A verdade é nosso primeiro amor, e dela termos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição. |
Carlos A. Casanova em sua obra "Física & realidade: reflexões metafísicas sobre a ciência
natural", cuja tradução foi feita pelo físico e filósofo da ciência Raphael D. M. de Paola, descreve alguns aspectos muito interessantes a respeito das dimensões históricas e práticas da investigação natural, na qual demonstra que nossas indagações científicas são diretamente vinculadas ao que "nos foi transmitido no lar e na sociedade" (p. 141).
Carlos Augusto Casanova Guerra |
Casanova define que a "autêntica
atividade científica é uma atividade prática e institucional,
orientada, por isso, a certos bens dos quais emanam regras", e que a "empresa científica" é o compromisso com a busca da verdade, por esta ser "uma atitude natural do espírito humano" (p. 144), para em seguida declamar que:
[...] A verdade é nosso primeiro amor, e dela temos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição. Então, retrospectivamente, podemos dar-nos conta de que o que sempre amamos era o que já descobrimos. Feitas todas essas correções, diria que MacIntyre tem razão, que a ciência é um empreendimento prático e institucional (p. 144).
Do aspecto prático e institucional da atividade científica derivam cientificismo ou positivismo, dado seu caráter técnico e operacional, torna-se portador de valores contrários às "verdades fundamentais
acerca da natureza humana e da sociedade sobre a ordem política pode
acabar destruindo ou debilitando consideravelmente as condições
históricas que fazem possível a ciência.” (p. 145).
Esta postura da ciência que entra em guerra com os valores humanos naturais torna necessária uma "teoria ética não
sofística", pois o "amor à verdade que está na raiz da atividade de
investigação fecunda pode exigir muitas vezes um verdadeiro
ascetismo" (p. 145), e relata que:
[... ]é necessário um grande desapego às próprias teorias dos demais para aceitar os resultados dos experimentos e fazer as observações com a amplitude que requerem as descobertas importantes. O cientista deve ter os olhos livres de vaidade e inveja, de más paixões e interesses baixos.
[...] Nada retardará mais a decisão que deveria levar a uma reforma bem sucedida na teoria física que a vaidade que torna o físico demasiado indulgente cm seu próprio sistema e demasiado severo para com o de outrem (p. 145-6)
Casanova esclarece de forma clara que o cristianismo foi o provedor da condição de possibilidade da existência de uma ciência tal qual a conhecemos, pois:
sua postulação do começo temporal do mundo, da liberdade e transcendência de Deus e do ato criador, deixou aberta a possibilidade de uma investigação astronômica que rompesse na Cristandade latina com a astronomia teológica averroísta (p. 147).
A crise da ética na ciência aprofundou-se com Descartes, quando este postulou uma visão do mundo que recorreu ao "nominalismo ou ficcionismo das
hipóteses" que influenciou de forma deletéria seus seguidores, pois tal método visou sobretudo "lograr uma certa tolerância" politicamente correta entre as ciências e a
teologia cristã, atitude que deixou de lado o rigor na busca da verdade em seu sentido metafísico e racional.
Tal postura frutificou, nos séculos seguintes, "uma atitude de
desprezo pela sabedoria e pela verdade, substituídas pelo 'útil' e
pleo 'progresso'", que na prática da ciência se configurou no ceticismo filosófico, que recusa estudar as causas em suas investigações
físicas, e, com isso, se
tornou predominantemente experimental.
Para concluir esta breve resenha deixo aos leitores uma síntese do progresso do materialismo:
"O progresso da ciência deu
lugar de fato ao surgimento da metafísica materialista, ingênua
certamente, mas que iria ter uma grande influência nos séculos
XVIII e XIX, e por definição anti-teológica. O Deus dos cientistas
[…] o 'ser inteligente e poderoso' reverenciado por Newton nos
Principia, quando apropriado
pelos deístas do século XVII, já não mais dava primazia ou
unidade ao cristianismo entre todas as religiões. A estratégia
'ficcionista' ou 'convencionalista' adotada por Descartes e proposta
por Berkeley, a mais corrosiva de todas, converteu-se, em mãos dos
filósofos seculares, como David Hume (1711-1776) e Emmanuel Kant
(1724-1804), na origem de uma doutrina que era a uma só vez
anti-racional e anti-teológica. Aplicada universalmente, como o foi
inevitavelmente, deixou de ser uma defesa da Teologia contra a Ciência e converteu-se numa ameaça para todo o conhecimento, fosse
racional ou revelado. (p. 147-8)
Werner Nabiça Coêlho - 16/06/2017
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