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terça-feira, 28 de março de 2017

A SUBMISSÃO DO ATEU INTELECTUAL OCIDENTAL

A Disputa (ou Discussão) sobre o Santíssimo Sacramento de Rafael


Outro dia um amigo solicitou-me o empréstimo do livro "Eu via satanás cair do céu como uma raio" de René Girard, publicado em 1999, e, enquanto hesitava no ato de dar cumprimento ao compromisso, folheei as páginas como quem se despede de um livro muito querido, por não saber se o empréstimo teria bom termo, mas, promessa pronunciada deve ser cumprida, ocasião em que dei de cara com o anúncio da religião como espécie em extinção, naquela véspera do milênio cristão, na qual Girard assim se expressou:


"Lenta mas irresistivelmente no planeta inteiro, esmaece o domínio do religioso. Entre as espécies vivas, cuja sobrevivência o nosso mundo ameaça, é preciso contar as religiões. As mais pequenas estão mortas desde há muito tempo, as maiores passam por um momento menos bom do que aquilo que se diz, mesmo o indomável islão, mesmo o inumerável induísmo." (René Girard, Eu via satanás cair do céu como uma raio, Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 11)


Como a memória é uma coisa traiçoeira lembrei de um livro velho e empoeirado, na qual a Revista Veja comemorava seus primeiros 25 anos, em que foi publicado o célebre artigo "Choque do Futuro" de Samuel Huntington.


Huntington já lançara os olhos para a realidade objetiva do "choque de civilizações", e recomendava "compreensão muito mais profunda dos pressupostos religiosos e filosóficos que formam o alicerce das outras civilizações":


"A fonte fundamental de conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As grandes divisões na humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem cultural. As nações-Estados continuarão a ser os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do futuro." (Samuel Huntington, Choque do Futuro,in Veja 25 anos: reflexões para o futuro, São Paulo: Editora Abril, 1993, p. 135)


"[...]Será preciso, então, que o Ocidente desenvolva um compreensão muito mais profunda dos pressupostos religiosos e filosóficos que formam o alicerce das outras civilizações, bem como das maneiras como as pessoas daquelas civilizações vêem seus próprios interesses. Será necessário, ainda, um esforço para  identificar elementos comuns entre a civilização ocidental e as demais. No futuro próximo, não haverá uma civilização universal, mas um mundo de diferentes civilizações, e cada qual precisará aprender a coexistir com outras  (Idem, p. 146-7)


Como acabara de ler "Submissão" de Michel Houellebecq, que retrata a rendição da Europa ao islã, cito um dos mais significativos momentos em que é descrita a conversão de um intelectual:


"'Essa Europa que estava no auge da civilização humana realmente se suicidou, no espaço de alguns decênio", continuou Rediger com tristeza; ele não tinha acendido a luz, a sala só estava iluminada pelo abajur que havia em sua mesa. "Houve em toda a Europa os movimentos anarquistas e niilistas, o apelo à violência, a negação de qualquer lei moral. E depois, alguns anos mais tarde, tudo terminou por essa loucura injustificável da Primeira Guerra Mundial. Freud não se enganou, Thomas Mann também não: se a França e a Alemanha, as duas nações mais avançadas, mais civilizadas do mundo, eram capazes de se entregar a essa carnificina insensata, então era porque a Europa estava morta. Portanto, passei aquela última noirte no Métrople, até seu fechamento. Voltei para casa a pé, atravessando a metade de Bruxelas, margeando o bairro das instituições europeias - essa fortaleza lúgubre, cercada de casebres. No dia seguinte fui ver um imã em Zaventem. E no outro dia - segunda-feira de Páscoa - , em presença de umas dez testemunhas, pronunciei a fórmula ritual da conversão ao islã"' (Michel Houellebecq, Submissão, Objetiva, 2015, p. 217)


A conversão do personagem Rediger ao islamismo é rica em símbolos sobre o triunfo do ateísmo militante, do anarquismo e do niilismo, refere-se a Freud e Mann e suas conclusões sobre a morte da Europa, e, na parte final descreve-se a saída de um restaurante chamado "Métropole" após seu fechamento, o que induz ao sentido da percepção da morte da civilização ocidental, seguido pela caminhada de um homem perdido interiormente pelas ruas da capital europeia, entre prédios governamentais grandiosos e "casebres", e, ao fim, relata-se uma conversão religiosa formal, que de forma muito significativa se dá em plena segunda-feira da Páscoa.


Num único parágrafo Houellebecq descreve a negação da história, da literatura, da filosofia e do cristianismo ocidentais como pressupostos nos caminho da conversão islâmica.


Houellebecq cria imaginativamente um enredo possível daquilo que Huntington descreveu, e tal estado de coisas afasta para o limbo das teorias obsoletas a descrição de Girard sobre o fim do domínio religioso, esta dominância jamais acabará, pois a civilização é a consequência e não causa da realidade da religião, para finalizar cito alguns trechos do artigo "Adeus mundo ateu", de Olavo de Carvalho, que em 2007 já antecipara o conteúdo intelectual da obra literária "Submissão":


Todas as civilizações nasceram de surtos religiosos originários. Jamais existiu uma “civilização laica”. Longo tempo decorrido da fundação das civilizações, nada impede que alguns valores e símbolos sejam separados abstrativamente das suas origens e se tornem, na prática, forças educativas relativamente independentes.


Digo “relativamente” porque, qualquer que seja o caso, seu prestígio e em última análise seu sentido continuarão devedores da tradição religiosa e não sobrevivem por muito tempo quando ela desaparece da sociedade em torno. Toda “moral laica” não é senão um recorte operado em códigos morais religiosos anteriores.


[...]


O presente estado de coisas nos países que se desprenderam mais integralmente de suas raízes judaico-cristãs está demonstrando com evidência máxima que a pretensa “civilização leiga” nunca existiu nem pode existir.


Ela durou apenas umas décadas, jamais conseguiu extirpar totalmente a religião da vida pública, malgrado todos os expedientes repressivos que usou contra ela e, no fim das contas, sua breve existência foi apenas uma interface entre duas civilizações religiosas: a Europa cristã moribunda e a nascente Europa islâmica. (Olavo de Carvalho, Adeus mundo ateu, 03 de março de 2007)

Referências:

Michel Houellebecq, Submissão, Objetiva, 2015

René Girard, Eu via satanás cair do céu como uma raio, Lisboa: Instituto Piaget, 1999

Samuel Huntington, Choque do Futuro,in Veja 25 anos: reflexões para o futuro, São Paulo: Editora Abril, 1993

Olavo de Carvalho, Adeus Mundo ateu, disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/adeus-mundo-ateu/

sábado, 5 de novembro de 2016

HEINLEIN'S THE MAN: A FALÁCIA CARTESIANA


O conto que serve de fonte a esta postagem se denomina "Pelos cordões de suas botas", trata-se de uma narrativa sobre viagens no tempo e seus paradoxos, que remetem o personagem principal para algumas reflexões sobre o ego e o método científico, pois o herói é um estudante irresponsável, que está no prazo final de entrega da tese de pós-graduação:



[...] Ia ficar ali e, certamente, estava decidido nesse ponto: ia terminar a tese. Precisava comer; tinha que obter o diploma para conseguir um emprego decente. Onde era mesmo que estava?

Vinte minutos mais tarde, chegou à conclusão de que a tese teria de ser reescrita do princípio ao fim. Seu tema original, a aplicação do método empírico aos problemas da metafísica especulativa e sua expressão em fórmulas rígidas, ainda era válido, decidiu, mas havia acumulado uma enorme quantidade de dados novos e ainda não digeridos a serem incorporados. Ao reler o manuscrito, ficou surpreso ao constatar o quanto era dogmático. Caíra inúmeras vezes na falácia cartesiana de confundir o raciocínio claro com o raciocínio correto.

Tentou escrever uma versão resumida da tese mas descobriu que havia dois problemas com os quais tinha que lidar e que decididamente não estavam claros em sua mente: o problema do ego e o problema do livre-arbítrio.[...]

Uma resposta absurdamente óbvia à primeira pergunta lhe ocorreu imediatamente. O ego era ele. Cada um é cada um, uma declaração não provada e improvável, diretamente experimentada. [...]

Começou a procurar um meio de se expressar: "O ego é o ponto de consciência, o último termo numa série contínua de expansão na linha de duração da memória." Parecia uma declaração global mas não tinha certeza; teria de tentar formular aquilo matematicamente antes de poder confiar na coisa. A linguagem verbal continha tantas armadilhas esquisitas.

HEINLEIN, Robert. A. "A ameaça da Terra". Tradução de Ester Delamare Tate. Livraria Francisco Alves Editora S.A.: Rio de Janeiro, 1977, p. 77-8

sábado, 8 de outubro de 2016

HEINLEIN'S THE MAN: SOBRE TRIBUNAIS E DEMOCRACIA


Hã? Quem pensas que és? Um advogado?

Sou melhor do que um advogado; a minha mente não está atulhada de precedentes. Posso ser criativa. (p. 24)



– Porque não vamos simplesmente ao tribunal e dizemos a verdade?

Johnnie, não tens conserto. Se isso bastasse, não haveria tribunais. (p. 37)

É essa a lei? - perguntou ele duvidoso.

Oh, despacha-te! A lei é tudo aquilo de que conseguires convencer um tribunal. (P. 38)


Não gosto de adiamentos à última hora, Sr. Comissário. Sempre me pareceu injusto ordenar a gente ocupada que se reúna num sítio, à sua própria custa, e com muito incómodo pessoal, e depois dizer-lhes que voltem num outro dia. Não cheira muito a justiça. (p. 43)


Permita-me que explique. Nós, cuja profissão é jogar com as palavras, sabemos o pouco valor que estas têm. O paradoxo só pode existir em palavras, nunca nos factos que lhes estão por trás. […] 


Mas conseguimos manter uma forma republicana de governo e manter costumes democráticos. Podemos orgulhar-nos disso. Mas não é uma autêntica democracia, nem pode ser. Considero ser nosso dever manter esta sociedade unida enquanto se adapta a um mundo estranho e aterrador. Seria agradável discutir cada problema, fazer uma votação, mais tarde repeti-la se se provar que o julgamento coletivo estava errado. Mas raramente é assim tão fácil. A maior parte das vezes estamos na situação dos pilotos de uma nave em caso de emergência de vida ou de morte. Será obrigação do piloto fazer palestras aos passageiros? Ou será sua obrigação usar a sua habilidade e experiência para os trazer a salvo para casa? (p. 186)
HEINLEIN, Robert. A. O monstro do espaço. Tradução de Inez Busse. Publicações Europa-América, lda.: Mira-Sintra Mem-Martins, s/d

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

HEINLEIN'S THE MAN: Massas, Comissões e Velhice

A psicologia das massas não é uma soma das psicologias individuais; isto constitui um teorema primário da psicodinâmica social – e não apenas da minha opinião; nenhuma excepção foi encontrada a este teorema. É a regra da acção social das massas, a lei da histeria das multidões, conhecida e usada pelos chefes militares, políticos e religiosos, pelos peritos de publicidade e plos profetas e propagandistas, por demagogos, actores e chefes de bandos de criminosos, durante gerações[...] (pp. 19-20)






 […] uma comissão é a única forma de vida que tem cem barrigas e nenhum cérebro. Mas por fim há-de haver alguém com um cérebro que os leve a aceitar o seu plano.[...] (p. 27)



http://marciocandido2013.blogspot.com.br/2015/05/matusalem.html
[…] Ouvira uma vez, e estava inclinado a acreditar, que a perda de interesse na vida era o verdadeiro ponto de viragem na batalha entre o anabolismo e o catabolismo – a velhice. […] (p. 90)

HEINLEIN, Robert A. Os filhos de Matusalem. tradução de Eurico Fonseca. Edição Livros do Brasil Lisboa: Lisboa, s/d.



HEINLEIN'S THE MAN: ETICAMENTE RETARDADOS E POLITICAMENTE CORRETOS

[…] o homem que compra carne é irmão do açougueiro. O problema era melindroso, mas não moral... como o homem que é favorável à pena de morte mas que pessoalmente é “bom” demais para preparar o nó da corda ou brandir o machado. Como a pessoa que encara a guerra como inevitável, ou mesmo em certas circunstâncias como moral, mas evita o serviço militar por não gostar de matar.
Emocionalmente infantis, eticamente retardados – a mão esquerda tem de saber o que a direita faz e o coração é responsável por ambas. […] (p. 66)


[…] Comecei a sentir vagamente que o sigilo é a pedra de toque de toda tirania. Não a força, mas o sigilo... censura. Quando qualquer governo, ou qualquer igreja, toma para si a função de dizer a seus subordinados que “isto você não ler, isto não deve ser visto, isto você está proibido de saber”, o resultado final é a tirania e a opressão, por mais sagrados que sejam os motivos. Pouquíssima força é necessária para controlar um homem cuja mente já foi vendada; contrariamente, força alguma pode controlar um homem livre, um homem cuja mente é livre. Não, nem a tortura, nem o esquartejamento, nem nada; não se pode dobrar um homem livre, o máximo que se pode fazer é matá-lo. (p. 69)

HEINLEIN, Robert A. Revolta em 2100. tradução de Mávia Zettel. Livraria Francisco Alves Editora S.A.: Rio de Janeiro, 1977.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

HEINLEIN'S THE MAN: MÉTODO CIENTÍFICO E MÉTODO ACADÊMICO



Há somente dois caminhos para se formar uma opinião em ciência. Um é o método científico; o outro é o escolástico. Pode-se julgar através da experimentação, ou aceitar cegamente a autoridade. Para a mente científica, o teste experimental é o que realmente conta,e a teoria é meramente uma conveniência descritiva que se joga fora tão logo cesse de ter utilidade.


Para a mente acadêmica, porém, a autoridade é tudo e os fatos são jogados fora, quando não estão de acordo com a teoria ditada pela autoridade.


(Robert A. Heinlein, "O homem que vendeu a Lua", Livraria Francisco Alves S.A., Rio de Janeiro, 1977, p. 33)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

É BOM CITAR: TROPAS ESTELARES E DELIQUENCIA JUVENIL

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Essas crianças eram apanhadas muitas vezes;  a polícia prendia montes delas todos os dias. Elas levavam bronca? Sim, e em geral severas. Os seus narizes eram esfregados no que haviam feito? Raramente. Os órgãos de imprensa e do governo em geral mantinham os nomes delas em segredo... Em muitos lugares isso era exigido por lei para criminosos de menos de dezoito anos. Elas apanhavam? De jeito nenhum! Muitas não tinham apanhado nem quando eram pequenas; havia uma crença generalizada de que bater nas crianças, ou aplicar qualquer punição que envolvesse dor, provocava um dano psíquico permanente. (p. 157)

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Mesmo que um juiz deva ser benevolente em seus propósitos, suas sentenças devem fazer com que o criminoso sofra, do contrário não há punição... E a dor é o mecanismo básico, incorporado em nós por milhões de anos de evolução, que nos protege, nos avisando quando algo ameaça a nossa sobrevivência. Por que a sociedade iria se recusar a usar um mecanismo de sobrevivência tão altamente aperfeiçoado desses? No entanto, aquela época estava recheava de absurdos pseudopsicológicos pré-científicos.

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- Quanto a "incomum", uma punição tem que ser incomum, ou não serve para nada. (p. 158)

[...] Isso quer dizer que é uma punição incomum o bastante para ser significativa, para desencorajar, para ensinar. De volta àqueles jovens criminosos... É provável que não tenham apanhado quando pequenos; sem dúvida não foram açoitados por seus crimes. A sequência habitual era: por um primeiro delito, um aviso; uma bronca, quase sempre sem julgamento. Depois de vários delitos, uma sentença de prisão, mas com a sentença suspensa e o jovem colocado em um período de experiência. Um garoto podia ser preso muitas vezes e condenado várias vezes antes que fosse punido... e então a punição seria o mero confinamento, junto de outros como ele, de quem aprenderia ainda mais hábitos criminosos. Caso não se metesse em maiores confusões enquanto confinado, podia em geral se safar da maior parte dessa punição já suave, e ser colocado em um período de esperiência... "Liberdade condicional", no jargão da época. (p. 158-9)

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"Essa incrível série de acontecimentos podia continuar por anos, enquanto os seus crimes aumentavam em frequência e perversidade, sem nenhuma punição a não ser pelos raros confinamentos, que eram aborrecidos, porém confortáveis. Então, de repente, por lei, em geral em seu aniversário de dezoito anos, esse assim chamado 'deliquente juvenil' se tornava um criminoso adulto... e, algumas vezes, em questão de semanas ou meses, acabava numa cela do corredor da morte, esperando a execução por assassinato." [...] (p. 159)

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[...] esse método testado pelo tempo de instilar virtude social e respeito pela lei nas mentes dos jovens não agradava a uma classe pré-científica e pseudoprofissional que chamavam a si mesmos de "assistentes sociais" ou, algumas vezes, "psicólogos infantis". Pelo jeito, isso era simples demais para eles, já que qualquer um podia fazê-lo, usando apenas a paciência e a firmeza necessárias para treinar um cachorrinho. Algumas vezes me perguntei se eles nutriam um interesse velado na desordem, mas não devia ser: adultos quase sempre agem pelos "mais elevados motivos" conscientes, não importa qual seja o seu comportamento. (p. 160)

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[...] Tinham uma teoria da moral e tentavam viver por ela (eu não devia ter zombado de seus motivos), mas a teoria deles estava errada... Metade dela era um ilusão tonta, a outra metade era charlantanismo racionalizado. Quanto mais seguros dela, mais perdidos ficavam. Veja bem, eles pressupunham que o Homem tem um instituto moral. (p. 160-1)

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[...] você tem uma consciência cultivada, muito cuidadosamente treinada. O Homem não tem instinto moral. Ele não nasce com um senso moral. Você não nasceu com um, nem eu nasci... e um cachorrinho não tem nenhum. Nós adquirimos um senso moral, quando o fazemos, por meio de treinamento, experiência e trabalho duro da mente. Aqueles infelizes criminosos juvenis nasceram sem nenhum senso moral, da mesma forma que eu e você, e não tiveram nenhum chance de adquirir um; suas experiências não permitiriam. O que é um "sendo moral"? É uma elaboração do instinto de sobrevivência. O instinto de sobrevivência é a natureza humana em si, e cada aspecto de nossas personalidades deriva dele. Qualquer coisa que entre em conflito com o instinto de sobrevivência faz com que, cedo ou tarde, o indivíduo seja eliminado e, dessa forma, deixa de aparecer em gerações futuras. Essa verdade é matematicamente demonstrável, verificável em qualquer lugar; é o único imperativo eterno controlando tudo o que fazemos. (p. 161)

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[...] Uma teoria da moral cientificamente verificável precisa estar enraizada do instinto de sobrevivência do indivíduo... e em nenhum outro lugar!... e precisa descrever corretamente a hierarquia da sobrevivência, apontar as motivações em cada nível e resolver todos os conflitos. (p. 162)

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"Esses criminosos juvenis chegaram a um baixo nível. Nascidos apenas com o instinto de sobrevivência, a moralidade mais elevada a que chegaram foi uma duvidosa lealdade a um grupo de seus iguais, uma gangue de rua [...]. (p. 162)

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"A base de toda moralidade é o dever, um conceito que tem a mesma relação com o grupo que o interesse próprio tem o indivíduo. Ninguém pregou o dever para essas crianças de um jeito que pudessem entender... Ou seja, com uma sova. Mas a sociedade em que estavam contou a elas inúmeras vezes sobre os seus 'direitos'. (p. 162-3)

"Os resultados deviam ter sido previsíveis, já que o ser humano não tem nenhum tipo de direito natural". (p. 163)

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[...] A liberdade nunca é inalienável, ela precisa ser reconquistada constantemente com o sangue dos patriotas, ou ela sempre desaparece. De todos os supostos "direitos humanos naturais" que tenham algumas vez sido inventados, a liberdade é aquele com menor probabilidade de ser barato, e nunca é grátis. (p. 163)

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- Eu te disse que "deliquente juvenil" é uma contradição em termos. "Delinquente" significa "o que falhou no dever". Mas dever é uma virtude adulta. De fato, um jovem se torna um adulto quando, e apenas quando, adquire conhecimento dos deveres e se dedica a eles com mais apreço que ao amor-próprio com que nasceu. Nunca houve, não pode haver, um "deliquente juvenil". Mas para cada criminoso juvenil, há sempre um ou mais adultos deliquentes: pessoas de idade madura que ou não sabem o seu dever, ou que, sabendo, falharam em cumpri-lo. (p. 164)

"E esse foi o ponto fraco que destruiu aquilo que foi, em vários aspectos, uma cultura admirável. Os arruaceiros mirins que vagavam pelas ruas eram sintomas de um doença maior; seus cidadãos (todos eles eram considerados como tais) glorificavam a tal mitologia dos 'direitos'... e perderam de vista os deveres. Nenhuma nação, assim constituída, pode perdurar". (p. 164)

(Robert A. Heinlein (1907-1988). Tropas Estelares; tradução Carlos Angelo; São Paulo: Aleph, 2015)