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segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Cristo é Deus!





"Cristo é Deus!", esta frase é até os dias de hoje motivo de escândalo, pois o Caminho, a Verdade e a Vida, conforme o sentido comum de um mundo envolto pelas necessidades diárias, e imerso em sentimentos de urgência e inveja, é em certo sentido a marca de todos os tempos, este é o mundo!


O fato de um homem pobre e desgarrado dos poderes sociais e políticos jamais poderia ser honrado como o Homem, quando Deus se fez carne foi uma espécie de anticlímax mitológico em sua manifestação histórica, e é esta História que revivemos na missa, uma história sagrada fundada numa existência humilde, mas eterna.


O jogo existencial presente nessa realidade é que o evangelho é totalmente exotérico pois seu esoterismo é algo público, nada foi escondido, tudo foi revelado, mas trata-se de um testemunho legado pela tradição que necessita da constante vigilância, pois trata de uma realidade absoluta que não diz respeito ao mundo, esse é o maior dos escândalos.


Ao mesmo tempo em que cada cristão está diante do absoluto ele também tem que atender às demandas profanas, este é o equilíbrio que nos mantém sempre perto da queda, uma vez que ao contrário de estarmos contemplando o abismo, na verdade estamos já no fundo desse mesmo abismo, buscando vislumbrar o cume entre as nuvens

sábado, 4 de maio de 2019

MITO E VERDADE




Vamos lá, o mito é sinônimo de mentira?

Também assisti aulas de introdução à filosofia em que utilizava-se bibliografia marxista de história da filosofia, em particular com citações do Jean-Pierre Vernant, que adota aquela balela de que a filosofia grega aconteceu por conta da criação da moeda e outras tontices de cunho materialista, como se a tal de "infraestrutura" (estrutura econômica) fosse a origem imanente do "superestrutura" (cultura).

Prefiro inverter esta equação e apostar na força do espírito como a pedra fundamental sobre a qual são estabelecidas as conquistas humanas, e tal poder manifesta-se no mundo pelo Poder da Linguagem.

A realidade da linguagem pode ser encarada com base em 04 momentos dinâmicos, simultâneos do ponto de vista ontológico, e sucessivos de um perspectiva lógica, isto é, a estrutura da linguagem em seus quatro níveis (poético, retórico, dialético e lógico) é o pressuposto para a possibilidade de existência de um infraestrutura ou uma superestrutura, pois sociedade, produção e cultura somente sustentam-se com base no exercício da correta comunicação, na eficaz proliferação de conhecimento e seu desenvolvimento, não à toa a sociedade do conhecimento é o momento histórico que vivenciamos.

Aliás, a teoria dos quatro discursos que sintetizei acima é uma criação do Olavo de Carvalho, que com base na filosofia aristotélica nos fornece uma excelente ferramenta de descrição da realidade em seu aspecto linguístico.

Mas, remetendo-me à questão inicial, penso que o mito é a verdade apreendida pela imaginação encantada pela realidade concreta, é a verdade inerente ao símbolo, a verdade da poesia e da arte, a verdade com todas as possibilidades, com todos os exageros e todas as hipérboles, mas é a verdade que doa vida às demais formas de linguagem.

O mito, portanto, é portador de verdades fundamentais da realidade, e, também, de ilusões, porque é a linguagem dos símbolos, é de onde principia a própria linguagem, e de onde nascem as outras formas de linguagem, que por sua vez geram novas visões mitológicas e imaginativas.

Entre tantas mitologias vigentes há o mito da superioridade absoluta da ciência, crítica e materialista, como forma de conhecimento incontestável, um símbolo que dentro dos limites do método científico, abstrativista e especializado, é incontestável, todavia, quando considerado dentro dos limites da realidade é uma falsidade que causa inúmeros perigos e desvios.

O mito quando perde seu caráter simbólico conectado com a realidade concreta, e torna-se um símbolo de uma idéia negadora da realidade, aí sim, será uma mentira das mais deslavadas e nuas.

domingo, 4 de novembro de 2018

APOLOGIA A JAIR MESSIAS BOLSONARO


A anti-fragilidade de Bolsonaro


"A pessoa que nunca foge à responsabilidade, que sabe que não pode fugir à responsabilidade, adquire o direito de dar ordens."
Eugen Rosenstock-Huessy



Este ano de 2018 foi um choque de realidade, uma realidade na qual a velha classe política descobriu-se vítima da desilusão mais cruel, aquela de se julgar vencedora e descobrir-se uma derrotada, pois julgava-se imbatível em termos de poder midiático e financeiro.

O velho sistema reinante não contava com a consciência do povo comum despertando e elegendo um candidato com uma plataforma de senso comum, cujo tempero foi a confiança na promessa de fazer o possível, e a segurança conferida pela defesa da verdade.

O que habilita alguém a dar ordens? 

O que significa ser responsável?

Jair Messias Bolsonaro conquistou o poder de comandar ao demonstrar seu apego ao dever de se responsabilizar por suas ordens, uma consequência do conhecimento da verdade inerente à realidade, tanto quem ordena quanto quem obedece exercem atos de coragem moral, perante a adversidade e a natureza trágica da vida, cuja efemeridade nos é hipotecada ao nascermos.

O que é poder político? 

Qual o poder da cultura?

Qual o poder da educação formal?

Vos digo que estes poderes são incompletos, pois não podem substituir com eficácia o poder da voz maternal ou paternal (1), cujo acolhimento gera educação e a saúde mental (2), necessárias para o futuro exercício dos demais poderes inerentes ao ser humano.

A capacidade de exercer o poder de dar ordens, com a mesma qualidade amorosa familiar, quando emerge na política, na cultura e na instrução, é capaz de alterar o jogo social, pois possuir o atributo de restaurar a moral social quando a sociedade, e sua política, tornaram-se viciosas e odientas, eis uma virtude que é dominada com maestria pelo Jair, a virtude de demonstrar em atos e palavras seu amor à Nação e à Pátria, que em última instância somos nós os brasileiros, o Povo.

Um homem cuja única arma é a palavra, em que cada sílaba se pronuncia para fora como projeção de sua verdade interior, que estabelece uma rede de novas conexões, que são retransmitidas sem perda de energia vital, cada palavra uma ordem, que se lança para o espaço e cujo efeito é mover o ouvinte à ação, formando uma só vontade, pois há responsabilidade mútua derivada da compreensão em comum de que se faz necessário atingir um objetivo superior aos interesses mesquinhos que ainda vigoram em nossa sociedade.

Jair venceu ao adotar o realismo da linguagem (3), um homem cujo cotidiano até à pouco tempo estava na obscuridade do baixo clero da vida comum, e, que durante a eleição de 2018, simbolizou o sofrimento pessoal de alguém que se entregou pelo amor à Pátria.

Estamos em luta pela preservação da lei, aquela lei que conecta os tempos entre a vida e a morte (4), a lei que preserva os negócios sociais inerente à vida, à liberdade e à propriedade por meio do código civil, e os defende contra os abusos por meio do código penal.

Propriedade e segurança, vida e morte, lei e ordem, escolhemos a voz calma da prudência contra a histeria impotente do sentimentalismo, cada voto em Jair foi um voto pela conservação das coisas boas da vida, foi uma eleição da liberdade contra a tirania do socialismo do pensamento, que almeja dominar a política nacional a tantas décadas.

Jair Messias Bolsonaro é sobretudo um empírico, cujo foco está na realidade percebida pelos seus sentidos, ele acreditou nos próprios olhos e apostou que sua compreensão poderia ser compartilhada, mas além de um grande senso prático, nosso presidente é um gênio da retórica, criou slogans mil, fulminou reputações com uns bons palavrões ou safanões verbais, ironizou com fúria e graça, foi o mestre da "trivialidade" (5) da discussão política, aproximou-se da realidade primária da verdade, e, pelos frutos conhecereis a árvore...

Tal qual no gênesis, em que a palavra cria a realidade, nesta eleição presidencial de 2018, um candidato, por meio de sua palavra, canalizada por meio do éter e de fibras óticas, sustentado por mídias sociais operadas por pessoas comuns, cristalizou-se em símbolo (6), ao ponto de criar um mercado de moda, inspirar produção artístico-cultural-musical, Jair virou a metáfora de um Brasil que queremos, e assim nossa política rejuvenesceu, por meio de um capitão idoso acompanhado de idosos generais na reserva.

Um líder vence quando converte-se num símbolo, cada palavra sua evoca os demais significados presentes na cristalização de idéias  (7) que formam o símbolo, daí explica-se este caso de resistência, e de não-fragilidade, que se tornou possível, um símbolo é à prova de facas, e totalmente refratário às mentiras, um símbolo não precisa de financiamento nem de propaganda, pois a palavra nesta caso é alada e grávida de significados, um símbolo é um objeto de compreensão subjetiva por parte do ouvinte, quem quer que seja, aonde quer que esteja, com a capacidade e gerar múltiplos significados com o atributo da veracidade.

A palavra, isolada de qualquer contexto, transita na armadilha lógica de Parmênides (8), isto é, a palavra está entre o ser e o nada, a única solução é preencher a invocação de palavras com a evocação da história de vida de cada pessoa, nação e civilização, ou seja, determinar a quais símbolos o texto, falado ou escrito, remete.

Já que de tudo devemos provar um pouco, e guardar o que for bom, o caminho adotado por Bolsonaro foi prezar a clareza e desprezar a aparência, a fala de nosso agora presidente foi preenchida da força de sua personalidade, com todos seus erros e acertos, com toda sua história de vida, e sua capacidade de evoluir no sentido do aperfeiçoamento pessoal.

Uma das consequências mais importantes na ascensão de Jair está na progressiva restauração da saúde na relação falante e ouvinte (9), pois com todos seus erros e acertos, seu discurso restaurou a essência da palavra responsabilidade (10), pois responsável é aquele que responde por aquilo que fala e cumpre a promessa que empenha, a linguagem tem, assim, restaurada a sua verdadeira força, que é retratar a realidade e ser capaz de mover a ação humana por meio da palavra.

O quê cativou a maioria dos brasileiros? 


O Jair dirigiu-se pessoalmente ao Povo, utilizando-se deste vocativo em sua essência, na qual depositou sua total confiança por todo o processo eleitoral (11), com isso iniciou o processo de cura, pois a palavra verdadeira expurga a mentira falaciosa, uma vez que se cria a condição básica para a checagem dos fatos, situação que se consolidou com a criação das redes sociais, a loucura e a histeria populares, típicas de períodos eleitorais, foram afastadas pela compreensão, e, esta educação possibilita a higidez necessária para o fortalecimento da saúde do Povo, uma povo que acredita em seus próprios olhos e ouvidos.

Jair Messias Bolsonaro em sua fala, ao longo dos anos, transpirou a qualidade "gramatical" (12) inerente àquela exclusividade de quem tem a qualidade de dar ordens, pois suas palavras foram uma confissão de fidelidade que foi acolhida pelos ouvintes, e, então, a palavra fez-se ação, afinal, quem precisa de dinheiro, se possui o amor da massa do povo?!

O que distingue a fala de Jair, da retórica vazia dos demais políticos brasileiros, é sua sinceridade de propósitos (13), cuja expressão verbal transmite a ideia de que somos únicos, este é um fundamento mito-poético que se lança nas profundezas de nosso "irracional" emocional.

Utilizo a expressão "irracional" em relação à inteligência emocional no sentido em que julgo tal inteligência "racional" do ponto de vista do atributo da intuição, no sentido do intuicionismo radical de Olavo de Carvalho, uma apreensão imediata dos dados da realidade por meio dos sentidos e do intelecto, que é passível de descrição parcial por meio de palavras, mas cuja impressão mental permanece, mesmo que não seja verbalizável.

Ora, a gramática por ele utilizada não foi a mais culta, nem formal, segundo as regras da velha política, o cognominado Mito utilizou-se da "gramática" (no sentido em que este termo latino tem o mesmo significado em sua origem grega: lógica) da linguagem viva do cotidiano, que aceitou todas as suas ambiguidades, sem negar a verdade de erros ou exageros passados, e seu discurso foi exercido confiando que o cidadão seria capaz de distinguir a verdade da mentira.

O novo presidente do Brasil, além de trazer o nome próprio "Messias", efetivamente assumiu uma missão restaurativa da psicologia nacional brasileira, seu nome e sua pessoa tornaram-se mitológicos, no sentido em que a linguagem poética e imaginativa foi penetrada de significados sem fim, todos convergentes no sentido de criação de um depósito da fé comum do povo, com foco em vislumbrar um futuro na qual o bem comum retornará como parâmetro de governo.

Como se diz no bom e velho jargão militar, daqueles profissionais que colocam sua vida no limite entre a vida e a morte, na linha de tiro do inimigo, "missão dada é missão cumprida", esta é a natureza profunda a liderança, a capacidade de abandonar-se e sacrificar-se em razão do próximo (11), para fora e para cima de si mesmo.


Nossa educação política prospera em paralelo com o restabelecimento da saúde mental do Povo (2), uma vez que a linguagem saudável, que descreve a realidade e direciona a ação, renasce a cada dia, cada vez mais, e, assim, a mentira tem sido expurgada, tal como o pus que vaza de uma infecção em processo de cura.


Por que devemos levantar as armas contra as teorias de gênero? 

Qual a importância da instituição da família?

O que é mais importante para uma sociedade?

O futuro é representado nas crianças, e só será garantido pela preservação da maternidade e paternidade genuínas e seu espírito de exclusividade (1) (não entro na discussão se a família tradicional é a única válida, uma vez que a realidade já demonstra haver uma grande variabilidade de abordagens), o fator principal é que a autoridade dos pais (2) (não importa se a família configura-se em XX + XY, XX + XX, XY + XY, XX, XY) seja considerada a genuína autoridade, que funda as demais ordens sociais, e, em caso de abusos, como sempre, temos a polícia a justiça.

O Brasil ao longo das eleições de 2018, portanto, iniciou exitoso processo terapêutico, o vocativo "Povo" (9) foi elevado à sua verdadeira relevância em nossa democracia popular, pois elegemos um candidato que falou para o Povo, pelo Povo e com o Povo.

NOTAS:

(1) Quem quer que tenha tal espírito de exclusividade para com outro ser humano tem uma qualidade, uma qualidade "gramatical" que ninguém mais tem e que indispensável - a qualidade de dar ordens, de dizer: escuta, vem, come, ama-me, vai dormir. (p. 233) [...] É derivado da maternidade ou da paternidade genuínas. O direito de dar ordens depende da qualidade de pôr aqueles a quem se dirigem essas ordens acima de tudo o mais. (p. 234)

(2)  Necessitamos que alguém nos dirija a palavra, senão enlouquecemos ou adoecemos. (p. 231) [...] As mães não se tornam conscientes da maternidade senão na experiência de dar ordens, cantar canções e contar histórias aos filhos. E as crianças tornam-se filhos e filhas graças à voz da mãe. (p. 234) [...] Há um termo algo batido para designar essa forma da saúde do falante; chamamo-la "responsabilidade". Mas o termo perdeu sua pujança por ter sido usado de maneira demasiado ativa. (p. 238)

(3) O realismo da linguagem consiste em que ela vem após as obscuridades da vida comum e do sofrimento pessoal. (p. 184)

(4) A história de todas as leis faz-nos parecer correta a nossa interpretação do intervalo entre a morte e o nascimento. [...] A primeira e, originalmente, única lei é a lei da sucessão. [...] A distinção entre o código penal e o civil funda-se na diferença entre a morte violenta e a morte natural. (p. 184)

(5) A ciência é uma aproximação secundária e abstrata à realidade. [...] Devemos estar imersos e enraizados num universo nomeado, para depois dele nos podermos emancipar pela ciência. (p. 218) [...] Esta breve investigação das novas vias mostra que, dentre as sete artes liberais, o chamado trivium - gramática, retórica e lógica - é o que mais se beneficia de nossos estudos. [...] Nossa abordagem eleva as "trivialidades" desses três campos introdutórios do saber à estatura de ciências plenamente desenvolvidas. [...] Elas tornar-se-ão as grandes ciências do futuro. (p. 219)

(6) A consciência não funciona senão quando a mente responde a imperativos e utiliza metáforas e símbolos. [...] Até os cientistas devem falar com confiança e segurança antes de poder pensar analiticamente. (p. 219)

(7) Que é um símbolo? Que é uma metáfora? Constituem o pão nosso de cada dia? Símbolos são fala cristalizada. E a fala cristaliza-se em símbolos porque, em seu estado criativo, é metafórica. Símbolos e metáforas relacionam-se como a juventude e a velhice da linguagem. (p. 219-20) [...] Até os símbolos dos lógicos a provam... são fala cristalizada. [...] A fala deve levar aos símbolos. Os símbolos resultam da fala. "Ouvimos" os símbolos como se fossem fala. "Olhamos" para a fala porque ela nos levará aos símbolos. (p. 220)

(8) A linguagem humana é metafórica por definição. Nada nela é o que é. Tudo significa algo que, em si mesmo, não é. (p. 222)

(9) A relação entre a saúde e o ato de falarem conosco com o poder de nosso "vocativo" único torna imperiosa a resistência a que a educação seja monopólio do Estado. (p. 231)

(10) E sabemos que a potência de qualquer imperativo depende de que o falante se lance para fora de si mesmo na ordem que dá, e de que o ouvinte seja lançado à ação. Ambos então se direcionam para fora, ou, como costumamos dizer, não são autocentrados. (p. 234)

(11) Quem está pronto para abandonar-se a si mesmo e depositar toda a sua fé no nome de outra pessoa é trazido para fora e para cima de si mesmo, e se torna depositário, líder e representante do nome invocado. (p. 237)

(12) A gramática moderna faz vista grossa ao fato de que qualquer vida é ambivalente, oscilante entre o ativo e o passivo. [...] Eles e ele são concomitantemente ativos e passivos. E essa é a norma humana. (p. 239)

(13) A primeira condição para a saúde é que alguém fale conosco com sinceridade de propósitos, como se fôssemos únicos. (p. 231)

REFERÊNCIA:

Eugen Rosenstock-Huessy (1888-1973) A origem da linguagem; edição e notas Olavo de Carvalho e Carlos Nougué: introdução, Harold M. Sathmer e Michael Gorman-Thelen: tradução Pedro Sette Câmara, Marcelo de Polli Bezerra, Márcia Xavier de Brito e Maria Inêz Panzoldo de Carvalho. - Rio de Janeiro: Record, 2002.

http://sensoincomum.org/2016/04/26/a-antifragilidade-de-bolsonaro/

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O MITO DA MEDICINA E A HARMONIA ENTRE ALMA E CORPO - MATERIAL DE ESTUDO



"O problema consiste precisamente em saber se alma e corpo, funcionamento psíquico e funcionamento somático, na realidade complementares, podem ser radicalmente separados do ponto de vista da terapia." (Paul Diel)


"O valoroso esforço de Apolo para salvar sua amada Coronis, e como tal esforço leva à dedicação de Asclépio à cura, trata de como a busca pela cura está fundamentada em amor e lamento. A falha de Apolo em salvar Coronis, morta por um deus, assim como a história da punição de Asclépio por ressuscitar os mortos ensinam que a medicina deve aceitar a mortalidade humana como limite apropriado para seu trabalho. A docilidade que infunde os nomes de Asclépio (incessantemente gentil) e Epiona (que acalma) trata da arte da cura não como uma guerra contra a doença ou contra o corpo, mas da procura, junto ao corpo, em levá-lo à saúde. Tal docilidade é tema recorrente em muitas obras médicas antigas." (Cf. Steven H. Miles, apud Hélio Angotti Neto, p. 49-50)

Detalhe de Apolo e as Musas (Simon Vouet). 
Apolo, como Senhor da beleza 
e da perfeição, é patrono das artes.


"Apolo representa a cura, a razão e a profecia, isto é, o prognóstico, o entendimento do está por vir na vida do paciente. A racionalidade de Apolo orienta a tendência mais naturalista presente nos médicos a partir de então, fator em comum nos diversos escritos hipocráticos. Higia representa a busca pela prevenção e pelos bons hábitos, pela higiene. Panaceia representa a cura por meio da terapia farmacológica, das medicações. E Asclépio (ou Esculápio), filho de Apolo, pai de Higia e Panaceia e aprendiz do centauro Quíron, também demonstra diversos valores e inclui uma curiosa censura ao desejo indevido de lucro acima do que é sábio, pois morreu alvejado por Zeus ao ceder - movido pela ambição - à tentação de ressuscitar um mortal preso no reino de Hades." (Angotti Neto, p. 50)

"Os valores e as atitudes demonstradas pela evocação dos deuses antigos são: gentileza, busca pela cura, prevenção dos males por meio de bons hábitos, autoconhecimento, sabedoria frente aos limites da própria arte e uso da razão." (Angotti Neto, p. 51)

Quíron e Aquiles, ânfora ática (~520a.C.), Museu do Louvre, França.


"Na mitologia grega são encontradas muitas figuras simbólicas cuja significação guarda estreita relação com a medicina. As mais importantes são: Apolo, Quíron, e Asclépio. A significação dos símbolo "Asclépio" só poderá ser encontrada se estabelecermos precisamente sua posição nesta tríade, na qual Apolo, suprema divindade da saúde, simboliza o princípio da cura. Ora, Apolo preside à harmonia da alma. Aparece, assim, desde o início, com perfeita clareza, a posição do mito em relação à saúde em geral ressaltando em especial a saúde psíquica. Nesta constatação inicial poderia estar a chave da tradução do mito da medicina, do mito de Asclépio." (Paul Diel, p. 206)

Estátua de Esculápio no museu do Teatro de Epidauro, Grécia


"Quanto à relação entre harmonia psíquica e a saúde, é importante sublinhar que qualquer símbolo mítico, sejam divindades ou monstros, possui uma significação em relação à arte médica. A simbolização em seu conjunto serve para representar a constelação sadia ou doentia da psique. A tradução do mito de Asclépio permitirá o desenvolver essa questão fundamental em toda a sua extensão e determinar a visão em relação à cura, não somente da psique como também do corpo." (Paul Diel, p. 206-7)

[...]"a condição de harmonia interior, a vitória sobre a vaidade culposa"  (Paul Diel, p. 207)

"Mesmo sendo filho de Apolo, Asclépio preside menos ao equilíbrio da alma que à saúde do corpo. Seria que o interesse predominantemente pelo corpo, caractetístico do símbolo "Asclépio", a causa do castigo final que o herói da medicina sofre segundo o relato mítico? Uma comparação com o destino de Hércules permitirá um melhor julgamento.

"Hércules sacrifica seu corpo, e carnalidade, e Zeus lança seu relâmpago para iluminar a alma do herói. O espírito ajuda o herói na realização do sacrifício, símbolo de sublimação. O sacrifício do corpo (a renúncia ao apego exaltado aos desejos carnais) é aceito pelo espírito e torna-se a condição essencial da divinização simbólica. Asclépio, ao contrário, por sua qualidade de curador dos males físicos, apega-se às necessidades corporais. Contra ele, Zeus não lança o relâmpago iluminador, mas o raio punitivo. O simbolismo parece querer manifestar que a ciência médica, da qual Asclépio é o representante mítico, mesmo que implique, como toda ciência, um esforço de ordem espiritual (simbolicamente divinizado), muitas vezes pode apegar-se exclusivamente às necessidades do corpo."  (Paul Diel, p. 207)

"Uma tal concepção contém o perigo de abrir um profundo abismo entre a sabedoria mítica e a mais marcada das tendências da medicina moderna. A aparência de uma contradição no símbolo "Asclépio" (divinizado-fulminado) e a tentativa de destituí-lo, desde o princípio, de sua significação, chave da tradução, conduzem a um dilema: ou o mito, em razão de sua predileção pela vida da alma, exagerou a importância de seu princípio de cura, a harmonização dos desejos [...]; ou então a predileção da medicina moderna pelo estudo do funcionamento orgânico a teria levado a negligenciar a importância do funcionamento psíquico. (Paul Diel, p. 207-8)

"Este dilema exige uma solução, antes mesmo de entrar nos detalhes da tradução. Não se trata de forma alguma de discutir as bases da arte médica, mas unicamente de evidenciar o fundamento da visão mítica encontrado no símbolo "Asclépio" e de assim preparar a compreensão dessa figura cuja significação ultrapassa o quadro mítico no qual é tratado, visto que a formação e a deformação da alma, portanto, a cura dos distúrbios psíquicos, são tema comum a todos os mitos. O problema consiste precisamente em saber se alma e corpo, funcionamento psíquico e funcionamento somático, na realidade complementares, podem ser radicalmente separados do ponto de vista da terapia. Convém enfrentar antes de tudo esse problema fundamental, ainda que necessite de um preâmbulo teórico um pouco longo e complicado." (Paul Diel, p. 208)

"A tradução de um número bastante grande de mitos demonstrou que sua significação oculta constitui uma verdadeira psicopatologia, uma pré-ciência psicológica, expressa por imagens, mas capaz de explicitar a motivação subconsciente, produtora de ações ilógicas e sintomáticas, alcançando até os delírios e as alucinações, cujo conjuntou constitui as doenças mentais. Esta pré-ciência mítica parece merecer a censura de considerar com demasia exclusividade o encadeamento psíquico das causas e dos efeitos, dos motivos e das ações. Seria sem dúvida errôneo pretender que a doença do espírito se deva unicamente a causas de ordem psíquica. A verdade é que a cada causa psíquica corresponde um distúrbio orgânico (lesão da substância nervosa ou desregramento da função endócrina). O ideal seria conhecer tanto o encadeamento das causas fisiológicas quando dos motivos psíquicos. A desordem da psiquiatria moderna poderia muito bem advir da incapacidade de estabelecer um paralelo entre essas duas vias explicativas, bem como das tendências que buscam preencher as lacunas da explicação fisiológica através de explicações psíquicas, e as lacunas da explicação psíquica por explicações de ordem fisiológica. Nesse sentido, a sabedoria mítica teria muita razão em limitar -se à  explicação figurativa dos motivos e de seu encadeamento.  Esta limitação seria um princípio econômico que não poderia de modo algum suscitar a censura de negar a unidade corpo-psique,ou de se opor a priori a qualquer preocupação no tocante às causas orgânicas e aos cuidados somáticos. Ao contrário,  teríamos o direito de dizer que a sabedoria mítica,  apesar de explicar-se somente através de imagens simbólicas,  mostra -se mais avançada"  (Paul Diel, p. 208-9)

Fontes: 

https://editoramonergismo.com.br/products/a-tradicao-da-medicina

https://www.amazon.com.br/Simbolismo-na-Mitologia-Grega/dp/8585115181/ref=sr_1_2?s=books&ie=UTF8&qid=1519054280&sr=1-2

domingo, 20 de agosto de 2017

QUALQUER IDEOLOGIA É UMA RELIGIÃO SACRIFICADORA



O pensamento orientado pelos ícones da modenidade (direita x esquerda, liberal x conservador, facismo x nazismo, etc.), em linhas gerais, é uma forma de renascimento das religiões arcaicas que sacrificam vítimas inocentes para deuses infernais.

A violência na religião pagã é a ferramenta religiosa fundamental, pois o rito arcaico é originado no assassinato fundador.

Após o nascimento de Cristo, e sua Paixão, os mitos antigos foram revelados como mentiras da religião da violência, a antiga mentira pagã foi exposta, o contrato com o diabo não poderia mais surtir efeito, pois para a religião antiga a vítima era o preço que deveria ser quitado ao deus sedento de sangue em troca do efeito desejado de paz social.

Cristo demonstrou com sua história e seu sofrimento que o mito mente ao julgar a vítima culpada e merecedora do castigo da morte, a Paixão de Cristo é o símbolo da injustiça inerente à religião e à sociedade dos sacrificadores.

Do início ao fim da Paixão de Cristo se comprova que a culpa é dos sacrificadores, todos eles, que se beneficiam do sangue derramado, nunca mais poderão considerar-se limpos, em todas as épocas e para todo o sempre.

O sangue vertido na maior história que já aconteceu dessacralizou o sangue de todos os bodes expiatórios.

A cristandade é fruto dessa revelação que há uma inutilidade no sacrifício do bode expiatório, enquanto que a eucaristia é o sacrifício incruento instituído para que inocentes não sejam mais objeto de ódio.

Desde o Renascimento, passando pelo Iluminismo, e chegando aos nossos dias, a revalorização da Idade Clássica e seus erros favoreceu a criação de novos cultos aos deuses antigos da violência, que foram novamente entronizados por meio da criação de ideologias.

O pensamento ideológico é uma forma de religião sacrificadora, na qual um inimigo é eleito como o culpado e merecedor da morte violenta para purificar o cosmos, em certo sentido essa é a religião originada das diversas ideologias de nosso tempo, marxista, fascista ou nazista, também, é religião liberal, ou simplesmente relativista, pois nestas visões infernais algo deve ser sacrificado no altar da fé ideológica, e, regularmente, são eleitos os cordeiros cristãos.

Werner Nabiça Coêlho - 20/08/2017

O SÍMBOLO GERA O RITO E O MITO



O símbolo, até onde entendi com base em Eric Voegelin e René Girard, é a fonte primária da linguagem como participação em realidades fundamentais à existência humana.

A primeira realidade fundamental que tem que ser apreendida é a necessidade de autocontrole social da violência, e, nas origens da humanidade tal fato social se configura mediante a necessidade do respeito ao sagrado e à divindade, o princípio do respeito às hierarquias dentro da realidade humana e divina, para que haja uma ordem capaz de conter os riscos inerentes à eclosão da violência sem limites em um ciclo sem fim de destruição.

O mecanismo mimético, quando encontra sua solução pacificadora no bode expiatório, a vítima simboliza o significado divino daquele que é portador do malefício e do benefício, é o algoz e o benfeitor.

A violência social ao ser pacificada pela violência do sacrifício, esta capaz de ordenar o caos daquela, assume, assim, um significado diferenciador, torna-se um símbolo, em que morte da vítima possibilita a instituição de uma ordem sagrada porque foi eficaz, é um ato fundador.

A vítima concentra em si o bem e o mal inerentes à violência da comunidade, o rito é a religação à esta estrutura fundadora de significado, na forma de um conjunto de ações e reações, expressões, sons e memórias que nem precisam estar verbalizadas, basta que sejam reproduzíveis.

É o rito que, ao reproduzir continuamente o sacrifício (por séculos, por milênios), funciona como a primeira forma cultural, na qual o símbolo (rito) é um dado empírico e concreto, necessário para a manutenção da ordem sagrada que afasta o caos da violência sem freios e sem diferenciação, e este símbolo é representado no rito que conduz à vítima sacrificial.

Com o tempo, o rito se estrutura linguisticamente e favorece a criação da narrativa mítica, pois sua repetição permite a paz necessária para a sociedade desenvolver a língua e o vocabulário com base na estabilidade criada por meio do próprio rito.

A vítima se converte no deus e/ou no herói, neste sentido, o símbolo nem verbal é em sua origem, e quando se torna verbalizável, origina a linguagem poética na forma de narrativas sagradas, os mitos.

Werner Nabiça Coêlho - 20/08/2017

sábado, 19 de agosto de 2017

SENTIMENTOS, EMOÇÕES E LINGUAGEM


Ao se adotar um foco relativo à etiologia da linguagem é possível detectar que em animais superiores o sentimento é manifestação da primeira linguagem codificada seja em gestos, expressões faciais ou corporais, sons musicais ou de ênfase como rosnados.

A humanidade necessitou erigir o verbo em meio aos gritos com base na harmonia dos símbolos, que inicialmente surgiram de uma progressiva harmonização dos sentimentos em emoções, estruturas de linguagem sentimental possuidoras de conteúdo comunicacional mais consistente e expressiva de um estado psicológico específico.

A conversão da reação do sentimento cego na estabilidade das emoções significativas, simbolizadas por nomes próprios, foi o fruto da repetição de rituais religiosos originados das crises miméticas, que operaram o progressivo nascimento dos símbolos diferenciadores da cultura.


Cabe aqui esclarecer que a chave da teoria mimética de René Girard é fundada na criação do bode expiatório, uma vítima sacrificada pela violência sagrada, originada na violência caracterizada pela espiral da vingança que eventualmente domina a comunidade quando os processos miméticos fogem do controle.


O sacrifício do bode expiatório, fenômeno que ocorre dentro do mecanismo mimético, contém o processo da violência sem fim, assim, o ato sacrificial origina o rito, que é a reprodução dessa violência sagrada mantenedora da paz social, em contraponto à violência profana e irracional na qual os sentimentos são inominados e indiferenciados.

Neste sentido, o temor ao sagrado é um mecanismo que origina a linguagem, e explica como somos capazes de racionalizar o temor em amor, pois o próprio fato de atribuirmos nomes às emoções e aos sentimentos implica na criação de símbolos, imagens, referências, diferenciações.

A conversão de reações sentimentais em emoções racionalizadas é uma técnica de sobrevivência da espécie humana que possibilita o controle da violência humana e social.

Daí a criação de emoções e o ato nominá-las ser um tipo de racionalidade com foco na necessidade de sobrevivência, um exemplo misterioso, e já bem vulgarizado no senso comum, é o processo descrito como "Síndrome de Estocolmo", em que a vítima converte o temor ao algoz em respeito à autoridade, ou mesmo em amor ao tirano, por isso que ditaduras e totalitarismos são tão longevos, pois o medo é uma emoção que conforma o verbo "obedecer", e, da mesma forma,  em sociedades republicanas e/ou democráticas, o amor funda a caridade e a autonomia de pessoas livres por meio do senso de responsabilidade.

Werner Nabiça Coêlho - 19/08/2017

terça-feira, 25 de julho de 2017

A ALIENAÇÃO É A RAZÃO EXASPERADA NO POLITICAMENTE CORRETO


A “deusa razão”, representada por uma prostituta, sendo carregada pelas ruas de Paris



Voegelin, Girard e Ortega y Gasset demonstram a necessidade de se reconquistar o significado ontológico dos símbolos.

Eric Voegelin identificou a gênese do conceito de alienação (allotiosis) na filosofia estóica, e a definiu como "um estado de retirada do próprio eu [...] um recuo da razão na existência" (2007, P. 118), fenômeno que causa em sua vítima uma profunda perda de sentido na existência humana, todavia, mesmo quando a função racional perde seu sentido superior, de buscar o sentido da vida humana no interior da realidade, a racionalidade permanece como uma ferramenta de justificação do próprio estado de alienação, mediante a racionalização da própria alienação.

O estado de alienação é, portanto, o império da violência sobre a razão, que legitima a vingança interminável, típico de crises miméticas, e, conforme a chave explicativa da teoria mimética há no ser humano uma tendência de racionalização dos motivos irracionais desencadeadores da sucessão de retaliações típicos da vingança, em que a violência desenfreada retroalimenta-se mediante o uso da lógica da reciprocidade, uma justificação sem fim até ao ponto da virtual autodestruição do corpo social na indiferenciação da violência, cuja solução de continuidade, eventualmente, é alcançada com o sacrifício de um para salvar a todos, o bode expiatório, o que nas sociedades arcaicas significou a criação do primeiro símbolo diferenciador, ao mesmo tempo nefasto e sagrado, pois a vítima representava ao mesmo tempo o bem que encerra o conflito e o mal que o iniciou, o sagrado e a violência.

René Girard, de forma análoga a Voegelin, descreve a necessidade de uma "teoria genética" que remeta à estrutura do real, na qual a linguagem simbolizada pelo rito sacrificial é uma metáfora da violência humana, que se não for ordenada e sacralizada implicará na libertação dos demônios da vingança sem medidas, o rito torna-se o símbolo da violência domesticada pela linguagem metafórica dos símbolos, e por isso adverte que:

[...] a teoria vitimária não confunde grosseiramente a perseguição espontânea com os sacrifícios rituais, mas permite que se descubra uma relação ao mesmo tempo metafórica e real entre a perseguição espontânea e todos os sacrifícios. A relação é metafórica, pelo de que todo gesto ritual consiste numa substituição da vítima, e real, pelo fato de que a vítima substituída também é imolada, mais do que nunca bode expiatório. (2009, p. 121)

A alienação que racionaliza a violência faz surgir o procedimento político da ação direta, que é descrita por Ortega y Gasset como a forma típica de atuação do homem-massa.

Ação direta é o outro nome de racionalização dos meios violentos para obtenção de resultados políticos e sociais, o que torna a linguagem uma arma de guerra social, e, assim, surge a necessidade de policiamento da própria fala e padronização de seu uso e "porte" como ocorre no fenômeno do "politicamente correto", em que a verdade é sacrificada no altar da opinião predominante.

Ortega y Gasset descreve a alienação do homem-massa ao descrever sua falta de percepção da realidade, uma vez que "o homem vulgar, ao se encontrar com este mundo técnica e socialmente tão perfeito, pensa que foi criado pela Natureza, e nunca se lembra dos esforços geniais de indivíduos excepcionais que a sua criação pressupõe" (1987, p. 76).

Cria-se, assim, um perfil humano mimado e irresponsável [1] que de forma violenta "não quer dar razão nem quer ter razão, mas que, simplesmente, mostra-se decidido a impor suas opiniões" (1987, 89), que "renuncia à convivência de cultura, que é uma convivência regida por normas, e se retrocede a uma convivência bárbara".

O homem-massa é tipo humano alienado da realidade e portador de um "hermetismo da alma, que [...] empurra a massa para que intervenha em toda a vida pública, também a leva, inexoravelmente, a um procedimento único: a ação direta" (idem, p. 90). Ortega y Gasset ressalta que a violência implicada na ação direta é a "razão exasperada" (idem).

A alienação é a razão exasperada, e, tal como Voegelin descreve, é o abandono da compreensão da realidade como uma "tensão entre o humano e o divino", e, sistemas, como o de Hegel, são a "sistematização de um estado de alienação", uma vez que há a rejeição da "razão divina", por meio da "revolta egofânica", e de forma emblemática esclarece que: 

"Não é possível se revoltar contra Deus sem se revoltar contra a razão e vice versa" (2007, p. 118).

É da tensão entre o humano e o divino que emerge a ordem, que de forma eficaz conserva a experiência humana, com o grau de sentido necessário à sua perpetuação.

As idéias são um desenvolvimento conceitual secundário, pois segundo Voegelin "as idéias transformam os símbolos, que existem para expressar experiências, em conceitos" (2007, p. 121).

O símbolo é o ente originário da linguagem, cuja gênese analoga em forma de representação uma experiência, cujo sentido e significado é o produto da tensão do humano que se depara com as qualidades, cósmica (material) e divina (espiritual), da realidade. 

O símbolo é a substância da linguagem dos mitos, e das revelações religiosas, enquanto que a criação de hipóteses e teses explicativas é oriunda da interpretação do significado secundário dos símbolos, processo hermenêutico que promove o desenvolvimento de conceitos, que com o tempo acabam sendo encarados, os conceitos, como integrantes de uma realidade abstrata e apartada da própria realidade da experiência, como se a unidade do real pudesse ser partida ao meio com uso da linguagem, e, como se houvesse "uma outra realidade que não a realidade da experiência" (2007, p. 121).

A negação da realidade como experiência viva e concreta, e a mera percepção conceitual e abstrata, que julga a existência de conceitos e idéias, como algo com uma existência à parte, é o fruto da ação deformadora das idéias sobre a "verdade da experiência" e "sua simbolização" (2007, p. 121).

Voegelin definiu que devemos distinguir a "experiência compacta do cosmos" ou "experiência primária do cosmos" das "diferenciações" que levam "à verdade da existência no sentido dos clássicos gregos, dos profetas de Israel e do cristianismo primitivo" (2007, p. 122), e, para caracterizar a transição entre verdade compacta e a verdade diferenciada na história da consciência cunhou o termo "salto no ser".

A definição de experiência compacta no cosmos, como criação de símbolos primários, casa muito bem com a definição de crise mimética, no âmbito da teoria de René Girard, uma vez que é do processo da indiferenciação violenta no âmbito do mecanismo mimético, que se cria o bode expiatório, que, assim, cria o símbolo que interrompe a mimesis violenta, com a instituição do rito sacrificial, que é a repetição do assassinato fundador.

A teoria mimética descreve a gênese do bode expiatório como a gênese do símbolo diferenciador, que favorece a constituição da estabilidade social necessária para a instituição da própria linguagem, cujo símbolo fundador é o próprio bode expiatório.

Voegelin presume em sua teoria uma experiência primária, que cria símbolos cosmológicos e compactos, que estabelecem o lugar do homem na criação, sendo o bode expiatório, na perspectiva mimética, este símbolo, que, ao possibilitar a criação do rito ,permitiu a experiência que engendrou a gênese dos símbolos, que, posteriormente, criou o ambiente social em que a racionalização conceitual possibilitou o "salto no ser", por meio da constituição de símbolos diferenciadores na história da consciência. Voegelin adverte que a:

"transformação das experiências e simbolizações originais em doutrinas podia conduzir a uma deformação da existência, caso o contato com a realidade tal como experienciada fosse perdido e o uso dos símbolos de linguagem engendrados pelas experiências e simbolizações originais degenerasse em um jogo[...]" (2007, p. 123)

O princípio orientador para Voegelin é que "a realidade da experiência é autoevidente. Os homens valem-se de símbolos para expressar suas experiências, e os símbolos são a chave para compreender essas experiências" (2007, p. 124), uma vez que o que "é experienciado e simbolizado como realidade, e um processo de progressiva diferenciação, é a substância da história" (idem).

A alienação, portanto, é uma exasperação da razão, que promove o processo de descolamento das idéias do tecido da realidade, perdendo-se a manifestação da unidade com o real presente na linguagem dos símbolos, pois a linguagem ideológica destrói a diferenciação conquistada a duras penas pelas gerações anteriores, é o primitivismo criticado por Ortega y Gasset.

O império de idéias abstratas não mais busca fundamento na realidade da experiência, e em sua complexidade, é o imperialismo da abstração que julga a realidade de forma simplificadora, é a hipótese idealista, que, com a força do negativo, impõe-se contra a substância do real. A alienação é a negação da realidade autoevidente, é a negação do senso comum constituído por símbolos representativos da realidade, em sua profundidade histórica e diferenciada.

Para exemplificar o processo de alienação Voegelin refere a excelente formação filosófica de Marx, e que o mesmo "sabia que o problema da etiologia na existência humana era central para uma filosofia do homem e que, se quisesse destruir a humanidade do homem fazendo dele um "homem socialista", precisava repelir a todo o custo o problema etiológico. (2007, p. 84).

O problema etiológico é o problema da origem de tudo, é colocação da questão da causalidade, é a percepção de que tudo possui uma causa anterior, até que se chega à causa primeira, e, neste ponto Voegelin afirma que:

"o charlatanismo marxista reside na terminante recusa de dialogar com o argumento etiológico de Aristóteles, isto é, com o problema de que a existência do homem não provém dele mesmo, mas do plano divino da realidade" (2007, p. 84).

O diagnóstico da alienação feito por Voegelin em relação a Marx é certeiro ao afirmar que sua trapaça intelectual "pretendia sustentar uma ideologia que lhe permitisse apoiar a violência contra seres humanos afetando indignação moral" (2007, p. 83).

A alienação é um processo de justificação da violência por meio de idéias racionalizadoras, é a legitimação da criação de bodes expiatórios a serem sacrificados no altar da ideologia.

A alienação perante a realidade concreta, por meio da eleição de uma irrealidade de idéias, torna-se característico das ideologias e dos ideólogos que produzem a "destruição da linguagem, ora no nível do jargão intelectual de alto grau de complexidade, ora no nível vulgar" (2007, p. 82).

Voegelin define que é necessária a honestidade intelectual (Intellektuelle Rechtschaffenheit), compreendida como a "intenção honesta de examinar a estrutura da realidade" (2007, p. 79), para que seja possível restaurar a linguagem, e para combater a alienação ideológica que fundamenta a ação direta, que hoje é facilmente identificável no fenômeno do politicamente correto.

O problema etiológico é o problema fundamental a ser resgatado, como o centro de qualquer debate, pois a negação da causalidade implica na constituição, e, na defesa, de idéias céticas e abstracionistas, que tomam o conceito e o juízo abstrativos da concretude do real, como realidades independentes da experiência.

A alienação, por meio da exasperação da razão, que cria quimeras de irrealidade conceitual, é a negação violenta dos limites impostos pelo real, cujo problema etiológico é o ponto de partida fundamental.

Alienação é o fruto, psicológico e intelectual, do ideário que promete o impossível como algo factível, tal qual se dá no caso da ideologia do socialismo, que pretende recriar o cosmos sem dor, sofrimento e desigualdade, e, que, por fim, só é capaz de conceder a igualdade no sofrimento e na morte.

[1] Ortega y Gasset define que "Mimar é não limitar os desejos, dar a um ser a impressão de que tudo lhe é permitido, que não é obrigado a nada" (1987, p. 77)

Referências:

Ortega y Gasset, José. A rebelião das massas; tradução de Marylene Pinto Michael; revisão da tradução de Maria Estela Heider Cavalheiro - São Paulo: Martins Fontes, 1987.

Voegelin, Eric. Reflexões autobiográficas; introdução e edição de textos de Ellis Sandoz; tradução de Maria Inês de Carvalho; notas de Martins Vasques da Cunha - São Paulo: É Realizações, 2007.

Girard, René. A rota antiga dos homens perversos; tradução Tiago José Leme - São Paulo: Paulus, 2009.

sábado, 20 de maio de 2017

AFORISMOS: A ARTE DO DIREITO


DIREITO É UMA FERRAMENTA, NADA MAIS.

A natureza humana é composta de desejo e razão, aqueles dois cavalos, um obediente e o outro rebelde, descritos por Sócrates no Fedro, o direito é um conjunto de tradições, experiências, técnicas e hábitos que trabalham esta tensão entre a emoção quente, que tudo incinera, e a postura distante e racionalista, que tudo quer tratar com frieza e objetividade, nestes termos o direito é só mais uma das ferramentas que o engenho humano constituiu para garantir a sobrevivência.

O direito não é uma coisa separada do acontecer humano, é só um índice de medida do acontecer humano.

Ao fim e ao cabo o direito é o que os homens, justos ou injustos, fazem-no ser.

O direito como algo que produz resultados práticos (poiéticos) é operado pelo uso da força, com base num certo grau de legitimidade social, é como uma arma, pode ser usada para o bem ou para o mal.

O direito é uma arte prática que é instrumentalizada pelo detentor do poder social, seja um indivíduo seja um ditador, é uma simples ferramenta.

O direito é nada mais nada menos que uma manifestação da natureza humana segundo um foco comportamental e normativo.

DIREITO É PROGRAMAÇÃO.

O direito é na sociedade um tipo de atividade equivalente à arte do programador, ambos existem para gerir sistemas de dados, um binário e matemático e o outro ético e incomensurável.

DIREITO DOMADOR DA VIOLÊNCIA.

O direito é a arte de domar a violência que habita dentro e d'entre nós.

A violência é constitutiva do acontecer natural, a vida de uns é garantida pela morte de outros, a ordem natural é uma ordem mortífera.

Somos violentos, desejamos a violência, mas nos foi revelado que este é o caminho do erro, o esforço de seguir o caminho reto implica no sacrifício da própria violência, esta é a renúncia ao pecado, ao prazer da violência, à satisfação da vingança.

Por natureza somos violentos, adoradores potenciais de satanás, mas nosso espírito tem uma estranha tendência para a ordem, um dom capaz de captar o divino em meio ao caos, e com Cristo nos evadimos das trevas da vingança.

DIREITO E SALVAÇÃO.

Um bom meio de acabar com o fenômeno jurídico é a extinção da humanidade, outro é a salvação, mas daí não estaremos neste mundo.

O direito como arte que é, idealmente, deve gerar uma mimésis do comportamento justo.

Ser bom é uma decisão no sentido do bem, decisão que nega todas as demais possibilidades e tentações que se apresentam perante os desejos e sentimentos menos elevados da natureza carnal.

Posso afirmar que o bem é um potencial virtual não atual, cuja realidade é fruto de um processo laborioso, consciente e custoso.

Lei, mortalidade e livre arbítrio são alguns dos termos metafísicos que somos capazes de gerenciar no cotidiano jurídico.

DIREITO VERSUS ROUSSEAU.

Considerar o homem naturalmente bom é uma definição generosa, mas um tanto quanto rousseauniana, pois apregoa uma espécie de bom selvagem teleológico.

De minha parte sou um pessimista quanto à bondade natural do homem, creio que ele é pecador por natureza, e somente com um esforço muito grande e sujeito a muitas quedas é que ele se aperfeiçoa, essa é sua liberdade.

O dom que nos foi concedido, a liberdade, pode ser perdido pelo uso da própria liberdade, é a parábola dos talentos que melhor expressa isso.

DIREITO E SOBRENATURAL.

A tensão das contradições é a razão da vida da carne, do espírito e da alma, é o labor mesmo.

O positivismo farisaico é a versão primeva do satanismo politicamente correto, que subverte a virtude da justiça em tirania cega.

O direito positivo em sua forma de registro formal é somente mais uma ferramenta, da mesma forma que do ponto de vista somente do texto os evangelhos não são todo o ensinamento, mas um registro parcial da verdade revelada, assim é a lei escrita.

O positivismo quando encarado como ideologia é um direito preternatural, nem natural nem sobrenatural.

O conceito de direito natural... está aí um ponto discutível, podemos chamar de direito sobrenatural, por ser eterno, pois o nosso acesso aos princípios racionais é uma forma de presentificação da idéia que o espírito e o intelecto apreendem desde cima. 

Pode-se definir o direito natural no sentido de verdade revelada, percebida pelo intelecto humano, atributo este que participa da natureza divina que nos criou.

DIREITO, MISERICÓRDIA E VINGANÇA.

A vingança de Deus está reservada ao juízo final que encerra uma vida de escolhas que negam a salvação.

Papo de jurista: a lei precisa ser interpretada, as ferramentas conceituais que permitem a interpretação compõem a hermenêutica, com Cristo a misericórdia vem como a boa nova que introduz o elemento providencial do perdão como parte da técnica de julgamento, com Cristo o amor funda o juízo, não mais uma vingança à moda da lei de talião.

17.05.2017

Werner Nabiça Coêlho