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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: TEMPO E ESPAÇO SÃO SUCESSIVIDADE E SIMULTANEIDADE (CAP. 06 - D)



Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


É fundamental da filosofia pitagórico-platônica a presença do allós, do outro, como o khosmos, que é outro que o Ser Supremo. O khosmos implica heterogeneidade, implica o héteros, o outro, distinto, e o modo de ser especìficamente êste ou aquêle é o modo de ser que é outro que outro. A afirmação do Ser Supremo implica o allós, porque é, unìvocamente, êle mesmo, e em plenitude ontológica êle mesmo, e também o poder de realizar tudo quanto pode ser, o que pode vir-a-ser, os possíveis, que são outros que outros. A afirmação do Ipsum Esse, o ser si mesmo, exige o ser outro, o conjunto das coisas outras, allós.

O que é outro que outro, só pode ser tal, simultânea ou sucessivamente pois a disjunção é perfeita, como vimos, o fundamento é, pois, ontológico e não psicológico apenas, como o queria Kant. Dêste modo, o que fundamenta o espaço é a simultaneidade, como o que fundamenta o tempo é a sucessividade. Estas, ontològicamente, antecedem aquêle, e o existir outro, que é o existir heterogêneo, das coisas que não são em plenitude ontológica, implica a presença da simultaneidade e da sucessividade. E a sensibilidade do ser psicològicamente organizado não poderia ser distinta, pois não haveria sensação sem o outro que outro, porque sentir é afirmar, de certo modo, outro que outro, e essa afirmação implica a copresença da simultaneidade e da sucessão, em graus maiores ou menores.


Dêste modo, o tempo e o espaço, que para Kant são formas puras da sensibilidade, são, realmente, esquemas posteriores, que se fundamentam na simultaneidade e na sucessão, que são primordiais, não só da sensação, como do próprio existir e do ser, o que lhes dá uma razão ontológica (1). E é esta razão ontológica que empresta validez e segurança à experiência no sentido kantiano, a qual termina por desvanecer-se quanto ao seu valor, como vimos na análise que fizemos da obra daquele autor em "Filosofia Concreta" e, sobretudo, em "As três Críticas de Kant".

A justificação da continuidade da extensão, considerada não só matemática, como fisicamente, fundamenta-se na não coincidência das partes, que se dão umas extra às outras. As coisas quantitativas são compostas de partes extra partes, mas, por serem estas tomadas extensivamente, são divisíveis em partes, pois onde há extensão há distância. Esta, enquanto tal, é homogeneamente ela mesma em sua especificidade, e, considerada matemàticamente é, portanto, divisível em partes extensas in infinitum. Todo modo de ser quantitativo é, pois, enquanto tal, divisível in infinitum, quando considerado em sua extensidade.



A extensão pode ser considerada como actual ou como virtual. É actual aquela que tem de fato partes extra partes, as quais não coincidem todas no mesmo ponto. Essa extensão pode ainda ser local e não-local. É local, quando comensurada com o lugar, como o são os corpos. É não-local, quando incomensurável com o lugar, quando é toda no todo e toda em cada uma das suas partes singulares, cuja realidade é matéria controversa. Contudo, no caso dos anti-prótons, que revelam, ao anular os prótons, que o resultado não tem extensidade apta a ser captada pelos sentidos, ampliados por instrumentos, não se pode admitir que esse resultado seja uma aniquilação total do ser, o que é ontologicamente impossível e, portanto, absurdo, como o provamos em "Filosofia Concreta". O que resulta, a chamada anti-matéria na física moderna é anulação da extensão atual ou potencial, mas, se for a primeira, será não-local.



Chamam, ainda, de extensão aptitudinal o accidente que tem partes integrantes (que são as que não constituem a essência de uma coisa, pois estas são as partes essenciais). As partes essenciais são aquelas que, faltando apenas uma, a coisa deixa de ser o que é. Constituem elas a essência do todo. Assim a animalidade e a racionalidade são partes essenciais do homem, pois faltando uma ou outra, o homem deixa de ser tal. A parte integrante, ao inverso, não constitui a essência do todo, e a ausência de uma não implica a perda da especificidade, como a falta de um braço não leva ao desaparecimento do homem. Estas partes integrantes são chamadas de homogêneas ou heterogêneas. As homogêneas são entre si semelhantes especificamente, e até acidentalmente, como as partes de um pedaço de ferro, enquanto ferro. São heterogêneas aquelas que diferem entre si accidentalmente, como o são as partes de um ser vivo.

Pergunta-se, na Cosmologia, e é um dos seus grandes problemas, qual o efeito formal da quantidade: é dar extensão entitativa à substância, ou dar extensão actual local ou não local, ou dar uma extensão aptitudinal, ou a exigência da extensão?

É mister, em primeiro lugar, saber o que se entende por efeito formal. É o que resulta da comunicação da forma com o seu sujeito. Assim o efeito formal da côr é o colorido, do calor o ser quente. Classifica-se, ainda, o efeito formal em primário e secundário. É primário o que não pode deixar de dar-se sem contradição, desde que a forma seja dada. Se se dá o calor, tem de se dar o quente; se há cogitação no intelecto, êste está em ato. Secundário é o que, exigida a forma, se faltar, não implica contradição.

(1) O existir ou o ser implicam o que existe ou é, simultânea ou sucessivamente, ou ambos, já que a disjunção é perfeita e a não aceitação seria a negação do sujeito, pois se não é nem simultânea, nem sucessivamente, nem ambos, não é, nem existe.

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p.36-39