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domingo, 24 de julho de 2022

RESPONDENDO AO MEME ENVIADO POR UM AMIGO






Prezado amigo!

Quando tratamos de responder afirmações muito genéricas, as respostas costumam ser imprecisas, portanto, vamos para a técnica das distinções para isolar os problemas em debate:

Quando a questão é relacionada a vacinas experimentais, ou seja, medicamentos sem prova científica de eficácia previamente estabelecida, com bulas que relatam infinidade de efeitos adversos, principalmente de natureza trombótica e neurológica, tais medicamentes tendem a causar muitas mortes que podem eventualmente ultrapassar os limites razoáveis. Logo, trata-se de medicamento cuja aplicação é contrária ao princípio da beneficência (01), por eventualmente causar mais males que benesses, uma vez deveria ter sido promovida a adoção de remédios consagrados pelo tempo, e por inúmeros estudos que são comprovadamente eficazes, enquanto tais vacinas prosseguissem em sua fase de experimentação e aprovação.

Quanto à temática da terra ser plana, ou mesmo se nossa realidade é geocêntrica, são assuntos interessantes, mas, em última instância uma matéria que pouco me apraz discutir, mas tem um argumento que acho desafiador relacionado à dinâmica dos líquidos, consistente no fato de que a água se mantém nivelada em qualquer lugar do mundo, afinal todo pedreiro tem aquele medidor de nível que serve para confirmar o alinhamento da obra com base no comportamento da água que simula uma reta perfeita análoga ao alinhamento da água observada no horizonte, mas fora esta curiosidade, é um tema que não está no centro de meus interesses.

No que diz respeito às teorias da evolução, e aí incluo a teoria da seleção natural, quando estudamos história, paleontologia, arqueologia e outras ciências que observam fatos do passado, não observamos a existência de evolução no sentido moderno da palavra, o que temos é a prova da existência de um Ato de Criação, na qual diante de tanta perfeição observamos que as criaturas passam por ciclos constantes de crescimento e morte, desenvolvimento e decadência.

É muito recorrente observarmos, por exemplo, que as descobertas relacionadas ao período cambriano havia uma diversidade infinitamente maior de espécies que nos períodos posteriores.

O senso comum que construí com base na literatura milenar, seja grega, seja judaica, seja indiana, chinesa, etc., demonstra que o homem sempre sendo o mesmo, um ser cheio de dúvidas sobre o dia de amanhã, cujas relações pessoais e familiares se replicam numa busca por sonhos realizáveis ou fantasiosos, sempre manifestando potencialidade inata seja para a violência ou para ascensão à sabedoria do perdão.

Para mim os conceitos tanto de evolução quanto de seleção das espécies são as formas teóricas e ideológicas que possibilitaram a criação de políticas tanto de viés comunista/socialista quanto nazista.

O racismo foi criado por Gobineau (02) em meados do séc. XIX exatamente em consequência das doidices ideológicas em vigor num tempo na qual o imperialismo europeu havia convencido os senhores do mundo de então de uma superioridade cultural e mesmo biológica por sobre os povos dominados, a ciência oficializada desde então tem sido utilizada como instrumento de dominação e espoliação, e mesmo para permitir a justificação do extermínio de povos e nações.

E, ao fim, deixo meu agradecimento pela oportunidade de tecer tais considerações.

Notas:


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

UMA DISCUSSÃO SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO


O Olavo quando destaca questões relativas à planicidade da água determina-se pelo método do intuicionismo radical, uma vez que se trata de método que aceita as evidências sensíveis, por este motivo ele valoriza o processo investigativo dos terra planistas, sem adentrar no conteúdo global da teoria defendida por estes, o que é fundamental nesse debate é a discussão sobre a validade científica das evidências intuitivamente colhidas, enquanto que o método científico cartesiano em vigor abstrai tal categoria de evidências, quando refiro cartesiano refiro-me a Kant, Marx, Popper, Khun, etc., cuja opção metodológica é excluir juízos de valor de tudo que não é mensurável materialmente, e desconfiar radicalmente das evidências colhidas pelos sentidos

Trata-se de um debate sobre a pertinência do método científico moderno e sua adequação com método da investigação que trabalha com base em evidências, que essencialmente é o método iniciado pragmaticamente por Sócrates, teorizado por Platão e sistematizado por Aristóteles com suas diversas técnicas aplicáveis aos diversos objetos conforme a necessidade da investigação científica ou filosófica.

A ciência tem a virtude de estar sempre em debate, por mais que não seja comprovável uma tese, sua discussão estabelece o processo de depuração de argumentos e provas que é tão fundamental para o prosseguimento da existência de algo designado como científico.

P.S.: a imagem foi extraída "Blog do Borjão", na qual prova-se que nós somos o próprio planeta do Bizarro, aquele inimigo do Superman.

domingo, 3 de junho de 2018

O MÉTODO CIENTÍFICO É COMO UMA REDE DE PESCA!




Hans-Peter Dürr (7/10/1929-18/05/2014) relata que a mecânica clássica não mais serve para explicar inúmeros fenômenos físicos, como os elétrons e o magnetismo.

A formulação da mecânica quântica revelou aos cientistas “para sua surpresa que os seus conhecimentos de, e o seu saber sobre, a realidade por eles imaginada em abstracto têm muito a ver com os métodos com os quais investigam a natureza” (DÜRR, p. 40).

Para esclarecer a afirmação supramencionada, lanço mão de uma versão resumida da parábola de Sir Arthur Eddington, citada por Dürr, ao descrever uma rede feita para pescar peixes de 05 centímetros ou mais.


Evidentemente, referida rede, somente pode pegar peixes dentro de seu limite de mensuração.

O cientista considera-se livre de recorrer ao que considera como vagas especulações, pois contenta-se com o que consegue apanhar com base nos limites possíveis de mensuração eleito por seu método de pesquisa.

Um metafísico, que aceite a objetividade do mundo, considerará tal método inadequado para abarcar toda a realidade dos peixes, pois o universo de peixes é muito mais amplo que os limites subjetivos da rede.



O epistemólogo, dá razão ao metafísico, sobre o caráter subjetivo e parcial da afirmação do cientista, acerca do tamanho mínimo dos peixes possíveis de captura, mas, afirma que não se deve perder tempo medindo todos os peixes, para determinar o tamanho mínimo desta categoria de ser, basta medir a própria rede, aquilo que não for observável e mensurável não será objeto de análise científica:

"Este modo epistemológico de encarar o problema confere validade absoluta à lei. Isto corresponde ao enunciado de Kant, segundo o qual as descobertas gerais fundamentais da Física dão bons resultados na experiência porque estabelecem condições necessárias para a experiência" (DÜRR, p. 42)

A rede simboliza o estreitamento da realidade, e a alteração qualitativa operada pelo nosso pensamento, e relaciona-se à possibilidade de se conhecer cada vez melhor a “estrutura” e não o conteúdo da realidade, o que implica no risco de “descurar das coisas” (DÜRR, p. 44).

Trecho do artigo "Kant, ciência moderna e liberdade humana" disponível em: 


sexta-feira, 16 de junho de 2017

DIMENSÕES HISTÓRICO-PRÁTICAS DA INVESTIGAÇÃO NATURAL

A verdade é nosso primeiro amor, e dela termos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição.
Carlos A. Casanova em sua obra "Física & realidade: reflexões metafísicas sobre a ciência natural", cuja tradução foi feita pelo físico e filósofo da ciência Raphael D. M. de Paola, descreve alguns aspectos muito interessantes a respeito das dimensões históricas e práticas da investigação natural, na qual demonstra que nossas indagações científicas são diretamente vinculadas ao que "nos foi transmitido no lar e na sociedade" (p. 141).

Carlos Augusto Casanova Guerra
Casanova define que a "autêntica atividade científica é uma atividade prática e institucional, orientada, por isso, a certos bens dos quais emanam regras", e que a "empresa científica" é o compromisso com a busca da verdade, por esta ser "uma atitude natural do espírito humano" (p. 144), para em seguida declamar que:


[...] A verdade é nosso primeiro amor, e dela temos experiência tão logo formulamos o princípio da não-contradição. Então, retrospectivamente, podemos dar-nos conta de que o que sempre amamos era o que já descobrimos. Feitas todas essas correções, diria que MacIntyre tem razão, que a ciência é um empreendimento prático e institucional (p. 144).

Do aspecto prático e institucional da atividade científica derivam cientificismo ou positivismo, dado seu caráter técnico e operacional, torna-se portador de valores contrários às "verdades fundamentais acerca da natureza humana e da sociedade sobre a ordem política pode acabar destruindo ou debilitando consideravelmente as condições históricas que fazem possível a ciência.” (p. 145).

Esta postura da ciência que entra em guerra com os valores humanos naturais torna necessária  uma "teoria ética não sofística", pois o "amor à verdade que está na raiz da atividade de investigação fecunda pode exigir muitas vezes um verdadeiro ascetismo" (p. 145), e relata que:

[... ]é necessário um grande desapego às próprias teorias dos demais para aceitar os resultados dos experimentos e fazer as observações com a amplitude que requerem as descobertas importantes. O cientista deve ter os olhos livres de vaidade e inveja, de más paixões e interesses baixos. 


[...] Nada retardará mais a decisão que deveria levar a uma reforma bem sucedida na teoria física que a vaidade que torna o físico demasiado indulgente cm seu próprio sistema e demasiado severo para com o de outrem (p. 145-6)

Casanova esclarece de forma clara que o cristianismo foi o provedor da condição de possibilidade da existência de uma ciência tal qual a conhecemos, pois:

sua postulação do começo temporal do mundo, da liberdade e transcendência de Deus e do ato criador, deixou aberta a possibilidade de uma investigação astronômica que rompesse na Cristandade latina com a astronomia teológica averroísta (p. 147).

A crise da ética na ciência aprofundou-se com Descartes, quando este postulou uma visão do mundo que recorreu ao "nominalismo ou ficcionismo das hipóteses" que influenciou de forma deletéria seus seguidores, pois tal método visou sobretudo  "lograr uma certa tolerância" politicamente correta entre as ciências e a teologia cristã, atitude que deixou de lado o rigor na busca da verdade em seu sentido metafísico e racional.

Tal postura frutificou, nos séculos seguintes, "uma atitude de desprezo pela sabedoria e pela verdade, substituídas pelo 'útil' e pleo 'progresso'", que na prática da ciência se configurou no ceticismo filosófico, que recusa estudar as causas em suas investigações físicas, e, com isso, se tornou predominantemente experimental.

Para concluir esta breve resenha deixo aos leitores uma síntese do progresso do materialismo:

"O progresso da ciência deu lugar de fato ao surgimento da metafísica materialista, ingênua certamente, mas que iria ter uma grande influência nos séculos XVIII e XIX, e por definição anti-teológica. O Deus dos cientistas […] o 'ser inteligente e poderoso' reverenciado por Newton nos Principia, quando apropriado pelos deístas do século XVII, já não mais dava primazia ou unidade ao cristianismo entre todas as religiões. A estratégia 'ficcionista' ou 'convencionalista' adotada por Descartes e proposta por Berkeley, a mais corrosiva de todas, converteu-se, em mãos dos filósofos seculares, como David Hume (1711-1776) e Emmanuel Kant (1724-1804), na origem de uma doutrina que era a uma só vez anti-racional e anti-teológica. Aplicada universalmente, como o foi inevitavelmente, deixou de ser uma defesa da Teologia contra a Ciência e converteu-se numa ameaça para todo o conhecimento, fosse racional ou revelado. (p. 147-8)

Werner Nabiça Coêlho - 16/06/2017

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A MATEMÁTICA É UMA ABORDAGEM REDUCIONISTA DO SER.



Euclides no Livro VII da obra "Os elementos" define que:

1. Unidade é aquilo segundo o qual cada uma das coisas existentes é dita uma.

2. E número é a quantidade composta de unidades.


(EUCLIDES. Os elementos; tradução e introdução de Irineu Bicudo. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 269-270.)

Todavia, a realidade objetiva é constituída de forma contínua, nada está separado de nada, pois se alguma coisa há (na definição de Mário Ferreira dos Santos que pode ser encontrada aqui), esta não admite descontinuidade.

Mas, a mente precisa separar para compreender, essa separação é operada mediante a transformação da realidade contínua em realidade discreta, e assim gera-se o conceito de número.

O número é, portanto, uma abstração com base em dados mensuráveis, o conceito de quantidade é um relativo discreto diante de um absoluto contínuo.

A série de números é uma série de abstrações, que desconsideram os aspectos qualitativos do real, e se centram numa abordagem que reduz a continuidade da totalidade por meio de idéias que visualizam aspectos parciais do todo.

O número é uma pequena forma, uma fórmula, que reduz uma realidade extremamente mais complexa.

Logo, a matemática é um tipo de idioma que aborda a realidade com uma linguagem redutora dos objetos a seus aspectos quantitativos, com base numa abstração operada por símbolos, que significam quantidade mensuradas de forma discreta.

Ou seja, números matemáticos são pedaços do real extraídas abstratamente de uma realidade concreta e contínua.

Há um permanente processo de raciocínio lógico na matemática, pois a sua própria aceitação necessita de alguns passos que podem ser enumerados assim:

a) abstração de uma realidade concreta e contínua por meio de criação de um símbolo que representa uma determinada quantidade discreta e abstrata, o conceito de número;

b) criação de um idioma específico (figuras geométricas, números romanos, números árabes) que traduzam os conceitos em padrões transmissíveis de linguagem;

c) descrição de fenômenos e hipóteses com base no princípio quantitativo e abstrato, por meio de sofisticados processos de raciocínios lógicos.

Portanto, o método da ciência matemática é uma redução de um aspecto da realidade, basta lembrar que a matemática tem suas limitações, ela não é a ferramenta adequada para avaliações morais, ou estéticas, a matemática é uma forma especializada de avaliação de dados quantitativos.

Seus limites devem ser reconhecidos, para se evitar a utilização indevida em áreas na qual seu uso é inadequado, temos que lembrar os diversos aspectos da realidade não tangenciados pelo estudo meramente quantitativo.

A ciência, seja a que tem por objeto os números, ou outra qualquer, possui sua linguagem previamente limitada pelo seu objetivo, e, assim, é insuficiente para descrever o todo do real, neste sentido que a filosofia, a religião, a arte, e outras formas de manifestação do conhecimento humano são essenciais para a a preensão e compreensão da realidade.

Não compreender tais circunstâncias implica em grave limitação cognitiva, na forma de uma limitação radical de somente ser capaz de apreender "abstrações" como se fossem objetos reais, é um vício de entendimento à moda kantiana, com toques de compulsão cartesiana de considerar a vida do pensamento como a única forma de vida do ser pensante, não acreditar em realidade objetiva e não considerar que todo dia todo cidadão tem que evacuar outras coisas que não sejam pedantismos pueris! 

O número matemático é uma representação de aspectos discretos (no sentido de separação mental de partes de um todo objetivo), e por isso é possível fazer ciência, todavia, ressalvo que a escolha do aspecto quantitativo do real é insuficiente para responder à maioria absoluta dos problemas da vida.

A questão da harmonia musical e da ordem da realidade em sua expressão matemática, cifras e dados, são elementos descritivos, são linguagens abstratas, pois nas partituras e medidores há a total ausência de emoção, tonalidade e cor, o aspecto qualitativo escapa à descrição matemática, a música e a física não são os "números em si", são meramente a tradução em símbolos de manifestações físicas da realidade.

O caráter abstracionista é um axioma do processo de redução, operado na metodologia matemática, e demais metodologias científicas, afinal, é o estudioso que pretende traduzir em linguagem, seja em prosa, em verso, ou em matemática, um dado do real e não o contrário.


Werner Nabiça Coêlho - 30/11/2016

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O reducionismo é o desconforto diante da complexidade da realidade.

Resultado de imagem para FRACTAIS

Em um arroubo retórico, para fundar seu idealismo mental, Descartes afirma que existem certas coisas que serão certas “esteja eu acordado ou dormindo” (p. 35).


Para confirmar sua hipótese propõe que sejam consideradas verdadeiras somente “coisas muito simples e muito gerais”, pois conterão “algo de certo e indubitável”, enquanto que coisas compostas “são mui duvidosas e incertas” (p. 35).


E assim nasce a Ciência Moderna, com o “desejo de encontrar alguma coisa constante e segura nas ciências” (p. 37), mas com um medo terrível de lidar com coisas mais complexas que uma equação matemática.

Daí seguiu-se bifurcação entre ciências naturais (leia-se: matematizáveis) e as humanidades, divisão que tentamos sanar até hoje!

(DESCARTES, René. Meditações metafísicas. 2. ed. Introdução e notas Homero Santiago. Tradução Maria Ermantina Galvão. Tradução dos textos introdutórios Homero Santiago. São Paulo: Martins Fontes, 2005)

 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

KANT, CIÊNCIA MODERNA E LIBERDADE HUMANA


RESUMO: Kant propôs seu sistema sobre uma base de positivismo científico, empirista e solipsista, ao definir espaço e tempo como condições formais a priori e invariáveis da realidade na forma de “intuição pura”, oriundos da subjetividade do sujeito, e, assim, garantidores da objetividade dos dados físicos, como justificativa transcendental da objetividade científica, percebida por um sujeito portador da dádiva natural da percepção empírica dos fenômenos físicos, todavia, a física contemporânea demonstra a relatividade e fluidez do espaço e do tempo, constatação que levanta questionamentos sobre a validade da visão kantiana de espaço e tempo como formas a priori, sobretudo depois das descobertas da física quântica que permitem uma percepção mais adequada da objetividade do universo e da liberdade humana inerente ao indeterminismo do real.


1. A teoria do conhecimento de Kant: “intuição purae percepção empírica.

Immanuel Kant (22/04/1724-12/02/1804) arquitetou sua teoria do conhecimento segundo o modelo empírico-lógico, que o mantém no centro dos debates teóricos até o presente, em grande parte devido ao divórcio entre as grandes áreas das ciências humanas e das ciências naturais.


A objetividade científica, segundo o método kantiano, é fundada na subjetividade do sujeito, conforme o “dogma” da ciência moderna de que o conhecimento teórico tem origem na abstração reducionista, que exclui os atributos qualitativos e considera somente os aspectos quantitativos, e é validado pela prova empírica mental, pois esta forma de validação é considerada somente em seu aspecto abstrato e matemático.

Esta objetivação simplificadora do objeto se apossa dos dados quantitativos, tomando a parte pelo todo, como se o objeto de estudo fosse somente uma matéria inerte e submissa ao agente pensante, numa postura de supremacia do sujeito pensante por sobre o objeto pensado, pois o objeto seria separado do sujeito, e este deveria agir como dominador daquele.

Kant prosseguiu a justificação do método cartesiano que vigorou de forma imperativa entre os séculos XVII e XIX, e propôs uma espécie de empirismo idealista para sustentar esta forma de imperialismo do pensamento e da idéia, numa postura de crítica da racionalidade reducionista sobre o mundo incrivelmente complexo e irredutível percebida pelo sujeito que é dotado do senso comum e do realismo ingênuo.


Assim a possibilidade do conhecimento científico-filosófico para Kant está no “âmbito do conhecimento teórico da razão pura não se estende além dos objetos dos sentidos” (1995, p. 35), tal proposição, também, trata da possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos dos sentidos.

O conhecimento, assim, deverá ser confirmado pela intuição pura, portadora de um “esquemaa priori de espaço e tempo “ambos representando os objectos apenas como objectos dos sentidos e não como coisas em geral” (KANT, 1995, p. 36).


O sábio de Königsberg define o espaço e o tempo como intuições puras, pois:
"Eliminai, pouco a pouco, do vosso conceito de experiência de um corpo tudo o que nele é empírico, a cor, a rugosidade ou macieza, o peso, a própria impenetrabilidade: restará, por fim, o espaço que esse corpo agora totalmente desaparecido ocupava e que não podereis eliminar" (KANT, 2001, p. 65, itálicos no original).
O tempo não é um conceito empírico que derive de uma experiência qualquer. Porque nem a simultaneidade nem a sucessão surgiriam na percepção se a representação do tempo não fosse o seu fundamento a priori. Só pressupondo-a podemos representar-nos que uma coisa existe num só e mesmo tempo (simultaneamente), ou em tempos diferentes (sucessivamente)" (KANT, 2001, p. 96, itálicos no original).


Logo, segundo a proposta kantiana, as formas a priori do espaço e do tempo fazem parte de nossa estrutura cognitiva, e são condições de possibilidade para pensar, e perceber, os fenômenos sensíveis em geral.

O modo de pensar kantiano, sobre o tempo e o espaço é considerado a forma de “intuição pura” e esta seria o limite do conhecimento teórico.


Assim, tempo e espaço, como manifestações da “intuição pura” se tornam o pressuposto formal para a existência da própria percepção sensível, e, assim, funda-se o método “dogmático no interior desse âmbito, mediante leis que ele prescreve a priori à natureza enquanto totalidade dos objectos dos sentidos, mas sem jamais ir além desta esfera, para se alargar teoricamente com os seus conceitos” (KANT, 1995, p. 37, g.n.). 


Em resumo, o processo de validação da prova científica empírica é imanente ao sujeito portador de razão pura, pois: 


a) o sujeito possui a representação do conceito, denominada de razão pura ou teórica;


b) a razão pura é validada pela prova empírica, com a participação do sujeito dotado de “intuição pura”;


c) o sujeito, por uma dádiva da natureza, possui a percepção dos sentidos, cujo suporte está no esquema a priori fornecido pela “intuição pura” de espaço e tempo;


d) desta dádiva natural deriva a operação de subsunção entre a razão pura e o dado empírico, como forma de conferir certeza sobre a realidade percebida, num processo de aplicação (método) de leis abstratas e gerais (conceitos puros do entendimento) sobre casos concretos (fenômenos).


Com fundamento nesta perspectiva dogmática, na qual o dado fixo e referencial é a própria “intuição pura” de espaço e tempo, oriunda da subjetividade do sujeito como um dado apriorístico misteriosamente presente de forma pressuposta na mente do mesmo, uma intuição portanto, erige-se o sistema kantiano, e sua teoria do conhecimento, pois é a “intuição pura” que dá suporte à “razão pura”, base do conhecimento de conceitos puros do entendimento, que fundamenta os princípios e leis prescritas a priori para a totalidade dos objetos dos sentidos, que se manifestam em fenômenos.


A proposta filosófica kantiana, ao definir uma teoria do conhecimento com base em pressupostos da física newtoniana, e propor que a realidade é regida por dados fixos e imutáveis relativos ao espaço e ao tempo, supõe que o real possui uma estrutura conceitual que implica na aceitação do determinismo, o que por sua vez exclui qualquer concepção de livre-arbítrio, filosofia esta cuja influência e repercussões sentimos até hoje.


2. Stephen Hawking: o domínio da lei e a morte da filosofia.
 
 
Stephen Hawking, em sua obra “O Grande Projeto”, nos oferece uma filosofia da ciência com sabor kantiano ao afirmar que a “filosofia está morta” (2011, p. 07), pois alega que esta não se manteve a par dos desenvolvimentos modernos da ciência, especialmente da física.


Não obstante o obituário da filosofia feito por Hawking, este nos brinda com um argumento digno do racionalismo empirista kantiano, ao afirmar “o domínio da lei” soberana do determinismo, socorrendo-se de Galileu ao referir que “a observação é a base da ciência e de que o propósito da ciência é investigar as relações quantitativas existentes entre os fenômenos físicos” (2011, p. 20).


Nesta linha de raciocínio é feita a afirmação do determinismo científico como base de toda a ciência possível, uma vez que o domínio da lei não admite exceções.


Inclusive no que concerne ao estudo das relações humanas sociais, visto que os seres humanos “vivem no universo e interagem com objetos dentro dele, o determinismo científico deve valer igualmente para as pessoas” (HAWKING, 2011, p. 24), afinal “parece que somos apenas máquinas biológicas e que o livre arbítrio não passa de uma ilusão” (op.cit., p. 25).


Assim sendo, Stephen Hawking mesmo afirmando a morte da filosofia vitaliza a filosofia kantiana, cujo caráter dogmático funda-se no domínio da lei que julga a realidade, incluída a vida humana, sob o mais feroz determinismo científico.


3. O tempo e espaço sob a perspectiva da física contemporânea.





A física contemporânea demonstrou a relatividade e fluidez do espaço e do tempo, o que nos faz perguntar qual a validade do esquema a priori, pressuposto na intuição pura propugnada por Kant.


Hans-Peter Dürr (7/10/1929-18/05/2014) relata que a mecânica clássica não mais serve para explicar inúmeros fenômenos físicos, como os elétrons e o magnetismo.


A formulação da mecânica quântica revelou aos cientistas “para sua surpresa que os seus conhecimentos de, e o seu saber sobre, a realidade por eles imaginada em abstracto têm muito a ver com os métodos com os quais investigam a natureza” (DÜRR, p. 40).


Para esclarecer a afirmação supramencionada, lanço mão de uma versão resumida da parábola de Sir Arthur Eddington, citada por Dürr, ao descrever uma rede feita para pescar peixes de 05 centímetros ou mais.


Evidentemente, referida rede, somente pode pegar peixes dentro de seu limite de mensuração.


O cientista considera-se livre de recorrer ao que considera como vagas especulações, pois contenta-se com o que consegue apanhar com base nos limites possíveis de mensuração eleito por seu método de pesquisa.


Um metafísico, que aceite a objetividade do mundo, considerará tal método inadequado para abarcar toda a realidade dos peixes, pois o universo de peixes é muito mais amplo que os limites subjetivos da rede.


O epistemólogo, dá razão ao metafísico, sobre o caráter subjetivo e parcial da afirmação do cientista, acerca do tamanho mínimo dos peixes possíveis de captura, mas, afirma que não se deve perder tempo medindo todos os peixes, para determinar o tamanho mínimo desta categoria de ser, basta medir a própria rede, aquilo que não for observável e mensurável não será objeto de análise científica:


"Este modo epistemológico de encarar o problema confere validade absoluta à lei. Isto corresponde ao enunciado de Kant, segundo o qual as descobertas gerais fundamentais da Física dão bons resultados na experiência porque estabelecem condições necessárias para a experiência" (DÜRR, p. 42, itálicos no original)


A rede simboliza o estreitamento da realidade, e a alteração qualitativa operada pelo nosso pensamento, e relaciona-se à possibilidade de se conhecer cada vez melhor a “estrutura” e não o conteúdo da realidade, o que implica no risco de “descurar das coisas” (DÜRR, p. 44).


Compreender algo, segundo o método científico, “significa, em primeiro lugar, desmontá-lo aos ‘componentes’ respectivos, analisá-lo, ao todo volta-se fazendo a soma das suas partes” (DÜRR, p. 47).


As relações inerentes ao todo implicam numa totalidade maior que a soma das partes, tal como acontece com um ser vivo, afinal, não se realiza uma vivissecção de uma cobaia, com a separação de todos os órgãos vitais do objeto de estudo, para depois o método científico devolver a vida, que preliminarmente foi extirpada, com a simples junção das partes anteriormente separadas.


Assim, deve-se contrapor ao desejo de poder e predomínio inerente ao método cientifico a “difusão de um novo paradigma que já não se orienta pelo termo estático de ‘estado’, mas sim pelo termo dinâmico de ‘processo” (DÜRR, p. 57), que reconhece a impossibilidade da predominância de tal método, quando este abstrai aspectos fundamentais da realidade, e acaba por tomar a abstração pela própria realidade.


A visão mecanicista clássica nega o acaso, tudo obedece ao pressuposto formal da “intuição pura” determinística inerente à fixidez de espaço e tempo, que implica para o ser humano não possuir “espaço para qualquer liberdade de acção! A História mundial iria decorrer tão inamovível como um relógio! Também não haveria qualquer compreensão em princípio do que distingue o ‘presente’ e do que este significa” (DÜRR, p. 48).
O indeterminismo quântico torna o presente “o momento em que a possibilidade cristaliza em facticidade, em realidade” (p. 50), pois:


"O decorrer do tempo reflecte um processo evolucionário constante. A evolução, com isso, no fundo, não se situa no tempo, antes tempo e evolução são, pelo seu carácter mais íntimo, a mesma coisa. O respectivo presente designa a constante concretização de possibilidades em realidades, correspondendo a um contínuo processo de ordenamento" (DÜRR, p. 54).


A mecânica quântica descreve os fenômenos naturais fora dos parâmetros mecanicistas clássicos, com um caráter de desenvolvimento contínuo em função da essência probabilística intrínseca à realidade, e, assim, Dürr é enfático ao afirmar que a “Criação não terminou, o mundo acontece de uma forma nova a cada momento” (p. 47).


O debate científico contemporâneo afirma que o termo “física de partículas” tem se revelado inadequado, pois o que os físicos insistem em denominar “partículas” não existe:


"Deveríamos adotar o termo “partícula quântica, mas o que justifica o uso da palavra partícula? É melhor enfrentar os fatos e abandonar o conceito para sempre. Alguns consideram essas dificuldades como evidências indiretas para interpretação pura de campo na teoria quântica de campos. Segundo esse raciocínio, partículas nada mais são que ondulações de um campo que preenche todo o espaço como fluído invisível" (KULMANN, 2014, g.n.)


A ciência em seu atual estágio de desenvolvimento não mais reconhece o tempo e o espaço como intuições puras a priori, que conformam os demais fenômenos, pois passam a manifestar condições indeterminadas, porque probabilísticas, e, não locais, dado que as partículas inexistem como tais, pois são ondas dentro de um campo, fluído e invisível, num total contraponto ao atomismo preconizado na física newtoniana, pois passam à condição de intuições impuras a posteriori.


4. O indeterminismo como aceitação da objetividade do mundo e como fundamento da ética da liberdade humana.


Reverbero Dürr, quando este afirma que precisamos retomar uma ontologia e uma antropologia que considerem a experiência pessoal e individual, integrada numa realidade total: “onde ainda não começamos a separar-nos como sujeito do objeto, onde ainda não começamos a contrapor ao nosso Eu existencial um mundo exterior objectivamente examinável” (p. 43).


Neste diapasão Dürr propõe que as experiências religiosas e artísticas devem ser consideradas, mesmo que não preencham os critérios das ciências naturais para uma abordagem científica, e “por isso não podem ser confrontadas com as ciências naturais, nem podem entrar em contradição com estas – para voltarmos à imagem da parábola, relacionam-se aos peixes que não podem ser apanhados” (p. 43).

Wolfgang Smith


Para não deixar sem resposta a afirmação da morte da filosofia enunciada por Hawking, adoto o argumento de Wolfgang Smith, que em sua obra “Ciência e Mito” distingue, categoricamente, entre pensamento e linguagem, sendo que “o pensamento é um ato intencional que busca apreender um objeto por meio de um conceito”, enquanto que a linguagem “é algo subsidiário ao pensamento: trata-se de seu veículo – aquilo que serve para expressar e comunicar o pensamento”, para então afirmar que quando se fala de filosofia há a primazia do pensamento sobre a linguagem, ao passo que para a ciência a relação é invertida (2014, p. 224).


O “modus operandi do cientista é o oposto ao filosófico: em vez de ‘abrir’ o conceito na busca por um objeto transcendente, ele o fecha, para consolidar sua apreensão sobre os fenômenos”, e, é neste momento decisivo que a linguagem adquire sua função fundadora, em que Smith, citando Jean Borella, esclarece que a ciência, por meio da linguagem científica, realiza o “fechamento epistêmico do conceito, pelo qual a ciência se define, é efetuado por meio de um critério de cientificidade que é especificado no nível da expressão formal ou linguística” (2014, p. 225, destaques no original).


A liberdade humana é intimamente vinculada à liberdade de pensamento, quando tratamos de filosofia lidamos com o ato de liberdade fundamental de abertura ao conhecimento, em todas as suas formas de manifestação.


A postura determinista é a consequência do corte metodológico típico do fechamento epistêmico que cria a própria linguagem científica, o que é irônico, pois a possibilidade da existência da proposta filosófica do determinismo está no fato de que o seu proponente tem, necessariamente, o conhecimento da proposta oposta, isto é, o indeterminismo, e, assim, o defensor do mecanicismo tem a liberdade de negar a própria liberdade, com base em sua proposta reducionista autoimposta por uma metodologia eleita pelo pesquisador.


A possibilidade de abertura epistêmica do pensamento é a base da liberdade humana mais íntima, da qual todas as outras emergem no mundo, esta possibilidade humana tem seu fundamento físico na natureza indeterminística presente na objetividade do real, tão bem demonstrada cientificamente pela física contemporânea, que descreve partículas tal qual os pensamentos que percorrem o espírito humano, pois o pensar também gera na mente humana "ondulações de um campo que preenche todo o espaço como fluído invisível".


5. Considerações finais.


A proposta kantiana de tempo e espaço, como “intuição pura”, que forneceria o esquema formal que pressupõe a possibilidade de existência da percepção, participa do fechamento epistêmico do conceito de realidade, por abordar a filosofia com base em pressupostos do método científico observacional empírico naturalista, que necessariamente abstrai o que não pode ser mensurado quantitativamente.


Ocorre que os objetos físicos, tratados em nível quântico, não são “observáveis” pela intuição sensível, e, embora sejam mensuráveis, somente o são em aspectos parciais e específicos, conforme o método de pesquisa eleito pelo cientista, se este buscar partículas as achará, se buscar ondas as encontrará, mas, algo escapa à pesquisa, pois os mesmos objetos podem responder ora como onda ora como partícula, e esta realidade constrange o universo da ideologia científica em vigor, que se propõe defensora do determinismo cartesiano de viés kantiano, como portador da certeza científica segundo o método da mensuração quantitativa.


Em suma, a filosofia está viva, e não se confunde com a ciência, pois esta é refém de seu método, e está presa aos seus modelos de validação (a priori), aquela é o exercício da liberdade, diante de um universo enigmático e espantoso, no infinito exercício de buscar respostas que aplaquem a sede de saber humano, e, na tentativa de obter a solução de tais enigmas, é a filosofia que cria os modelos, posteriormente adotados pela própria ciência, mesmo que seja para negar a liberdade e a própria filosofia.


Referências
DÜRR, Hans-Peter. Da ciência à ética: a física moderna e a responsabilidade do cientista; tradução de Lumir Nahodil. – 1.ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
HAWKING, Stephen; MLODINOW, Leonard. O grande projeto. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2011.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão; introdução e notas Alexandre Fradique Morujão. 5.ed. Fundação Calouste Goubenkian: Lisboa, 2001.
______________. Os progressos da metafísica. Tradução Artur Morão. Edições 70: Lisboa. 1995.
KULMANN, Meinard. O que é real? in Scientific American Brasil – Edição Especial Física e Astronomia 1; Ediouro: São Paulo. 2014.
SMITH, Wolfgang. Ciência e mito: com uma resposta a O Grande Projeto, de Stephen Hawking. Tradução Pedro Cava. 1.ed. CEDET: Campinas, 2014.