americanos acabaram adotando leis de esterilização compulsória "e mais de 60 mil americanos geneticamente ‘defeituosos’ foram esterilizados” (7).

Em 1933 Hitler promulgou uma ampla lei de esterilização que arrancou elogios dos eugenistas americanos, mas ao fim da Segunda Guerra Mundial, as atrocidades cometidas provocaram o recuo do movimento eugenista norte-americano.



Atualmente, vieram à tona diversos dilemas relativos à engenharia genética e clonagem humana, e, assim criou-se um debate em que:


Os críticos da engenharia genética argumentam que a clonagem humana, o melhoramento genético e a busca por crianças feitas sob encomenda não passam de eugenia ‘privatizada’ ou de ‘livre mercado’. Já os defensores retrucam que as escolhas genéticas feitas livremente não são eugenia, pelo menos não no sentido pejorativo do termo. Retirar o aspecto da coerção, argumentam, é retirar aquilo que torna a eugenia repugnante. (8)

O filósofo do direito Ronald Dworkin também defende uma versão liberal da eugenia. Não há nada de errado na ambição ‘de tornar a vida das futuras gerações de seres humanos mais longa e repleta de talentos e, portanto, de conquistas’, escreve Dworkin. ‘Pelo contrário, se brincar de Deus significa lutar para melhorar a nossa espécie, e trazer para nosso projeto consciente a resolução de melhorar o que Deus deliberadamente ou a natureza cegamente fizeram evoluir ao longo de éons, então o primeiro princípio do individualismo ético comanda essa luta’[...] (9)

Intervir geneticamente para selecionar ou melhorar as crianças é censurável, argumenta Habermas, porque viola os princípios liberais de autonomia e igualdade. Viola a autonomia porque os indivíduos geneticamente programados não podem encarar a si mesmos como os ‘únicos autores de sua própria história de vida’ e prejudica a igualdade na medida em que destrói ‘as relações essencialmente simétricas entre seres humanos livres e iguais’ ao longo das gerações. (10)

[...] a eugenia perpetrada pelos pais é censurável porque expressa e estabelece certa atitude diante do mundo – uma atitude de dominação, que não valoriza o caráter de dádiva das potências e conquistas humanas e desconsidera aquela parcela da liberdade que consiste em uma persistente negociação com aquilo que nos é dado. (11)

Num mundo social que preza o domínio e o controle, a experiência de ser pai ou mãe é uma escola de humildade. O fato de nos importarmos profundamente com nossos filhos mas não podermos escolher o tipo de filhos que queremos ensina os pais a se abrirem ao imprevisto. (12)

Os maiores riscos são de dois tipos. Um deles envolve o destino dos bens humanos encarnados em importantes práticas sociais – os preceitos do amor incondicional e abertura ao imprevisto, no caso da experiência parental; a celebração dos talentos e dos dons naturais nas artes e nos esportes; a humildade diante do privilégio próprio e a disposição de partilhar os frutos da sua boa fortuna por meio de mecanismos de solidariedade social. O outro diz respeito a nossa orientação em relação ao mundo que habitamos e ao tipo de liberdade ao qual aspiramos (13)
[...] é possível ver a engenharia genética como a expressão máxima de nossa decisão de subjugar o mundo, como mestres de nossa própria natureza. Essa visão da liberdade, entretanto, é falha. Ela ameaça banir a valorização da vida como dádiva e nos deixar sem nada para defender ou contemplar além da nossa própria vontade. (14)

Os fundamentos da eugenia, que resultam do molde teórico darwinista, exigem o sacrifício dos menos aptos no altar da religião da razão científica, que possui a fé no naturalismo materialista e nihilista.

Se, no teatro de nossos pensamentos, buscarmos base de conduta moral, em teorias que se definem na necessidade de preservação dos mais aptos, naturalmente, seremos encaminhados, por tais raciocínios supostamente científicos, a sermos defensores da eugenia.

A eugenia é um método de eliminação sistemática dos menos aptos, com base numa metodologia científica de ideologia darwinista, não importa se tal modelo de conduta moral é oriundo de um Poder de Império Estatal, ou é oriundo de um suposto liberalismo individualista que se justifica em alegadas boas intenções, ambas as posturas possuem fundamento último na "vontade de poder" ao gosto de Nietzsche.



NOTAS:

(1) Aristóteles, Metafísica, 982b 10, Volume II, 5.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015, p. 11
(2) loc. cit.
(3) SANDEL, Michael J. Contra a perfeição : ética na era da engenharia genética; tradução Ana Carolina Mesquita. – 1.ed. – Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2013, p. 77
(4) op. cit, p. 78
(5) op. cit., p. 79
(6) op. cit., p. 81
(7) op. cit., p. 88
(8) op. cit., p. 91
(9) op. cit., p. 93
(10) op. cit., p. 98
(11) op. cit., p. 107
(12) op. cit., p. 109

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

RENÉ GIRARD: O RISO E AS LÁGRIMAS

Abaixo transcrevo uma passagem do artigo "Um equilíbrio perigoso", no qual René Girard tece considerações muito interessantes a respeito do papel do riso e do choro como elementos catárticos, tanto na tragédia como na comédia, e, como ambos são fenômenos fisiologicamente semelhantes, e, como, psicologicamente, cumprem o mesmo papel. 

"O esquema fundamental de um presunçoso vítima da sua presunção aparece constantemente. Mas se esta proximidade é real, porque é que os efeitos da tragédia são diferentes dos da comédia? 

Quando se assiste a uma tragédia, ou, mais geralmente, ao que se chama um "melodrama", podemos reagir derramando lágrimas - metafóricas ou mesmo reais. Com a comédia reage-se com o riso. O riso e as lágrimas opõem-se como dois contrários, duas emoções no mais alto grau distintas uma da outra.
 


Os dois são fenômenos físicos; neste plano a comparação é fácil. Revela bem depressa que a oposição entre o riso e as lágrimas é muito exagerada, ou antes, como para tantas oposições culturais, estabelecida a partir de uma base comum, o que se abandona geralmente quando prevalecem as considerações de gênero e de técnica literárias. Quando, fora do estreito contexto literário, se põe a pergunta: "O que é o riso?", é preciso descobrir esta base comum ainda escondida, sob pena de limitar o alcance da resposta.

 


Os fisiologistas dizem que a função normal das lágrimas é lubrificar os olhos. Mas deitam-se lágrimas mais abundantes que habitualmente, sobretudo em duas ocasiões. Em  primeiro lugar, quando acontecimentos considerados como "tristes", quer sejam reais ou representados, provocam este estado emocional de que acabámos de falar; depois, quando entra  para um olho um corpo estranho, um grão de pó, por exemplo, que irrita. Estas lágrimas, de ordem puramente física, têm como evidente função de afastar o intruso, expulsá-lo do órgão que ele insiste querer irritar. (p. 201)

Sabe-se que Aristóteles,  na sua Poética, empregava a palavra catarse para representar o efeito produzido pela tragédia nos espectadores. A palavra significa ao mesmo tempo purificação religiosa e purga médica. Uma medicina catártica purga o corpo de seus maus humores.
 
[...]
 
Quando o corpo humano reage a uma representação trágica com lágrimas, parece comportar-se segundo Aristóteles. Apesar de o olho não ter nenhum grão de pó para eliminar, funciona contudo como se tivesse que expulsar qualquer coisa. Deve existir, em qualquer lado no complexo alma/corpo, uma necessidade de expulsar, uma vez que dispomos desse órgão expulsivo. A objeção que as lágrimas não são feitas para isso é inaceitável. Porque o olho funciona metaforicamente. Face a uma necessidade do corpo, o corpo, muito frequentemente, reage como um todo; mobiliza diversos órgãos que, apesar de completamente inaptos para responderem à função pedida, não deixam de tentar trazer a sua ajuda. E pode acontecer que esta reacção aparentemente excessiva seja reveladora da natureza da necessidade em questão.


William James



Não é minha intenção voltar a William James e à sua teoria fisiológica. Não considero o corpo como origem da emoção mas, mais convencionalmente, como um acompanhamento, quase no sentido musical do termo. Assim como um solista, aqui invisível e inaudível, em todo o caso para nós, se acompanha ao piano, da mesma maneira o sentimento trágico se acompanha com lágrimas. (p. 201-2)
 
[...]
 
Para voltarmos agora ao rito, notar-se-á que as lágrimas fazem parte integrante dele. Trata-se de um detalhe que conta mas que se minimiza ou abandona muitas vezes. Porque queremos à viva força opor o riso e as lágrimas como dois contrários, somos levados a pôr o acento nos únicos aspectos do riso que parecem diferenciá-lo do choro. Mas aqui as considerações teóricas importam muito menos do que aquilo que se poderia chamar a praxis moderna do riso. O homem moderno ri constantemente quando não há razão para isso. O riso é a única forma socialmente aceite de cartase. Por conseguinte, todas as espécies de riso que não têm nada a ver com o riso são confundidas com ele: o riso de cortesia, o riso sofisticado, o riso mudano. Todos estes falsos risos aumentam muitas vezes a tensão que devem aliviar e, naturalmente, não se acompanham com manifestações autênticas e involuntárias como as lágrimas.

 
Fonte: http://www.institutodafelicidade.org.br/?pg=riso


Apesar dos sintomas físicos do riso se imitarem mais facilmente do que os das lágrimas, tornam-se também involuntários e reprimíveis quando se trata do verdadeiro riso. O corpo inteiro é agitado por convulsões; o ar é rapidamente expulso para fora das vias respiratórias graças aos movimentos reflexos análogos à tosse ou ao espirro. Todas estas manifestações têm a mesma função que as lágrimas visto que o corpo age como se tivesse qualquer coisa de concreto a expulsar. A única diferença é que um número maior de órgãos entra em jogo no riso.
 
O que se aproxima mais de um riso puramente natural e físico é sem dúvida a reacção do nosso corpo a uma sensação de cócegas. Analisada só em função da sua intensidade, esta reacção parece fora de proporção com a fraqueza do estímulo mas pode muito bem acontecer que corresponda à verdadeira natureza da ameaça não ainda identificada. Num contexto de hostilidade natural, poderia acontecer que uma ameaça de morte iminente, uma mordedura de cobra, por exemplo, não fosse precedido por nenhum outro aviso a não ser umas ligeiras cócegas. O carácter desconhecido e não precisamente localizado do estímulo, pelo menos no imediato, aumenta a intensidade da reacção.
 
O riso, noutros termos, sobretudo nas formas menos "culturais", parece significar, exactamente como as lágrimas, que devemos livrar-nos de alguma coisa; mas essa qualquer coisa é aqui mais importante e deve ser eliminada mais depressa do que no caso de simples choros. Se o corpo é a orquestra, o solista invisível e inaudível é acompanhado por um número muito maior de instrumentos. (p. 203-4)

Note-se também que a partir de uma certa intensidade as lágrimas se transformam em soluços e acabam por se parecer cada vez mais com o riso. Diz-se de alguém cujo riso é incontrolável, que ri portanto verdadeiramente e não finge, que chora a rir. (p. 204-5)
 
Há por conseguinte entre o riso e as lágrimas uma diferença não de natureza mas de grau, residindo precisamente o verdadeiro paradoxo na maneira como se marca esta diferença. Ao inverso do que dita o senso comum, o elemento de crise é mais agudo no riso que nas lágrimas. O riso parece mais próximo de um paroxismo tendendo a traduzir-se por verdadeiras convulsões, mais próximo de um esforço frenético de rejeição e de expulsão. Mas do que as lágrimas, é assimilável a uma reacção negativa de todo o ser a um perigo que lhe parece intransponível. (p. 205)
 
[...]
 
Ri-se verdadeiramente de qualquer coisa que poderia e, num sentido, deveria acontecer a qualquer pessoa que ri, incluindo nós. Creio que isto mostra claramente a natureza da ameaça, despercebida mas sempre presente, contra a qual o riso não pára de se defender, a do objecto ainda não identificado que precisa de se expulsar. A pessoa que ri está prestes a ser anexada pela estrutura de que a sua vítima já faz parte. Enquanto ri, acolhe e rejeita ao mesmo tempo a percepção desta estrutura na qual o objecto do seu riso já está preso; acolhe-a de boa vontade na medida em que é outro que não ele que é apanhado na armadilha, mas ao mesmo tempo tenta mantê-la à distância. A estrutura, que nunca é individual, tende a fechar-se sobre a pessoa que ri. Compreende-se agora porque é que o riso, mais do que as lágrimas, tem as propriedades de uma crise; a estrutura é muito mais visível no cómico do que no trágico; a autonomia do espectador é nela mais imediatamente e mais gravemente ameaçada. (p. 209)
 
[...]
 
O riso físico, como dissemos, tem como objectivo repelir uma agressão vinda do exterior e de proteger o corpo contra uma eventual intrusão. mas as quase convulsões do riso, se se prolongam, acabam por resultar no desmoronamento desde domínio de si que deveriam preservar. O verdadeiro riso torna-nos fracos e reduz-nos quase a uma semi-impotência. (p. 210)

René Girard, A voz desconhecida do real: uma teoria dos mitos arcaicos e modernos, Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

É BOM CITAR: ÉTICA A NICÔMACO E O PRINCÍPIO DA VERDADE SUFICIENTE



"Toda a perícia e todo o processo de investigação, do mesmo modo todo o procedimento prático e toda a decisão, parecem lançar-se para um certo bem. É por isso que tem sido dito acertadamente que o bem é aquilo por que tudo anseia." (1094a 1) (p. 17)

"Parece, contudo, haver uma diferença entre os fins: uns são, por um lado, as atividades puras; outros, por outro lado, certos produtos. Há, pois, fins que existem para além das suas produções. Nesse caso, os produtos do trabalho são naturalmente melhores do que as meras atividades que os originam." (1094a 5) (p. 17)

"Sendo diversos os procedimentos práticos, as perícias e as ciências, assim também são diversos os respectivos fins. Assim é, por exemplo, o caso da saúde relativamente à medicina, da embarcação relativamente à construção naval, da vitória relativamente à estratégia militar, da riqueza relativamente à economia." (1094a 10) (p. 17)

"Um tal saber poderá ser compreendido suficientemente, se se ganhar toda a transparência que a matéria em análise permitir." (1094b 11) (p. 19)

"É que, de fato, não tem de se procurar um mesmo grau de rigor para todas as áreas científicas, tão pouco para todas as perícias. As manifestações de nobreza e o sentido da justiça nas ações humanas, sentidos visados pela perícia política, envolvem uma grande diferença de opinião e muita margem para erro, tanto que parecem existir apenas por convenção e não por natureza." (1094b 15) (p. 19)

"Uma mesma margem de erro parece envolver o que se possa entender por 'coisas boas', por delas poderem resultar perdas e danos para muitos. É que muitos houve já que se perderam por causa da riqueza, outros ainda por causa da coragem que quiseram exibir ." (1094b 15) (p. 19)

"Damo-nos, portanto, por satisfeitos se, ao tratarmos destes assuntos, a partir de pressupostos que admitem margem de erro, indicarmos a verdade grosso modo, segundo uma sua caracterização apenas nos seus traços essenciais. Pois, para o que acontece apenas o mais  das vezes, com pressupostos compreendidos apenas grosso modo e segundo uma sua caracterização apenas nos traços essenciais, basta que as conclusões a que chegarmos tenham o mesmo grau de rigor." (1094b 20) (p. 19)

"Na verdade, parece um erro equivalente aceitar conclusões aproximadas a um matemático e exigir demonstrações a um orador." (1094b 25) (p. 19)

"[...] Ora, as áreas de saber em causa dependem dos sentidos fixados a partir da experiência das situações da vida e são essas mesmas situações da vida que, em última análise, constituem o seu próprio tema." (1095a 1) (p. 19)

"[...] o objetivo final desta investigação não é constituir um saber teórico, mas agir." ." (1095a 5) (p. 19)

"[...] não há nenhum diferença se a juventude diz respeito à idade ou à natureza imatura do caráter. A deficiência não se constitui pelo tempo, mas por se viver exposto às paixões e se deixar ir atrás de cada uma delas." (1095a 5) (p. 19-20)

domingo, 23 de outubro de 2016

A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS


A articulação do conhecimento é processada de infinitas formas e por meio de inúmeras ferramentas.

Um realista ingênuo como este escriba pode decidir-se a percorrer o caminho da linguagem tal como sugerido por Aristóteles, em especial na forma tão ricamente traduzida por Olavo de Carvalho, num crescendo que sai da raiz fincada no complexo da realidade, um contínuo espaço temporal tornado em realidade discreta pela percepção sensível, que se projeta por meio de imagens em sonhos, que transladam a linguagem poética e sua unicidade estética.

O gosto artístico rompe-se em divergências opinativas, e a política surge das posições retóricas que geram conflitos pelo predomínio de uma das idéias.

A necessidade de auto-conservação permite o estabelecimento de regras normativas à discussão, o que torna a briga em debate, e a discussão em dialética, num torneio desportivo em que o juiz é a razão que a tudo se propõe a igualar.

E, por fim, quando os contendores se dão por satisfeitos estabelece-se o texto que regerá a opinião comum dos doutores, que sob a desculpa de criar teses científicas, acaba por coisificar a linguagem já tornada toda nua de suas roupagens primaveris, mas não menos carregada de mitologia, pois idéia regida pela imaginação permaneceu.


E esta é a Teoria dos Quatro Discursos na qual Olavo de Carvalho definiu o Organon Aristotélico como uma articulação, dinâmica na chave evolutiva e estática na análise descritiva, de Poética, Retórica, Dialética e Analítica, como quatro espécies de linguagem que se justapõem e se entrelaçam no vórtice da comunicação.

Werner Nabiça Coêlho - 02/09/2016

domingo, 22 de maio de 2016

DIREITOS HUMANOS E BIODIREITO - MATERIAL DA AULA MINISTRADA EM 21/05/2016

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL ENSINO EM SAÚDE NA AMAZÔNIA
DIREITOS HUMANOS E BIODIREITO
RODA DE CONVERSA
WERNER NABIÇA COÊLHO


Ao ser convidado a participar desta roda de conversa sobre um novo ramo da ciência jurídica, denominado biodireito, confesso que me vi na desconcertante e agradável situação de buscar a definição de tal termo.

E, uma vez que passei a vista em alguns artigos, com suas respectivas definições doutrinárias, acabei descobrindo que biodireito é a positivação das regras e princípios da bioética.

Vejamos o que Enéas Castilho Chiarini Júnior diz a respeito do tema:

2.2 - Bioética: Macro-bioética e micro-bioética
Quanto à Bioética, esta poderia ser considerada, de forma bem simplificada, como sendo a ética da vida -Bio + Ética.
Neste sentido, poder-se-ia dividir a Bioética em dois grandes ramos: Macro-bioética e Micro-bioética.

Macro-bioética seria a ética que visa o bem da vida em sentido amplo -direcionada ao macro-sistema da vida-, e estaria diretamente ligada ao meio ambiente e ao Direito Ambiental.

Neste contexto, Bioética seria um modelo de conduta que pudesse ser capaz de trazer o bem ao meio-ambiente.

Em decorrência da macro-bioética ter-se-ia um código de condutas que deveriam ser seguidas em todo tipo de ação humana -principalmente nas experimentações científicas- que pudesse trazer como conseqüência uma alteração -quer seja benéfica, quer seja prejudicial- ao meio-ambiente.

A micro-bioética, por sua vez, surgiria de uma restrição do objeto da bioética. Seria a ética da vida humana.

Neste contexto, Bioética seria um modelo de conduta que procurasse trazer o bem à Humanidade como um todo, e, ao mesmo tempo, a cada um dos indivíduos componentes da Humanidade.

É neste sentido que, perante os avanços médico-científico-tecnológicos, tem-se utilizado os termos "Bioética" e "Biodireito", no sentido de proteção da vida humana, principalmente com o intuito de proteger todos os seres humanos que estejam direta, ou indiretamente, envolvidos em experimentos científicos.

2.3 - Biodireito

Desta forma, chega-se ao conceito de "Biodireito", que seria, justamente, a positivação -ou a tentativa de positivação- das normas bioéticas.

Biodireito seria, portanto, a positivação jurídica de permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo descumprimento destas normas.

Biodireito é um termo que pode ser entendido, também, no sentido de abranger todo o conjunto de regras jurídicas já positivadas e voltadas a impor -ou proibir- uma conduta médico-científica e que sujeitem seus infratores às sanções por elas previstas.

Desta maneira, pode-se dizer de forma mais concisa que Biodireito é o conjunto de leis positivas que visam estabelecer a obrigatoriedade de observância dos mandamentos bioéticos, e, ao mesmo tempo, é a discussão sobre a adequação -sobre a necessidade de ampliação ou restrição- desta legislação (1)

Tudo bem! Então biodireito é a positivação das normas desenvolvidas pela reflexão bioética!

Para quem não é do ramo jurídico, esta definição é cabalística, afinal, o que é positivação?

Bom, como minha carreira docente é eminentemente de professor da disciplina de introdução ao estudo do direito, devo ministrar uma breve aula sobre o assunto, então vamos lá:

  1. O Direito é um fenômeno social, cuja diferença específica das demais situações normativas sociais é destacado pelo uso da força socialmente organizada para imposição de sua obrigatoriedade, em suma, o direito é uso organizado e legítimo da violência social;

  1. As normas jurídicas, portanto, são normas sociais obrigatórias e impostas com base no uso da força, o que tecnicamente é denominado de coercibilidade jurídica, quando previsto em abstrato na regra, e coatividade jurídica quando a regra é aplicada por meio de sanções jurídicas ao caso concreto (multas, penas, prisões, perda de direitos, restrições de direitos, indisponibilidade de bens, etc.);

  1. Ora, o objeto da ciência jurídica é o conjunto de todas as normas jurídicas, que podem ser classificadas inicialmente num grande conjunto universo, ou seja, algo que é tradicionalmente denominado de direito objetivo, pois as normas sociais são exteriores ao sujeito submetido por elas, são obstáculos que devem ser considerados, são pedras de tropeço na vida de cada um, que em caso de desobediência podem gerar severas consequências impostas pelo corpo social;

  1. Dentro deste conjunto podem ser identificadas normas jurídicas oriundas de condutas reiteradas consideradas obrigatórias, como os costumes, de ajustes contratuais voluntários, de decisões judiciais, de atos da Administração Pública, mas, no conjunto de tantas espécies, aquela que serve de principal objeto de estudo para a ciência jurídica é a norma legal, também denominada de direito positivo;

  1. Não se deve confundir a expressão direito positivo como algo oriundo da escola filosófica e/ou sociológica do Positivismo de Augusto Comte, que nos influenciou na escolha da frase de nossa bandeira nacional;

  1. Quanto tratamos da idéia de direito positivo, como direito legal, cuja fonte é a norma jurídica positiva, estamos a falar de uma norma social de caráter jurídico, promovida mediante um processo legislativo próprio, operado por autoridade competente, que possui os requisitos formais da publicidade, imperatividade, abstração, generalidade, vigência e eficácia, se levarmos em contra o modelo proposto por Kelsen, há ainda formas mais sofisticadas de ser abordado o tema da norma jurídica, como no caso de utilização do marco teórico das teorias retóricas, que analisam a norma jurídica com base numa abordagem linguística (2);

  1. Em síntese, quando o Estado cria norma legais (direito positivo) que tratam de assuntos relacionados ao comportamento bioético, teremos o biodireito.

Agora é o momento de ser ressaltado que não existem ramos do direito autônomos ou independentes entre si, o que há é uma unidade fenomênica no universo jurídico.

A unidade do direito é um princípio pela qual se compreende que as normas se estruturam na forma de uma sistema normativo aberto às influências do meio social, e, portanto, quando se realiza uma divisão do direito em seus diversos ramos, tal metodologia tem valor meramente didático.

Assim sendo, quando se fala em biodireito, indica-se a existência de um conjunto de normas jurídicas que objetivam regular condutas éticas resultantes das consequências dos avanços tecnológicos, que afetam a qualidade de vida, tanto em seu aspecto individual como em uma abrangência ambiental.

Todavia, se biodireito é a formalização jurídica das regras aplicáveis com fundamento na bioética, então, deve-se questionar: que é bioética?

Bioética é um ramo da ética, e a ética por sua vez é um galho que emerge da grande árvore da reflexão filosófica, esta é uma planta cuja origem está no afeto do ser humano ao bem, e ao natural sentimento de dúvida e admiração que resulta do conhecimento da própria ignorância, neste passo citamos Aristóteles que ao tratar da definição de filosofia como ciência que "deve especular sobre os princípios e as causas, pois o bem e o fim das coisas é uma causa"(3) nos ensina:

De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre maiores [...]. Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito com efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis. De modo que, se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância, é evidente que buscavam o conhecimento unicamente em vista do saber e não por alguma utilidade prática. (4)

Esta tradução descreve a origem do filosofar na admiração, há outras traduções que no lugar de admiração apresentam o termo espanto, o que dá uma conotação até poética ao momento filosófico em seu sentido humano.

A reflexão filosófica principia pelo espanto e pela perplexidade, pois bem, diante da perspectiva aristotélica podemos afirmar que a ética, também, origina-se na reflexão sobre a conduta humana, que tanto nos deixa espantados, admirados e perplexos.

Vamos, agora, tratar de alguns posicionamentos bioéticas espantosos relativos aos direitos humanos, e levantamos como exemplo o polêmico tema relativo à eugenia, que está em debate no países do Atlântico Norte, lembrando que eugenia significa bem-nascido.

Sandel noticia que Francis Galton, primo de Charles Darwin, em 1883 aplicou métodos estatísticos ao estudo da hereditariedade, com base nisso defendeu uma nova religião, pois dizia:

O que a natureza faz às cegas, devagar e de modo grosseiro, os homens podem fazer de modo providente, rápido e gentil (...). O aprimoramento de nossa raça me parece ser um dos mais elevados objetivos que podemos buscar racionalmente (5)

Em 1910 Charles B. Davenport abriu o Eugenic Records Office em Cold Spring Harbor, Long Island, para desenvolver pesquisas no sentido de evitar a reprodução dos geneticamente desqualificados.

Margaret Sanger, pioneira do feminismo e do controle de natalidade defendia a eugenia, para que "Mais crianças dos qualificados, menos dos desqualificados – essa é a principal questão do controle de natalidade" (6)

Nos anos 1920 cursos de eugenia em ministrados em 350 faculdades e universidades dos Estados Unidos, para alertar os jovens americanos para o seu dever reprodutor.

Sandel relata, ainda, que em 1907 o estado de Indiana adotou a primeira lei de esterilização compulsória para pacientes mentais, prisioneiros e miseráveis, e que 29 Estados americanos acabaram adotando leis de esterilização compulsória "e mais de 60 mil americanos geneticamente ‘defeituosos’ foram esterilizados” (7).

Em 1933 Hitler promulgou uma ampla lei de esterilização que arrancou elogios dos eugenistas americanos, mas ao fim da Segunda Guerra Mundial, as atrocidades cometidas provocaram o recuo do movimento eugenista norte-americano.

Atualmente, vieram à tona diversos dilemas relativos à engenharia genética e clonagem humana, pelo que cito abaixo algumas passagens muito interessantes a respeito do debate suscitado nos Estados Unidos:

Os críticos da engenharia genética argumentam que a clonagem humana, o melhoramento genético e a busca por crianças feitas sob encomenda não passam de eugenia ‘privatizada’ ou de ‘livre mercado’. Já os defensores retrucam que as escolhas genéticas feitas livremente não são eugenia, pelo menos não no sentido pejorativo do termo. Retirar o aspecto da coerção, argumentam, é retirar aquilo que torna a eugenia repugnante. (8)

O filósofo do direito Ronald Dworkin também defende uma versão liberal da eugenia. Não há nada de errado na ambição ‘de tornar a vida das futuras gerações de seres humanos mais longa e repleta de talentos e, portanto, de conquistas’, escreve Dworkin. ‘Pelo contrário, se brincar de Deus significa lutar para melhorar a nossa espécie, e trazer para nosso projeto consciente a resolução de melhorar o que Deus deliberadamente ou a natureza cegamente fizeram evoluir ao longo de éons, então o primeiro princípio do individualismo ético comanda essa luta’[...] (9)

Intervir geneticamente para selecionar ou melhorar as crianças é censurável, argumenta Habermas, porque viola os princípios liberais de autonomia e igualdade. Viola a autonomia porque os indivíduos geneticamente programados não podem encarar a si mesmos como os ‘únicos autores de sua própria história de vida’ e prejudica a igualdade na medida em que destrói ‘as relações essencialmente simétricas entre seres humanos livres e iguais’ ao longo das gerações. (10)

a eugenia perpetrada pelos pais é censurável porque expressa e estabelece certa atitude diante do mundo – uma atitude de dominação, que não valoriza o caráter de dádiva das potências e conquistas humanas e desconsidera aquela parcela da liberdade que consiste em uma persistente negociação com aquilo que nos é dado. (11)

Num mundo social que preza o domínio e o controle, a experiência de ser pai ou mãe é uma escola de humildade. O fato de nos importarmos profundamente com nossos filhos mas não podermos escolher o tipo de filhos que queremos ensina os pais a se abrirem ao imprevisto. (12)

Os maiores riscos são de dois tipos. Um deles envolve o destino dos bens humanos encarnados em importantes práticas sociais – os preceitos do amor incondicional e abertura ao imprevisto, no caso da experiência parental; a celebração dos talentos e dos dons naturais nas artes e nos esportes; a humildade diante do privilégio próprio e a disposição de partilhar os frutos da sua boa fortuna por meio de mecanismos de solidariedade social. O outro diz respeito a nossa orientação em relação ao mundo que habitamos e ao tipo de liberdade ao qual aspiramos (13)

é possível ver a engenharia genética como a expressão máxima de nossa decisão de subjugar o mundo, como mestres de nossa própria natureza. Essa visão da liberdade, entretanto, é falha. Ela ameaça banir a valorização da vida como dádiva e nos deixar sem nada para defender ou contemplar além da nossa própria vontade. (14)

Podemos buscar os fundamentos da eugenia numa certa postura científica de molde darwinista, pois modernamente vivenciamos o mito da soberania do método científico, e um dos livros sagrados da ciência contemporânea é a Origem das Espécies.

Logo, se no teatro de nossos pensamentos buscamos como nossa base de conduta moral uma teoria que define a necessidade de preservação somente dos mais aptos, naturalmente, seremos defensores da eugenia, que é um método de eliminação sistemática dos menos aptos, com base numa metodologia científica.

Agora, faço uma citação de alguns textos legais em vigor no Brasil, e levemos a leitura dos mesmos para o campo da reflexão bioética, em matéria de nascituro no Código Civil (15) e na Lei nº 11.804/2008 (16), que disciplinou os alimentos gravídicos:

Código Civil

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

Lei nº 11.804/2008

Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Os citados dispositivos da legislação civil que definem direitos ao nascituro de: ser donatário, ser curatelado, ser herdeiro e ser alimentando, inclusive, é importante mencionar o art. 1.798 do Código Civil que refere-se as pessoas nascidas ou já concebidas, postos estes elementos podemos abordar em nossa roda de conversa uma série de decisões judiciais e outros temas normativos relacionados à bioética e aos direitos humanos que vieram à tona nos últimos anos.

NOTAS:
(1) Enéas Castilho Chiarini Júnior, Noções introdutórias sobre Biodireito, acesso em 19/05/2016, disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4141
(2) Nilson Nunes da Silva Junior, Breves considerações sobre o conceito de norma jurídica, acesso em 19/05/2016, disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7276
(3) Aristóteles, Metafísica, 982b 10, Volume II, 5.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015, p. 11
(4) Aristóteles, Metafísica, 982b 10-20, Volume II, 5.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015, p. 11
(5) SANDEL, Michael J. Contra a perfeição : ética na era da engenharia genética; tradução Ana Carolina Mesquita. – 1.ed. – Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2013, p. 77
(6) op. cit, p. 78
(7) op. cit., p. 79
(8) op. cit., p. 81
(9) op. cit., p. 88
(10) op. cit., p. 91
(11) op. cit., p. 93
(12) op. cit., p. 98
(13) op. cit., p. 107
(14) op. cit., p. 109
(15) BRASIL. Lei Ordinária n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Diário da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11/02/2002
(16) BRASIL. Lei Ordinária n.º 11.804, de 05 de novembro de 2008 Diário da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 06/11/2008

ANEXOS

Acórdão STF - Direito à Saúde- Fornecimento de Medicamentos - Solidariedade Entes Federativos
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida. 5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido.

(RE 607381 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 31/05/2011, DJe-116 DIVULG 16-06-2011 PUBLIC 17-06-2011 EMENT VOL-02546-01 PP-00209)




STF e o processo que liberou pesquisas com células-tronco embrionárias

O Supremo Tribunal Federal julgou que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana. Esses argumentos foram utilizados pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3510) ajuizada com o propósito de impedir essa linha de estudo científico.
Para seis ministros, portanto a maioria da Corte, o artigo 5º da Lei de Biossegurança não merece reparo. Votaram nesse sentido os ministros Carlos Ayres Britto, relator da matéria, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello.
Os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes também disseram que a lei é constitucional, mas pretendiam que o Tribunal declarasse, em sua decisão, a necessidade de que as pesquisas fossem rigorosamente fiscalizadas do ponto de vista ético por um órgão central, no caso, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Essa questão foi alvo de um caloroso debate ao final do julgamento e não foi acolhida pela Corte.
Outros três ministros disseram que as pesquisas podem ser feitas, mas somente se os embriões ainda viáveis não forem destruídos para a retirada das células-tronco. Esse foi o entendimento dos ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski e Eros Grau. Esses três ministros fizeram ainda, em seus votos, várias outras ressalvas para a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no país.
Veja abaixo os argumentos de cada ministro, na ordem de votação da matéria.
Carlos Ayres Britto (relator)
Relator da ADI 3510, o ministro Carlos Ayres Britto votou pela total improcedência da ação. Fundamentou seu voto em dispositivos da Constituição Federal que garantem o direito à vida, à saúde, ao planejamento familiar e à pesquisa científica. Destacou, também, o espírito de sociedade fraternal preconizado pela Constituição Federal, ao defender a utilização de células-tronco embrionárias na pesquisa para curar doenças.
Carlos Britto qualificou a Lei de Biossegurança como um “perfeito” e “bem concatenado bloco normativo”. Sustentou a tese de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano. Segundo ele, tem que haver a participação ativa da futura mãe. No seu entender, o zigoto (embrião em estágio inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro formado.
Ele se reportou, também, a diversos artigos da Constituição que tratam do direito à saúde (artigos 196 a 200) e à obrigatoriedade do Estado de garanti-la, para defender a utilização de células-tronco embrionárias para o tratamento de doenças.
[...]
Carlos Alberto Menezes Direito
De forma diversa do relator, o ministro Menezes Direito julgou a ação parcialmente procedente, no sentido de dar interpretação conforme ao texto constitucional do artigo questionado sem, entretanto, retirar qualquer parte do texto da lei atacada. Segundo Menezes Direito, as pesquisas com as células-tronco podem ser mantidas, mas sem prejuízo para os embriões humanos viáveis, ou seja, sem que sejam destruídos.
Em seis pontos salientados, o ministro propõe ainda mais restrições ao uso das células embrionárias, embora não o proíba. Contudo, prevê maior rigor na fiscalização dos procedimentos de fertilização in vitro, para os embriões congelados há três anos ou mais, no trato dos embriões considerados "inviáveis", na autorização expressa dos genitores dos embriões e na proibição de destruição dos embriões utilizados , exceto os inviáveis. Para o ministro Menezes Direito, “as células-tronco embrionárias são vida humana e qualquer destinação delas à finalidade diversa que a reprodução humana viola o direito à vida”.
[...]
Joaquim Barbosa
Ao acompanhar integralmente o voto do relator pela improcedência da ação, o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que a permissão para a pesquisa com células embrionárias prevista na Lei de Biossegurança não recai em inconstitucionalidade. Ele exemplificou que, em países como Espanha, Bélgica e Suíça, esse tipo de pesquisa é permitida com restrições semelhantes às já previstas na lei brasileira, como a obrigatoriedade de que os estudos atendam ao bem comum, que os embriões utilizados sejam inviáveis à vida e provenientes de processos de fertilização in vitro e que haja um consentimento expresso dos genitores para o uso dos embriões nas pesquisas. Para Joaquim Barbosa, a proibição das pesquisas com células embrionárias, nos termos da lei, “significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e os benefícios que dele podem advir”.
[...]
Gilmar Mendes
Para o ministro, o artigo 5º da Lei de Biossegurança é constitucional, mas ele defendeu que a Corte deixasse expresso em sua decisão a ressalva da necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde. Gilmar Mendes também disse que o Decreto 5.591/2005, que regulamenta a Lei de Biossegurança, não supre essa lacuna, ao não criar de forma expressa as atribuições de um legítimo comitê central de ética para controlar as pesquisas com células de embriões humanos.
Publicado em 29 de maio de 2008 no site do STF



Zika Vírus: a biopolítica dos úteros
Controle das populações ganha nomes originais a depender da época. Já foi eugenia, agora é prevenção. Cada tempo teria sua biopolítica e seus inimigos do bem-estar, permitam-me lembrar Michel Foucault. O infeliz da vez é o zika vírus; e, com pouca originalidade, a população são os úteros das mulheres. O aumento na notificação de recém-nascidos com microcefalia em áreas endêmicas de dengue acendeu a hipótese de que haveria causalidade entre o zika e a má-formação. O Instituto Evandro Chagas encontrou o vírus em tecidos e sangue de um único bebê, e o alarde foi internacional: “Ministério da Saúde confirma relação entre zika vírus e microcefalia”.
Quanta ambiguidade e terror nesse anúncio. Em ciência, “relação” pode ser tudo e nada ao mesmo tempo. Há uma diferença entre causa e relação — o que precisamos saber é se o zika vírus causa a microcefalia no feto. Por que essa diferença importa? Porque relação pode ser erro científico — “o risco de sarampo é maior entre os consumidores de tomates” diz o quê? Que entre as pessoas que gostam de tomate, muitas tiveram sarampo, mas nada sobre a causa do sarampo. Não quero aqui contestar que uma nova descoberta científica possa estar em curso, apenas estranhar como uma hipótese, um único caso de relação comprovada, pode ter sido suficiente para um alerta de saúde pública com consequências importantes para as mulheres. E não quaisquer mulheres, mas as pobres e nordestinas.
Há tempos convivemos com a dengue. O mosquito Aedes aegypti é daqueles cujo nome científico é conhecido sem decoreba de escola. A dengue é doença da vida comum, todas nós conhecemos alguém que já sentiu as dores cortantes do vírus da dengue. A microcefalia no feto é outra ordem de inquietação sanitária — a má-formação não tem cura e, mesmo o diagnóstico sendo feito intraútero, não há direito ao aborto no Brasil. Os dados epidemiológicos anunciam um crescimento de dez vezes nos casos notificados — de pouco mais de cem nos últimos cinco anos, agora identificamos mais de mil recém-nascidos com microcefalia. E os casos são complexos: em alguns bebês, há múltiplas más-formações; em outros, apenas a microcefalia.
Se essa é uma “situação inédita para a pesquisa científica mundial”, segundo o Ministério da Saúde, para a história do controle dos corpos das mulheres, é repetição do já-vivido. A biopolítica tem nas mulheres alvo preferido — não se esperam certezas científicas para anunciar que a melhor prevenção da microcefalia é não engravidar; que para conter o crescimento populacional é preciso restringir número de filhos; que, para que não haja crianças na rua, esterilizar mulheres pobres seria a saída. Esse não é um bom anúncio. A única prevenção ao zika vírus é o controle do mosquito. O resto é política de saúde para amadores.
Debora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília, pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética e autora do livro “Cadeia: relatos sobre mulheres” (Civilização Brasileira). Este artigo é parte do falatório Vozes da Igualdade, que todas as semanas assume um tema difícil para vídeos e conversas. Para saber mais sobre o tema deste artigo, siga https://www.facebook.com/AnisBioetica.



REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Nem os planos de saúde, nem o Sistema Único de Saúde (SUS) são obrigados a custear técnicas de reprodução. Contudo, alguns casais já têm conseguido, por meio de decisões judiciais,que os planos de saúde arquem com todo o tratamento, inclusive até a paciente engravidar.

Quanto ao SUS, tramitam projetos de lei no Congresso Nacional que objetivam garantir esta cobertura. Hoje, apenas algumas unidades oferecem o tratamento. O Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Hospital das Clinicas de Belo Horizonte, são alguns deles.

O que mudou com a Resolução 2.121/15



Resolução 2.013/13 Resolução 2.121/15
Idade máxima para o recebimento de óvulos Até 50 anos Após 50 anos, condicionada à fundamentação técnica e científica e desde que médico e pacientes assumam os riscos em termo de consentimento livre e esclarecido.
Idade máxima para a doação de espermatozoides Até 50 anos Até 50 anos
Idade máxima para a doação de óvulos Até 35 anos Até 35 anos
Número de embriões implantados Mulheres com até 35 anos – até dois embriões; de 36 a 39 anos - até três; de 40 a 50 anos- quatro embriões (limite máximo). Regras foram mantidas
Doação de gametas Não determinava se era feminino ou masculino Permite apenas a doação de gametas masculinos e proíbe a doação pelas mulheres, salvo no caso detalhado no item doação compartilhada de óvulos.
Doação compartilhada de óvulos A mulher de até 35 anos em processo de processo de reprodução assistida pode doar óvulos para uma mulher que nos os produz mais, em troca de custeio de parte do tratamento. A doadora tem preferência sobre o material biológico produzido. Regras foram mantidas
Reprodução assistida feita por homossexuais e solteiros Homossexuais e solteiros são citados na resolução como elegíveis para o tratamento. O uso da reprodução assistida passa a ser permitido legalmente. Além das garantias anteriores, foi clarificada a situação das homossexuais femininas, permitindo a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade.
Descarte de embriões A clínica deverá manter os embriões congelados por 5 anos. Depois disso, podem descartar ou doar para estudos. A decisão sobre o destino dos embriões deve ser expressa por escrito pelos pacientes no momento da criopreservação. Manteve o prazo de 5 anos para o congelamento dos embriões antes do descarte e a necessidade de os pacientes expressarem por escrito o que deve ser feito depois desta data. Esclarece que a utilização dos embriões em pesquisas de células-tronco não é obrigatória.
Seleção genética para evitar doenças hereditárias Permite a seleção genética de embriões com o intuito de evitar que o bebê nasça com doenças hereditárias já apresentadas por algum filho do casal. Também passa a permitir o transplante de células-tronco desse bebê para o irmão mais velho. Veta a escolha do sexo do bebê em laboratório, com exceção dos casos de doenças ligadas ao sexo. Manteve os critérios anteriores. Esclarece que nos casos de seleções de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças, é possível a doação para pesquisa, ou o descarte.
Útero de substituição As doadoras temporárias do útero podem pertencer à família de um dos parceiros e ter até o grau de parentesco: mãe (1º grau), irmã (2º grau), tia (3º grau) ou prima (4º grau) Manteve as regras quanto ao grau de parentesco. Substituiu o termo “contrato” por “termo de compromisso” entre os pacientes e a doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação.
Fertilização post mortem Permite, desde que haja autorização prévia do falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado.




ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 DISTRITO FEDERAL RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) :CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE - CNTS
ADV.(A/S) :LUÍS ROBERTO BARROSO
INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo
absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações.
FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

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No julgamento, os ministros decidiram que médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem qualquer espécie de crime. Com a decisão, para interromper a gravidez de feto anencéfalo, as mulheres não precisam de decisão judicial que as autorize. Basta o diagnóstico de anencefalia.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio afirmou que “anencefalia e vida são termos antitéticos”. O ministro afirmou que existe, no caso, um conflito apenas aparente entre direitos fundamentais, já que não há qualquer possibilidade de o feto sem cérebro sobreviver fora do útero da mãe. O que estava em jogo, disse Marco Aurélio, é saber se a mulher que interrompe a gravidez de feto em caso de anencefalia tem de ser presa. Os ministros decidiram que não.

Conforme demonstrado, o feto anencéfalo não tem potencialidade de vida. Trata-se, na expressão adotada pelo Conselho Federal de Medicina e por abalizados especialistas, de um natimorto cerebral”, afirmou.

Na avaliação do ministro Celso de Mello, como a Lei de Doação de órgãos determina que o fim da vida se dá com a morte encefálica, um raciocínio semelhante pode ser adotado para determinar o começo da vida.

A atividade cerebral, referência legal para a constatação da existência da vida humana, pode, também, ‘a contrario sensu’, servir de marco definidor do início da vida, revelando-se critério objetivo para afastar a alegação de que a interrupção da gravidez de feto anencefálico transgrediria o postulado que assegura a inviolabilidade do direito à vida, eis que, nesses casos, sequer se iniciou o processo de formação do sistema nervoso central, pois inexistente, até esse momento, a figura da pessoa ou de um ser humano potencial.”

O decano do Supremo lembrou ainda que há várias teses científicas que discutem o início da vida, e que a Constituição não estabelece seu começo.
Teses sobre a vida
Tese
Marco inicial
Fundamentos Biológicos
Genética Fertilização — encontro do óvulo com o espermatozóide Com a fecundação, há a formação de estrutura celular com código genético único.
Embriológia 14º dia — completa-se a nidação (fixação do embrião na parede do útero) e a formação da linha primitiva (estrutura que dará origem à coluna vertebral) O embrião configura-se como estrutura propriamente individual: não pode se dividir em dois ou mais, nem se fundir com outro. Além disso, diferencia-se das estruturas celulares que formarão os anexos embrionários
Neurológica 8ª semana — aparecimento das primeiras estruturas que darão origem ao sistema nervoso central (SNC) / 20ª semana — completa a formação do SNC "per se" Baseada no mesmo argumento da morte cerebral: assim como a vida só termina com a parada dos sinais neurológicos, ela começa com o aparecimento das estruturas nervosas e/ou de seus sinais
Ecológica Entre a 20ª e a 24ª semanas — completa a formação dos pulmões, última estrutura vital a ficar pronta. Principal fundamentação da decisão da Suprema Corte norte-americana autorizando o aborto, refere-se à capacidade potencial do feto de sobreviver autonomamente fora do útero
Gradualista Não há Supõe a continuidade do processo biológico, no qual a vida é concebida como um ciclo. Neste sentido, a formação de um indivíduo começa com a dos gametas de seus pais ainda no útero das avós.

O ministro Gilmar Mendes votou pela descriminalização da prática, mas considerou, sim, que se trata de aborto. Para o ministro, o aborto de feto anencéfalo pode se encaixar nas hipóteses de exceção previstas no Código Penal em que o aborto não é considerado crime — em caso de risco à saúde da mãe e no de estupro.

O aborto de fetos anencéfalos está certamente compreendido entre as duas causas excludentes de ilicitude, já previstas no Código Penal, todavia, era inimaginável para o legislador de 1940. Com o avanço das técnicas de diagnóstico, tornou-se comum e relativamente simples descobrir a anencefalia fetal, de modo que a não inclusão na legislação penal dessa hipótese excludente de ilicitude pode ser considerada uma omissão legislativa não condizente com o espírito do próprio Código Penal e também não compatível com a Constituição”, afirmou Gilmar Mendes.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso votaram contra a ação. Lewandowski argumentou que o tema é assunto para o Legislativo, não para o Supremo Tribunal Federal. Já o ministro Cezar Peluso considerou que não se pode admitir que o feto anencéfalo não tenha vida.

Nessa postura dogmática, ao feto, reduzido, no fim das contas, à condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada, de nenhum ângulo, a menor consideração ética ou jurídica, nem reconhecido grau algum da dignidade jurídica e ética que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humanas”, disse Peluso, que presidiu o julgamento.O ministro Dias Toffoli declarou-se impedido por ter trabalhado no parecer da Advocacia-Geral da União em favor da ação na época em que era o advogado-geral.(destacamos)