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domingo, 15 de abril de 2018

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O GNOSTICISMO

Plotino


"O GNOSTICISMO

É difícil, em face da variedade extremada dos pensamentos gnósticos, muitas vêzes até contraditórios, expor em que consiste essa corrente, que teve seu desabrochar nesse período, e que deixou no patrimônio da filosofia muitas contribuições positivas, como também muitos erros. Afirma o gnosticismo um conhecimento (gnosis) capaz de unir o homem a Deus. A gnosis é o conhecimento intelectual, que unido à pistis, à fé religiosa, alcança ao mais alto saber. O gnosticismo pretendia, no segundo século, realizar a união entre a alma humana e Deus através de um conhecimento (gnosis), que permitisse tal desiteratum.

Entre os grandes gnósticos dêsse período, podem citar-se Simão o Mago, Márcio, Valentino, Basílides, Saturnillus, Menandro de Capparetta, Lucano, Asclépio, Metrodoro, Ambrósio e muitos outros.

Márcio de Sinope foi o fundador do movimento chamado marcionista. Excomugado por seu bispo, foi para Roma, onde combateu as idéias cristãs. Nada nos resta de suas obras, salvo passagens nos livros cristãos em que são rebatidas as suas teses. Afirmava êle haver uma antítese entre o Nôvo e o Velho Testamento. O deus dos judeus é um deus imperfeito. O verdadeiro Deus foi revelado por Cristo, que é um deus puramente bondade, e não o deus justiceiro dos hebreus.

Basílides, natural da Síria, começou a ensinar em Alexandria, em 130. Afirmava que Deus pairava acima do ser, que é criação dêle, como o são tôdas as coisas. Dessa mesma época é Valentino, que em 135 ensinava em Alexandria, vindo, depois, par Roma, em 160. Deus, acima de tôdas as coisas, é o abismo, o inconcebível. Mas o abismo era amor e não tolerava solidão, e uniu-se ao silêncio (sigê), e dessa união nasceu o Intelecto (NOUS) e a verdade (Alétheia). Do Intelecto e da Verdade foi engendrado o LOGOS, o Verbo e a Vida, que engendram, por sua vez, o Homem.

A perda da obra dos gnósticos impede que se possa fazer uma reconstrução de suas idéias: contudo, há intenções claras que podem ser delineadas, como seja a de apresentar Cristo apenas como um escolhido (eleito) para transmitir um conhecimento que salva, para estimular uma luta contra o judaísmo, que perverte o cristianismo.

Pode-se considerar como o genuíno codificador do gnosticismo Plotino, que constituiu essa doutrina com bases filosóficas e com a suficiente inteligibilidade. É o que vimos ao examinar a Escola Alexandrina.

Na Igreja, em luta contra os gnósticos, surte Santo Irineu, natural de Esmirna, que foi (126) discípulo de Policarpo, que era da geração que conhecera Cristo, e que fôra instruído pelos seus discípulos. Sua obra, Exposição e refutação do falso conhecimento (gnosis), acusa a êste de desconhecer os limites da razão humana e pretender penetrar no que a ultrapassa por caminhos falsos. Há apenas Deus, e não um demiurgo, um ser intermediário, criador do mundo. Para os gnósticos, o demiurgo é o criador, embora dependente de Deus. Deus é o verdadeiro criador, e não há nenhum outro ser fora dêle, mas, sim, Dêle, a Êle submetido. Contudo o homem é livre, e se o pecado diminui a sua liberdade, não consegue, porém, destruí-la.

Hipólito foi um discípulo de Santos Irineu e tornou-se famoso por sua obra Contra os Gregos e Platão, ou do Universo. Provàvelmente, nasceu em Roma, tendo morrido na Sardenha, em 236 ou 237. Combateu as heresias e defendeu a tese de que estas não surgiram pròpriamente do Cristianismo, mas das doutrinas filosóficas gregas. Sua obra Refutação das Heresias foi contemporânea de Clemente de Alexandria."

Fonte: Mário Ferreira dos Santos, Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, Editôra Matese, São Paulo, 3.ª edição, 1965, p.1208-10

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: TEMPO E ESPAÇO SÃO SUCESSIVIDADE E SIMULTANEIDADE (CAP. 06 - D)



Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


É fundamental da filosofia pitagórico-platônica a presença do allós, do outro, como o khosmos, que é outro que o Ser Supremo. O khosmos implica heterogeneidade, implica o héteros, o outro, distinto, e o modo de ser especìficamente êste ou aquêle é o modo de ser que é outro que outro. A afirmação do Ser Supremo implica o allós, porque é, unìvocamente, êle mesmo, e em plenitude ontológica êle mesmo, e também o poder de realizar tudo quanto pode ser, o que pode vir-a-ser, os possíveis, que são outros que outros. A afirmação do Ipsum Esse, o ser si mesmo, exige o ser outro, o conjunto das coisas outras, allós.

O que é outro que outro, só pode ser tal, simultânea ou sucessivamente pois a disjunção é perfeita, como vimos, o fundamento é, pois, ontológico e não psicológico apenas, como o queria Kant. Dêste modo, o que fundamenta o espaço é a simultaneidade, como o que fundamenta o tempo é a sucessividade. Estas, ontològicamente, antecedem aquêle, e o existir outro, que é o existir heterogêneo, das coisas que não são em plenitude ontológica, implica a presença da simultaneidade e da sucessividade. E a sensibilidade do ser psicològicamente organizado não poderia ser distinta, pois não haveria sensação sem o outro que outro, porque sentir é afirmar, de certo modo, outro que outro, e essa afirmação implica a copresença da simultaneidade e da sucessão, em graus maiores ou menores.


Dêste modo, o tempo e o espaço, que para Kant são formas puras da sensibilidade, são, realmente, esquemas posteriores, que se fundamentam na simultaneidade e na sucessão, que são primordiais, não só da sensação, como do próprio existir e do ser, o que lhes dá uma razão ontológica (1). E é esta razão ontológica que empresta validez e segurança à experiência no sentido kantiano, a qual termina por desvanecer-se quanto ao seu valor, como vimos na análise que fizemos da obra daquele autor em "Filosofia Concreta" e, sobretudo, em "As três Críticas de Kant".

A justificação da continuidade da extensão, considerada não só matemática, como fisicamente, fundamenta-se na não coincidência das partes, que se dão umas extra às outras. As coisas quantitativas são compostas de partes extra partes, mas, por serem estas tomadas extensivamente, são divisíveis em partes, pois onde há extensão há distância. Esta, enquanto tal, é homogeneamente ela mesma em sua especificidade, e, considerada matemàticamente é, portanto, divisível em partes extensas in infinitum. Todo modo de ser quantitativo é, pois, enquanto tal, divisível in infinitum, quando considerado em sua extensidade.



A extensão pode ser considerada como actual ou como virtual. É actual aquela que tem de fato partes extra partes, as quais não coincidem todas no mesmo ponto. Essa extensão pode ainda ser local e não-local. É local, quando comensurada com o lugar, como o são os corpos. É não-local, quando incomensurável com o lugar, quando é toda no todo e toda em cada uma das suas partes singulares, cuja realidade é matéria controversa. Contudo, no caso dos anti-prótons, que revelam, ao anular os prótons, que o resultado não tem extensidade apta a ser captada pelos sentidos, ampliados por instrumentos, não se pode admitir que esse resultado seja uma aniquilação total do ser, o que é ontologicamente impossível e, portanto, absurdo, como o provamos em "Filosofia Concreta". O que resulta, a chamada anti-matéria na física moderna é anulação da extensão atual ou potencial, mas, se for a primeira, será não-local.



Chamam, ainda, de extensão aptitudinal o accidente que tem partes integrantes (que são as que não constituem a essência de uma coisa, pois estas são as partes essenciais). As partes essenciais são aquelas que, faltando apenas uma, a coisa deixa de ser o que é. Constituem elas a essência do todo. Assim a animalidade e a racionalidade são partes essenciais do homem, pois faltando uma ou outra, o homem deixa de ser tal. A parte integrante, ao inverso, não constitui a essência do todo, e a ausência de uma não implica a perda da especificidade, como a falta de um braço não leva ao desaparecimento do homem. Estas partes integrantes são chamadas de homogêneas ou heterogêneas. As homogêneas são entre si semelhantes especificamente, e até acidentalmente, como as partes de um pedaço de ferro, enquanto ferro. São heterogêneas aquelas que diferem entre si accidentalmente, como o são as partes de um ser vivo.

Pergunta-se, na Cosmologia, e é um dos seus grandes problemas, qual o efeito formal da quantidade: é dar extensão entitativa à substância, ou dar extensão actual local ou não local, ou dar uma extensão aptitudinal, ou a exigência da extensão?

É mister, em primeiro lugar, saber o que se entende por efeito formal. É o que resulta da comunicação da forma com o seu sujeito. Assim o efeito formal da côr é o colorido, do calor o ser quente. Classifica-se, ainda, o efeito formal em primário e secundário. É primário o que não pode deixar de dar-se sem contradição, desde que a forma seja dada. Se se dá o calor, tem de se dar o quente; se há cogitação no intelecto, êste está em ato. Secundário é o que, exigida a forma, se faltar, não implica contradição.

(1) O existir ou o ser implicam o que existe ou é, simultânea ou sucessivamente, ou ambos, já que a disjunção é perfeita e a não aceitação seria a negação do sujeito, pois se não é nem simultânea, nem sucessivamente, nem ambos, não é, nem existe.

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p.36-39

domingo, 16 de julho de 2017

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA EVOLUÇÃO SUPERIOR


A LEI DA EVOLUÇÃO SUPERIOR

Mas as evoluções tendem a uma evolução superior, que é a oitava lei: A Lei da Evolução Superior, que é o alcançar de um novo equilíbrio acima do anteriormente vivido. Essa lei é simbolizada, nas religiões, pela ressurreição, porque é a salvação do ser ao ciclo da evolução e o alcançar do estágio superior, pois todas as coisas tendem para um bem que está além delas, o bem superior do Ser Supremo. Todas estão integradas no grande Todo (Pan). Tudo está integrado no Todo, pois não há rupturas no ser. É a grande lei unitiva de todos os seres cósmicos - A Lei da Integração Universal, simbolizada pelo nove.

Mas todas as coisas, integradas no Todo, seguem em direção ao Bem que lhe é transcendente, a Unidade Transcendental à Ordem Cósmica, ao Todo, que é a do Ser Supremo, que é a lei suprema do Universo - A Lei da Unidade Transcendental.


É a lei da participação, porque todas as coisas que são, e no que são, o são por participarem do infinito poder daquele que é a suprema e primeira origem de todas as coisas, o HEN-PROTE, a cujo poder todas as coisas estão como numa prisão, na linguagem metafórica do pitagorismo e que é a Lei das Leis.



Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 202-3

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA EVOLUÇÃO CÓSMICA


A LEI DA EVOLUÇÃO CÓSMICA

Os entes finitos permanecem sempre dentro de uma normal, pois são constantemente, segundo graus, transmutados de uma ordem para outra, de um conjunto para outro, de uma tensão esquemática para outra. Assim, há um fadário que corresponde às possibilidades latentes não atualizadas, quando de um aspecto formal, e que são disposições prévias a futuras informações. O que um ser é, atualmente, em sua forma, não é tudo quanto ele o é em sua virtualidade. Este conjunto de sais minerais, que se torna uma maçã, [não é] tudo quanto é, pois há, em seu ser, disposições prévias para ser outras formas, que não a da maçã. Cumprida a sua função, esgotadas as suas possibilidades, que estão constituídas no seu processo, por dissolução intrínseca ou por fatores extrínsecos, torna-se outra coisa e volve para outra forma.

Assim, todas as coisas do mundo cósmico conhecem essas evoluções, que rompem o ajustamento e a ordenação anterior dos opostos (harmonia), para sofrerem saltos qualitativos e específicos. Na simbólica de todas as religiões, o sete é sempre símbolo dessa evolução, como vemos nos sete sacramentos, nos sete mistérios, nas sete cores, nas sete notas musicais, nos sete dias da semana, nos sete animais puros Noé, nos seus sete filhos, etc.

Assim como há um evolução elementar no quatro, na reciprocidade, há uma evolução superior no sete, que é a lei que acima acabamos de indicar. Desse modo, toda unidade é o produto de uma polarização de opostos, que em seus relacionamentos se interatuam, realizando uma forma, que dá a normal para as funções subsidiárias dos elementos componentes, que tendem a novas formas, que envolvem.

Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 202

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA HARMONIA

Conformações Estruturais do DNA

A LEI DA HARMONIA

A sexta lei, simbolizada pelo hexagrama, é a lei da Harmonia, cujo enunciado tivemos oportunidade de dar acima[1]. Não é o resultado de uma simetria dos opostos, mas a subordinação das funções subsidiárias dos opostos analogados à normal dada pela função principal, que é do interesse da totalidade.

Não só os entes formam conjuntos harmônicos nesse sentido, como são eles, por seu turno, elementos componentes de totalidades, de estruturas maiores, às quais eles se subordinam. A lei da harmonia impera, assim, em todas as coisas, e quando uma coisa rompe essa lei, tal rompimento é apenas aparente, porque, propriamente, rompe a harmonia de um conjunto, para integrar-se na harmonia de outro. Mas a lei da harmonia, que rege o universo, proclama que as funções subsidiárias dos elementos componentes, ordenados no conjunto das oposições, funcionam obedientes a uma normal, que é dada pela totalidade. Mas, como entre as coisas finitas há graus de ser, há graus de harmonia e a desarmonia se dá quando há quebra ou deficiência da normal principal, pela ação contrária das funções subsidiárias. A harmonia implica, assim, a desarmonia entre os entes, pois estes não permanecem sempre dentro da mesma totalidade, mas passam a integrar outras. Há, assim, mutações substanciais, mutações das formas das coisas, bem como da matéria delas, provocando saltos específicos, qualitativos. É a lei do sete - A Lei da Evolução Cósmica.



[1] "Quando o funcionar de todas as partes, como as respectivas subsidiárias, subordinam-se à normal dada pela totalidade, temos então, a "harmonia" no ser" (p. 200)



Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 201

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA FORMA


A LEI DA FORMA

Todas as coisas são determinadas como tais pela forma que tem. Esta, em conjunto com a sua matéria, é constitutiva da natureza da coisa. Uma coisa é a sua forma, mas existencialmente, onticamente, é o conjunto dos opostos principais.


Ela atua e sofre na proporção dessa natureza. A reciprocidade, que se dá entre os opostos, dá-se dentro de limites estabelecidos, que são a forma da coisa, a forma concreta, a forma in re, pois, do contrário, a coisa realizaria ou sofreria desproporcionadamente à sua natureza, o que é absurdo, como o mostramos em Filosofia Concreta. Uma coisa, para ser devidamente conhecida, exige que seja quinariamente considerada segundo a sua lei de proporcionalidade intrínseca, pois as suas possibilidades, bem como o seu atuar são proporcionais à forma concreta que ela tem.


Essas cinco leis, até aqui examinadas, regem contemporaneamente, todo ser, regem-no simultaneamente, porque qualquer ser finito, tem uma forma, tem uma reciprocidade, que surge das relações entre os opostos, que constituem os aspectos manifestáveis de sua última subsistência, do seu hipokeimenon. Assim, se a substância, é dada pela substância universal, que é criada pelo Hen-Dyas aóristos.

A forma é, assim, o arithmós eidetikos in re da coisa, que é simbolizada pelo 5, daí a estrela de cinco pontos ser o símbolo do Homem, porque este é capaz de captar as formas das coisas, embora intencionalmente, isto é, proporcionalmente à sua esquemática.

Conhecer um ser formalmente e a reciprocidade que decorre da interactuação dos opostos relacionados, que constituem a sua substância, é ter do mesmo uma visão quinaria e, portanto, mais ampla.

Todo ser finito constitui uma unidade formada por sua totalidade, o arithmós plethos, número da sua totalidade. Esta tem uma coesão, que coerência as suas partes, os elementos constitutivos, diadicamente opostos. Como totalidade, há uma função principal, a que pertence ao todo, à qual se subordinam as subsidiárias dos opostos, que se analogam na substância universal, que é o hipokeimenon do ser. As funções subsidiárias subordinam-se à principal, que é obediente ao interesse da totalidade. Quando o funcionar de todas as partes, como as respectivas subsidiárias, subordinam-se à normal dada pela totalidade, temos então, a harmonia no ser.

Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 200-1

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA RECIPROCIDADE


A LEI DA RECIPROCIDADE

Em todos os entes, considerados em sua oposição intrínseca e extrínseca, nas relações que se formam entre os opostos, há uma interatuação, uma reciprocidade interatuativa.


Estamos aqui no mundo das coisas que compõem o nosso cosmos, que é chamada por muitas doutrinas a esfera do quaternário, cujo símbolo é o quatro.


Se todas as coisas podem ser vistas unitariamente, podem também o ser diadicamente, ternariamente (como feixe de relações e também como tendo um começo, meio e fim) e, quaternariamente, como resultado da interactuação dos opostos. Se a lei da relação é a que rege os seres como série, a lei da reciprocidade rege a evolução primária e fundamental dos entes finitos. É também a lei da evolução fundamental para o pitagorismo. Pois esse interatuar dos opostos não surge apenas quando o ser principia, mas também no decorrer do processo de sua duração, de seu existir, pois, enquanto o ente é, nele há um polemós, uma luta constante entre os opostos, os quais se determinam mutuamente, de modo diverso, o que gera a heterogeneidade intrínseca do ser singular.

Mas, a reciprocidade, que se dá entre os opostos, realiza dentro de uma lei da proporcionalidade intrínseca do ser, pois seu atuar e seu sofrer são proporcionados à sua natureza. E eis que a quinta lei pitagórica, que rege todas as coisas - A lei de proporcionalidade intrínseca ou lei da Forma Concreta.

Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 199-200

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA RELAÇÃO


A LEI DA RELAÇÃO

Como os opostos são correlativos, imprescindíveis um ao outro, porque a potência materiável tem sempre uma forma, esta ou aquela, para ser, exige o ato-formativo, a determinação, pois o determinante só é tal quando há o determinável, pois como pode algo realizar a determinação sem algo que seja determinável para ser determinado?

A lei da relação é, pois, fundamental dos seres criados, pois estes não são sem a correlação entre os opostos. E é dessa correlação que surge algum ente finito, porque este tem uma forma e uma matéria, para usarmos as expressões aristotélicas.

Mas essa relação não é como as relações acidentais que o ente depois manterá com outros seres, aos quais se refere. Essa relação é principal, pois, sem ela, o ser não surge. É por essa razão que a relação é a terceira categoria pitagórica. E nenhum ser pode ser, devidamente, conhecido se não for considerado do ângulo da unidade, das oposições intrínsecas e das relações entre as oposições, que lhe dão origem e ser.

Nas relações, que se formam entre os opostos principais, surge o arithmós in re, pois a coisa surge da sua proporcionalidade intrínseca, da cooperação da forma e da matéria. A coisa finita, considerada como forma in re, imita a forma eidética, que é do poder do ser, pois tudo quanto há, houve ou haverá, repete, de certo modo, uma perfeição do ser. Por essa razão, as coisas criadas participam das perfeições das formas exemplares na ordem da eternidade, das formas eternas.

Nas relações, que se formam entre os opostos principais, surge o desequilíbrio e o equilíbrio, porque ao ser informada uma matéria, há graus de proporcionalidade que caracterizam o modo de ser específico da coisa quanto à sua perfeição específica. O equilíbrio e o desequilíbrio surgem como categorias pitagóricas, subordinadas à oposição, são por isso sub-categorias. Também o Mega e o Micron (o Grande e o Pequeno, de Platão) são sub-categorias da oposição, pois o grande refere-se à máxima determinação e à máxima determinabilidade, e o pequeno à mínima determinação e a mínima determinabilidade, pois os seres criados estão mais ou menos em relação à perfeição específica do eidos exemplar. É por essa razão que Platão falava ao Grande e ao Pequeno da Díada indeterminada, que é a díada menor, pois a grande díada é a do Hen-Prote e do Hen-Deuteron, do Segundo Um, que é o Hen-Dyas aoristos.

Nas relações, que se estabelecem entre os opostos, há uma interatuação entre eles, pois o ato-formativo, ao informar a potência materiável, e que tem o papel do demiurgo platônico, como vimos, ele é limitado pela matéria, pois só pode informar proporcionalmente à sua natureza de causa eficiente, mas também proporcionadamente à capacidade de determinabilidade da potência-materiável. Esta, por sua vez, sofre a ação daquele, mas exerce uma resistência àquele. Tal resistência é fácil de verificar, e, aqui serve como exemplo, quando tomamos a matéria já informada, como o barro que, como matéria do tijolo, exerce uma ação delimitante à forma que lhe procura imprimir a causa eficiente.

Há, assim, uma interactuação entre ambos, o que levou os chineses a conceituar o Yang, como ativo-passivo, e o Yin como passivo-ativo. Dessa interactuação, surge a quarta grande lei pitagórica - a lei da reciprocidade.

Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 198-9

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA OPOSIÇÃO


A LEI DA OPOSIÇÃO

Vimos que tudo quanto é finito é produto dessa oposição. Estamos, pois, em face da Lei da oposição, cujo símbolo é o dois. Todas as coisas finitas são compostas de duas ordens de ser, no mínimo. E, na coordenação dos elementos que a compõem, formam eles díadas opositivas, que são expressas através de todos os pares de contrários, que constituem os polos, não só de todo o filosofar, como também de todas as mais primárias classificações e divisões humanas.


Da oposição entre o princípio ativo-passivo do determinante e do passivo-ativo do determinável surge toda a heterogeneidade dos seres finitos. A determinação, vimos, estabelece o limitado-ilimitado, pois todas as coisas são formalmente ilimitadas, mas materialmente limitadas. Podem todas as coisas ser visualizadas como uma unidade, como uma totalidade, e podem ser visualizadas como um feixo de oposições dos contrários, afirma o pitagorismo. Nenhum conhecimento é perfeito sobre alguma coisa que não a examine como uma totalidade (unidade) de aspectos opostos, classificáveis diadicamente.



Tudo quanto é criatura apresenta essa oposição, que rege todas as coisas. Duas leis foram, então, especificadas: a lei da unidade e a lei da oposição.



Mas, os opostos são imprescindíveis (os opostos do ato-formativo e da potência-materiável), pois nenhum ente finito deles se exclui, pois são eles os elementos fundamentais. Também a oposição fundamental, que se manifesta em todos os seres, é o princípio de todos os entes finitos. É por essa razão que a oposição é a segunda categoria dos pitagóricos. Mas os opostos estão frente a frente, um é referido ao outro, correlativos ambos no sentido pitagórico, porque o ato formativo é o ato formativo da potência-materiável, como a potência materiável é a potência materiável do ato formativo, ambos tendo sua base, seu kipokeimenon, em sentido grego, sua última subsistência na substância universal.

Da referência que se forma entre um e outro, desse re-latum, desse estar ante outro, necessariamente, desse referir-se a outro, ad áliquid, surge a relação, que constitui a lei de todas as coisas, a lei da série.

Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 197-8

sábado, 15 de julho de 2017

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: A LEI DA UNIDADE





LEI DA UNIDADE

É a lei da integral, pois todas as coisas que são, de que modo forem, constituem uma unidade. Ser, de qualquer modo, é unidade, é ser um. Só o nada não é unitário, porque o nada não é. A lei da unidade preside todos os seres que participam da unidade suprema do ser, num grau intensistamente mais baixo, proporcionado à sua natureza. A máxima unidade é a unidade absoluta de simples simplicidade, do Ser que é apenas ser e sem deficiência portanto, todo o ser, o Ser Supremo, o Um.

Porque todas as coisas estão "como numa prisão" no Ser Supremo, todas participam dessa lei, que rege todas as coisas.

Tudo quanto é finito e unitariamente o que é e tende a tornar-se parte integrante de uma unidade. Nada se dá que não seja unitariamente, segundo os graus intensistas da unidade. Essa lei preside todas as coisas.

Deste modo, o número aritmético 1 simboliza a Unidade e, por isso, pelo simbolizar tudo quanto é e de que modo for um.

O Ser Supremo, Um, como forma, é o Pai, gera o Um como "operatio", como operação, através de uma procissão "in intra", pois o Um criador é o Filho, gerado por aquele. Nas religiões, o Pai e o Filho surgem como símbolos da correlação mais estreita, pois o Filho é filho do pai e o Pai é pai do filho, de modo que a afirmação de um é a afirmação do outro. Transferindo-se para a linguagem filosófica, em sentido pitagórico, o "Hen Prote" é existencial e essencialmente ele mesmo, imutável e eterno, porque o Ser, enquanto Ser, é absolutamente Ser. Mas esse ser é ativo, atua, realiza, opera. E o operar implica a escolha, a intelecção (o intelecto). O "Hen Prote" é Vontade, como querer, palavras que nos podem simbolizar a omnipotência do Ser Supremo, que pode tudo quanto pode ser. Mas, ao realizar algo, seu operar é intelectual, escolhe o que será atualizado. O Ser Supremo, como operação, é o "Hen" que gera a Díada indeterminada, que corresponde ao ato formativo e a potência materiável, para permanecermos, de certo modo, na linha do aristotelismo, ou melhor, aproveitando a terminologia aristotélica para auxiliar a exposição do pensamento de Pitágoras, pois o ato formativo, o determinante, e a potência materiável, a determinabilidade, são apenas vetores, que surgem simultaneamente do ato criador do "Hen Dyas aoristos", pois é o Filho, que é o Criador, porque é o Ser, quando "opera", que cria. Mas, uma não se separa abissalmente da outra, porque a determinação implica a determinabilidade. Nossa mente, que é abstrativa, separa em conceitos o que é um só na realidade, mas que apenas se distinguem formalmente, pois o "Logos" do Um criador gera, em seu atuar, a ação da díada indeterminada, cujo "Logos" é dual, pois a ação implica o atuado, pois esta se dá inerente ao atuado e dele não se separa, como muito bem mostrou Suarez. Dessa forma, na criação, esta pertence à criatura, que surge da Díada. O "Hen" (Filho) atua realizando a ação, mas esta é uma modal absolutamente inerente ao atuado. Assim, mas próximo de nós, a ação do movimento de um roda é inerente de modo absoluto à roda. A ação não é uma modal do Ser Supremo. Se fosse, ele sofreia mutações. Seu atuar consiste em realizar a ação e a ação é determinadora de uma determinável. A criação é da criatura e não do criador. Esta tese já a demonstramos com exuberância de provas, em "O Homem perante o Infinito" e em "Filosofia Concreta", para onde remetemos o leitor.

É com o "dois" que surgem as coisas finitas, e o dois, aqui, simboliza a Díada. Na díada indeterminada, temos, como positividades formalmente distintas:

a determinação indeterminada = "o poder" (potência ativa), de determinar ilimitadamente; e

a determinabilidade indeterminada = "o poder" (potência passiva) para ser determinada ilimitadamente

O ato pode sempre determinar e a potência é sempre determinável. Mas uma determinação absoluta é mpossível, porque seria um ato, e haveria uma contradição "in adjectis", pois o infinito é o poder sem fim de determinar e se tudo fosse já determinado, o determinado haveria alcançado o limite de sua determinação. E, ademais, alcançaria o quantitativo em ato, o que é absurdo.

Portanto, o ato de determinar implica um limite, o limite de determinação, e ele limita a coisa determinável. Mas, o que está determinado é, ilimitadamente, o que está determinado, portanto, o que recebeu uma determinação é, enquanto tal, ilimitadamente ele mesmo, mas limitado pelo que não é ele, e, também, pelo que é ele, pois o é até onde é o que é. Desse modo, a ação criadora, a criação, realiza um limitado, que é, enquanto ele mesmo, ilimitadamente ele mesmo, mas que é limitado por si mesmo, pois só é o que é até onde é o que é, e limitado pelo que não é ele, que é o que é possível de ser, que não está contido em sua natureza.

Assim, a díada indeterminada é potencialmente infinita e é tudo quanto pode ser determinado: é, simultaneamente, o infinito potencial de determinar e o infinito potencial de ser determinado. Nesse caso, o ato-formativo pode determinar sem fim tudo quanto pode determinar e a potência-materiável, que é passiva, pode ser determinada sem fim, em tudo quanto pode ser determinado.

Assim se aplica, pois, o infinito potencial quantitativo, e não o atual. Enquanto este é absurdo, não o é aquele.

Ora, a díada indeterminada não tem limites em si, é ela indeterminada, ilimitada enquanto tal, mas é limitadora em seu atuar. Não são ambas absolutamente independentes, pois são criadas pelo "Hen". Dele dependem, por isso não tem a absoluta simplicidade do Ser Supremo, nem a sua infinitude, que é eterna, não tem a infinitude atual, mas a infinitude potencial, o poder ser ativo e passivo sem fim.

E é aqui que está o funcionamento da criação ab-aeterno dos pitagóricos de grau elevado. Pois a díada indeterminada não tem um princípio no tempo, pois o tempo implicaria a determinação e coisas determinadas. O tempo começa quando o ato formativo modela a potência materiável. O tempo é das coisas determinadas limitativamente. Desse modo, a díada, que não é eterna, pois não é a "duratio tota simul", porque, como veremos, uma limita a outra e, portanto, dão-se entre elas relações das mais diversas, que em breve analisaremos, e como não é temporal, porque o tempo se dá na sucessão das coisas determinadas, que são por aquela díada gerada, ela pertence a uma duração que não é "tota simul", totalmente simultânea, mas que também não sucede, a qual inclui, como espécie, a sucessão, que é o tempo. A duração da díada é a eviternidade, é o "aevum".

Mas, tanto uma como outra (o ato formativo e a potência maeriável) são positividades e não meros nadas. Se se distinguem formalmente, distinguem-se, também, na realização do ente determinado. São duas positividades, duas posições, duas teses, são téticas. Uma está ante a outra "ob" à outra:
                                            
posição                   "ob"                    posição

são assim "opostas".

A Díada, enquanto ela mesma, é a substância universal, pois é dela que são geradas todas as coisas. Na linguagem aristotélica, a matéria é a substância primeira ("ousia prote") e a forma é a substância segunda ("ousia deutera"). Um ser finito é a composição dessas duas positividades. Pois essa é a tese pitagórica, com a distinção que a substância das coisas é uma só, a díada na coisa, mas formalmente distintas, isto é, o "logos" de cada uma é distinto da outra.

Desse modo, tudo quanto há finito é produto dessa "oposição". E é essa razão porque se a substância é a primeira categoria pitagórica, é a oposição a segunda, porque é da conjunção das duas positividades ato-formativo e potência-materiável, que surge qualquer ser finito.

Não nos podemos furtar a uma análise sobre tema de tal relevância, como seja o de ato e potência. Em nossos livros "Filosofia e Cosmovisão" e "Ontologia e Cosmologia", examinamos as diversas maneiras de considerar esse tema fundamental do aristotelismo, como também da escolástica e da própria filosofia.

Nesses trabalhos, que antecedem outros mais completos que pretendemos realizar, está delineada, em linhas gerais, a nossa posição. Ante os que afirmam a distinção real-real, ou real-física, entre ato e potência, nós nos colocamos do lado dos que negam esse diástema, que agravaria a crise entre os dois modos fundamentais do ser. Sabemos que os tomistas afirmam a distinção real-real, enquanto os escotistas afirmam apenas uma distinção formal. Os primeiros declaram fundar-se não só em Aristóteles, como em Tomás de Aquino. Quanto ao primeiro, não opomos a menor restrição, mas quanto ao segundo há dúvidas sérias de que se fosse o verdadeiro pensamento do aquinatense. Nas obras citadas, expusemos as razões fundamentais do escotismo contra a distinção real-real ou física.

Esta provocaria uma afluxo desmedido de aporias e impediria a solução de outras, que surgem da colocação da tese criacionista.

Por sua vez, oferecem os tomistas também seus argumentos. É impossível, aqui, fazermos a análise e a crítica dessas posições, que, como já dissemos, será matéria de futuros trabalhos nossos. Contudo, queremos por ora chamar a atenção para um aspecto que é de magna importância do filosofar. A filosofia, embora tendendo a alcançar a maior objetividade e a isenção de tomadas de posição opinativas e valorizadoras, inegavelmente, ante o tema do ato e da potência, há a presença de um preconceito da "doxa", que, a nosso ver, influiu profundamente em todo o processo filosófico do ocidente. Este preconceito, de origem aristotélica, consiste em desmerecer a potência em face do ato, e desvalorizá-la a ponto de despojar-lhe o próprio ser, transformando-a em nada. Esse preconceito, cujas raízes emergentes e predispotentes, permitir-nos-ia uma análise psicológica de grande extensão, deve ser denunciado, sob pena de a filosofia não poder alcançar novos lanços do seu caminho a resolver, consequentemente, muitas das aporias, que até então pareciam insolúveis. Se passarmos os olhos pelo pensamento hindu, egípicio e chinês, verificamos que, nesses povos, ato e potência estão colocados no mesmo pé de igualdade axiológica e ontológica.

Entre os gregos, Pitágoras, Sócrates e Platão valorizaram, igualmente, ato e potência. Veja-se a definição do ser dada no "Sofista". O "ser" é, fundamentalmente, "potência" (poder). É "ser" toda potência determinativa, do mais alto ao mínimo grau, e é ser toda a potência determinável, do maior ao mínimo grau, em qulaquer momento, por mínimo instante de tempo. Platão era um "potencialista", seguindo, assim, a linha pitagórica.

A díada indeterminada, no pitagorismo, afirma a potência determinadora (ativa) e potência de ser determinada (passiva). Nós, nos livros citados, defendemos a tese de que todo ser, por mínimo que seja, caracteriza-se pela "presença" e pela "eficacidade". Todo ser é eficaz. O ato é a eficientização dessa eficacidade, e a potência é a eficacização da eficienticidade. A potência não é um não-ser, mas um modo vectorialmente inverso do que é, em ato. A potência é virtual e fundada na eficacidade. Em "Filosofia Concreta" mostramos que fazer é ser feito, porque, quando se faz alguma coisa, alguma coisa é feita. A ação determinadora exige uma correspondência determinável, pois, se não existisse essa correspondência, a ação determinadora se aniquilaria, porque atuaria sobre o nada e atuar sobre o nada, é nada atuar. A idéia de determinação implica a determinabilidade. Assim, à potência infinita da determinação tem de corresponder a potência infinita da determinabilidade. Esse pensamento, que já expusemos e que pretendemos justificar de modo exaustivo e apodítico em obra especial, corresponde, adequadamente, ao pensamento franciscano. A valorização, que o mesmo fez da matéria, da potência, em suma, levou muitos de seus adversários a acusarem, sem fundamentos sérios, São Francisco de ser panteísta, e toda a escola franciscana, na filosofia, de realizar obra panteísta, portanto, herético, ante a Igreja. Não precisamos defender os franciscanos dessa acusação, porque eles já se defenderam com brilhantismo e mostraram com suficiente habilidade que seus adversários podiam merecer a pecha de panteístas com mais razão do que eles.

Este comentário que acabamos de tecer, pretende apenas mostrar que a nossa interpretação do pitagorismo está apoditicamente bem fundada e que esse é o pensamento, também, de Platão e Sócrates, o qual perdura ainda no pensamento ocidental e representa uma vitória sobre um dos momentos preconceituosos que, a nosso ver, foi dos mais perniciosos para a filosofia.

Não é de admirar que o aristotelismo, apesar de sua grandeza, da sua pujança, tenha criado preconceitos, pois sabemos que, psicologicamente, Aristóteles, como revela sua obra, foi sempre um homem movido por preconceitos, por tomadas de posição prévias, que desfiguravam ante seus próprios olhos, a obra dos outros autores. Aristóteles, apesar da sua genialidade, falsificou, caricaturizou o pensamento alheio, como se vê quanto aos pitagóricos, quanto a Anaxágoras, a Empédocles, a Heráclito, até ao seu próprio mestre, Platão.

Mário Ferreira dos Santos, in Pitágoras e o tema do número; edição coordenada por Aluísio Rosa Monteiro Júnior, São Paulo, IBRASA, 2000, pp. 191-7

domingo, 18 de junho de 2017

ÁGORA VIRTUAL: DIÁLOGO SOBRE NÚMEROS MATEMÁTICOS

Ágora de Atenas
Introdução: tendo em vista que a internet é a nova Ágora, e que ao passearmos por esta praça virtual, em que se comercializam produtos e idéias, tecemos com amigos espacialmente longínquos interessantes redes de pensamentos, e, por sermos seres caridosos e benevolentes, divulgamos o diálogo abaixo transcrito, ocorrido entre os dias 17 e 18 de Junho de 2017, no qual são tratados alguns aspectos sobre a natureza dos números, numa apreciação filosófica do tema, com base em um referencial que "olavetes" amam:


Fórmulas

Werner Nabiça Coêlho: O número é uma pequena forma, uma fórmula, que reduz uma realidade extremamente mais complexa. 

 
Monteiro Haroldo: Mas, para se tornar um símbolo, precisa ter se apreendido meio mundo, invisível aos matemáticos atuais.

 
Werner Nabiça Coêlho: Num certo sentido os símbolos em estado bruto abundam, só não são percebidos como tais, cada vez que surge uma dízima periódica há um símbolo do infinito matemático, que na verdade é um desafio que a realidade impõe ao estudioso, pois uma coisa é mensurabilidade matemática, outra a mensurabilidade hilemórfica, pois as formas não são meramente quantitativas.


***

Idiomas
 
Werner Nabiça Coêlho: A matemática é um tipo de idioma que aborda a realidade com uma linguagem redutora dos objetos a seus aspectos quantitativos, com base numa abstração operada por símbolos, que significam quantidade mensuradas de forma discreta.

 
Monteiro Haroldo: Por isso que no fim, a linguagem matemática pode ser retraduzida em modo simbólico.

Da velha cadeia platônica do mito se extrai os conceitos, e, no limite dos conceitos, a única saída é a formulação de novos mitos.
 
O que o Voegelin denominara de realidade é realidade coisa. A área conceptual da realidade é mais reduzida do que muitos pensam.
 
No fundo a linguagem poética tem muito mais abrangência, e é sempre imprescindível para ampliação do horizonte conceitual.
 
Os filósofos sempre compreendem o que os poetas intuíram primeiramente.
 
Acho que o Zubiri, não sei se estou fugindo do tema, matou a charada quando percebeu que o sentir e o inteligir são um só e único processo indivisível no plano do discurso humano, esse processo se torna mais evidente com a teoria dos quatro discursos, ou da compactação e descompactação de Consciência Noética do Voegelin, explicam bem isso.
 
Acho até que a Filosofia da Crise do Mário, a Presença do Ser do Lavelle, a Teoria dos Quatro Discursos do professor Olavo, a Teoria da Consciência Noética do Voegelin e a Trilogia Senciente do Zubiri chegaram ao ápice de uma possibilidade conceitual que, ao meu ver, são a antessala para uma nova filosofia da história.
 
Deus queira que eu não esteja enganado!

Pois só com uma nova visão da teoria da história será possível sairmos desse interregno da era das ideologias e dar à Igreja Católica a possibilidade do domínio da cultura!
 

Werner Nabiça Coêlho: Eu acrescento a este cabedal teórico o aspecto antropológico do mimetismo de René Girard, que refere-se à constituição ritual dos símbolos da própria fala, e apresenta uma hipótese evolutiva dessa transição entre o sentir e o inteligir, e do nascimento da própria poética como uma manifestação primária do sagrado.


***

Abstrações

Werner Nabiça Coêlho: Há um permanente processo de raciocínio lógico na matemática, pois a sua própria aceitação necessita de alguns passos que podem ser enumerados assim:

a) abstração de uma realidade concreta e contínua por meio de criação de um símbolo que representa uma determinada quantidade discreta e abstrata, o conceito de número;

b) criação de um idioma específico (figuras geométricas, números romanos, números árabes) que traduzam os conceitos em padrões transmissíveis de linguagem;

c) descrição de fenômenos e hipóteses com base no princípio quantitativo e abstrato, por meio de sofisticados processos de raciocínios lógicos.

 
Monteiro Haroldo: Eu não sei se é bem a criação de um símbolo, pois o símbolo tem sempre uma parte virtual e outra real bem ancorada a uma realidade referida.

Os números matemáticos me parecem, posso estar enganado, estritamente ideais, pois dizer que A=A é, em realidade, uma impossibilidade pura e simples, afinal não há nada que seja idêntico no devir, só a Deus se aplicaria então tal abstração de identidade que está na base do edifício matemático.
 
A matemática, fora da área de aplicação prática, é pura abstração. Não estou discutindo o que você disse, só apenas comunicando-lhe aqui uma questão que tenho, e que não está ainda bem resolvida.

 
Werner Nabiça Coêlho: Fizeste uma descrição do número que na metafísica representa a identidade, que é a unidade, que simboliza a não-contradição consigo mesmo, e, só para efeito de esclarecimento, quando refiro a símbolo matemático falo de conjuntos de unidades quantitativas, ao modo dos números euclidianos, e quando refiro ao idioma da matemática, estes são os símbolos gráficos, no resto é pura aplicação de lógica formal mesmo que opera a parte dos cálculos.

 
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Método

Werner Nabiça Coêlho: O método da ciência matemática é uma redução de um aspecto da realidade, basta lembrar que a matemática tem suas limitações, ela não é a ferramenta adequada para avaliações morais, ou estéticas, a matemática é uma forma especializada de avaliação de dados quantitativos.

 
Monteiro Haroldo: é realmente muito limitado e é um verdadeiro pedantismo moderno achar que o mundo físico pode ser ele totalmente matematizável.

Apesar de eu ver nesse símbolo da matematização da realidade, rebatido para o plano simbólico, até bem revelador sob certos aspectos geométricos bem evidentes.
 
O senso geral de harmonia, por exemplo, seja além do musical, que é plenamente matematizável, o pictórico, até certas núcleos de significado histórico, como o dos ciclos culturais, o fenômeno do cinesismo espacial e etc, parece-me ter no fundo de tudo algum "q" de matemático.

 
Werner Nabiça Coêlho:  Divertido é que a matemática tem algumas semelhanças com os diálogos platônicos, pois da mesma forma que estes nos levam aos mistérios das aporias, os cálculos de precisão nos encaminham para os campos do incomensurável, que nos força a recorrer a símbolos como o Pi, da mesma forma que Sócrates se referia aos mitos.

O cartesianismo reinante é uma aposta na materialidade mensurável, que se defronta permanentemente com dados incomensuráveis da realidade objetiva, a realidade refuta repetidamente o dogmatismo materialista da modernidade

 
Monteiro Haroldo: O Mário Ferreira dos Santos diz que uma tese que seja logicamente bem armada em premissas verdadeiras implicará em que a realidade não tardará em comprová-la, a realidade parece que tem um gosto de assim o fazer.

 
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Limites

Werner Nabiça Coêlho: Os limites da ciência matemática devem ser reconhecidos, para se evitar a utilização indevida em áreas na qual seu uso é inadequado, temos que lembrar os diversos aspectos da realidade não tangenciados pelo estudo meramente quantitativo.

 
Monteiro Haroldo: Sim, como o da moral. Apesar de que no fundo de toda realidade há uma certa geometria, portanto, uma ordem matemática superior, uma meta-matemática.

 
Werner Nabiça Coêlho: Pitágoras e Platão postularam a matemática das formas existentes na eternidade.

Aristóteles descreveu a transição de tais formas para a existência com base no conceito de hilemorfismo e enteléquia, oriundas de Deus, e o Wolfgang Smith descreve o mesmo fenômeno como causalidade vertical, este sentido da matemática é essencialmente o sentido da metafísica deísta tradicional, na qual o conjunto de todas as qualidades e quantidades e suas relações mútuas interagem para formar o número existencial de cada ser.

Isso não é número matemático no sentido moderno

 
Monteiro Haroldo: Sim, claro. Eu acho que nesse sentido o Mário Ferreira dos Santos chegou ao ápice.

 
***

Ciência Pura

Werner Nabiça Coêlho: O caráter abstracionista é um axioma do processo de redução, operado na metodologia matemática, e demais metodologias científicas, afinal, é o estudioso que pretende traduzir em linguagem, seja em prosa, em verso, ou em matemática, um dado do real e não o contrário.

 
Monteiro Haroldo: Sim, mas dado as categorias aristotélicas, os axiomas já vem de certa forma fechando para uma univocação conceitual, pois, na medida em que o foco de linguagem vai se aperfeiçoando, subindo de nível, com a penetração do objeto, esse também vai delimitando os conteúdos de linguagem digna ou válida para a formulação dos seus princípios.

 
Werner Nabiça Coêlho: A ciência pura cria constantemente campos estritos e especializados, a técnica filosófica reúne os dados e confere um sentido global e interativo aos dados na busca do sentido superior e unificante, como ensina o Olavo de Carvalho.

sábado, 22 de abril de 2017

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: DISTINÇÃO, SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE (CAP. 06-C)


Observações preliminares.
O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


DISTINÇÃO, SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE SEGUNDO MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS



 
Fundamentalmente, nossos meios de conhecimento sensível (e no homem se fundam nos sentidos) captam os factos, simultânea e sucessivamente.



As coisas extensas, que são aquelas em que as suas partes distintas não coincidem num mesmo ponto, mas que se dão umas "extras" às outras, são captadas visualmente como simultâneas, quando se trata das pequenas extensões, e não daquelas em que os olhos devem percorrer (portanto, sucessivamente) o que se extende.



O tacto capta a extensão "sucessivamente", salvo as pequenas extensões, sentidas simultâneamente. De olhos fechados, percorremos com os dedos a extensão da mesa, e a sensação é sucessiva. Simultaneidade e sucessividade são fundamentais da sensibilidade.



Não esqueçamos que simultâneo e sucessivo são extremos disjuntos perfeitos. Não há meio têrmo entre êles. Ou algo é simultâneo ou é sucessivo, ou ambos, porque o que sucede de certo modo se simultaneíza, pois, do contrário, não haveria fundamento para sucessão, porque o que se dá "extra" a outro no existir, implica a simultaneidade de certo modo; o que perdura, implica a simultaneidade de seu ser, que insiste e persiste após si mesmo. Não havendo meio têrmo entre tais extremos, não são êles apenas fundamentais da sensibilidade, mas fundamentais ontològicamente, pois não há outro modo de ser que não seja simultâneo ou sucessivo, ou participando de ambos. São êles fundamentais da nossa sensibilidade que presta simultaneidade e sucessão às coisas; são os entes que são ora sucessivos, ora simultâneos, ora ambos.



As coisas só se podem distinguir realmente de dois modos: o distinto é outro que outro, e como tal ou é outro que outro no mesmo, insistindo no mesmo, ou outro que outro, insistindo "extra" o outro, quer sucessiva, quer simultâneamente.


 

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 36.