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quarta-feira, 27 de maio de 2020

O QUE DISTINGUE O DIREITO DA PURA VIOLÊNCIA.

A força quando empregada com base no puro arbítrio da vontade, quando exercita-se o poder sem reconhecer-se limites, que se orienta a suprimir a vida, a liberdade e a propriedade alheias, a força que se justifica pela própria força, são estes elementos integrantes da violência ilegítima e violadora.

A força ilimitada é a síntese do ato antijurídico em face do direito natural inerente a todos os filhos de Deus.

A força quando orientada pelo desejo de poder é a definição da legitimação da violência para com o próximo.

A força exercida com responsabilidade, limitada pela noção de bem comum, instrumentalizada por meio de formalidades que garantem previsibilidade e paridade de armas de ataque e defesa, a força legítima que é exercida sempre respeitando-se ao próximo como a si mesmo.

A força limitada é o que se convenciona denominar de direito.

O direito é uma ferramenta da prática social para se obter o máximo de proximidade aos ideias de justiça, se comutativa ou distributiva cada caso é um caso.

O exercício da força limitado pela deferência e submissão ao ideal da justiça é o símbolo da luta pela ordem legítima, luta que se legitima na razão liberta do desejo.

domingo, 29 de março de 2020

Por que o medo mitológico da violência sagrada renasceu com tanta força?

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Agora estamos combatendo o mito da infalibilidade da ciência médica oficial referendada pelo PCC/OMS/ONU, a nova classe sacerdotal sacrificial que exige genocídios econômicos e demográficos, nesta nova ordem mundial pela defesa da saúde a qualquer custo.

A arma de destruição em massa do momento é a linguagem jornalística e política que estimula o pânico com base em dados viciados com objetivos de alcançar um objetivo, a desestabilização do Ocidente para tornar seus cidadãos incapazes de reagir a algo que está se avizinhando, fico desconfiado de médicos cubanos, migração chinesa e forças humanitárias russas se acumulando e adensando na Lombardia, o que Churchill descrevia como o "ventre macio da Europa".

Porque o catolicismo perdeu seu poder propedêutico de rememorar a Paixão de Cristo, o símbolo máximo do desvelamento da mentira mitológica da sacralidade da violência.

O advento de Cristo, sua vida, sofrimento, morte e ressurreição são um objeto de prova testemunhal, por meio dos livros sinóticos e das epístolas dos apóstolos, que comprovam que os mitos mentem, que os poderosos mentem, que o povo é facilmente ludibriado pela mentira e a ama de coração.

O escândalo do Deus vivo que sofre como o mais baixo dos criminosos é um ensino, que nos habilitou a ter compaixão para com o próximo e destruiu a força avassaladora do medo sacralizado, e aplacado com a morte assassina de vítimas pelo bem da visão coletivista da sociedade.

o Renascimento do Código de Justiniano e dos valores da antiguidade (absolutismo estatal, escravidão, libertinagem desregrada) alcançou seu ponto máximo nessa moleza hedonista que teme a morte e sacraliza a vida pessoal e terrena.

A palavra pânico é derivada de Pã, o mesmo deus da festa, da orgia, do alcoolismo, um deus que exige hecatombes periódicas.

Concluindo o argumento: o fracasso na difusão do evangelho gerou a morte espiritual que se manifesta no medo mitológico de uma violência invisível e sagrada que nos impede de prosseguir com a própria vida terrena.

E não pensem que será um ato de força do Presidente Bolsonaro poderá mudar a situação de imediato, pois a mentalidade positivista das forças armadas submete-se ao argumento de autoridade da OMS, os políticos estão babando-se de ódio e ressentimento e elegeram o Presidente como rei sagrado portador de todas as culpas e males, qualquer movimento apressado por parte dele desencadeará o golpe, no momento ele está evitando responder à imprensa provocadora e descendente de Caifás.

Agora somo reféns de uma situação na qual nos cabe manter a sanidade

domingo, 20 de agosto de 2017

QUALQUER IDEOLOGIA É UMA RELIGIÃO SACRIFICADORA



O pensamento orientado pelos ícones da modenidade (direita x esquerda, liberal x conservador, facismo x nazismo, etc.), em linhas gerais, é uma forma de renascimento das religiões arcaicas que sacrificam vítimas inocentes para deuses infernais.

A violência na religião pagã é a ferramenta religiosa fundamental, pois o rito arcaico é originado no assassinato fundador.

Após o nascimento de Cristo, e sua Paixão, os mitos antigos foram revelados como mentiras da religião da violência, a antiga mentira pagã foi exposta, o contrato com o diabo não poderia mais surtir efeito, pois para a religião antiga a vítima era o preço que deveria ser quitado ao deus sedento de sangue em troca do efeito desejado de paz social.

Cristo demonstrou com sua história e seu sofrimento que o mito mente ao julgar a vítima culpada e merecedora do castigo da morte, a Paixão de Cristo é o símbolo da injustiça inerente à religião e à sociedade dos sacrificadores.

Do início ao fim da Paixão de Cristo se comprova que a culpa é dos sacrificadores, todos eles, que se beneficiam do sangue derramado, nunca mais poderão considerar-se limpos, em todas as épocas e para todo o sempre.

O sangue vertido na maior história que já aconteceu dessacralizou o sangue de todos os bodes expiatórios.

A cristandade é fruto dessa revelação que há uma inutilidade no sacrifício do bode expiatório, enquanto que a eucaristia é o sacrifício incruento instituído para que inocentes não sejam mais objeto de ódio.

Desde o Renascimento, passando pelo Iluminismo, e chegando aos nossos dias, a revalorização da Idade Clássica e seus erros favoreceu a criação de novos cultos aos deuses antigos da violência, que foram novamente entronizados por meio da criação de ideologias.

O pensamento ideológico é uma forma de religião sacrificadora, na qual um inimigo é eleito como o culpado e merecedor da morte violenta para purificar o cosmos, em certo sentido essa é a religião originada das diversas ideologias de nosso tempo, marxista, fascista ou nazista, também, é religião liberal, ou simplesmente relativista, pois nestas visões infernais algo deve ser sacrificado no altar da fé ideológica, e, regularmente, são eleitos os cordeiros cristãos.

Werner Nabiça Coêlho - 20/08/2017

O SÍMBOLO GERA O RITO E O MITO



O símbolo, até onde entendi com base em Eric Voegelin e René Girard, é a fonte primária da linguagem como participação em realidades fundamentais à existência humana.

A primeira realidade fundamental que tem que ser apreendida é a necessidade de autocontrole social da violência, e, nas origens da humanidade tal fato social se configura mediante a necessidade do respeito ao sagrado e à divindade, o princípio do respeito às hierarquias dentro da realidade humana e divina, para que haja uma ordem capaz de conter os riscos inerentes à eclosão da violência sem limites em um ciclo sem fim de destruição.

O mecanismo mimético, quando encontra sua solução pacificadora no bode expiatório, a vítima simboliza o significado divino daquele que é portador do malefício e do benefício, é o algoz e o benfeitor.

A violência social ao ser pacificada pela violência do sacrifício, esta capaz de ordenar o caos daquela, assume, assim, um significado diferenciador, torna-se um símbolo, em que morte da vítima possibilita a instituição de uma ordem sagrada porque foi eficaz, é um ato fundador.

A vítima concentra em si o bem e o mal inerentes à violência da comunidade, o rito é a religação à esta estrutura fundadora de significado, na forma de um conjunto de ações e reações, expressões, sons e memórias que nem precisam estar verbalizadas, basta que sejam reproduzíveis.

É o rito que, ao reproduzir continuamente o sacrifício (por séculos, por milênios), funciona como a primeira forma cultural, na qual o símbolo (rito) é um dado empírico e concreto, necessário para a manutenção da ordem sagrada que afasta o caos da violência sem freios e sem diferenciação, e este símbolo é representado no rito que conduz à vítima sacrificial.

Com o tempo, o rito se estrutura linguisticamente e favorece a criação da narrativa mítica, pois sua repetição permite a paz necessária para a sociedade desenvolver a língua e o vocabulário com base na estabilidade criada por meio do próprio rito.

A vítima se converte no deus e/ou no herói, neste sentido, o símbolo nem verbal é em sua origem, e quando se torna verbalizável, origina a linguagem poética na forma de narrativas sagradas, os mitos.

Werner Nabiça Coêlho - 20/08/2017

sábado, 19 de agosto de 2017

SENTIMENTOS, EMOÇÕES E LINGUAGEM


Ao se adotar um foco relativo à etiologia da linguagem é possível detectar que em animais superiores o sentimento é manifestação da primeira linguagem codificada seja em gestos, expressões faciais ou corporais, sons musicais ou de ênfase como rosnados.

A humanidade necessitou erigir o verbo em meio aos gritos com base na harmonia dos símbolos, que inicialmente surgiram de uma progressiva harmonização dos sentimentos em emoções, estruturas de linguagem sentimental possuidoras de conteúdo comunicacional mais consistente e expressiva de um estado psicológico específico.

A conversão da reação do sentimento cego na estabilidade das emoções significativas, simbolizadas por nomes próprios, foi o fruto da repetição de rituais religiosos originados das crises miméticas, que operaram o progressivo nascimento dos símbolos diferenciadores da cultura.


Cabe aqui esclarecer que a chave da teoria mimética de René Girard é fundada na criação do bode expiatório, uma vítima sacrificada pela violência sagrada, originada na violência caracterizada pela espiral da vingança que eventualmente domina a comunidade quando os processos miméticos fogem do controle.


O sacrifício do bode expiatório, fenômeno que ocorre dentro do mecanismo mimético, contém o processo da violência sem fim, assim, o ato sacrificial origina o rito, que é a reprodução dessa violência sagrada mantenedora da paz social, em contraponto à violência profana e irracional na qual os sentimentos são inominados e indiferenciados.

Neste sentido, o temor ao sagrado é um mecanismo que origina a linguagem, e explica como somos capazes de racionalizar o temor em amor, pois o próprio fato de atribuirmos nomes às emoções e aos sentimentos implica na criação de símbolos, imagens, referências, diferenciações.

A conversão de reações sentimentais em emoções racionalizadas é uma técnica de sobrevivência da espécie humana que possibilita o controle da violência humana e social.

Daí a criação de emoções e o ato nominá-las ser um tipo de racionalidade com foco na necessidade de sobrevivência, um exemplo misterioso, e já bem vulgarizado no senso comum, é o processo descrito como "Síndrome de Estocolmo", em que a vítima converte o temor ao algoz em respeito à autoridade, ou mesmo em amor ao tirano, por isso que ditaduras e totalitarismos são tão longevos, pois o medo é uma emoção que conforma o verbo "obedecer", e, da mesma forma,  em sociedades republicanas e/ou democráticas, o amor funda a caridade e a autonomia de pessoas livres por meio do senso de responsabilidade.

Werner Nabiça Coêlho - 19/08/2017

terça-feira, 25 de julho de 2017

A ALIENAÇÃO É A RAZÃO EXASPERADA NO POLITICAMENTE CORRETO


A “deusa razão”, representada por uma prostituta, sendo carregada pelas ruas de Paris



Voegelin, Girard e Ortega y Gasset demonstram a necessidade de se reconquistar o significado ontológico dos símbolos.

Eric Voegelin identificou a gênese do conceito de alienação (allotiosis) na filosofia estóica, e a definiu como "um estado de retirada do próprio eu [...] um recuo da razão na existência" (2007, P. 118), fenômeno que causa em sua vítima uma profunda perda de sentido na existência humana, todavia, mesmo quando a função racional perde seu sentido superior, de buscar o sentido da vida humana no interior da realidade, a racionalidade permanece como uma ferramenta de justificação do próprio estado de alienação, mediante a racionalização da própria alienação.

O estado de alienação é, portanto, o império da violência sobre a razão, que legitima a vingança interminável, típico de crises miméticas, e, conforme a chave explicativa da teoria mimética há no ser humano uma tendência de racionalização dos motivos irracionais desencadeadores da sucessão de retaliações típicos da vingança, em que a violência desenfreada retroalimenta-se mediante o uso da lógica da reciprocidade, uma justificação sem fim até ao ponto da virtual autodestruição do corpo social na indiferenciação da violência, cuja solução de continuidade, eventualmente, é alcançada com o sacrifício de um para salvar a todos, o bode expiatório, o que nas sociedades arcaicas significou a criação do primeiro símbolo diferenciador, ao mesmo tempo nefasto e sagrado, pois a vítima representava ao mesmo tempo o bem que encerra o conflito e o mal que o iniciou, o sagrado e a violência.

René Girard, de forma análoga a Voegelin, descreve a necessidade de uma "teoria genética" que remeta à estrutura do real, na qual a linguagem simbolizada pelo rito sacrificial é uma metáfora da violência humana, que se não for ordenada e sacralizada implicará na libertação dos demônios da vingança sem medidas, o rito torna-se o símbolo da violência domesticada pela linguagem metafórica dos símbolos, e por isso adverte que:

[...] a teoria vitimária não confunde grosseiramente a perseguição espontânea com os sacrifícios rituais, mas permite que se descubra uma relação ao mesmo tempo metafórica e real entre a perseguição espontânea e todos os sacrifícios. A relação é metafórica, pelo de que todo gesto ritual consiste numa substituição da vítima, e real, pelo fato de que a vítima substituída também é imolada, mais do que nunca bode expiatório. (2009, p. 121)

A alienação que racionaliza a violência faz surgir o procedimento político da ação direta, que é descrita por Ortega y Gasset como a forma típica de atuação do homem-massa.

Ação direta é o outro nome de racionalização dos meios violentos para obtenção de resultados políticos e sociais, o que torna a linguagem uma arma de guerra social, e, assim, surge a necessidade de policiamento da própria fala e padronização de seu uso e "porte" como ocorre no fenômeno do "politicamente correto", em que a verdade é sacrificada no altar da opinião predominante.

Ortega y Gasset descreve a alienação do homem-massa ao descrever sua falta de percepção da realidade, uma vez que "o homem vulgar, ao se encontrar com este mundo técnica e socialmente tão perfeito, pensa que foi criado pela Natureza, e nunca se lembra dos esforços geniais de indivíduos excepcionais que a sua criação pressupõe" (1987, p. 76).

Cria-se, assim, um perfil humano mimado e irresponsável [1] que de forma violenta "não quer dar razão nem quer ter razão, mas que, simplesmente, mostra-se decidido a impor suas opiniões" (1987, 89), que "renuncia à convivência de cultura, que é uma convivência regida por normas, e se retrocede a uma convivência bárbara".

O homem-massa é tipo humano alienado da realidade e portador de um "hermetismo da alma, que [...] empurra a massa para que intervenha em toda a vida pública, também a leva, inexoravelmente, a um procedimento único: a ação direta" (idem, p. 90). Ortega y Gasset ressalta que a violência implicada na ação direta é a "razão exasperada" (idem).

A alienação é a razão exasperada, e, tal como Voegelin descreve, é o abandono da compreensão da realidade como uma "tensão entre o humano e o divino", e, sistemas, como o de Hegel, são a "sistematização de um estado de alienação", uma vez que há a rejeição da "razão divina", por meio da "revolta egofânica", e de forma emblemática esclarece que: 

"Não é possível se revoltar contra Deus sem se revoltar contra a razão e vice versa" (2007, p. 118).

É da tensão entre o humano e o divino que emerge a ordem, que de forma eficaz conserva a experiência humana, com o grau de sentido necessário à sua perpetuação.

As idéias são um desenvolvimento conceitual secundário, pois segundo Voegelin "as idéias transformam os símbolos, que existem para expressar experiências, em conceitos" (2007, p. 121).

O símbolo é o ente originário da linguagem, cuja gênese analoga em forma de representação uma experiência, cujo sentido e significado é o produto da tensão do humano que se depara com as qualidades, cósmica (material) e divina (espiritual), da realidade. 

O símbolo é a substância da linguagem dos mitos, e das revelações religiosas, enquanto que a criação de hipóteses e teses explicativas é oriunda da interpretação do significado secundário dos símbolos, processo hermenêutico que promove o desenvolvimento de conceitos, que com o tempo acabam sendo encarados, os conceitos, como integrantes de uma realidade abstrata e apartada da própria realidade da experiência, como se a unidade do real pudesse ser partida ao meio com uso da linguagem, e, como se houvesse "uma outra realidade que não a realidade da experiência" (2007, p. 121).

A negação da realidade como experiência viva e concreta, e a mera percepção conceitual e abstrata, que julga a existência de conceitos e idéias, como algo com uma existência à parte, é o fruto da ação deformadora das idéias sobre a "verdade da experiência" e "sua simbolização" (2007, p. 121).

Voegelin definiu que devemos distinguir a "experiência compacta do cosmos" ou "experiência primária do cosmos" das "diferenciações" que levam "à verdade da existência no sentido dos clássicos gregos, dos profetas de Israel e do cristianismo primitivo" (2007, p. 122), e, para caracterizar a transição entre verdade compacta e a verdade diferenciada na história da consciência cunhou o termo "salto no ser".

A definição de experiência compacta no cosmos, como criação de símbolos primários, casa muito bem com a definição de crise mimética, no âmbito da teoria de René Girard, uma vez que é do processo da indiferenciação violenta no âmbito do mecanismo mimético, que se cria o bode expiatório, que, assim, cria o símbolo que interrompe a mimesis violenta, com a instituição do rito sacrificial, que é a repetição do assassinato fundador.

A teoria mimética descreve a gênese do bode expiatório como a gênese do símbolo diferenciador, que favorece a constituição da estabilidade social necessária para a instituição da própria linguagem, cujo símbolo fundador é o próprio bode expiatório.

Voegelin presume em sua teoria uma experiência primária, que cria símbolos cosmológicos e compactos, que estabelecem o lugar do homem na criação, sendo o bode expiatório, na perspectiva mimética, este símbolo, que, ao possibilitar a criação do rito ,permitiu a experiência que engendrou a gênese dos símbolos, que, posteriormente, criou o ambiente social em que a racionalização conceitual possibilitou o "salto no ser", por meio da constituição de símbolos diferenciadores na história da consciência. Voegelin adverte que a:

"transformação das experiências e simbolizações originais em doutrinas podia conduzir a uma deformação da existência, caso o contato com a realidade tal como experienciada fosse perdido e o uso dos símbolos de linguagem engendrados pelas experiências e simbolizações originais degenerasse em um jogo[...]" (2007, p. 123)

O princípio orientador para Voegelin é que "a realidade da experiência é autoevidente. Os homens valem-se de símbolos para expressar suas experiências, e os símbolos são a chave para compreender essas experiências" (2007, p. 124), uma vez que o que "é experienciado e simbolizado como realidade, e um processo de progressiva diferenciação, é a substância da história" (idem).

A alienação, portanto, é uma exasperação da razão, que promove o processo de descolamento das idéias do tecido da realidade, perdendo-se a manifestação da unidade com o real presente na linguagem dos símbolos, pois a linguagem ideológica destrói a diferenciação conquistada a duras penas pelas gerações anteriores, é o primitivismo criticado por Ortega y Gasset.

O império de idéias abstratas não mais busca fundamento na realidade da experiência, e em sua complexidade, é o imperialismo da abstração que julga a realidade de forma simplificadora, é a hipótese idealista, que, com a força do negativo, impõe-se contra a substância do real. A alienação é a negação da realidade autoevidente, é a negação do senso comum constituído por símbolos representativos da realidade, em sua profundidade histórica e diferenciada.

Para exemplificar o processo de alienação Voegelin refere a excelente formação filosófica de Marx, e que o mesmo "sabia que o problema da etiologia na existência humana era central para uma filosofia do homem e que, se quisesse destruir a humanidade do homem fazendo dele um "homem socialista", precisava repelir a todo o custo o problema etiológico. (2007, p. 84).

O problema etiológico é o problema da origem de tudo, é colocação da questão da causalidade, é a percepção de que tudo possui uma causa anterior, até que se chega à causa primeira, e, neste ponto Voegelin afirma que:

"o charlatanismo marxista reside na terminante recusa de dialogar com o argumento etiológico de Aristóteles, isto é, com o problema de que a existência do homem não provém dele mesmo, mas do plano divino da realidade" (2007, p. 84).

O diagnóstico da alienação feito por Voegelin em relação a Marx é certeiro ao afirmar que sua trapaça intelectual "pretendia sustentar uma ideologia que lhe permitisse apoiar a violência contra seres humanos afetando indignação moral" (2007, p. 83).

A alienação é um processo de justificação da violência por meio de idéias racionalizadoras, é a legitimação da criação de bodes expiatórios a serem sacrificados no altar da ideologia.

A alienação perante a realidade concreta, por meio da eleição de uma irrealidade de idéias, torna-se característico das ideologias e dos ideólogos que produzem a "destruição da linguagem, ora no nível do jargão intelectual de alto grau de complexidade, ora no nível vulgar" (2007, p. 82).

Voegelin define que é necessária a honestidade intelectual (Intellektuelle Rechtschaffenheit), compreendida como a "intenção honesta de examinar a estrutura da realidade" (2007, p. 79), para que seja possível restaurar a linguagem, e para combater a alienação ideológica que fundamenta a ação direta, que hoje é facilmente identificável no fenômeno do politicamente correto.

O problema etiológico é o problema fundamental a ser resgatado, como o centro de qualquer debate, pois a negação da causalidade implica na constituição, e, na defesa, de idéias céticas e abstracionistas, que tomam o conceito e o juízo abstrativos da concretude do real, como realidades independentes da experiência.

A alienação, por meio da exasperação da razão, que cria quimeras de irrealidade conceitual, é a negação violenta dos limites impostos pelo real, cujo problema etiológico é o ponto de partida fundamental.

Alienação é o fruto, psicológico e intelectual, do ideário que promete o impossível como algo factível, tal qual se dá no caso da ideologia do socialismo, que pretende recriar o cosmos sem dor, sofrimento e desigualdade, e, que, por fim, só é capaz de conceder a igualdade no sofrimento e na morte.

[1] Ortega y Gasset define que "Mimar é não limitar os desejos, dar a um ser a impressão de que tudo lhe é permitido, que não é obrigado a nada" (1987, p. 77)

Referências:

Ortega y Gasset, José. A rebelião das massas; tradução de Marylene Pinto Michael; revisão da tradução de Maria Estela Heider Cavalheiro - São Paulo: Martins Fontes, 1987.

Voegelin, Eric. Reflexões autobiográficas; introdução e edição de textos de Ellis Sandoz; tradução de Maria Inês de Carvalho; notas de Martins Vasques da Cunha - São Paulo: É Realizações, 2007.

Girard, René. A rota antiga dos homens perversos; tradução Tiago José Leme - São Paulo: Paulus, 2009.

sábado, 20 de maio de 2017

AFORISMOS: A ARTE DO DIREITO


DIREITO É UMA FERRAMENTA, NADA MAIS.

A natureza humana é composta de desejo e razão, aqueles dois cavalos, um obediente e o outro rebelde, descritos por Sócrates no Fedro, o direito é um conjunto de tradições, experiências, técnicas e hábitos que trabalham esta tensão entre a emoção quente, que tudo incinera, e a postura distante e racionalista, que tudo quer tratar com frieza e objetividade, nestes termos o direito é só mais uma das ferramentas que o engenho humano constituiu para garantir a sobrevivência.

O direito não é uma coisa separada do acontecer humano, é só um índice de medida do acontecer humano.

Ao fim e ao cabo o direito é o que os homens, justos ou injustos, fazem-no ser.

O direito como algo que produz resultados práticos (poiéticos) é operado pelo uso da força, com base num certo grau de legitimidade social, é como uma arma, pode ser usada para o bem ou para o mal.

O direito é uma arte prática que é instrumentalizada pelo detentor do poder social, seja um indivíduo seja um ditador, é uma simples ferramenta.

O direito é nada mais nada menos que uma manifestação da natureza humana segundo um foco comportamental e normativo.

DIREITO É PROGRAMAÇÃO.

O direito é na sociedade um tipo de atividade equivalente à arte do programador, ambos existem para gerir sistemas de dados, um binário e matemático e o outro ético e incomensurável.

DIREITO DOMADOR DA VIOLÊNCIA.

O direito é a arte de domar a violência que habita dentro e d'entre nós.

A violência é constitutiva do acontecer natural, a vida de uns é garantida pela morte de outros, a ordem natural é uma ordem mortífera.

Somos violentos, desejamos a violência, mas nos foi revelado que este é o caminho do erro, o esforço de seguir o caminho reto implica no sacrifício da própria violência, esta é a renúncia ao pecado, ao prazer da violência, à satisfação da vingança.

Por natureza somos violentos, adoradores potenciais de satanás, mas nosso espírito tem uma estranha tendência para a ordem, um dom capaz de captar o divino em meio ao caos, e com Cristo nos evadimos das trevas da vingança.

DIREITO E SALVAÇÃO.

Um bom meio de acabar com o fenômeno jurídico é a extinção da humanidade, outro é a salvação, mas daí não estaremos neste mundo.

O direito como arte que é, idealmente, deve gerar uma mimésis do comportamento justo.

Ser bom é uma decisão no sentido do bem, decisão que nega todas as demais possibilidades e tentações que se apresentam perante os desejos e sentimentos menos elevados da natureza carnal.

Posso afirmar que o bem é um potencial virtual não atual, cuja realidade é fruto de um processo laborioso, consciente e custoso.

Lei, mortalidade e livre arbítrio são alguns dos termos metafísicos que somos capazes de gerenciar no cotidiano jurídico.

DIREITO VERSUS ROUSSEAU.

Considerar o homem naturalmente bom é uma definição generosa, mas um tanto quanto rousseauniana, pois apregoa uma espécie de bom selvagem teleológico.

De minha parte sou um pessimista quanto à bondade natural do homem, creio que ele é pecador por natureza, e somente com um esforço muito grande e sujeito a muitas quedas é que ele se aperfeiçoa, essa é sua liberdade.

O dom que nos foi concedido, a liberdade, pode ser perdido pelo uso da própria liberdade, é a parábola dos talentos que melhor expressa isso.

DIREITO E SOBRENATURAL.

A tensão das contradições é a razão da vida da carne, do espírito e da alma, é o labor mesmo.

O positivismo farisaico é a versão primeva do satanismo politicamente correto, que subverte a virtude da justiça em tirania cega.

O direito positivo em sua forma de registro formal é somente mais uma ferramenta, da mesma forma que do ponto de vista somente do texto os evangelhos não são todo o ensinamento, mas um registro parcial da verdade revelada, assim é a lei escrita.

O positivismo quando encarado como ideologia é um direito preternatural, nem natural nem sobrenatural.

O conceito de direito natural... está aí um ponto discutível, podemos chamar de direito sobrenatural, por ser eterno, pois o nosso acesso aos princípios racionais é uma forma de presentificação da idéia que o espírito e o intelecto apreendem desde cima. 

Pode-se definir o direito natural no sentido de verdade revelada, percebida pelo intelecto humano, atributo este que participa da natureza divina que nos criou.

DIREITO, MISERICÓRDIA E VINGANÇA.

A vingança de Deus está reservada ao juízo final que encerra uma vida de escolhas que negam a salvação.

Papo de jurista: a lei precisa ser interpretada, as ferramentas conceituais que permitem a interpretação compõem a hermenêutica, com Cristo a misericórdia vem como a boa nova que introduz o elemento providencial do perdão como parte da técnica de julgamento, com Cristo o amor funda o juízo, não mais uma vingança à moda da lei de talião.

17.05.2017

Werner Nabiça Coêlho

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

REFLEXÕES SOBRE A TEORIA MIMÉTICA DE RENÉ GIRARD



O ponto que me proponho a discutir é justamente o conceito de racionalidade precipitado pelo cartesianismo, pois o fato de existir uma razão matematizante não exclui que o fenômeno da racionalidade inclua outras manifestações racionais.


Vou exemplificar com minha curiosidade relativa ao problema da origem da linguagem, pois não existe qualquer forma de o método cartesiano explicar o fenômeno da linguagem em sua gênese, há necessidade de se definir a linguagem pré-verbal e sua evolução para a linguagem verbal.


Neste sentido há que se considerar que há a uma linguagem não-verbal atuando antes, durante e depois, e que tal linguagem não é mensurável de forma quantitativa, mas é um qualidade da comunicação ser mais ou menos intensa, e esta intensidade no nível linguístico não verbal é o fenômeno emocional, que não é mensurável numericamente, e antes de existir a linguagem falada houve a linguagem emocional.


O complexo processo de manifestação da interação social por meio das emoções que possibilitou através do mecanismo mimético o desencadeamento do fenômeno sócio-religioso do bode expiatório, e com o sacrifício primordial que ocorreu diversas vezes em diversas culturas que se obteve a condição de possibilidade para a criação da própria razão que se utiliza da linguagem como ferramenta de comunicação.


A repetição de ritos sacrificiais consolida paulatinamente a própria linguagem verbal, criam-se os mitos originadores das primeiras expressões verbais.


E assim justifico minha percepção de que a razão que mensura dentro do corte metodológico da razão matemática não é suficiente para explicar o próprio fenômeno da razão mesma.


Werner Nabiça Coêlho - 10/06/2016
 

 

 

O fato de não existirem livros religiosos em algum tempo pretérito não implica na inexistência de religião, pois esta existe desde sempre, ao ser considerado o conceito de tempo de existência do ser humano.


A comunicação não escrita, ou melhor dizendo, a comunicação oral, é uma das fontes primordiais do conhecimento religioso, mas não é o seu pressuposto, a própria fala foi criada e conformada pela religião.


O marco teórico presente na teoria mimética, desenvolvida por René Girard é um adequado referencial explicativo para o fenômeno religioso, e, por tabela, serve para descrever a própria constituição da linguagem humana que necessitou transitar da fase pré-verbal para a expressão verbal.


Os dados que se originam da pesquisa mimética demonstram que foi a Religião que criou o homem, pois foi com o ritual religioso que se constituiu a própria fala.

 
Somente existiu a possibilidade do nascimento da cultura porque houve uma "evolução" da própria linguagem, em razão do fenômeno religioso primordial, resultado da "crise mimética", descrita pela antropologia girardiana.


Ocorre que as religiões arcaicas são essencialmente vitimárias e sacrificiais, e, neste ponto está a origem do conceito de pecado original, pois a sociedade foi erigida sobre uma montanha de vítimas sacrificadas.


A revelação cristã demonstrou que não podemos prosseguir nesse processo de sacrificar o próximo, pois revelou-se que a vítima é inocente, e Cristo é por isso a vítima perfeita, que causa a destruição das religiões arcaicas e seus mitos, pois os mitos mentem ao atribuir a culpa à vítima, e o Deus vivo revela que é mais sagrado poupar a vítima inocente, do que realizar o culto da violência.

 
Werner Nabiça Coêlho - 24/06/2016

 




O modelo mimético pode ser aplicado à chamada "síndrome de Estocolmo", considerando-se que esta é uma clara hipótese prática em que se manifesta uma das possíveis manifestações da relação entre a violência e o sagrado, em que se sacraliza a violência e a mesma transforma-se na linguagem dos mitos e em práticas rituais que podemos chamar de síndromes, ou outros apelidos modernos. 


Assim se estabelece um tipo de culto ao deus violento, que deve ser ritualisticamente homenageado, amado e temido, com fundamento na crise mimética desencadeada pela ação violenta do algoz.


Em suma, o instinto de sobrevivência procura razões para justificar a violência e racionalizar a submissão, como algo positivo, mesmo que injusto de fato e de direito.

 
Werner Nabiça Coêlho - 24/06/2016


 



René Girard converteu-se ao catolicismo quando constatou que a condição cultural que possibilitou a superação da violência mimética, que é o fundamento das religiões anteriores à boa nova cristã.


Foi justamente a paixão de Cristo que descortinou a falsidade dos mitos das religiões de até então, e revelou todo o mecanismo mimético, e essa revelação é considerada pelo Girard um verdadeiro milagre que não pode ser justificado pelos dados culturais somente, houve, sim, uma revelação, ou como diria o Wolfgang Smith houve uma causalidade vertical
 

Werner Nabiça Coêlho - 21/10/2016

 



O René Girard tem uma abordagem interessante sobre a origem das interdições sociais, e numa rápida síntese posso descrever que ele define que é necessário para a saúde da mente humana, e da sociedade em geral, que haja diferenciações e hierarquias, estruturas sociais que se consolidam mediante sucessivas crises miméticas.


São crises oriundas de situações na qual o risco da violência autodestruidora foram superadas, e uma dessas hipóteses é o sexo se tornar um evento intestino às relações familiares, essa hierarquia é tão severamente representada na mitologia grega, por exemplo, que Tróia precisou ser aniquilada para ser preservada a instituição do casamento, que dizer do incesto.

 
Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016


 



O que torna a hipótese mimética interessante é que a origem das interdições é necessariamente um processo antropológico, em seu sentido mais originário, é como que o processo de formação geológica que conforma os montes e vales da psique humana, das formas mais diversificadas possíveis mas sempre remetendo aos mesmos paradigmas que fornecem o esteio e os princípios para a hierarquia social, e, inclusive, pode ser que o incesto, de um ponto de vista ritual seja permitido, mas, somente para a classe de pessoas que serão possíveis bodes expiatórios, como o que ocorre com os Faraós.

 
Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016




 

As razões para a existência da crise mimética são um pouco mais profundas que a existência de um suposto conflito de um contra todos.


É como se fosse um processo, que quando dá certo cria uma válvula de escape para a violência social acumulada pelo processo de mediação interna, quando dá errado a comunidade entra em um processo de autodestruição mediante vinganças intermináveis.


A noção de horda é uma forma que a linguagem ordinária consegue descrever a própria crise mimética, como uma crise de indiferenciação, onde ninguém pode ser de ninguém e todos estão contra todos.


A solução da crise cria modelos de comportamento, que por sua vez são a origem das relações sociais que possibilitam a vida comunitária.


A teoria mimética demonstra que a solução de crises sociais nos primórdios da humanidade decorreu de inúmeros processos de criação de bodes expiatórios, que ora davam errado, e a sociedade desaparecia em meio ao caos social, ora davam certo, mediante o sacrifício de bodes expiatórios, e, assim, instituíam-se ritos e criavam-se mitos.


As vítimas eram normalmente elementos da sociedade que padeciam de algum defeito ou debilidade, ou mesmo uma característica de exceção, como ser um estrangeiro, que serviam de elementos catárticos para expulsar a violência profana, mediante a criação de uma violência sagrada, que passaria a ser ritualmente repetida, e, através de infindáveis repetições, assim, a própria cultura humana foi sedimentando-se.


Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016




 

Sem adentrar no modelo econômico de estrutura social, adoto o modelo antropológico de descrição da sociedade como o resultado de interação mimética. 


A gênese da cultura é fundamentalmente uma criação de hierarquias sociais fundadas na violência sagrada, que evolui paulatinamente para conformações mais brandas na qual a solução sacrificial migra para estruturas mais sofisticados. 


Segundo tal modelo inexiste sociedade sem hierarquia, e sem padrões fundados em modelos miméticos, que suplantam a mediação interna pela criação de mediações externas. 


Neste modelo antropológico o anarco-capitalismo é uma impossibilidade ontológica, em razão de estabelecer um pressuposto que impõe a destruição das hierarquias.


O modelo cristão é o mais impressionante padrão de supressão da violência, pois supera a crise mimética com o estabelecimento da racionalidade objetiva que distingue claramente o sacrificador e o sacrificado, e, portanto, é o portador dos padrões éticos que possibilitam a existência de uma sociedade capitalista bem regulada.

 
O anarco-capitalismo é uma proposta de (des)organização social inviável pois desencadeia a crise mimética.

 
Em síntese, a economia e sua prosperidade estão condicionados pela existência prévia de soluções de pacificação social, para permitir uma ordem legal e social capaz de proteger as trocas voluntárias, bem como impedir trocas involuntárias.

 
Werner Nabiça Coêlho - 25/02/2017

domingo, 23 de outubro de 2016

A ORIGEM DA LINGUAGEM E A TEORIA MIMÉTICA


Eugen Rosenstock-Huessy e René Girard são desbravadores da origem mimética da linguagem.


Eugen Rosenstock-Huessy deduz a origem ritual da própria linguagem, e René Girard descobre o fundamento antropológico do rito.

Eugen Rosenstock-Huessy descreve a necessidade de um tamanho poder do rito, que este criou o tempo, a ordem, nomeou e vestiu de tradição o homem, e René Girard revela que este poder é fonte de nosso desconforto com a civilização, erigida sobre séculos e séculos de assassinatos rituais, de crimes que permitiram que com o sacrifício de poucos muitos prosperassem, o bode expiatório é o herói, o demônio e o deus da religião arcaica, que foi criada pelo ritual primário dos sacrificadores.

Eugen Rosenstock-Huessy percebe que linguagem e religião são um e mesmo fenômeno, origem criadora do que conhecemos e do que somos, René Girard descreve com a crise mimética, que esta origem está no pecado original do assassinato fundador, e na maturidade de sua obra revela que a verdade evangélica nos libertou da ilusão do poder da morte.

A revelação cristã ao ensinar que a vítima do sacrifício era a única inocente no drama do ritual, a religião antiga dos sacrificadores perdeu assim sua beleza estética sagrada, na qual os mitos e lendas sangrentas foram substituídos pela consciência da própria violência, é o início da condição de possibilidade para o sujeito não ser escravizado pelo mecanismo mimético e ser capaz de perdoar, ao custo de sacrificar a própria hibris, pois revelou-se com Cristo uma hubris que nega a solução sacrificadora.

Eugen Rosenstock-Huessy refere que a linguagem foi criada pela repetição de gritos, grunhidos, urros e choros, e René Girard descreve o processo genético desta transformação, com o modelo da Teoria Mimética, na qual a violência expulsa a violência, uma sagrada outra profana, mecanismo que se consolida por infinitas repetições rituais, que possibilitam a paz necessária para uma comunidade estabelecer um padrão de linguagem verbal, que supere as limitações da linguagem animal.

A origem da linguagem estudada por Eugen Rosenstock-Huessy se encontra com o mimetismo comunicacional, que cria e doma a violência, e nesse processo, a linguagem é criada pelo rito, que cria a religião, que com Cristo recria a linguagem mimética, cuja origem profana e violenta torna-se sagrada e poética não mais com a celebração da morte, mas com a afirmação da vida e da inocência do cordeiro sacrificado.

Werner Nabiça Coêlho - 02/09/2016

domingo, 19 de junho de 2016

SOBERANIA E MITO DA LEGALIDADE

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Interessa-nos discutir a natureza social (material) do Poder Político e seu desenvolvimento jurídico (formal) no caminho da institucionalização do Estado, razão pela qual trazemos à baila algumas questões candentes levantadas na República de Platão, que suscita questões recorrentes à legitimidade do exercício do Poder.

O Estado surge da manifestação do Poder que transforma uma coletividade em Povo, destacando-se este ser um fenômeno jurídico (MIRANDA, 2000, p. 165).

O Poder Político é o Poder Constituinte que molda o Estado segundo uma idéia, um projeto, um fim de organização, e, que o Estado não existe em si ou por si, efetivando-se em dois aspectos: autoridade e serviço ( Idem , p. 166).

Miranda socorre-se de Gustav Radbruch nos seguintes termos: “é ainda um direito suprapositivo e natural que obriga o Estado a manter-se sujeito às próprias leis. O preceito jurídico que isto determina é o mesmo que serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo” ( Idem , p. 169).

Referido Autor destaca que para a sociologia o exercício do poder político pode ser objeto de análise como poder da comunidade estatal , e, como orientador da comunidade sobre a qual se exerce a orientação.

Todavia, em termos jurídicos, tal cisão seria inadmissível, sendo a titularidade do poder da própria comunidade, tendo uma explicação una e trina , una como fonte do poder, e, trina, pois é o Poder que auto-organiza a comunidade , é o substrato do Estado na forma de Pessoa Coletiva e manifesta-se em seus Órgãos e Agentes detentores de parcelas do poder político.

Esclarece que para os efeitos de sua obra é o mesmo falar em Poder Político e em Soberania ( Idem , 173).

Destas colocações deriva nossa grande questão acerca de qual a origem ideológica do fenômeno jurídico que possibilita ao poder unificar o povo; e, ao mesmo tempo, fornecer uma base de valores que obriga a autoridade a servir este mesmo povo; colocada em outros termos: qual a idéia que legitima o poder, e o transforma em objeto de consentimento popular, ao mesmo tempo em que limita o próprio exercício do poder?

Percebemos que as posições adotadas por Miranda ao invés de revelarem uma resposta clara à questão, simplesmente saltam por sobre o problema sem enfrentá-lo, ao definir corte metodológico, consistente na afirmação dogmática da existência de um direito suprapositivo e natural que teria o condão de obrigar o Estado à bem se comportar, mas, ao mesmo tempo, demonstra grande intuição que já principia a resposta que buscamos quando enfatiza ser este o mesmo preceito jurídico que “serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo” (MIRANDA, 2000, p. 169).

Consideramos de suma importância contextualizar o nascimento da idéia normativa fundamental do Estado de Direito Democrático que passaremos a denominar de mito da legalidade.

Quais os elementos conformadores do mito em exame?

Qual sua base histórico-social?

Que filosofia o sustenta?

Qual a sua realidade sob uma perspectiva antropológica e qual sua estrutura discursiva que dá a base ritualista do mencionado mito e que o atualiza?

Iniciaremos com o Livro I da República de Platão, na qual Sócrates questiona um próspero ancião de nome Céfalo acerca de “qual foi a maior vantagem que te proporcionou tua fortuna?” (330 d) (PLATÃO, 1976, p. 46), recebendo a resposta de que “a riqueza é de grande vantagem, porém não para todos; apenas para as pessoas equilibradas. Ela é que enseja a possibilidade de deixar a vida sem receio de haver mentido, embora involuntariamente, e de não ter ficado devendo” (331 b) (PLATÃO, 1976, p. 47).

Após, Sócrates questiona Céfalo sobre a inconstância do conceito de justiça, por este consistir apenas em falar a verdade e restituir o recebemos de outrem, quando coloca a seguinte hipótese: “de alguém receber para guardar a arma de um amigo que se encontre são do juízo, e este, depois, com manifesta perturbação de espírito, exigir que lha restitua, todo o mundo concordará que não se deve devolvê-la” (331 c-d) ( Idem , p. 47-8).

No seguimento do diálogo Céfalo é substituído por Polemarco, e, então, surge a célebre citação da máxima de Simônides “dar a cada um o que lhe é devido” (331e) ( Idem , p. 48), descrito como “enigma poético” (332 b) (Idem , p. 49), que vai suscitando diversidade de respostas proferidas por Polemarco, tais quais: “Tudo indica que para ele é justo dar a cada um o que convém” (332 c) ( Idem , p. 49); “Justiça, então, é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos?” (332 d); sendo esta última afirmação refutada da seguinte forma: “a justiça é uma espécie de arte de furtar. Naturalmente: para beneficiar os amigos e prejudicar os inimigos” (334 a) ( Idem , p. 54).

Reforçando sua contestação ao maniqueísmo como fundamento da justiça, Sócrates demonstra o subjetivismo dos conceitos de amigo e inimigo ao questionar Polemarco: “E porventura não se enganam os homens nisso, justamente, parecendo-lhes boa muita gente que não o é, e vice-versa?” (334 c) ( Idem , p. 52), e, após diversas colocações acerca da natureza da ética concernente à pessoa imbuída de justiça, concluí Sócrates que “não é próprio do justo causar dano nem aos amigos nem a quem quer seja, porém do seu contrário, o homem injusto.” (335 d) ( Idem , p. 54).

Neste ponto do diálogo surge o sofista Trasímaco defendendo a tese de que “o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte” (336 c) ( Idem, p. 56).

Todavia, ao investigar todas as implicações da definição sofística de justiça, Sócrates acaba por inaugurar na filosofia e na ciência política, em nosso entender, a tese de origem popular do poder político quando diz: “é mais do que claro que nenhuma arte ou governo cuida do interesse próprio, porém, conforme há muito demonstramos, providencia e determina o que é de utilidade para o súdito, considerando apenas o interesse dos mais fracos, nunca o dos mais fortes” (346 e) (Idem, p. 69-70).

Assim, podemos identificar a genealogia da afirmação dogmática de Jorge Miranda, no sentido de encarar o Poder Político, manifestado na Soberania, como auto-organizado pela existência de um direito suprapositivo e natural, que como vimos com Platão é um fenômeno de multidão, e, por isso mesmo, tem em seu substrato e fundamento antropológico explicado cientificamente pela teoria do desejo mimético de René Girard.

A teoria do desejo mimético descreve a origem da cultura na superação da violência inerente às relações humanas, mediante a edificação de ritos e mitos criadores de mediação externa, cada vez mais sofisticada, conforme a cultura desenvolve-se, emergindo na construção do mito da legalidade capaz de legitimar o exercício do Poder lho fornecendo uma ritualística jurídica.

A mediação externa mais sofisticada é o rito jurídico, caracterizado por um discurso peculiar, em que o mito da legalidade é personalizado na autoridade que se apresenta como sujeito e objeto da representação mitológica da legalidade, isto é, a autoridade ao prestar seus serviços submete e é submetida pelo discurso alicerçado na força da idéia normativa (Jouvenel, 1978, p. 34-6) de lei, e assim, temos uma base para a descrição da soberania como resultado da racionalização do Poder da multidão de cidadãos mimeticamente vinculados por mitos que estabelecem padrões de mediação externa, que fomentam idéias normativas de justiça consideradas aceitáveis pelo corpo social.

REFERÊNCIAS

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. 2ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

GIRARD, René. A violência e o sagrado ; trad. Martha Conceição Gambini; revisão técnica de Assis Carvalho. - São Paulo : Editora Universidade Estadual Paulista; 1998.

GIRARD, René;Rocha, João Cezar de Castro; e, Antonello, Pierpaolo. Um longo argumento do princípio ao fim: diálogos com João Cezar de Castro Rocha e Pierpaolo Antonello , Rio de Janeiro: Topbooks, s/d.

JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Col. Biblioteca de Cultura Histórica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. t.III. Coimbra: Coimbra, 2000.

PLATÃO, A República. Diálogos, v. VI-VII. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Coleção Amazônia, Série Farias Brito. Belém: UFPA, 1976.