sábado, 25 de junho de 2016

É BOM CITAR: O trivium e o quadrivium segundo Rosenstock-Huessy

...a descoberta de que o discurso racional pressupõe o discurso ritualístico.
Descobrimos que a lógica de nossas escolas cobria, na melhor das hipóteses, um quarto do território real da lógica.
Antes de qualquer coisa possa ser computada, calculada, observada ou testada, ela tem de ter sido algo nomeado, com que se falou, com que se operou, algo com que se teve alguma experiência.
Com suas generalizações e numerais, a ciência priva as coisas de nomes. Mas não pode fazer isso senão com coisas que previamente se revestiram de nomes.
A ciência é uma aproximação secundária e abstrata à realidade.
Devemos estar imersos e enraizados num universo nomeado, para depois dele nos podermos emancipar pela ciência. (p. 218)
Esta breve investigação das novas vias mostra que, dentre as sete artes liberais, o chamado trivium - gramática, retórica e lógica - é o que mais se beneficia de nossos estudos.
Nossa abordagem eleva as "trivialidades" desses três campos introdutórios do saber à estatura de ciências plenamente desenvolvidas.
Elas tornar-se-ão as grandes ciências do futuro.
Tal ascensão ao poder teve um paralelo quatrocentos anos atrás, quando o chamado quadrivium (aritmética, geometria, música, astronomia) e o trivium (gramática, retórica, lógica) não passavam de meros serviçais e ferramentas auxiliares.
É preciso substituir a faculdade de direito por todo um conjunto de ciências sociais, incluindo uma acerca de nossa própria consciência.
A consciência não funciona senão quando a mente responde a imperativos e utiliza metáforas e símbolos.
Até os cientistas devem falar com confiança e segurança antes de poder pensar analiticamente. (p. 219)
Que é um símbolo? Que é uma metáfora? Constituem o pão nosso de cada dia? Símbolos são fala cristalizada. E a fala cristaliza-se em símbolos porque, em seu estado criativo, é metafórica. Símbolos e metáforas relacionam-se como a juventude e a velhice da linguagem. (p. 219-20)
Até os símbolos dos lógicos a provam... são fala cristalizada.
A fala deve levar aos símbolos. Os símbolos resultam da fala. "Ouvimos" os símbolos como se fossem fala. "Olhamos" para a fala porque ela nos levará aos símbolos. (p. 220)
Os símbolos representam o estado "real" ou principal de uma pessoa a despeito de quais aparências. Representam meu melhor eu em sua ausência…
Isso nos dá uma pista dos autênticos lugares dos símbolos. Eles sucedem a atos de investidura, por meio dos quais se tornam indeléveis e importantes elementos da realidade.
Um ritual antecede ao símbolo. Se nenhum ritual investiu a pessoa, o símbolo não passa de mero brinquedo frívolo. (p. 221)
Quanto mais seriamente o ritual é "falado", mais o símbolo se fixa. Não há, porém, símbolo sem fala.
Os símbolos reiteram o fato de que a fala visa à verdade de longo alcance e de que, para tanto, ela procura substituir as aparências do mundo visível por uma ordem mais elevada,  melhor ou mais penetrante.
Porque o símbolo mostra melhor sua eficiência após o término da cerimônia de investidura, e concebem-se as cerimônias de investidura precisamente como um poder capaz de criar um segundo mundo.
A linguagem humana é metafórica por definição. Nada nela é o que é. Tudo significa algo que, em sim mesmo, não é. (p. 222)


Fonte: Eugen Rosenstock-Huessy (1888-1973) A origem da linguagem; edição e notas Olavo de Carvalho e Carlos Nougué: introdução, Harold M. Sathmer e Michael Gorman-Thelen: tradução Pedro Sette Câmara, Marcelo de Polli Bezerra, Márcia Xavier de Brito e Maria Inêz Panzoldo de Carvalho. - Rio de Janeiro: Record, 2002.


É BOM CITAR: PALAVRA, RITO, SÍMBOLO E A ORIGEM DA LINGUAGEM

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As palavras são como machados e espadas
antes que o humor lhes tire o gume,
pois o ritual verbal varre longos corredores de tempo
para o futuro 
e para o passado, 
a fim de que a vida de um homem 
não permaneça subumana.
(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 177-8)
 
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É uma lei: 
o homem não se torna humano 
sem que determinada organização física 
e indeterminado órgão social 
- ou o corpo do homem e seu caráter temporal - sejam integrados numa unidade.
O ritual, 
que consiste em cerimonial e memória nomeada, 
é o processo dessa integração.
Por isso ritual é medido em geração; 
a medida da perfeição de um ritual 
é o seu poder de atar várias gerações de homens.
Para interpretar o ritual primário, 
talvez seja melhor concentrarmo-nos na questão do poder. 
Abrir corredores de trinta ou quarenta anos 
em direção ao passado e ao futuro requer poder.
Requer muito mais poder 
do que aquele que atribuímos à fala.
(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, 178)

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O ritual tribal comunicava religião, 
lei, 
escrita 
e fala.
O ritual criou o tempo 
- como passado e futuro - , 
o poder 
- como liberdade e sucessão -, 
a ordem 
- como título e nome - , 
a expectativa 
- como cerimônia e vestuário - , 
a tradição 
- como canto fúnebre e mito do herói.
O ritual ligou o homem ao tempo, 
e isso é expresso pelo termo "religião"
(Eugen Rosenstock-Huessy (1888-1973) A origem da linguagem, p. 187-8)

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Um ritual antecede ao símbolo. 
Se nenhum ritual investiu a pessoa, 
o símbolo não passa de mero brinquedo frívolo.
(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 221)



sexta-feira, 24 de junho de 2016

É BOM CITAR: SAÚDE E RESPONSABILIDADE





Necessitamos 

que alguém nos dirija a palavra,

senão enlouquecemos ou adoecemos.

A primeira condição para a saúde 


é que alguém fale conosco 

com sinceridade de propósitos,

como se fôssemos únicos.



(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 231)





A pessoa que nunca foge à responsabilidade,

que sabe que não pode fugir 


à responsabilidade,

adquire o direito de dar ordens.



(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 234)







Quem está pronto para abandonar-se 

a si mesmo

e depositar toda a sua fé 


no nome de outra pessoa

é trazido para fora 


e para cima de si mesmo,

e se torna depositário,

líder

e representante do nome invocado.



(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 237)






Há um termo algo batido 

para designar essa forma da saúde do falante;

chamamo-la "responsabilidade".

Mas o termo perdeu sua pujança 


por ter sido usado de maneira 

demasiado ativa.

"Vem, Johnny!" é um responsório 


em que mãe e filho se perdem a si mesmos:

ela lançando todo o seu peso 


sobre o vocativo;

ele permitindo que o imperativo 


se acomode nele,

o paciente da ação, como num "escabelo".

Ninguém pode ser "responsável" 


sem resposta;

seria uma existência por demais unilateral.



(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 238)

domingo, 19 de junho de 2016

É BOM CITAR: CASA GRANDE & SENZALA

D. Afonso I
...colonizador português do Brasil.
 

Figura vaga,
falta-lhe o contorno

ou a cor que a individualize
 
entre os imperialistas modernos

O tipo contemporizador.

Nem ideais absolutos,

nem preconceitos inflexíveis.



(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 265)

Nuno Álvares Pereira, o Condestável
Tanto nas Cruzadas 

como nas guerras de independência 

esse concurso [de estrangeiros] 

se fez sentir de maneira notável.
 

É o que explica no português 

não só seu nacionalismo quase sem base geográfica 

como o cosmopolitismo.

Cosmopolitismo favorecido, esse sim, em grande parte, pela situação geográfica do reino: 


a de país largamente marítimo, 

desde remotos tempos variando de contatos humanos.

Por um lado, 


recebendo em suas praias sucessivas camadas 

ou simples, mas frequentes, 

salpicos de povos marítimos.
 

Por outro lado, indo seus navegantes, 

pescadores e comerciantes às praias 

e águas alheias comerciar, 

pescar e farejar novos mercados.


(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 274)

Na falta de grandes fronteiras naturais ou físicas,

defendendo-se de agressões e absorções,

tiveram os portugueses de entesar-se 


em muralhas vivas, de carne,

contra o imperialismo muçulmano

e mais tarde contra o de Castela


(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 273)
O Direito português iniciou-se, 

não sufocando e abafando 

as minorias étnicas dentro do reino 

- os mouros e os judeus - suas tradições e costumes,

mas, reconhecendo-lhes a faculdade de se regerem 


por seu direito próprio 

e até permitindo-lhes magistrados à parte,

como mais tarde no Brasil colonial, 

com relação aos ingleses protestantes.
(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 274)

- SÉRIE O HOMEM CORDIAL - O JEITO DE SER NACIONAL TEM SEU VALOR! SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E MARXISMO CULTURAL



Ao revisitar a obra de Sérgio Buarque de Holanda percebi um não sei quê de marxismo cultural.



O tão celebrado sociólogo promove uma apologia ostensiva do socialismo, sob terminologia weberiana de Estado burocrático, e descreve a família brasileira como um grande mal e origem de nosso atraso.


Já numa perspectiva à moda da visão filosófica de Mário Ferreira dos Santos de que, em toda teoria ou conhecimento humano, há algum grau de positividade concreta, no sentido de algo válido e real para o bem comum.

Então, proponho uma busca da positividade inerente ao jeito de ser nacional, uma inquirição acerca da evidente vigência de um modo de ser dos brasileiros, herdado dos lusos, inerente ao seu caráter emotivo, e, por isso, denominado de "cordial", como uma forma eficaz manifestação de inteligência emocional, que se manifesta numa linguagem não verbal.

Todavia, observo que parto do pressuposto de que isto é uma técnica de sobrevivência secular, pragmática e intuitiva, desenvolvida em razão da hostilidade sem igual de nosso estamento burocrático, fato verificável desde nossas origens lusas.

- SÉRIE O HOMEM CORDIAL - O JEITO DE SER NACIONAL TEM SEU VALOR! O QUE É O "HOMEM CORDIAL"?




A expressão "homem cordial" é do escritor Ribeiro Couto, em carta dirigida a Alfonso Reyes e por este inserta em sua publicação Monterey.

Cumpre ainda ainda acrescentar que essa cordialidade, estranha, por um lado, a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange, por outro, apenas e obrigatoriamente, sentimento positivos de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado.

(Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), O homem cordial; seleção de Lilian Moritz Schwarcz. 1ªed. - Sãu Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012, p. 102)

SOBERANIA E MITO DA LEGALIDADE

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Interessa-nos discutir a natureza social (material) do Poder Político e seu desenvolvimento jurídico (formal) no caminho da institucionalização do Estado, razão pela qual trazemos à baila algumas questões candentes levantadas na República de Platão, que suscita questões recorrentes à legitimidade do exercício do Poder.

O Estado surge da manifestação do Poder que transforma uma coletividade em Povo, destacando-se este ser um fenômeno jurídico (MIRANDA, 2000, p. 165).

O Poder Político é o Poder Constituinte que molda o Estado segundo uma idéia, um projeto, um fim de organização, e, que o Estado não existe em si ou por si, efetivando-se em dois aspectos: autoridade e serviço ( Idem , p. 166).

Miranda socorre-se de Gustav Radbruch nos seguintes termos: “é ainda um direito suprapositivo e natural que obriga o Estado a manter-se sujeito às próprias leis. O preceito jurídico que isto determina é o mesmo que serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo” ( Idem , p. 169).

Referido Autor destaca que para a sociologia o exercício do poder político pode ser objeto de análise como poder da comunidade estatal , e, como orientador da comunidade sobre a qual se exerce a orientação.

Todavia, em termos jurídicos, tal cisão seria inadmissível, sendo a titularidade do poder da própria comunidade, tendo uma explicação una e trina , una como fonte do poder, e, trina, pois é o Poder que auto-organiza a comunidade , é o substrato do Estado na forma de Pessoa Coletiva e manifesta-se em seus Órgãos e Agentes detentores de parcelas do poder político.

Esclarece que para os efeitos de sua obra é o mesmo falar em Poder Político e em Soberania ( Idem , 173).

Destas colocações deriva nossa grande questão acerca de qual a origem ideológica do fenômeno jurídico que possibilita ao poder unificar o povo; e, ao mesmo tempo, fornecer uma base de valores que obriga a autoridade a servir este mesmo povo; colocada em outros termos: qual a idéia que legitima o poder, e o transforma em objeto de consentimento popular, ao mesmo tempo em que limita o próprio exercício do poder?

Percebemos que as posições adotadas por Miranda ao invés de revelarem uma resposta clara à questão, simplesmente saltam por sobre o problema sem enfrentá-lo, ao definir corte metodológico, consistente na afirmação dogmática da existência de um direito suprapositivo e natural que teria o condão de obrigar o Estado à bem se comportar, mas, ao mesmo tempo, demonstra grande intuição que já principia a resposta que buscamos quando enfatiza ser este o mesmo preceito jurídico que “serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo” (MIRANDA, 2000, p. 169).

Consideramos de suma importância contextualizar o nascimento da idéia normativa fundamental do Estado de Direito Democrático que passaremos a denominar de mito da legalidade.

Quais os elementos conformadores do mito em exame?

Qual sua base histórico-social?

Que filosofia o sustenta?

Qual a sua realidade sob uma perspectiva antropológica e qual sua estrutura discursiva que dá a base ritualista do mencionado mito e que o atualiza?

Iniciaremos com o Livro I da República de Platão, na qual Sócrates questiona um próspero ancião de nome Céfalo acerca de “qual foi a maior vantagem que te proporcionou tua fortuna?” (330 d) (PLATÃO, 1976, p. 46), recebendo a resposta de que “a riqueza é de grande vantagem, porém não para todos; apenas para as pessoas equilibradas. Ela é que enseja a possibilidade de deixar a vida sem receio de haver mentido, embora involuntariamente, e de não ter ficado devendo” (331 b) (PLATÃO, 1976, p. 47).

Após, Sócrates questiona Céfalo sobre a inconstância do conceito de justiça, por este consistir apenas em falar a verdade e restituir o recebemos de outrem, quando coloca a seguinte hipótese: “de alguém receber para guardar a arma de um amigo que se encontre são do juízo, e este, depois, com manifesta perturbação de espírito, exigir que lha restitua, todo o mundo concordará que não se deve devolvê-la” (331 c-d) ( Idem , p. 47-8).

No seguimento do diálogo Céfalo é substituído por Polemarco, e, então, surge a célebre citação da máxima de Simônides “dar a cada um o que lhe é devido” (331e) ( Idem , p. 48), descrito como “enigma poético” (332 b) (Idem , p. 49), que vai suscitando diversidade de respostas proferidas por Polemarco, tais quais: “Tudo indica que para ele é justo dar a cada um o que convém” (332 c) ( Idem , p. 49); “Justiça, então, é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos?” (332 d); sendo esta última afirmação refutada da seguinte forma: “a justiça é uma espécie de arte de furtar. Naturalmente: para beneficiar os amigos e prejudicar os inimigos” (334 a) ( Idem , p. 54).

Reforçando sua contestação ao maniqueísmo como fundamento da justiça, Sócrates demonstra o subjetivismo dos conceitos de amigo e inimigo ao questionar Polemarco: “E porventura não se enganam os homens nisso, justamente, parecendo-lhes boa muita gente que não o é, e vice-versa?” (334 c) ( Idem , p. 52), e, após diversas colocações acerca da natureza da ética concernente à pessoa imbuída de justiça, concluí Sócrates que “não é próprio do justo causar dano nem aos amigos nem a quem quer seja, porém do seu contrário, o homem injusto.” (335 d) ( Idem , p. 54).

Neste ponto do diálogo surge o sofista Trasímaco defendendo a tese de que “o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte” (336 c) ( Idem, p. 56).

Todavia, ao investigar todas as implicações da definição sofística de justiça, Sócrates acaba por inaugurar na filosofia e na ciência política, em nosso entender, a tese de origem popular do poder político quando diz: “é mais do que claro que nenhuma arte ou governo cuida do interesse próprio, porém, conforme há muito demonstramos, providencia e determina o que é de utilidade para o súdito, considerando apenas o interesse dos mais fracos, nunca o dos mais fortes” (346 e) (Idem, p. 69-70).

Assim, podemos identificar a genealogia da afirmação dogmática de Jorge Miranda, no sentido de encarar o Poder Político, manifestado na Soberania, como auto-organizado pela existência de um direito suprapositivo e natural, que como vimos com Platão é um fenômeno de multidão, e, por isso mesmo, tem em seu substrato e fundamento antropológico explicado cientificamente pela teoria do desejo mimético de René Girard.

A teoria do desejo mimético descreve a origem da cultura na superação da violência inerente às relações humanas, mediante a edificação de ritos e mitos criadores de mediação externa, cada vez mais sofisticada, conforme a cultura desenvolve-se, emergindo na construção do mito da legalidade capaz de legitimar o exercício do Poder lho fornecendo uma ritualística jurídica.

A mediação externa mais sofisticada é o rito jurídico, caracterizado por um discurso peculiar, em que o mito da legalidade é personalizado na autoridade que se apresenta como sujeito e objeto da representação mitológica da legalidade, isto é, a autoridade ao prestar seus serviços submete e é submetida pelo discurso alicerçado na força da idéia normativa (Jouvenel, 1978, p. 34-6) de lei, e assim, temos uma base para a descrição da soberania como resultado da racionalização do Poder da multidão de cidadãos mimeticamente vinculados por mitos que estabelecem padrões de mediação externa, que fomentam idéias normativas de justiça consideradas aceitáveis pelo corpo social.

REFERÊNCIAS

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. 2ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

GIRARD, René. A violência e o sagrado ; trad. Martha Conceição Gambini; revisão técnica de Assis Carvalho. - São Paulo : Editora Universidade Estadual Paulista; 1998.

GIRARD, René;Rocha, João Cezar de Castro; e, Antonello, Pierpaolo. Um longo argumento do princípio ao fim: diálogos com João Cezar de Castro Rocha e Pierpaolo Antonello , Rio de Janeiro: Topbooks, s/d.

JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Col. Biblioteca de Cultura Histórica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. t.III. Coimbra: Coimbra, 2000.

PLATÃO, A República. Diálogos, v. VI-VII. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Coleção Amazônia, Série Farias Brito. Belém: UFPA, 1976.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O Tributo e a Constituição

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Quid est Constituição?

Quid est tributo?


Muito se fala e muito se escreve, e, como pretensioso que sou vou dar minha opinião:


Considero que a Constituição Política e Jurídica de uma Nação necessariamente está contida na Constituição Social e Natural desta mesma Nação.


Logo, a Constituição resultante de uma Assembléia Constituinte, e, mesmo eventualmente, quando fruto de Cartas Políticas Outorgadas por um poder unipessoal ou colegiado, sempre será uma espécie de garantia política, que fundamenta garantias jurídicas protetoras dos valores sociais e naturais do homem, que serão respeitados pela Administração, além, é claro, de servir de garantia contra a ingerência externa de outras nações.


Ora, antes da existência da doutrina política e jurídica do constitucionalismo, doutrina esta que formalizou e explicitou uma série de princípios limitadores do arbítrio estatal; antes da existência da primeira constituição escrita, sempre houve em menor ou maior grau alguma espécie de Constituição Natural a informar o direito dos povos.


Pode-se afirmar que sempre houve fundamento jurídico-constitucional para os atos de um Estado, entretanto, o que diferencia os Estados pré-constitucionalismo dos atuais está, justamente, na falta de vinculação expressa a uma dada ordem estabelecida e consolidada.


Portanto, não é de estranhar-se que quando os nascentes Estados Nacionais ao esmagarem as representações sociais de origem feudal, propugnando uma espécie de absolutismo estatal encarnada na figura do Monarca, hajam proporcionado o ambiente de fermentação da causa constitucionalista, que instauraria outro modelo de absolutismo: o absolutismo da idéia da lei constitucional a prevalecer sobre toda a nação, seja em relação aos cidadãos, seja em relação à Administração.


A idéia da existência de uma constituição natural baliza, inclusive, a existência das chamadas constituições não-escritas como é o exemplo britânico que, não obstante a Inglaterra possuir uma constituição consuetudinária, é operante, tendo sido o primeiro exemplo concreto de submissão da Administração à lei, em sua configuração máxima de norma constitucional de um povo, que deve ser obedecida em virtude do ato de soberania popular que a fundamenta.


Em suma, a idéia de constituição está intrinsecamente associada à idéia de submissão à lei por parte dos administrados, naquilo em que não houver vedação expressa, e, de submissão absoluta à lei por parte da Administração, tendo em vista que esta só poderá agir conforme o expressamente previsto em lei.


Tais princípios justificam-se na medida em que o verdadeiro e único ente de Direito Natural é a pessoa, concreta e fisicamente existente, atual ou potencialmente.


A Administração nada mais é que uma ficção jurídica personalizada pela suspensão do juízo, e representada na figura de determinados agentes políticos, administrativos e/ou judiciais, que atuam em nome da lei e da constituição, e, portanto, nada podem inovar de maneira absoluta, mas somente de forma relativa, e dependendo sempre do respeito aos limites definidos legal e constitucionalmente; quando expressamente autorizado, poderão, tais agentes públicos, inovar na medida de sua discricionariedade, vinculada à estrita legalidade.


Logo, a lei constitucional de um povo é um divisor de águas, uma fronteira, que separa os atos penetrados de autonomia de vontade dos atos vinculados à vontade da lei.


Entre estas duas esferas, privada e pública, por determinação constitucional, opera-se verdadeira interação dialética onde os atos da vontade do particular fazem surgir os atos da Administração, seja pelo princípio da inércia em matéria judiciária seja por atos de fiscalização.

Enquanto a Administração (política, administrativa ou judiciária) define limites e vedações à atuação do particular, veiculadas em normas de diversos níveis, que por sua vez vinculam a própria Administração.

Neste contexto, eis que surgem as normas tributárias, e, numa analogia, em que equiparamos o conjunto das normas privadas e públicas, fundadas na Constituição, como parte de um único e grande volume de normas jurídicas, um grande livro imaginário da lei, neste teremos o tributo contido numa única página, ocupando uma única linha que determine: caso pratiques determinada conduta lícita, no livre exercício de vossa vontade, deves pagar compulsoriamente determinada prestação pecuniária, mediante atividade absolutamente vinculada à lei.


Ora, antes desta linha, em que o tributo aparece no referido livro imaginário, irão se localizar todas as condutas humanas, concretas, materiais e existentes, que o cidadão realiza em seu cotidiano sócio-econômico; e, após a incidência da norma tributária, verificaremos o cabedal de normas de natureza eminentemente administrativas, veiculadas segundo princípios constitucionais vinculantes, que impossibilitam à Administração Tributária de qualquer poder de desconsiderar validamente as características essenciais das condutas do particular, salvo quando ingresse com competente Medida Judicial, propugnando a desconstituição do negócio ou ato jurídico.


O tributo, portanto, somente opera diante de fatos reais e verificáveis no seio das relações sociais, e, sua operação somente se dá com o respeito aos atos jurídicos perfeitos sobre os quais incide; e, conforme a prescrição absolutamente vinculante da norma pré-estabelecida, havendo autoria e materialidade de ato ilícito que confere a possibilidade de desconstituir os atos do administrado, mediante o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário, poderá atuar o agente público da Administração Tributária.


Se, por absurdo, a Carta Magna seja (R)Emendada, no sentido de autorizar o retrocesso histórico de autorizar em norma positiva o espúrio direito da Administração exercer atos de absolutismo contra o administrado, p. ex.: desconsiderando os atos jurídicos perfeitos do contribuinte, mediante meros atos administrativos, então, tal arremedo de direito deverá ser aniquilado, como se uma peste o fosse, sob pena de se condenar a Constituição Escrita a ser mais uma relíquia do rol das leis que não pegam.





Texto confeccionado por
(1)Werner Nabiça Coelho


Atuações e qualificações
(1)Advogado. Especialista em Direito Tributário e Professor da Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ.

Bibliografia:

COELHO, Werner Nabiça; COELHO, Werner Nabiça. O Tributo e a Constituição. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 15 de mai. de 2003.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1349/o_tributo_e_a_constituicao >. Acesso em: 17 de jun. de 2016.


(Obs.: o presente texto é uma versão com algumas alterações e acréscimos em relação à versão publicada anteriormente no Universo Jurídico)