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domingo, 24 de julho de 2022

EVOLUCIONISMO CEGO, SELECIONISMO NATURALISTA ALEATÓRIO E CRIACIONISMO INTELIGENTE

Não existe evolução ou seleção natural "criadoras", quando muito são causas segundas subordinadas á causa primeira, numa linguagem aristotélica, talvez possamos afirmar que estas são causas de "destruição" seletiva ou evolutiva num sentido bruto da palavra.

Da mesma forma que criadores de animais selecionam e evoluem linhagens com certas características passíveis de manipulação por meio de cruzamentos genéticos ou mesmo de manipulação de DNA, mas não são sistemas criadores no sentido existencial desde o nada.

Por falar em causa primeira e causa segunda, também temos a matéria primeira e a matéria segunda, afirmamos que Deus é a causa primeira que gera a matéria primeira, que numa linguagem platônica é o mundo das idéias primeiras, modelos arquetípicos que são projetados na mente divina, que servem de modelo para replicação na própria conformação de cada aspecto da realidade física e/ou concreta.

Neste ponto me socorro de Wolfgang Smith (01) que constatou que os fenômenos analisados pelos experimentos da física quântica ao serem objeto de interpretação com base na metafísica clássica permite a definição do conceito de causalidade vertical.

O que é testemunhado nos experimento da física quântica, quando é constatado o decaimento de estado, quando o objeto físico sai da condição de indeterminação onda/partícula e adquire uma forma detectável de forma definida, então estamos observando a manifestação de uma matéria segunda informe sendo submetida a uma causalidade vertical, na qual a forma eterna oriunda da mente de Deus incorpora-se como realidade física e manifesta-se como um ato que é continuidade da Criação.

Em suma, se adotamos uma metafísica de base aristotélica é bem mais fácil de se compreender a intuição de diversos cientistas da física no sentido de que a realidade permanece em constante criação (02).




Notas:








(02) “Criação não terminou, o mundo acontece de uma forma nova a cada momento” (DÜRR, Hans-Peter. Da ciência à ética: a física moderna e a responsabilidade do cientista; tradução de Lumir Nahodil. – 1.ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 47).

domingo, 1 de julho de 2018

O processo criativo no devir



Na teoria quântica existe o conceito de "colapso do vetor de estado", que é aquele momento em que o aspecto indeterminado da partícula quântica (quantum) consolida-se em um estado determinado, que faz surgir o evento definidor da forma de manifestação do objeto físico.

Wolfgang Smith define que esse é o momento em que a matéria informe do objeto físico sofre a ligação, dentro de uma relação de causalidade vertical com a sua forma substancial determinante e eterna, no sentido aristotélico-platônico, quando então se torna uma criatura composta de matéria e forma.

O momento de "colapso do vetor de estado", portanto, é uma prova científica de um ato de criação, ou seja, a criação é um processo permanente, é um processo de permanente concretização do devir.
Sem o devir, sem a liberdade, sem a livre escolha entre diversos modos potenciais, não haveria nem a virtude e nem o pecado, nem acertos e nem erros, seríamos como  aquelas máquinas tão celebradas e desejadas pelo modelo proposto na física newtoniana, e pela filosofia moderna em geral, ambas marcadamente determinísticas.

Não fosse o permanente processo de transição entre potência e ato, que criam possibilidades oriundas de jogo de probabilidades inerentes à realidade, seríamos meros agentes aplicadores de éticas teóricas, que não se comunicam com razões práticas, e, seríamos pessoas feitas de carne e osso, que nem acreditam na realidade objetiva do mundo, nem na concretude de seus ossos.
A realidade do devir, se for considerada dentro da realidade do Absoluto que é Deus, necessariamente, já está contida em todas as suas possibilidades em  potência.
Todavia, o devir é um processo de realização temporal, que se opera mediante um afunilamento das possibilidades e potencialidades, em formas concretas definitivas, em que o devir se torna um presente, que instaura fatos históricos únicos e definitivos, cuja graduação dependerá de um infinito número de fatores.
Neste sentido, o devir é algo que sempre foi discutido na filosofia, e esta já possuía a base dos conceitos do indeterminismo quântico ao discutir sobre o livre-arbítrio.

A criação está em permanente processo, uma vez que é permanente e contínua criação, no âmbito da criação já criada, pois a criação é dinâmica e co-participativa, em um certo sentido, quando se considera sua realização temporal mediante a experiência de cada vida individual.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

WOLFGANG SMITH: A BIFURCAÇÃO CARTESIANA



Trata-se de uma breve resenha do primeiro capítulo de "O enigma quântico: desvendando a chave oculta", de Wolfgang Smith.

Smith constata de início a dificuldade filosófica em dar sentido às complexidades inerentes à teoria quântica, e evidencia que o principal problema são "certas premissas metafísicas falsas que têm ocupado um posição de dominância intelectual desde o tempo de René Descartes" (p. 27)

Tais premissas decorrem da "concepção cartesiana de um mundo externo feito exclusivamente das chamadas res extensae ou 'coisas extensas', as quais se supõem serem desprovidas de todos os atributos ou qualidades 'secundárias', tais como a cor, por exemplo" (p. 27), e tudo aquilo que  não for "um res extensa passa a ser um 'objeto de pensamento' ou, em outras palavras, uma coisa que não tem existência fora de uma res cogitans ou mente particular"(p. 27).

A metafísica cartesiana pressupõem o mundo independente da matéria, realidade primária que origina dados objetivos mensuráveis, enquanto que as qualidades como frutos do pensamento são sem existência real, o que resulta numa realidade secundária oriunda da subjetividade do sujeito.

A dicotomia res extensae/res cogitans promovem uma "simplificação incalculável do primeiro" (p. 28) por fornecer "um tipo de 'mundo externo' que a física matemática poderia em princípio compreender 'sem resíduo'" (p. 28).

Smith questiona então: "Como é possível, por exemplo, que a res cogitans tome ciência da res extensa? Através da percepção, sem dúvida; mas, então, o que é que nós percebemos? Ora, em tempos pré-cartesianos, pensava-se - sendo filósofo ou não - que, no ato da percepção visual, por exemplo, nós de fato 'lançamos o olhar para o mundo exterior'" (p. 28).


CHARLES DARWIN E OS PODERES DAS FORMAS ATRIBUIDAS PELO CRIADOR




A natureza produz alguma engenharia por si própria?

Quem realizaria o controle de qualidade?

Há um senso comum em vigor, que considera a realidade da natureza como um conjunto de sistemas nivelados por baixo, e, um bom exemplo desta proposição de "democracia da natureza", é a defesa intransigente da teoria da seleção natural ou da evolução (que são coisas distintas, mas aqui falo do senso comum), considerado como um processo cego, sem direção, que não se determina, simplesmente ocorre, e, ainda que a natureza produzisse padrões de design, em suas transformações, não tende necessariamente à perfeição, e, pensar o contrário é considerado uma exposição de "argumento ingênuo".

Bem vindo, caro leitor, ao reino dos argumentos maliciosos (somente pessoas inteligentes e críticas não são ingênuas, tal como Sartre, para quem tudo é feito e pensado de má-fé)!

Minha postura é no sentido da objetividade do real, cuja concreção (cf. Mário Ferreira dos Santos) é indício da existência do próprio Deus, e, assim, esta realidade é o objeto da  ciência, e da filosofia, em seu sentido não-ideológico de pesquisa séria, com base em dados, e na demonstração lógica das teses, teorias e hipóteses, conforme a aplicação do princípio da razão suficiente.

A natureza, na perspectiva moderna, é um conjunto de fenômenos materiais, que por sua vez tendem à entropia.

Por outro lado, na perspectiva filosófica tradicional, a natureza é a matéria segunda submissa às causas formal, material, eficiente e final, frutos da causalidade vertical (causa formal em seu mais alto grau) nos termos propugnados por Wolfgang Smith, com base nos princípios metafísicos reais, tão bem descritos por Aristóteles

O mencionado senso comum que defende a cegueira e aleatoriedade do real, ao considerar o conceito de evolução, necessariamente propõe uma ideia de aperfeiçoamento, que tende para  a aceitação de alguma razão final, uma noção de perfeição, portanto, mesmo que não declarado, há a operação de um princípio metafísico, escondido nas entrelinhas do raciocínio.

O próprio Darwin refere-se ao conceito de "desenho inteligente" ao definir a existência de formas primitivas de seres vivos, criadas por Deus, que precedem a operação do meio ambiente, no processo de seleção natural, quando conclui "A origem das espécies":



"Estas leis, tomadas no seu sentido mais lato, são: a lei do crescimento e reprodução; a lei da hereditariedade que implica quase a lei de reprodução; a lei de variabilidade, resultante da ação direta e indireta das condições de existência, do uso e não uso; a lei da multiplicação das espécies em razão bastante elevada para trazer a luta pela existência,  que  tem  como conseqüência  a  seleção  natural,  que  determina  a  divergência de caracteres, a extinção de formas menos aperfeiçoadas. O resultado direto desta  guerra  da  natureza  que  se  traduz  pela  fome  e  pela  morte,  é,  pois,  o  fato  mais admirável  que  podemos conceber,  a  saber:  a  produção  de  animais  superioresNão há uma verdadeira grandeza nesta forma de considerar a vida, com os seus poderes diversos atribuídos primitivamente pelo Criador a um pequeno número de formas, ou mesmo a uma só? Ora, enquanto que o nosso planeta, obedecendo à lei  fixa  da  gravitação,  continua  a  girar  na  sua  órbita,  uma  quantidade  infinita  de belas  e  admiráveis  formas,  saídas  de  um  começo  tão  simples,  não  têm  cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda!" (negritos nossos) (CHARLES DARWIN, "A Origem das Espécies", tradução de Joaquim da Mesquita Paul, médico e professor, LELLO & IRMÃO – EDITORES, PORTO. 2003)

Então fica assim, aquela pessoa que se satisfaz com a ideologia naturalista, propugnadora da tese da verdade da "cegueira imperial da natureza", por favor, deixe-me em paz com minha ingenuidade fundada no mundo objetivo e concreto, pois tal pessoa que se funda na "fé naturalista"  está votada a padecer sob as penas do niilismo e do solipsismo, são cegos que se deixam conduzir por outros cegos em um ato de fé na "razão maliciosa".

Referências:

Aristóteles, Metafísica.

Charles Darwin. A Origem das Espécies.

Mário Ferreira dos Santos. Filosofia Concreta.

Wolfgang Smith, O enigma quântico: desvendando a chave oculta.



Belém, Pará, Brasil, Werner Nabiça Coêlho - 21.12.2016


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

WOLFGANG SMITH: A TEORIA ECOLÓGICA DA PERCEPÇÃO VISUAL DE GIBSON

Wolfgang Smith

"Ora, ocorre que, mesmo de um ponto de vista 

estritamente científico, 

a concepção reducionista do observador 

acaba enfim por ser indefensável.

Tomemos o caso da percepção visual: 

mantendo-se de acordo com a opinião predominante, 

Hawking supõe que a visão se reduz a uma função do cérebro. 

Ele nos conta, por exemplo, que o cérebro humano 

"lê uma gama bidimensional de dados 

vindos da retina e cria a partir deles, 

a impressão de um espaço tridimensional" (47). 

Esse preceito, porém, já foi desafiado criticamente 

por um cientista empírico chamado James Gibson, 

http://slideplayer.es/slide/5404573/

com base em descobertas experimentais 

coletas por meio do que, talvez até hoje, 

foi a pesquisa mais exaustiva acerca da natureza 

da percepção visual. 

O que os experimentos de Gibson trouxeram à luz 

foi o fato decisivo de que 

a percepção não se baseia em uma imagem retiniana 

(como haviam quase todos presumido), 

e sim em informações dadas no arranjo ótico ambiente, 

que especifica, entre outras coisas, 

a estrutura tridimensional do ambiente. 

http://es.slideshare.net/pepeh/63-teora-sobre-la-percepcion-del-ambiente-victor-hugo-castillo

Parece que nosso sistema visual 

não foi projetado simplesmente para receber imagens retinianas,

mas para vasculhar esse arranjo ótico ambiente 

e extrair dele aquilo que Gibson chama de invariantes. 

São essas invariantes que, em verdade, são percebidas, 

o que significa que o percepto não é construído, 

e sim objetivamente real; 

não está meramente "dentro da mente", mas fora dela, 

como a humanidade, com efeito, sempre supusera. 

Isso quer dizer que o que é percebido 

não é uma imagem visual, seja retiniana, cortical ou mental, 

e que a chamada terceira dimensão, 

em particular, 

não é diferente das outras duas; 

ela não precisa ser construída 

- por meio de um processo que ninguém, 

mesmo remotamente, jamais foi capaz de conceber - , 

mas, com efeito, é percebida diretamente, 

assim como todas as invariantes.




Embora amplamente discutido e jamais refutado, 


[...] as descobertas empíricas de Gibson 

bastam para invalidar 

a concepção reducionista do observador humano, 

sobre a qual a noção de realismo modelo-dependente se baseia."


SMITH, Wolfgang. Ciência e mito: com uma resposta a O Grande Projeto, de Stephen Hawking. Tradução Pedro Cava. 1.ed. CEDET: Campinas, 2014, p. 226-7.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

KANT, CIÊNCIA MODERNA E LIBERDADE HUMANA


RESUMO: Kant propôs seu sistema sobre uma base de positivismo científico, empirista e solipsista, ao definir espaço e tempo como condições formais a priori e invariáveis da realidade na forma de “intuição pura”, oriundos da subjetividade do sujeito, e, assim, garantidores da objetividade dos dados físicos, como justificativa transcendental da objetividade científica, percebida por um sujeito portador da dádiva natural da percepção empírica dos fenômenos físicos, todavia, a física contemporânea demonstra a relatividade e fluidez do espaço e do tempo, constatação que levanta questionamentos sobre a validade da visão kantiana de espaço e tempo como formas a priori, sobretudo depois das descobertas da física quântica que permitem uma percepção mais adequada da objetividade do universo e da liberdade humana inerente ao indeterminismo do real.


1. A teoria do conhecimento de Kant: “intuição purae percepção empírica.

Immanuel Kant (22/04/1724-12/02/1804) arquitetou sua teoria do conhecimento segundo o modelo empírico-lógico, que o mantém no centro dos debates teóricos até o presente, em grande parte devido ao divórcio entre as grandes áreas das ciências humanas e das ciências naturais.


A objetividade científica, segundo o método kantiano, é fundada na subjetividade do sujeito, conforme o “dogma” da ciência moderna de que o conhecimento teórico tem origem na abstração reducionista, que exclui os atributos qualitativos e considera somente os aspectos quantitativos, e é validado pela prova empírica mental, pois esta forma de validação é considerada somente em seu aspecto abstrato e matemático.

Esta objetivação simplificadora do objeto se apossa dos dados quantitativos, tomando a parte pelo todo, como se o objeto de estudo fosse somente uma matéria inerte e submissa ao agente pensante, numa postura de supremacia do sujeito pensante por sobre o objeto pensado, pois o objeto seria separado do sujeito, e este deveria agir como dominador daquele.

Kant prosseguiu a justificação do método cartesiano que vigorou de forma imperativa entre os séculos XVII e XIX, e propôs uma espécie de empirismo idealista para sustentar esta forma de imperialismo do pensamento e da idéia, numa postura de crítica da racionalidade reducionista sobre o mundo incrivelmente complexo e irredutível percebida pelo sujeito que é dotado do senso comum e do realismo ingênuo.


Assim a possibilidade do conhecimento científico-filosófico para Kant está no “âmbito do conhecimento teórico da razão pura não se estende além dos objetos dos sentidos” (1995, p. 35), tal proposição, também, trata da possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos dos sentidos.

O conhecimento, assim, deverá ser confirmado pela intuição pura, portadora de um “esquemaa priori de espaço e tempo “ambos representando os objectos apenas como objectos dos sentidos e não como coisas em geral” (KANT, 1995, p. 36).


O sábio de Königsberg define o espaço e o tempo como intuições puras, pois:
"Eliminai, pouco a pouco, do vosso conceito de experiência de um corpo tudo o que nele é empírico, a cor, a rugosidade ou macieza, o peso, a própria impenetrabilidade: restará, por fim, o espaço que esse corpo agora totalmente desaparecido ocupava e que não podereis eliminar" (KANT, 2001, p. 65, itálicos no original).
O tempo não é um conceito empírico que derive de uma experiência qualquer. Porque nem a simultaneidade nem a sucessão surgiriam na percepção se a representação do tempo não fosse o seu fundamento a priori. Só pressupondo-a podemos representar-nos que uma coisa existe num só e mesmo tempo (simultaneamente), ou em tempos diferentes (sucessivamente)" (KANT, 2001, p. 96, itálicos no original).


Logo, segundo a proposta kantiana, as formas a priori do espaço e do tempo fazem parte de nossa estrutura cognitiva, e são condições de possibilidade para pensar, e perceber, os fenômenos sensíveis em geral.

O modo de pensar kantiano, sobre o tempo e o espaço é considerado a forma de “intuição pura” e esta seria o limite do conhecimento teórico.


Assim, tempo e espaço, como manifestações da “intuição pura” se tornam o pressuposto formal para a existência da própria percepção sensível, e, assim, funda-se o método “dogmático no interior desse âmbito, mediante leis que ele prescreve a priori à natureza enquanto totalidade dos objectos dos sentidos, mas sem jamais ir além desta esfera, para se alargar teoricamente com os seus conceitos” (KANT, 1995, p. 37, g.n.). 


Em resumo, o processo de validação da prova científica empírica é imanente ao sujeito portador de razão pura, pois: 


a) o sujeito possui a representação do conceito, denominada de razão pura ou teórica;


b) a razão pura é validada pela prova empírica, com a participação do sujeito dotado de “intuição pura”;


c) o sujeito, por uma dádiva da natureza, possui a percepção dos sentidos, cujo suporte está no esquema a priori fornecido pela “intuição pura” de espaço e tempo;


d) desta dádiva natural deriva a operação de subsunção entre a razão pura e o dado empírico, como forma de conferir certeza sobre a realidade percebida, num processo de aplicação (método) de leis abstratas e gerais (conceitos puros do entendimento) sobre casos concretos (fenômenos).


Com fundamento nesta perspectiva dogmática, na qual o dado fixo e referencial é a própria “intuição pura” de espaço e tempo, oriunda da subjetividade do sujeito como um dado apriorístico misteriosamente presente de forma pressuposta na mente do mesmo, uma intuição portanto, erige-se o sistema kantiano, e sua teoria do conhecimento, pois é a “intuição pura” que dá suporte à “razão pura”, base do conhecimento de conceitos puros do entendimento, que fundamenta os princípios e leis prescritas a priori para a totalidade dos objetos dos sentidos, que se manifestam em fenômenos.


A proposta filosófica kantiana, ao definir uma teoria do conhecimento com base em pressupostos da física newtoniana, e propor que a realidade é regida por dados fixos e imutáveis relativos ao espaço e ao tempo, supõe que o real possui uma estrutura conceitual que implica na aceitação do determinismo, o que por sua vez exclui qualquer concepção de livre-arbítrio, filosofia esta cuja influência e repercussões sentimos até hoje.


2. Stephen Hawking: o domínio da lei e a morte da filosofia.
 
 
Stephen Hawking, em sua obra “O Grande Projeto”, nos oferece uma filosofia da ciência com sabor kantiano ao afirmar que a “filosofia está morta” (2011, p. 07), pois alega que esta não se manteve a par dos desenvolvimentos modernos da ciência, especialmente da física.


Não obstante o obituário da filosofia feito por Hawking, este nos brinda com um argumento digno do racionalismo empirista kantiano, ao afirmar “o domínio da lei” soberana do determinismo, socorrendo-se de Galileu ao referir que “a observação é a base da ciência e de que o propósito da ciência é investigar as relações quantitativas existentes entre os fenômenos físicos” (2011, p. 20).


Nesta linha de raciocínio é feita a afirmação do determinismo científico como base de toda a ciência possível, uma vez que o domínio da lei não admite exceções.


Inclusive no que concerne ao estudo das relações humanas sociais, visto que os seres humanos “vivem no universo e interagem com objetos dentro dele, o determinismo científico deve valer igualmente para as pessoas” (HAWKING, 2011, p. 24), afinal “parece que somos apenas máquinas biológicas e que o livre arbítrio não passa de uma ilusão” (op.cit., p. 25).


Assim sendo, Stephen Hawking mesmo afirmando a morte da filosofia vitaliza a filosofia kantiana, cujo caráter dogmático funda-se no domínio da lei que julga a realidade, incluída a vida humana, sob o mais feroz determinismo científico.


3. O tempo e espaço sob a perspectiva da física contemporânea.





A física contemporânea demonstrou a relatividade e fluidez do espaço e do tempo, o que nos faz perguntar qual a validade do esquema a priori, pressuposto na intuição pura propugnada por Kant.


Hans-Peter Dürr (7/10/1929-18/05/2014) relata que a mecânica clássica não mais serve para explicar inúmeros fenômenos físicos, como os elétrons e o magnetismo.


A formulação da mecânica quântica revelou aos cientistas “para sua surpresa que os seus conhecimentos de, e o seu saber sobre, a realidade por eles imaginada em abstracto têm muito a ver com os métodos com os quais investigam a natureza” (DÜRR, p. 40).


Para esclarecer a afirmação supramencionada, lanço mão de uma versão resumida da parábola de Sir Arthur Eddington, citada por Dürr, ao descrever uma rede feita para pescar peixes de 05 centímetros ou mais.


Evidentemente, referida rede, somente pode pegar peixes dentro de seu limite de mensuração.


O cientista considera-se livre de recorrer ao que considera como vagas especulações, pois contenta-se com o que consegue apanhar com base nos limites possíveis de mensuração eleito por seu método de pesquisa.


Um metafísico, que aceite a objetividade do mundo, considerará tal método inadequado para abarcar toda a realidade dos peixes, pois o universo de peixes é muito mais amplo que os limites subjetivos da rede.


O epistemólogo, dá razão ao metafísico, sobre o caráter subjetivo e parcial da afirmação do cientista, acerca do tamanho mínimo dos peixes possíveis de captura, mas, afirma que não se deve perder tempo medindo todos os peixes, para determinar o tamanho mínimo desta categoria de ser, basta medir a própria rede, aquilo que não for observável e mensurável não será objeto de análise científica:


"Este modo epistemológico de encarar o problema confere validade absoluta à lei. Isto corresponde ao enunciado de Kant, segundo o qual as descobertas gerais fundamentais da Física dão bons resultados na experiência porque estabelecem condições necessárias para a experiência" (DÜRR, p. 42, itálicos no original)


A rede simboliza o estreitamento da realidade, e a alteração qualitativa operada pelo nosso pensamento, e relaciona-se à possibilidade de se conhecer cada vez melhor a “estrutura” e não o conteúdo da realidade, o que implica no risco de “descurar das coisas” (DÜRR, p. 44).


Compreender algo, segundo o método científico, “significa, em primeiro lugar, desmontá-lo aos ‘componentes’ respectivos, analisá-lo, ao todo volta-se fazendo a soma das suas partes” (DÜRR, p. 47).


As relações inerentes ao todo implicam numa totalidade maior que a soma das partes, tal como acontece com um ser vivo, afinal, não se realiza uma vivissecção de uma cobaia, com a separação de todos os órgãos vitais do objeto de estudo, para depois o método científico devolver a vida, que preliminarmente foi extirpada, com a simples junção das partes anteriormente separadas.


Assim, deve-se contrapor ao desejo de poder e predomínio inerente ao método cientifico a “difusão de um novo paradigma que já não se orienta pelo termo estático de ‘estado’, mas sim pelo termo dinâmico de ‘processo” (DÜRR, p. 57), que reconhece a impossibilidade da predominância de tal método, quando este abstrai aspectos fundamentais da realidade, e acaba por tomar a abstração pela própria realidade.


A visão mecanicista clássica nega o acaso, tudo obedece ao pressuposto formal da “intuição pura” determinística inerente à fixidez de espaço e tempo, que implica para o ser humano não possuir “espaço para qualquer liberdade de acção! A História mundial iria decorrer tão inamovível como um relógio! Também não haveria qualquer compreensão em princípio do que distingue o ‘presente’ e do que este significa” (DÜRR, p. 48).
O indeterminismo quântico torna o presente “o momento em que a possibilidade cristaliza em facticidade, em realidade” (p. 50), pois:


"O decorrer do tempo reflecte um processo evolucionário constante. A evolução, com isso, no fundo, não se situa no tempo, antes tempo e evolução são, pelo seu carácter mais íntimo, a mesma coisa. O respectivo presente designa a constante concretização de possibilidades em realidades, correspondendo a um contínuo processo de ordenamento" (DÜRR, p. 54).


A mecânica quântica descreve os fenômenos naturais fora dos parâmetros mecanicistas clássicos, com um caráter de desenvolvimento contínuo em função da essência probabilística intrínseca à realidade, e, assim, Dürr é enfático ao afirmar que a “Criação não terminou, o mundo acontece de uma forma nova a cada momento” (p. 47).


O debate científico contemporâneo afirma que o termo “física de partículas” tem se revelado inadequado, pois o que os físicos insistem em denominar “partículas” não existe:


"Deveríamos adotar o termo “partícula quântica, mas o que justifica o uso da palavra partícula? É melhor enfrentar os fatos e abandonar o conceito para sempre. Alguns consideram essas dificuldades como evidências indiretas para interpretação pura de campo na teoria quântica de campos. Segundo esse raciocínio, partículas nada mais são que ondulações de um campo que preenche todo o espaço como fluído invisível" (KULMANN, 2014, g.n.)


A ciência em seu atual estágio de desenvolvimento não mais reconhece o tempo e o espaço como intuições puras a priori, que conformam os demais fenômenos, pois passam a manifestar condições indeterminadas, porque probabilísticas, e, não locais, dado que as partículas inexistem como tais, pois são ondas dentro de um campo, fluído e invisível, num total contraponto ao atomismo preconizado na física newtoniana, pois passam à condição de intuições impuras a posteriori.


4. O indeterminismo como aceitação da objetividade do mundo e como fundamento da ética da liberdade humana.


Reverbero Dürr, quando este afirma que precisamos retomar uma ontologia e uma antropologia que considerem a experiência pessoal e individual, integrada numa realidade total: “onde ainda não começamos a separar-nos como sujeito do objeto, onde ainda não começamos a contrapor ao nosso Eu existencial um mundo exterior objectivamente examinável” (p. 43).


Neste diapasão Dürr propõe que as experiências religiosas e artísticas devem ser consideradas, mesmo que não preencham os critérios das ciências naturais para uma abordagem científica, e “por isso não podem ser confrontadas com as ciências naturais, nem podem entrar em contradição com estas – para voltarmos à imagem da parábola, relacionam-se aos peixes que não podem ser apanhados” (p. 43).

Wolfgang Smith


Para não deixar sem resposta a afirmação da morte da filosofia enunciada por Hawking, adoto o argumento de Wolfgang Smith, que em sua obra “Ciência e Mito” distingue, categoricamente, entre pensamento e linguagem, sendo que “o pensamento é um ato intencional que busca apreender um objeto por meio de um conceito”, enquanto que a linguagem “é algo subsidiário ao pensamento: trata-se de seu veículo – aquilo que serve para expressar e comunicar o pensamento”, para então afirmar que quando se fala de filosofia há a primazia do pensamento sobre a linguagem, ao passo que para a ciência a relação é invertida (2014, p. 224).


O “modus operandi do cientista é o oposto ao filosófico: em vez de ‘abrir’ o conceito na busca por um objeto transcendente, ele o fecha, para consolidar sua apreensão sobre os fenômenos”, e, é neste momento decisivo que a linguagem adquire sua função fundadora, em que Smith, citando Jean Borella, esclarece que a ciência, por meio da linguagem científica, realiza o “fechamento epistêmico do conceito, pelo qual a ciência se define, é efetuado por meio de um critério de cientificidade que é especificado no nível da expressão formal ou linguística” (2014, p. 225, destaques no original).


A liberdade humana é intimamente vinculada à liberdade de pensamento, quando tratamos de filosofia lidamos com o ato de liberdade fundamental de abertura ao conhecimento, em todas as suas formas de manifestação.


A postura determinista é a consequência do corte metodológico típico do fechamento epistêmico que cria a própria linguagem científica, o que é irônico, pois a possibilidade da existência da proposta filosófica do determinismo está no fato de que o seu proponente tem, necessariamente, o conhecimento da proposta oposta, isto é, o indeterminismo, e, assim, o defensor do mecanicismo tem a liberdade de negar a própria liberdade, com base em sua proposta reducionista autoimposta por uma metodologia eleita pelo pesquisador.


A possibilidade de abertura epistêmica do pensamento é a base da liberdade humana mais íntima, da qual todas as outras emergem no mundo, esta possibilidade humana tem seu fundamento físico na natureza indeterminística presente na objetividade do real, tão bem demonstrada cientificamente pela física contemporânea, que descreve partículas tal qual os pensamentos que percorrem o espírito humano, pois o pensar também gera na mente humana "ondulações de um campo que preenche todo o espaço como fluído invisível".


5. Considerações finais.


A proposta kantiana de tempo e espaço, como “intuição pura”, que forneceria o esquema formal que pressupõe a possibilidade de existência da percepção, participa do fechamento epistêmico do conceito de realidade, por abordar a filosofia com base em pressupostos do método científico observacional empírico naturalista, que necessariamente abstrai o que não pode ser mensurado quantitativamente.


Ocorre que os objetos físicos, tratados em nível quântico, não são “observáveis” pela intuição sensível, e, embora sejam mensuráveis, somente o são em aspectos parciais e específicos, conforme o método de pesquisa eleito pelo cientista, se este buscar partículas as achará, se buscar ondas as encontrará, mas, algo escapa à pesquisa, pois os mesmos objetos podem responder ora como onda ora como partícula, e esta realidade constrange o universo da ideologia científica em vigor, que se propõe defensora do determinismo cartesiano de viés kantiano, como portador da certeza científica segundo o método da mensuração quantitativa.


Em suma, a filosofia está viva, e não se confunde com a ciência, pois esta é refém de seu método, e está presa aos seus modelos de validação (a priori), aquela é o exercício da liberdade, diante de um universo enigmático e espantoso, no infinito exercício de buscar respostas que aplaquem a sede de saber humano, e, na tentativa de obter a solução de tais enigmas, é a filosofia que cria os modelos, posteriormente adotados pela própria ciência, mesmo que seja para negar a liberdade e a própria filosofia.


Referências
DÜRR, Hans-Peter. Da ciência à ética: a física moderna e a responsabilidade do cientista; tradução de Lumir Nahodil. – 1.ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
HAWKING, Stephen; MLODINOW, Leonard. O grande projeto. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2011.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão; introdução e notas Alexandre Fradique Morujão. 5.ed. Fundação Calouste Goubenkian: Lisboa, 2001.
______________. Os progressos da metafísica. Tradução Artur Morão. Edições 70: Lisboa. 1995.
KULMANN, Meinard. O que é real? in Scientific American Brasil – Edição Especial Física e Astronomia 1; Ediouro: São Paulo. 2014.
SMITH, Wolfgang. Ciência e mito: com uma resposta a O Grande Projeto, de Stephen Hawking. Tradução Pedro Cava. 1.ed. CEDET: Campinas, 2014.