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segunda-feira, 27 de abril de 2020

O QUE É UM HERÓI?





O trauma e a decepção são etapas no caminho da maturidade, pois nos habitua com nossa condição humana, humilde e nua diante dos desafios horríveis ou sagrados do dia-a-dia.


O trauma atual da nacionalidade é relacionado à constante queda de heróis ministeriais de um governo cujo cabeça é apelidado de Mito.

Quanto aos heróis tenho uma visão antropológica diversa da corrente, uma visão mimética e girardiana.

Herói é um conceito criado na literatura grega, o herói é trágico, é um personagem punido por suas culpas por atos imperdoáveis, pois seu destino cruel foi decidido pelos deuses, ele deverá ser sacrificado para salvar a Cidade.

Com Cristo revela-se que o herói é uma vítima inocente, que poderá ser perdoada e renascer liberta do destino da morte sem sentido, há uma promessa sagrada, provada pela Paixão e Ressurreição, que o liberta e torna-o, não mais um herói, mas, um mártir, em defesa da santidade.

Então, o que se deve mirar não é a condição humana e trágica, inerente ao mundo, mas a santidade que nos remunera com a vida eterna e bem aventurada.

domingo, 4 de março de 2018

DEMOCRACIA E CRISTIANISMO



A democracia, que defino como forma de governo com ampla participação da população mediante processos eleitorais periódicos, desenvolveu-se em Atenas, e, justamente esta democracia ateniense foi imperialista, tirânica e genocida ao ponto que desencadeou a Guerra do Peloponeso, na qual Esparta assumiu o papel de libertador das cidades gregas, e, por fim, o povo ateniense foi derrotado por causa do próprio orgulho oriundo do exercício do poder sem limites éticos universais.



A Cidade Eterna, durante seu interregno republicano, possuía cargos eletivos escolhidos pelo sufrágio da plebe, e este mesmo colégio eleitoral votava diretamente as leis, os políticos eleitos para cargos executivos, como no caso dos dois cônsules com mandato anual, habilitavam-se para cadeiras no Senado, tal arranjo, que foi fruto de árduas lutas sociais após o fim da monarquia, acabou degenerando em guerras civis e ditaduras, e, por fim, ensejou a criação do Império, um excelente exemplo histórico de que formas de governo democráticos originam tiranias, uma vez que a disputa pelo Poder seja orientada somente por princípios políticos.

O Ocidente, após o advento de Cristo, desenvolveu um novo conceito de democracia: o evangelho de que somos todos iguais na condição de filhos de Deus.

O cristianismo é portador do valor ético e sagrado fundamental de que todos somos portadores da filiação divina e da irmandade com o Logos que se fez carne, em suma, somos filhos queridos e iguais perante Deus por toda a eternidade, mas somos responsáveis por nossas escolhas, não só perante o mundo, mas perante os Céus.

O cristão é o cidadão deste mundo, mas também é um habitante da eternidade, um democrata no mundo criado pelo cristianismo possui uma ética que o responsabiliza não só no nível político, mas também possui consequências de caráter sobrenatural, pois responde não só por sua consciência, suas escolhas são o Céu ou o Inferno, com a possibilidade do purgatório.

Neste mundo que está deixando de ser cristão, assistimos à democracia reinventar seus vícios de origem greco-romana, o que nos encaminhará para o reino em que sacrifícios humanos, e a mais abjeta escravidão, retornarão com nomes convenientes para iludir os tolos.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

DIMENSÕES HISTÓRICO-PRÁTICAS DA INVESTIGAÇÃO NATURAL

A verdade é nosso primeiro amor, e dela termos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição.
Carlos A. Casanova em sua obra "Física & realidade: reflexões metafísicas sobre a ciência natural", cuja tradução foi feita pelo físico e filósofo da ciência Raphael D. M. de Paola, descreve alguns aspectos muito interessantes a respeito das dimensões históricas e práticas da investigação natural, na qual demonstra que nossas indagações científicas são diretamente vinculadas ao que "nos foi transmitido no lar e na sociedade" (p. 141).

Carlos Augusto Casanova Guerra
Casanova define que a "autêntica atividade científica é uma atividade prática e institucional, orientada, por isso, a certos bens dos quais emanam regras", e que a "empresa científica" é o compromisso com a busca da verdade, por esta ser "uma atitude natural do espírito humano" (p. 144), para em seguida declamar que:


[...] A verdade é nosso primeiro amor, e dela temos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição. Então, retrospectivamente, podemos dar-nos conta de que o que sempre amamos era o que já descobrimos. Feitas todas essas correções, diria que MacIntyre tem razão, que a ciência é um empreendimento prático e institucional (p. 144).

Do aspecto prático e institucional da atividade científica derivam cientificismo ou positivismo, dado seu caráter técnico e operacional, torna-se portador de valores contrários às "verdades fundamentais acerca da natureza humana e da sociedade sobre a ordem política pode acabar destruindo ou debilitando consideravelmente as condições históricas que fazem possível a ciência.” (p. 145).

Esta postura da ciência que entra em guerra com os valores humanos naturais torna necessária  uma "teoria ética não sofística", pois o "amor à verdade que está na raiz da atividade de investigação fecunda pode exigir muitas vezes um verdadeiro ascetismo" (p. 145), e relata que:

[... ]é necessário um grande desapego às próprias teorias dos demais para aceitar os resultados dos experimentos e fazer as observações com a amplitude que requerem as descobertas importantes. O cientista deve ter os olhos livres de vaidade e inveja, de más paixões e interesses baixos. 


[...] Nada retardará mais a decisão que deveria levar a uma reforma bem sucedida na teoria física que a vaidade que torna o físico demasiado indulgente cm seu próprio sistema e demasiado severo para com o de outrem (p. 145-6)

Casanova esclarece de forma clara que o cristianismo foi o provedor da condição de possibilidade da existência de uma ciência tal qual a conhecemos, pois:

sua postulação do começo temporal do mundo, da liberdade e transcendência de Deus e do ato criador, deixou aberta a possibilidade de uma investigação astronômica que rompesse na Cristandade latina com a astronomia teológica averroísta (p. 147).

A crise da ética na ciência aprofundou-se com Descartes, quando este postulou uma visão do mundo que recorreu ao "nominalismo ou ficcionismo das hipóteses" que influenciou de forma deletéria seus seguidores, pois tal método visou sobretudo  "lograr uma certa tolerância" politicamente correta entre as ciências e a teologia cristã, atitude que deixou de lado o rigor na busca da verdade em seu sentido metafísico e racional.

Tal postura frutificou, nos séculos seguintes, "uma atitude de desprezo pela sabedoria e pela verdade, substituídas pelo 'útil' e pleo 'progresso'", que na prática da ciência se configurou no ceticismo filosófico, que recusa estudar as causas em suas investigações físicas, e, com isso, se tornou predominantemente experimental.

Para concluir esta breve resenha deixo aos leitores uma síntese do progresso do materialismo:

"O progresso da ciência deu lugar de fato ao surgimento da metafísica materialista, ingênua certamente, mas que iria ter uma grande influência nos séculos XVIII e XIX, e por definição anti-teológica. O Deus dos cientistas […] o 'ser inteligente e poderoso' reverenciado por Newton nos Principia, quando apropriado pelos deístas do século XVII, já não mais dava primazia ou unidade ao cristianismo entre todas as religiões. A estratégia 'ficcionista' ou 'convencionalista' adotada por Descartes e proposta por Berkeley, a mais corrosiva de todas, converteu-se, em mãos dos filósofos seculares, como David Hume (1711-1776) e Emmanuel Kant (1724-1804), na origem de uma doutrina que era a uma só vez anti-racional e anti-teológica. Aplicada universalmente, como o foi inevitavelmente, deixou de ser uma defesa da Teologia contra a Ciência e converteu-se numa ameaça para todo o conhecimento, fosse racional ou revelado. (p. 147-8)

Werner Nabiça Coêlho - 16/06/2017

domingo, 15 de janeiro de 2017

Era uma vez um monge irlandês do século IX...



Era uma vez um monge irlandês do século IX, que anotou no pé da página um belo poeminha de um amante das letras:
 
Eu e Bichano, meu gato,
Praticamos o mesmo ato;
Caçar rato é sua alegria,
Caçar palavra, minha agonia.

Mas dá muito gosto ver
Trabalharmos com prazer;
Em casa, sempre ao batente,
Juntos, distraímos a mente.

Ele prega o olho no muro,
Esperto, enxerga no escuro;
Eu prego o olho no papel,
E do saber sou um réu.

Assim, vivemos em paz,
Eu e Bichano, meu ás;
Lado a lado pela vida,
Cada um na sua lida.


Fonte:

Thomas Cahill, Como os irlandeses salvaram a civilização, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 1999.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O MARTÍRIO VERMELHO DOS ARMÊNIOS

Monte Ararat - Armênia
A Armênia foi a primeira nação a proclamar o cristianismo como religião de Estado no ano de 302, e, segundo a tradição armênia, o cristianismo foi introduzido no país desde suas origens por dois discípulos de Jesus Cristo, os apóstolos Bartolomeu e Tadeu, e, por volta do ano 200, o cristianismo já se encontrava bastante difundido entre os armênios.


A Armênia é uma nação cuja história é digna de prosa e verso em estilo épico, pois além de ter sido a primeira nação cristã, foi este povo, juntamente com a Irlanda, responsável pela preservação da cultura clássica em meio aos desastres das invasões bárbaras, como, também, foi uma das propagadoras missionárias da verdade cristã.

Jean Pierre-Alem em seu precioso livreto intitulado A Armênia, relata a tentativa do rei Persa impor a conversão dos armênios ao culto do fogo,  realça que o cálculo deste rei era sobretudo político, pois o mesmo "julgava que essa conversão afastaria definitivamente os armênios de Bizâncio e lhes tiraria qualquer possibilidade de executar um desses rompimentos de aliança dos quais eles haviam dado tantos exemplos num passado recente."





Os armênios numa resolução unânime expressaram submissão política, mas afirmaram sua fé cristã, nos seguintes termos:

Nada nos moverá de nossa fé, nem anjos e nem homens, nem espadas e nem águas, ou qualquer outra violência imaginável. Nossos bens e nossas posses estão a tua disposição; podes usa-los como bem entenderes. Desde que nos concedas a liberdade de crença, tu serás nosso único senhor na terra, assim como Cristo é nosso único Deus no céu. Se porém exigires de nós mais que isso, eis nossa decisão: nossas vidas estão em tuas mãos…; tu tens a espada, nós a cerviz…Tombaremos como mortais que somos e passaremos às fileiras dos imortais…É inútil querer negociar o que é inegociável. Nossa fé não tem origem humana e nossas convicções sobre ela resultam de uma experiência amadurecida. Somos inseparavelmente unidos ao nosso Deus. Nada poderá romper essa união, jamais e em tempo algum. ( Loureiro, Heitor. Breve histórico dos primórdios da Igreja Apostólica Armênia. In: Rhema. Juiz de Fora: v. 13, n. 40, 2006.)

Este ato de defesa da fé cristã enfureceu o rei dos reis, que convocou os príncipes armênios, e estes optaram pela apostasia, para em seguida voltarem a seu país acompanhados de 760 magos persas, e, ao cruzarem a fronteira, o povo armênio atacou e dispersou os sacerdotes masdeístas, e, como qualquer político diante da fúria de um povo indignado, submeteram-se à vontade da multidão de cristãos e renegaram a conversão pagã.



Diante desta situação, a Armênia preparou-se para sofrer o ataque persa, e a resistência foi confiada a Vardan Mamikonian.

Bizâncio omitiu-se de enviar qualquer auxílio, mesmo após insistentes pedidos de Vardan, e, assim, um exército de 60.000 homens da Armênia foi levantado, para enfrentar um inimigo superior, numa luta desesperada.

O combate travou-se na planície de Avarair, no dia 02 de junho de 451. Os armênios foram vencidos e Vardan Mamikonian, morto.


Mas as perdas persas foram consideráveis. O rei dos persas que devia, além disso, sustentar uma guerra difícil contra os hunos, ao norte de seus Estados, mostrou-se relativamente conciliador. Mandou prender e torturar alguns padres, deu à Armênia um novo marspã, mas desistiu de impor o masdeísmo a seu novo protetorado.


Miniatura do século XV representando a batalha

Assim, na planície de Avarair, os armênios, ao perder uma batalha heróica salvaram sua fé.


Tal batalha é celebrada todo ano, no mês de fevereiro, numa grande cerimônia patriótica, a "festa de Vardan".

A história da Armênia possui inúmeros outros episódios memoráveis, todavia, julgamos importante destacar o papel que os armênios desempenharam no mundo pela ação de seus viajantes, de seus missionários, de seus emigrados, das colônias da diáspora, e, principalmente seu papel na preservação da cultura clássica.

Jean Pierre-Alem refere que os gôdos sofreram a influência dos armênios quando passaram pelas margens do Mar Negro, e foram provavelmente evangelizados por eles. Muitos reis e príncipes visigodos tinham aliás nomes armênios (Artavasdés).

No século XI, os missionários armênios difundiram-se até a longínqua Islândia.

Mas é a importância do povo armênio na preservação de parte considerável da cultura clássica que destacamos, fato que se inicia com base na invenção do alfabeto armênio, por volta de 405.

Antes dessa data, os armênios usavam o grego como língua literária, e o persa como língua administrativa, e, com a adoção de um alfabeto nacional foi sedimentada sua personalidade nacional, sua religião e a profunda vontade de independência, que tão magnificamente demonstraram ao longo de toda a sua dramática história.

Ryszard Kapuscinski, em sua obra Imperium comenta que vencido no campo, o exército armênio procurou pôr-se a salvo nos Scriptoria. O que são os Scriptoria? Podem ser celas monásticas, cabanas ou até mesmo cavernas. Nesses Scriptoria há sempre uma espécie de prancheta e um copista escrevendo de pé.

A consciência nacional armênia sempre esteve acompanhada pelo senso da ameaça de extermínio. E, ligado a isso, uma fervorosa necessidade de salvação, de pôr a salvo seu mundo.

Na impossibilidade de defendê-lo com a espada, então que se conserve a memória. Assim surge esse fenômeno único da cultura mundial: o livro armênio. Dispondo de um alfabeto próprio, os armênios sem demora começaram a escrever livros.





Já no século VI traduziram para o armênio toda a obra de Aristóteles. 


Até o século X haviam vertido a maioria dos filósofos gregos e romanos, centenas de títulos da literatura antiga.

Os armênios têm a mente aberta e grande capacidade de absorção. 


Traduziram tudo o que lhes caiu nas mãos. 

Grandes obras da literatura antiga e da cultura mundial chegaram até nós graças às traduções armênias.

Os copistas se lançavam sobre todas as novidades e logo as traziam para o gabinete.

Quando os árabes conquistaram a Armênia, os armênios traduziram todos os clássicos árabes.

Quando foi a vez dos persas, traduziram todos os autores persas.

Quando em disputa com Bizâncio, aproveitaram para levar tudo o que havia no mercado para traduzir.

Começaram a surgir bibliotecas inteiras. Deviam ser acervos imensos: em 1170, turcos saldjúquidas destroem em Snik uma biblioteca contendo 10 mil volumes. Eram todos manuscritos armênios.

Até os dias de hoje conservam-se 25 mil manuscritos armênios.

Desses, mas de 10 mil encontram-se em Ierevan, em Matenadaran. Quem quiser ver os restantes, terá que fazer uma volta ao mundo.

As maiores coleções encontram-se na Biblioteca São Jacó em Jerusalém, Biblioteca São Lázaro em Veneza e Biblioteca da Congregação Mekitariana em viana. Lindas coleções estão em Paris e Los Angeles.

E, aqui concluo a exposição relativa ao fato de que os armênios e seu  Martírio Vermelho preservaram não somente a fé, mas o conhecimento da civilização ocidental, em  meio ao naufrágio do mundo antigo.


Sugestão de leitura:

 “Lost Birds” uma outra forma de retratar o Genocídio Armênio
 
Livros

Fontes:

Jean Pierre-Alem, A Armênia, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1961.
 

Ryszard Kapuscinski, Imperium, São Paulo, Companhia das Legras, 1994.