domingo, 15 de abril de 2018

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: A SUBMISSÃO À AUTORIDADE



"Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram produzidas em numerosos países. Os resultados abtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, naturalmente o status real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer relação com a organização da experiência. As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que acredita o professor - este é quem recebe, no início do experimento, uma descarga de 45 volts, para "assegurar-se de que o gerador funciona". As reações que o colaborador deve simular estritamente codificadas: a 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um grito de agonia, depois do qual se cala completamente. É assegurado ao professor que os choques são dolorosos mas não deixam sequelas. O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu termo, tratando de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor, o pesquisador lhe responde: "Queira continuar, por favor"; na segunda vez: "A experiência exige que você continue"; na terceira vez: "É absolutamente essencial que você continue"; na quarta e última vez: "Você não tem escolha. Deve continuar". Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a experiência é encerrada.




O resultado da experiência é espantoso: mais de 60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que estão realmente administrando correntes de 450 volts. Em alguns países a taxa chega a alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão psicológica mas seguem, não obstante, até o fim.

Há algo, porém, ainda mais inquietante. No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras enquanto as descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: "Esta é talvez a lição fundamental de nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição terrível".

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os professores devam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível.

A autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o colaborador pede que o pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta deter a experiência ou denunciar o pesquisador. A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda do que aquilo que os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente aceitável.

Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que permitem modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida, que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática."

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p.13-18

Obras  referidas:

D. Winn. The Manipulated Mind. London, The Octagon press, 1984.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Petit traité de manípulation à l'usage des honnêtes gens. Grenoble. Presses universitaires de Grenoble, 1987.

S. Milgram, Soumission à l'autorité, Paris, Calmann-Lévy, 1974.

S. Milgram, Obecience to Authority, New Yory, Harper & Row, 1974. Citado por Winn, Op. cit., p. 47.

SOBRE A INTELIGÊNCIA CORDIAL BRASILEIRA



Origem da linguagem e suas manifestações não-verbal, pré-verbal e verbal:

A origem da linguagem é um problema que remete à própria origem da cultura, pois antes da invenção da palavra escrita, antes da criação da expressão oral, antes da capacidade de comunicação verbal (mito-poética) houve algum nível de comunicação não-verbal (pré-ritual) e pré-verbal (ritual), isto é, sem a articulação de fonemas que representassem conceitos.

O que tornou possível a transição da expressão ainda animal (não-verbal) de gestos, gritos, rosnados, risos e demais expressões sem articulação simbólica (não verbal) fonética e gramatical (verbal), para a comunicação como a conhecemos?

Como o espectro comunicacional não-verbal e pré-verbal possibilitou a criação de uma ordem comunicativa verbal?

Qual tipo de atitude comunicacional humana pré-verbal precedeu imediatamente o processo de criação da própria linguagem verbal?

Qual o papel das emoções nas manifestações comunicativas pré-verbais? Será a emoção o elo perdido que conecta o momento da animalidade pré-verbal e não-verbal à gênese da palavra em sua forma verbalizável?

Haverá uma gramática das emoções que possibilita a existência da gramática das palavras?

Qual o mecanismo primordial que promoveu a transformação de emoções pré-verbais em verbos?



A linguagem da emoção e a teoria mimética:

Proponho-me a discutir a origem da linguagem, partindo da hipótese que suas manifestações pré-verbal e não-verbal surgiram na forma de uma linguagem de emoções, uma estratégia de sobrevivência que se utiliza de comunicação pré-verbal que possibilitou nos primórdios da cultura a convivência social.

Nesta perspectiva, as manifestações sociais das emoções, quando codificadas, são uma estratégia existencial que possibilitam a sustentação da existência do indivíduo, pois os motivos e justificativas para as reações emocionais são diretamente ligados aos comportamentos necessários à sobrevivência, o que revela um potencial racionalismo existencial pré-verbal.

Algo a ser ressaltado no âmbito da teoria mimética é que as emoções são a matéria prima da mimésis e o fator que desencadeia a crise mimética, pois a crise é o resultado do paroxismo da violência da emoções quando ficam fora de controle, e tal processo de descontrole é possível de ser superado pelo mecanismo do bode expiatório, que gera a catarse necessária para possibilitar o estabelecimento dos primeiros ritos sociais sagrados, que promovem o nascimento do primeiro símbolo, na forma da vítima sacrificial, cuja repetição cerimonial engendra o mito.

Assim sendo, a teoria mimética apresenta uma hipóteses na qual o processo social de ritualização permite o ambiente para o nascimento do verbo com a criação de mitos diretamente derivados da linguagem do ritual cuja origem é não-verbal.

O processo que origina a fala parte do fenômeno das emoções constantemente repetidas ritualmente, manifestadas por gritos, rugidos, rosnados, choro, riso e demais manifestações gestuais e sonoras possíveis, que ao serem articuladas repetidas vezes sofrem um constante aperfeiçoamenteo, e estabelecem padrões fonéticos, que se consolidam nas primeiras palavras carregas de significado ritual.

A palavra em sua origem primordial é, seguramente, um subproduto do ritual religioso sacrificial.

É interessante notar que a linguagem surge da crise que sacraliza e ritualiza a violência, que torna possível a constituição de uma ordem civilizacional.

O bode expiatório é ponto de convergência entre a violência e o sagrado, pois a violência banalizada gera a vingança interminável que destrói a comunidade, e a violência sacralizada estabelece os ritos e mitos que verbalizam as emoções socialmente estabelecidas pela repetição benéfica da crise mimética por meio do ritual, como instrumentos de mediação externa pacificadora da mediação interna que se originara da violência intestina potencial, esta última sempre atuante como um fator de entropia no meio social.

A comunicação oral origina-se da sacralização da violência, antes manifestada em emoções não-verbais de gestos e gritos que, num lance de dados do destino, pode ser solucionada pelo sacrifício do bode expiatório, cuja repetição cria a pedagogia do rito que rememora a criação do primeiro símbolo (o sacrificado) e estabelece um padrão de linguagem pré-verbal, na qual os gestos e gritos passam a ser significativos e permitem o aperfeiçoamento da linguagem ao ponto da criação do verbo oralizado.

O sacrifício é o acontecimento social primordial que cria a paz social necessária para a perduração das relações interpessoais nas origens da sociedade humana, e capacita uma associação de seres humanos em sua fase não-verbal com a linguagem das emoções, sua fase pré-verbal com a linguagem do rito, e, por fim, sua fase verbal com a linguagem dos mitos.

Ao desenvolver a pedagogia do sagrado, que limita a violência social, este ensino puramente religioso é compreendido como uma manifestação divina representada no rito, que revive o acontecimento que pacificou a violência, e, com o tempo, após infinita repetições, permite o nascimento da linguagem falada.

A linguagem em sua fase inicial é produto direto da manifestação religiosa que funciona como uma pedagogia das emoções convertendo a energia da violência em padrões rituais que geram a catarse por meio do ritual, a pedagogia do ritual permite a formação de narrativas mitológicas, pois os mitos em sua linguagem poética são a manifestação verbal deste registro do evento primordial.

Tanto faz se os mitos são gregos ou africanos, muito embora sejam encarados de um ponto de vista meramente literário atualmente, em suas origens, os mitos são sedimentações de ritos, nascidos em tempos na qual inexistia a própria linguagem falada.

Os primeiros ritos e sua pedagogia do eterno retorno estabilizaram-se em palavras.



O homem cordial:

Ora, por mais que sejamos induzidos a considerar que a realidade da comunicação nos níveis não-verbal (linguagem das emoções), pré-verbal (linguagem do ritual) e verbal (linguagem mitológica) como etapas atuantes nas origens da linguagem, tal percepção é falaciosa, pois cada pessoa ao nascer reinicia todo este processo de gênese da linguagem, que parte da comunicação emocional típica da primeira infância, com a criação de ritos e mitos da infância, e prossegue com a conformação de palavras vestidas de conceitos e símbolos durante a segunda infância e a adolescência, numa permanente pedagogia de autocontenção da violência instintiva do ser humano em suas relações interpessoais que ocorre durante a adolescência, até a desejável maturidade afetiva e intelectual da idade adulta.

Todavia, quando uma determinada pessoa está submetida a pressões permanentes, tanto em seu meio social e político, quanto nas relações mais próximas, sejam familiares ou de vizinhança, passa a determinar-se em suas atitudes cotidianas buscando sinais de perigo, com base em suas percepções linguística de amplo espectro (não-verbal e pré-verbal), e, assim, cria-se ressalvas comportamentais e pessoais, para se precaver dos perigos mais iminentes aos mais remotos percebidos numa espécie de sociedade em que impera o princípio da desconfiança.

O brasileiro, como digno representante de seus antepassados lusos, é este tipo de cidadão submetido ao absurdo social acima descrito como sociedade da desconfiança, seja oriunda nos mais altos níveis sociais pela permanente atuação de uma cleptocracia irresponsável com o bem comum, seja pela rotina de uma criminalidade que invade todos os aspectos do cotidiano da vida privada de cada cidadão.

Uma estrutura social baseada na desconfiança tende prevenir-se de uma potencial anarquia resultante de tal instabilidade que lhe é inerente, todo cidadão em tais circunstâncias é uma potencial vítima de crises sacrificiais, como ocorre quando se pratica um linchamento, em que a violência é descarregada sobre um culpado eleito por uma massa dominada pelo desejo de vingança, e cuja vítima eventualmente poderia ser inocente em relação à acusação que motiva o ataque contra si.

Neste ponto, é que resgato a noção cultural e antropológica brasileira de "cordialidade", como uma manifestação de inteligência social típica de sujeitos que necessitam sobreviver às adversidades de um ambiente na qual a confiança é o elemento mais desvalorizado.

Por exclusão, o brasileiro acaba por necessitar se refugiar nas relações interpessoais mais íntimas, seja a família, sejam as confrarias representadas por profissões, por associações com finalidades pias, políticas, desportivas ou mesmo por integrar sociedades iniciáticas das mais diversas matizes.

Em certa medida, os espaços públicos no âmbito da cultura brasileira, são zonas de perigo, ou de pura e simples exploração da boa-fé alheia, e, numa circunstância desta natureza, ao brasileiro somente resta desenvolver técnicas de convivência que apelam para elementos não-verbais e pré-verbais de forte caráter comunicativo em sua natureza emocional.

O brasileiro encara cada pessoa à sua frente como um predador em potencial, e há que haver algum elemento de salvaguarda social, que permita à percepção do sujeito a interação com menor o prejuízo potencial possível.

Nesta base é o estudo do nosso fenômeno cultural denominado de "homem cordial" é fundamental, como elemento constituinte da nossa antropologia social.

A valorização adequada dos aspectos positivos e o desenvolvimento dos modos de superação dos aspectos negativos relacionados ao fenômeno do "homem cordial" é uma das mais importantes contribuições da civilização brasileira para a humanidade.

O ponto de vista pessimista em relação à cordialidade brasileira é muito marcante em Sérgio Buarque de Holanda, enquanto que uma visão mais generosa é exposta por Gilberto Freire.

Creio que é muito interessante trabalhar a definição de "homem cordial" como uma forma de ser que não se prende aos elementos formais e lógico-racionais de uma filosofia da linguagem positivista, que somente considera a palavra falada e escrita, mas, sim, que se trata de uma percepção da humanidade que valoriza adequadamente o elemento emocional da comunicação humana.

O modo de ser nacional, com todos os seus defeitos de origem, e suas taras e deformações, é uma contribuição relevante, pois demonstra que um povo inteiro pode desenvolver mecanismos de mediação externa que suplantam conflitos que em outras culturas implicam em desastres, não é à toa que a história brasileira é uma narrativa de comédias no sentido dado por Aristóteles, ou seja, uma tragédia que não aconteceu, pois persiste um instinto de sobrevivência na psicologia das massas brasileiras que permitiu que grandes eventos históricos não sofressem seus últimos desenvolvimentos trágicos, talvez seja por isso que sejamos tão faltos de grandes guerras civis e revoluções sanguinárias, e, por outro lado, somos a nação na qual a legislação concessiva de anistias foi tão abundante aos longo de sua história.

O brasileiro, por ser afogado num ambiente de cotidiano hostil, desenvolveu a habilidade de perceber, em suas relações sociais e institucionais, o espectro emocional da linguagem (não-verbal e pré-verbal) e perceber sua condição de potencial vítima, seja diante de seu próprio governo, ou até mesmo diante do mais humilde de seus vizinhos, numa sociedade em que um povo ordeiro e trabalhador tem que conviver com uma anarquia institucionalizada pelos representantes do Poder governante.

Portanto, há um elemento de "inteligência cordial", definível como estratégia racional e emocional de sobrevivência do brasileiro, por este ter a percepção intuitiva de ser a potencial vítima de sacrificadores igualmente cordiais, e vice versa,

É a sociedade brasileira, praticamente, uma sociedade em guerra fria consigo mesmo, que sobrevive em tênue equilíbrio operacionalizado pelo fenômeno da "cordialidade".

Por fim, complemento que minha hipótese acerca deste tênue equilíbrio social possui entre seus elementos cordiais, que estão em constante troca de posições vítima/sacrificador, só é possível em razão de nosso forte substrato cultural fundado na revelação cristã, que nos permite perceber que a vítima é sempre inocente.

Werner Nabiça Coêlho

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O GNOSTICISMO

Plotino


"O GNOSTICISMO

É difícil, em face da variedade extremada dos pensamentos gnósticos, muitas vêzes até contraditórios, expor em que consiste essa corrente, que teve seu desabrochar nesse período, e que deixou no patrimônio da filosofia muitas contribuições positivas, como também muitos erros. Afirma o gnosticismo um conhecimento (gnosis) capaz de unir o homem a Deus. A gnosis é o conhecimento intelectual, que unido à pistis, à fé religiosa, alcança ao mais alto saber. O gnosticismo pretendia, no segundo século, realizar a união entre a alma humana e Deus através de um conhecimento (gnosis), que permitisse tal desiteratum.

Entre os grandes gnósticos dêsse período, podem citar-se Simão o Mago, Márcio, Valentino, Basílides, Saturnillus, Menandro de Capparetta, Lucano, Asclépio, Metrodoro, Ambrósio e muitos outros.

Márcio de Sinope foi o fundador do movimento chamado marcionista. Excomugado por seu bispo, foi para Roma, onde combateu as idéias cristãs. Nada nos resta de suas obras, salvo passagens nos livros cristãos em que são rebatidas as suas teses. Afirmava êle haver uma antítese entre o Nôvo e o Velho Testamento. O deus dos judeus é um deus imperfeito. O verdadeiro Deus foi revelado por Cristo, que é um deus puramente bondade, e não o deus justiceiro dos hebreus.

Basílides, natural da Síria, começou a ensinar em Alexandria, em 130. Afirmava que Deus pairava acima do ser, que é criação dêle, como o são tôdas as coisas. Dessa mesma época é Valentino, que em 135 ensinava em Alexandria, vindo, depois, par Roma, em 160. Deus, acima de tôdas as coisas, é o abismo, o inconcebível. Mas o abismo era amor e não tolerava solidão, e uniu-se ao silêncio (sigê), e dessa união nasceu o Intelecto (NOUS) e a verdade (Alétheia). Do Intelecto e da Verdade foi engendrado o LOGOS, o Verbo e a Vida, que engendram, por sua vez, o Homem.

A perda da obra dos gnósticos impede que se possa fazer uma reconstrução de suas idéias: contudo, há intenções claras que podem ser delineadas, como seja a de apresentar Cristo apenas como um escolhido (eleito) para transmitir um conhecimento que salva, para estimular uma luta contra o judaísmo, que perverte o cristianismo.

Pode-se considerar como o genuíno codificador do gnosticismo Plotino, que constituiu essa doutrina com bases filosóficas e com a suficiente inteligibilidade. É o que vimos ao examinar a Escola Alexandrina.

Na Igreja, em luta contra os gnósticos, surte Santo Irineu, natural de Esmirna, que foi (126) discípulo de Policarpo, que era da geração que conhecera Cristo, e que fôra instruído pelos seus discípulos. Sua obra, Exposição e refutação do falso conhecimento (gnosis), acusa a êste de desconhecer os limites da razão humana e pretender penetrar no que a ultrapassa por caminhos falsos. Há apenas Deus, e não um demiurgo, um ser intermediário, criador do mundo. Para os gnósticos, o demiurgo é o criador, embora dependente de Deus. Deus é o verdadeiro criador, e não há nenhum outro ser fora dêle, mas, sim, Dêle, a Êle submetido. Contudo o homem é livre, e se o pecado diminui a sua liberdade, não consegue, porém, destruí-la.

Hipólito foi um discípulo de Santos Irineu e tornou-se famoso por sua obra Contra os Gregos e Platão, ou do Universo. Provàvelmente, nasceu em Roma, tendo morrido na Sardenha, em 236 ou 237. Combateu as heresias e defendeu a tese de que estas não surgiram pròpriamente do Cristianismo, mas das doutrinas filosóficas gregas. Sua obra Refutação das Heresias foi contemporânea de Clemente de Alexandria."

Fonte: Mário Ferreira dos Santos, Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, Editôra Matese, São Paulo, 3.ª edição, 1965, p.1208-10

A VERDADE METAFÍSICA QUE SE FEZ CARNE



Imagem extraída da página Cooperatoris Veritatis


Rousseau fez um grande mal à psique da modernidade ao afirmar que bondade é natural à animalidade!

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O orgulho é o único pecado que não sente vergonha diante de Deus, é o soberbo que se levanta e O enfrenta, este é o vício que o diabo mais gosta...afinal, a sabedoria inicia pelo temor a Deus!


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Amo meus inimigos, pois eles motivam respostas e reflexões valiosas, a inspiração é em grande parte oriunda do escândalo do teatro da maldade e da maledicência.

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A religião marxista, que Raymond Aron denominou de o "ópio dos intelectuais" prossegue expandindo seus fiéis por meio da formação de nosso celebrado sistema de ensino!

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Àqueles que cultuam a matéria, perdoem-me se minha liberdade de expressão e minhas convicções ofendem vosso ativismo messiânico de um tão desejado apocalipse comunista!

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O que será da moral sem a religião? 

Será contribuir somente para a manutenção da burocracia estatal mediante impostos? 

Bastará ser um bom cumpridor da lei positiva, aquela regra emanada do governo? 

Ser cidadão e votar conforme o calendário eleitoral? 

Afirmar uma moral sem Deus, mas fundada no imperativo categórico kantiano... porque sim!? 

Acreditar que o bem pode existir sem o mal, uma vez que tudo é subjetivo, e, por isso, só pode existir o bem relativo a cada pessoa?

Postular o "dogma do relativismo" em que o mal é uma criação da subjetividade humana?

Defender que o bem é uma criação da "mãe natureza", ou seja, que a seleção natural é boa por si mesma, que o mais apto deverá prosperar em detrimento dos fracassados?

Sei... talvez ser bom marxista, ou bom ateísta, seja um exercício de ódio, e talvez este exercício seja considerado como um valor... do bem?

***

Essas visões teológicas sobre o suposto "cristianismo primitivo" são antepassados do "comunismo primitivo".

Por que ninguém se lembra que Cristo e seus Apóstolos ao fundarem o catolicismo foram perseguidos até o martírio.

Séculos dessas perseguições imperiais levaram os cristãos às catacumbas e ao coliseu (algo recorrente na China e em países islâmicos até hoje).

Ninguém se lembra de que por alguns momentos históricos o cristianismo poderia ter sido extinto, e que o seu triunfo histórico foi um verdadeiro milagre.

Somente no cristianismo o fenômeno "laico" ou mesmo o "iluminismo" puderam ocorrer, pois o livre arbítrio é seu elemento essencial.

A religião cristã não é agente primariamente político, afinal foi Cristo que mandou separar a religião de Deus da política de César, mas, se valorizas tanto a laicidade deverias valorizar sobretudo sua herança cristã como o fenômeno cultural e histórico que possibilitou a liberdade contemporânea.

***

O Logos (em grego λόγος, palavra) significava inicialmente a palavra escrita ou falada — o Verbo, passa a ser um conceito filosófico traduzido como razão, tanto como a capacidade de racionalização individual ou como um princípio cósmico da Verdade e da Beleza.

São João principia seu livro sinótico:

"1 1. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. 2. Ele estava no princípio junto de Deus. 3. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. 4. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. 5. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam."

Portanto, 

Cristo é a verdade metafísica que se fez carne, 

é o logos identificado pela filosofia grega, 

é a razão que se fez viva numa pessoa, 

por isso a tradição cristã católica é profundamente filosófica, 

pois a razão feita carne está viva entre nós!

FICHAMENTO: A ORIGEM DA LINGUAGEM



Ora, a polaridade de vestuário e linguagem é a polaridade do "antes" e do "depois". (p. 175)

Uma mesma vida tem de ser investida em seu aspecto de algo que vai ser no futuro e de ser lembrada no aspecto de coisa passada. (p. 175)

Logo, investidura e registro são atos indispensáveis para a vida na Terra. (p. 175)

Em sua unidade de vestuário e linguagem, chamamo-los ritual. Em sua polaridade, chamamo-los "cerimônias" e "acontecimentos da história". (p. 175)

...precisamos de fórmulas que protejam a sua indefinição no início da carreira. As fórmulas dão liberdade aos nossos poderes criativos indefinidos até que tenhamos dado nossa contribuição. (p. 175)

A vida humana não é nua nem anônima. É ritualística. (p. 175)

Nosso corpo natural não tem função social. Entramos no corpo social graças ao vestuário, que representa um corpo temporário. (p. 175-6)

Um homem ter feito um nome para si significa literalmente ter feito com que outras pessoas falem dele e pensem nele! (p. 176)

Uma cerimônia que invista de determinada função ou título acadêmico um homem, ou que lhe confira qualquer poder, é eloqüente em sua tentativa de fazer com que o candidato ouça. (p. 176)

A cerimônia pretende formar a audição, chamar a atenção e despertar o entendimento de uma criança para todo o seu período de crescimento. (p. 176)

Roupas são investimentos a crédito para uma vida inteira: nomes são fruto de vidas completamente vividas. É nesses espaços de tempo que devemos buscar os processos originais da linguagem. (p. 177)

O ritual criou a durabilidade da linguagem. (p. 177)

A linguagem articulada humana irrompe onde homens são iniciados ou sepultados, porque tais ordenações de uma vida inteira são as verdadeiras tarefas com que se deparam os que tentam pôr fim à guerra, à depressão, à degeneração ou à revolução. (p. 177)

Um ritual não pode ser levado muito a sério nem será formalmente bom onde seja aplicado a expectativas breves. Aí ele se torna humorístico. (p. 177)

Na atual realidade histórica, os rituais são por toda a parte desvalorizados por se voltarem cada vez mais para curtos períodos de vida. (p. 177)

As palavras são como machados e espadas antes que o humor lhes tire o gume, pois o ritual verbal varre longos corredores de tempo para o futuro e para o passado, a fim de que a vida de um homem não permaneça subumana. (p. 177-8)

É uma lei: o homem não se torna humano sem que determinada organização física e indeterminado órgão social - ou o corpo do homem e seu caráter temporal - sejam integrados numa unidade. (p. 178)

O ritual, que consiste em cerimonial e memória nomeada, é o processo dessa integração. (p. 178)

Por isso ritual é medido em geração; a medida da perfeição de um ritual é o se poder de atar várias gerações de homens. (p. 178)

Para interpretar o ritual primário, talvez seja melhor concentrarmo-nos na questão do poder. Abrir corredores de trinta ou quarenta anos em direção ao passado e ao futuro requer poder. (p. 178)

Requer muito mais poder do que aquele que atribuímos à fala. (p. 178)

A filosofia vulgar da linguagem diz-nos que a fala comunica o pensamento de um homem a outro. (p. 178)

Se o objetivo da fala fosse transmitir idéias, ela necessitaria de poder mínimo. E é verdade: os falantes moderno balbuciam quase sem mudar de tom. (p. 178)

Mas sua filosofia da linguagem interpreta tipos secundários de linguagem; nem sequer tenta interpretar o caráter monumental dos nomes. Acredita, com Kant, que "tempo" é uma forma de pensamento. (p. 178)

A história e nossa própria e calamitosa experiência provam que o tempo é criado pela linguagem. (p. 178)

Todos podemos estar no tempo antes de falar. (p. 178-9)

Mas não temos o tempo senão porque podemos distinguir um presente entre o passado e o futuro. (p. 179)

Esse presente não existe em lugar algum da natureza, mas podemos criá-lo unindo nossas diversas vidas num só nome e reunindo-as num grande reservatório de sobretempo. (p. 179)

O homem tem tanto tempo quanto tenha nomes sob os quais gerações inteiras estejam dispostas a cooperar ao longo das eras. (p. 179)

Desfrutamos um presente quando damos a mão a pessoas de outros tempos, passado e futuro, num só espírito. (p. 179)

Quanto mais honramos os nomes do passado, mais reclamamos um longo futuro. (p. 179)

Essa é a essência da vida consciente, vida capaz de articular tempos e lugares entre passado e futuro de forma tão convincente, que recebemos direção e orientação claras quanto a nosso lugar no tempo. (p. 179)

A língua que é "materna" através dos milênios e o "cabeça", que é o modo de chamar o chefe de geração em geração, são expressões simbólicas. (p. 180)

A língua materna não é senão a experiência de um grupo que recebe e aceita nomes acima de si mesmo mediante um processo criativo e atual, investido num cabeça. (p. 180)

Em nossa própria época, a morte e o artificialismo transformam a linguagem numa arena de interesses políticos e econômicos. (p. 181)

O primeiro resultado de nossa análise é que cabeças e línguas eram compelidos a falar em nome de heróis sepultos. (p. 181)

Os cabeças conferiam cerimoniosamente a autoridade de nomeadores àqueles que a vestiam como seu corpo social. (p. 181)

Toda liberdade é poder para o futuro. A necessidade de criar sucessores para os líderes criou o direito à liberdade. (p. 181)

Queremos dizer que, enfim, todos alcançaram a liberdade dos sacerdotes e reis. (p. 181)

A democracia, é fato, busca estender a todos a liberdade dos mais altos cargos, os de sacerdotes e reis, de oradores e escribas. Não obstante, sem os graus de sacerdotes e de rei, na haveria para ser estendido. (p. 181-2)

Não será que por muito tempo o clamor por um emprego virá em primeiro lugar, já que ele é na verdade o clamor por alguém que me diga o que fazer por um salário? (p. 182)

Nós, que chegamos a reconhecer que todos os homens podem agir como sacerdotes e reis, teremos um longo caminho a percorrer antes que a economia do futuro tenha um lugar para o imperativo: "Todo o homem é um chefe!" Deveríamos acalentar isso como objetivo supremo. (p. 182)

O poder sobre o futuro está nas mãos daqueles sujeitos que podem dar emprego, e isso significa ordens. (p. 183)

Essa é, evidentemente, uma das razões para aprender a pensar mais corretamente acerca da linguagem e do vestuário na atual conjuntura. Pois é sempre o poder sobre o futuro o que se confere mediante o vestuário e a linguagem. (p. 183)

O que criava o herdeiro era sua aceitação formal pelo pai e não seu nascimento. (p. 184)

A linguagem emerge da sutura entre morte e nascimento. (p. 184)

O realismo da linguagem consiste em que ela vem após as obscuridades da vida comum e do sofrimento pessoal. (p. 184)

A história de todas as leis faz-nos parecer correta a nossa interpretação do intervalo entre a morte e o nascimento. (p. 184)

A primeira e, originalmente, única lei é a lei da sucessão. (p. 184)

A distinção entre o código penal e o civil funda-se na diferença entre a morte violenta e a morte natural. (p. 184)

Em quase todas as línguas, a queixa em juízo por uma morte violenta e o planctus, luto formal por morte natural, são chamados por nomes idênticos ou parecidos. (p. 184)

Quase todas as civilizações não-cristãs preservam os sinais da irrupção da queixa legal e formal a partir de uivos e gritos naturais e animais. (p. 184)

OBS.: CRISE MIMÉTICA

...o aparecimento da ordem a partir do caos, da forma a partir da confusão, pode ser revivido todas as vezes que se executa o ritual. (p. 185)

A situação negativa anterior torna-se parte do ritual, para que a solução positiva que se segue não fique incompreensível. (p. 185)

Rituais cuja pré-história, cuja "irritação" deixa de ser compreensível não nos tocam. (p. 185)

A reverência pelo poder humano de falar depende do nosso medo de submergir no estado animal. (p. 185)

...representar o processo que vai do grito à fala, executando os procedimentos pelos quais essa emergência é alcançada. (p. 185)

O espírito procede, por um lado, na interação entre mulheres e crianças e, por outro, na interação dos homens. Esse é o significado do termo "processo do espírito". (p. 185)

A emergência é um processo natural, e na natureza o indivíduo e o meio ambiente são vistos como entidades separadas. (p. 186)

No ritual prevalece a atitude oposta: os gritos são tansubstanciados, e a fala procede das origens mesmas: dos sons que compunham gritos. (p. 186)

Por milhares de anos, quando se cometia uma assassínio, exigiu-se que os parentes do morto levassem o corpo ante os juízes. Na corte, a queixa era feita tanto pela lamentação das mulheres como pelas acusações verbais do parente mais próximo. (p. 186)

Esse dualismo tornou transparente o concentus [harmonia, conformidade] entre nossa natureza animal e nossa história formal. (p. 186)

O homem primeiro gritou e depois falou, porque falar era o primeiro passo longe do grito. (p. 186)

Choros e gritos eram inseridos na cerimônia como medida da linguagem articulada. Tal interação na religião entre grito e nome, entre mulher e homem, representou a reconciliação entre nossa natureza animal e nossa natureza intelectual. (p. 186)

Paulo tornou a linguagem formal acessível ás mulheres... (p. 186)

O ritual tribal comunicava religião, lei, escrita e fala. O ritual criou o tempo - como passado e futuro - , o poder - como liberdade e sucessão -, a ordem - como título e nome - , a expectativa - como cerimônia e vestuário - , a tradição - como canto fúnebre e mito do herói. O ritual ligo o homem ao tempo, e isso é expresso pelo termo "religião" (p. 187-8)

...os trivia das línguas, literatura e lógica...(p. 217)

Línguas estrangeiras deveriam ser aprendidas, em primeiro lugar, como línguas elevadas, antes que se enfatizasse o uso coloquial. Canções, leis e salmos constituem bom ponto de partida. (p. 217)

...a descoberta de que o discurso racional pressupõe o discurso ritualístico. Descobrimos que a lógica de nossas escolas cobria, na melhor das hipóteses, um quarto do território real da lógica. (p. 218)

Antes de qualquer coisa possa ser computada, calculada, observada ou testada, ela tem de ter sido algo nomeado, com que se falou, com que se operou, algo com que se teve alguma experiência. (p. 218)

Com suas generalizações e numerais, a ciência priva as coisas de nomes. Mas não pode fazer isso senão com coisas que previamente se revestiram de nomes. (p. 218)

A ciência é uma aproximação secundária e abstrata à realidade. (p. 218)

Devemos estar imersos e enraizados num universo nomeado, para depois dele nos podermos emancipar pela ciência. (p. 218)

Esta breve investigação das novas vias mostra que, dentre as sete artes liberais, o chamado trivium - gramática, retórica e lógica - é o que mais se beneficia de nossos estudos. (p. 219)

Nossa abordagem eleva as "trivialidades" desses três campos introdutórios do saber à estatura de ciências plenamente desenvolvidas. (p. 219)

Elas tornar-se-ão as grandes ciências do futuro. (p. 219)

Tal ascensão ao poder teve um paralelo quatrocentos anos atrás, quando o chamado quadrivium (aritmética, geometria, música, astronomia) e o trivium (gramática, retórica, lógica) não passavam de meros serviçais e ferramentas auxiliares. (p. 219)

É preciso substituir a faculdade de direito por todo um conjunto de ciências sociais, incluindo uma acerca de nossa própria consciência. (p. 219)

A consciência não funciona senão quando a mente responde a imperativos e utiliza metáforas e símbolos. (p. 219)

Até os cientistas devem falar com confiança e segurança antes de poder pensar analiticamente. (p. 219)

Que é um símbolo? Que é uma metáfora? Constituem o pão nosso de cada dia? Símbolos são fala cristalizada. E a fala cristaliza-se em símbolos porque, em seu estado criativo, é metafórica. Símbolos e metáforas relacionam-se como a juventude e a velhice da linguagem. (p. 219-20)

 Até os símbolos dos lógicos a provam... são fala cristalizada. [...] A fala deve levar aos símbolos. Os símbolos resultam da fala. "Ouvimos" os símbolos como se fossem fala. "Olhamos" para a fala porque ela nos levará aos símbolos. (p. 220)

Os símbolos representam o estado "real" ou principal de uma pessoa a despeito de quais aparências. Representam meu melhor eu em sua ausência... (p. 221)

Isso nos dá uma pista dos autênticos lugares dos símbolos. Eles sucedem a atos de investidura, por meio dos quais se tornam indeléveis e importantes elementos da realidade. (p. 221)

Um ritual antecede ao símbolo. Se nenhum ritual investiu a pessoa, o símbolo não passa de mero brinquedo frívolo. (p. 221) (OBS. tem uma nota de rodapé interessante)

Quanto mais seriamente o ritual é "falado", mais o símbolo se fixa. Não há, porém, símbolo sem fala. (p. 222)

Os símbolos reiteram o fato de que a fala visa à verdade de longo alcance e de que, para tanto, ela procura substituir as aparências do mundo visível por uma ordem mais elevada,  melhor ou mais penetrante. (p. 222)

Porque o símbolo mostra melhor sua eficiência após o término da cerimônia de investidura, e concebem-se as cerimônias de investidura precisamente como um poder capaz de criar um segundo mundo. (p. 222)

A linguagem humana é metafórica por definição. Nada nela é o que é. Tudo significa algo que, em sim mesmo, não é. (p. 222)

Necessitamos que alguém nos dirija a palavra, senão enlouquecemos ou adoecemos. (p. 231)

A primeira condição para a saúde é que alguém fale conosco co sinceridade de propósitos, como se fôssemos únicos. (p. 231)

A relação entre a saúde e o ato de falarem conosco com o poder de nosso "vocativo" único torna imperiosa a resistência a que a educação seja monopólio do Estado. (p. 231)

A posse é algo terrível, mas é também a fonte de grandeza, quanto tomada no verdadeiro e genuíno espírito de exclusividade. (p. 233)

Esse espírito consiste simplesmente no seguinte conhecimento: "Ninguém é tão querido", "Eu sou a única pessoa no mundo", "Esta é a única criança no mundo". (p. 233)

Quem quer que tenha tal espírito de exclusividade para com outro ser humano tem uma qualidade, uma qualidade "gramatical" que ninguém mais tem e que indispensável - a qualidade de dar ordens, de dizer: escuta, vem, come, ama-me, vai dormir. (p. 233)

É derivado da maternidade ou da paternidade genuínas. O direito de dar ordens depende da qualidade de pôr aqueles a quem se dirigem essas ordens acima de tudo o mais. (p. 234)

A pessoa que nunca foge à responsabilidade, que sabe que não pode fugir à responsabilidade, adquire o direito de dar ordens. (p. 234)

As mães não se tornam conscientes da maternidade senão na experiência de dar ordens, cantar canções e contar histórias aos filhos. E as crianças tornam-se filhos e filhas graças à voz da mãe. (p. 234)

Toda a potência original do ritual da fala se encontra na relação entre mãe e filho. (p. 234)

 E sabemos que a potência de qualquer imperativo depende de que o falante se lance para fora de si mesmo na ordem que dá, e de que o ouvinte seja lançado à ação. Ambos então se direcionam para fora, ou, como costumamos dizer, não são autocentrados. (p. 234)

No chamado da mãe "Vem, Johnny", a invocação "Johnny" projeta para fora o eu da mãe, e a forma verbal "vem" faz vir para fora o do filho. Ambos se entregam a uma interação mútua. (p. 234)

O papel do vocativo é tão pouco entendido hoje quanto o do imperativo. (p. 235)

Qualquer vocativo mostra a fala em seu estádio criativo, porque a princípio falamos não de coisas mortas, mas para pessoas vivas. (p. 235)

O Crátilo de Platão é um triste modelo dessa abordagem chã de linguagem. (p. 235)

O falante projeta-se a si mesmo para eles. Encontramo-nos em nossos vocativos. Assim como a mãe se torna mãe chamando o nome do filho, nós nos tornamos oficiais ao chamar nossos soldados, chefes ao chamar nossos operários, professor ao chamar nossos alunos. (p. 236)

Os vocativos fazem algo aos falantes: trazem-nos para fora. Os vocativos são nossa fé e vêm antes dos nominativos, não importa o que digam os gramáticos. (p. 236)

Quem está pronto para abandonar-se a si mesmo e depositar toda a sua fé no nome de outra pessoa é trazido para fora e para cima de si mesmo, e se torna depositário, líder e representante do nome invocado. (p. 237)

...a taça temporal de expectativa e cumprimento. (p. 238)

Há um termo algo batido para designar essa forma da saúde do falante; chamamo-la "responsabilidade". Mas o termo perdeu sua pujança por ter sido usado de maneira demasiado ativa. (p. 238)

"Vem, Johnny!" é um responsório em que mãe e filho se perdem a si mesmo: ela lançando todo o seu peso sobre o vocativo; ele permitindo que o imperativo se acomode nele, o paciente da ação, como num "escabelo". Ninguém pode ser "responsável" sem resposta; seria uma existência por demais unilateral. (p. 238)

A gramática moderna faz vista grossa ao fato de que qualquer vida é ambivalente, oscilante entre o ativo e o passivo. [...] Eles e ele são concomitantemente ativos e passivos. E essa é a norma humana. (p. 239)

Qualquer grupo feliz e afável, sem autoquestionamento nem autoconsciência grupal, vive numa voz média na qual a divisão entre ativo e passivo permanece subdesenvolvida e é menos importante que o responsório entre pessoas que acreditam em sua solidariedade única. (p. 239)

O casamento seria impossível sem tal correlação entre vocativo e imperativo. O falante vive no vocativo; o ouvinte vem à vida no imperativo. (p. 239)

Eugen Rosenstock-Huessy (1888-1973) A origem da linguagem; edição e notas Olavo de Carvalho e Carlos Nougué: introdução, Harold M. Sathmer e Michael Gorman-Thelen: tradução Pedro Sette Câmara, Marcelo de Polli Bezerra, Márcia Xavier de Brito e Maria Inêz Panzoldo de Carvalho. - Rio de Janeiro: Record, 2002.

FICHAMENTO: A BIOÉTICA É DE MÁ-FÉ?

Jean-Paul Sartre, o filósofo do relativismo e da má-fé


Prefácio

“A má-fé é mentira, mas mentira para si mesmo, explica Sartre.

Trata-se, na má-fé, de ‘mascarar uma verdade desagradável ou de apresentar como verdade um erro agradável. A má-fé, portanto, tem a estrutura da mentira. Mas o que muda tudo é que na má-fé eu mascaro a verdade para mim mesmo. A dualidade do enganador e do enganado não existe aqui [...] aquele ao qual se mente e aquele que mente são uma única e mesma pessoa, o que significa que devo saber, enquanto enganador, a verdade que me é mascarada enquanto sou enganado’. Assim se apresenta segundo Sartre, o paradoxo da má-fé. (p. 07)

“[...] ‘uma certa arte de formar conceitos contraditórios, isto é, que unem em si uma idéia e a negação dessa idéia’” (p. 08).

LECOURT, Dominique. Erros agradáveis, verdades desagradáveis.

“A bioética apresenta-se primeiramente com um conjunto mais ou menos bem amarrado de discursos de alerta sobre as perspectivas abertas pelas pesquisas biomédicas, de algumas interrogações metafísicas mais ou menos conhecidas sobre a pessoa humana combinadas com a recordação sonora de alguns imperativos pretensamente categóricos” (p. 09)

“A sistematização que está ocorrendo em escala internacional tem o grande mérito de esclarecer essa máscara com uma luz razoavelmente direta” (p. 11)

“[...] a bioética tende a apresentar-se como o viés pelo qual o direito poderia se fundar em uma ética de valor universal. Realmente, seria muito agradável ter resolvido (até que enfim!) desse modo a questão filosófica lancinante que o Ocidente moderno até agora não tinha conseguido solucionar: a de encontrar uma garantia absoluta (atemporal) para seus sistemas jurídicos.”

“[...] a ética constitui o discurso que enuncia os princípios da compatibilidade geral entre esses sistemas em um dado momento. A ética não é primeira, mas a segunda em relação ao direito, assim como em relação aos outros sistemas. Mesmo que ela tenha filosoficamente o discurso do fundamento para unifica-los e para que os indivíduos se tornem acessíveis às prescrições e proibições da moral que é retirada desses discursos. Prescrições e proibições que tomam esses indivíduos pelo corpo (o sexo e os prazeres) com o fim de dar forma a seus modos de existir como pessoas (no âmbito social)” (p. 11-12)

“As questões ditas de bioéticas não deverão ser tomadas, ao contrário, como convites à revisão das próprias bases de nossa concepção dos ‘direitos humanos’, particularmente se nos interrogarmos sobre as consequências imaginárias do poder dos sistemas normativos sobre os membros de toda sociedade?” (p. 14)

MEMMI, Dominique. O que fazer com o corpo hoje?

“’Em toda sociedade, o corpo se encontra no interior de poderes muito compactos, que lhe impõem coações, proibições, obrigações’, diz Michel Foucault”. Como se exerce esse controle hoje? Na recusa do caráter arbitrário e imperativo dessas normas. Isso, ao menos, é o que parece ilustrar o funcionamento do primeiro comitê de ‘especialistas’ criado na França, em 1983, o Comité Consultantif National d’Éthique.” (p. 15)

“A reatualização do termo ‘ética’, que joga com a ambiguidade semântica entre as noções de moral da ciência e de ciência da moral, assinala essa preocupação de distinção intelectual. Uma análise dos 34 pareceres e dos 3 relatórios produzidos pelo Comitê desde a sua criação até o seu décimo aniversário” (p. 15)

“A recusa de toda ‘apropriação disciplinar’ da bioética, a reinvindicação constante da interdisciplinaridade, mas também a rejeição do termo de ‘especialista em ética’, isto é, de toda profissionalização desse empreendimento de fabricação de normas sobre os usos do corpo, eis outro topoi próprio dos meios da bioética, sinônimo da ausência de certeza nesses assuntos” (p. 17)

“Essa auto-restrição generalizada é acompanhada por uma valorização moralizante dessas mutilações. Louva-se a humildade do Comitê, sua retidão ou a grandeza de sua renúncia. Os membros do Comitê também se mostram perturbados com perguntas sobre os efeitos concretos de seu trabalho ali” (p. 18)

“[...] nossos interlocutores ficaram literalmente sem ter o que falar diante de qualquer pergunta precisa sobre esse assunto” (p. 19)

“Tudo se passa então como se os especialistas em ética estivessem socialmente proibidos, no exercício de sua função, de ter, além de uma opinião ‘na primeira pessoa’, um pensamento que seja da ordem do ‘sim’ ou do ‘não’, um pensamento eficaz ou autoritário” (p. 19-20)

“A autolimitação consentida do próprio poder por parte dos especialistas em ética, tanto dentro como fora do Comitê, é em parte ilusória” (p. 20)

“O silêncio prolongado, a perplexidade nas entrevistas dos especialistas em reprodução assistida, como a renúncia entusiasmada dos membros do Comitê, traduzem de fatos os limites da autorização social de que os especialistas em ética dispõem, e mais que isso: as limitações de legitimidade, que hoje abarcam a imposição de normas referentes ao corpo humano” (p. 21-22)

“Uma regulação por meio de palavras

E, contudo, o que ele fazem não é inexpressivo. ‘Valores’, ‘prudência’, ‘ética’: o que choca aqui é a intensidade do esforço investido na fabricação de palavras” (p. 22)

“Em que consistiu de fato o trabalho efetivo do Comitê? Em não dar razão nem aos comerciantes nem aos padres” (p. 22)

[...] em 1975, aborto foi introduzido na França, foi preciso inventar uma delimitação de seus usos possíveis que pudesse tranquilizar as pessoas preocupadas com a vida prometida no embrião. Sem, em 1984, a invenção da noção de ‘pessoa humana potencial’ representou uma operação tão importante no Comitê, é porque ela representa a versão científica, conceitual, dessa busca persistente de compromisso [...] O direito havia inventado, no início dos anos 1950, no momento da regulamentação das doações de sangue, uma categoria intermediária entre a pessoa e a coisa: ‘a substância de origem humana’” (p. 23)

“[...] O que está em jogo é evidente: encontrar entre duas posições vistas pelos eticistas contemporâneos como impossíveis, a que defendo que o corpo é um ‘aglomerado de células’ infinitamente manipulável e a que defende que ele é intocável, dependente somente da vontade da natureza ou de Deus: ‘Eu estava de acordo com a idéia de pessoa humana potencial. Isso permite manter a interrupção voluntária da gravidez e, ao mesmo tempo proteger o embrião. Felizmente, a questão do momento em que o embrião se torna pessoa não foi decidida (Soc. 59). Em Suma, para anular os católicos e, mais ainda, os humanistas leigos e os comerciantes era preciso inventar uma sacralidade não-metafísica” (p. 23-24)

“O mesmo foi feito para garantir-se contra os comerciantes. Dos 34 pareceres gerados pelo Comitê durante a década de 1983-1993 emerge a preocupação constante de afastar do corpo toda ameaça de redução a mercadoria. Isso começa cedo. Dois dos três primeiro pareceres (pareceres n. 1 e 3) invoncam o princípio de não-comercialização do corpo humano. (p. 24)

“Aversão ao corpo mercantil, portanto, mas sem retorno resoluto ao sagrado tradicional [...] uma posição discreta a favor da ciência e da transformação dos costumes provocada por sua evolução. O conjunto do dispositivo ético se parece com uma operação de dessacralização – muito controlada – dos corpos em benefício dos novos usos sociais e científicos que deles são feitos” (p. 25)

LECOURT, Dominique;A bioética é de má-fé? Tradução de Nicolás Nyimi Campanário, Edições Loyola, 2002

FICHAMENTO: FIÉIS ÀS NOSSAS EMOÇÕES DE ROBERT C. SOLOMON



De fato, paradoxalmente, sugeriria que as emoções são até mais centrais à racionalidade do que a razão e o raciocínio, porque sem elas (como argumentou David Hume, alguns séculos atrás, no Tratado sobre a natureza humana) a razão não tem objetivo ou foco. A recente pesquisa psiquiátrica e neurológica tende a confirmar isso. (p. 20-1)

As emoções de que me ocuparei neste livro não serão, portanto, as súbitas "explosões" que tanto fascinam os neurocientistas e alguns psicólogos, mas as emoções e obsessões de longo prazo que nos têm fascinado através da história... (p. 21)

...emoções são processos que por sua própria natureza, levam tempo e podem, de fato, continuar ininterruptamente. Não são necessariamente conscientes. (p. 22)

Um grande problema é nossa tendência a pensar em uma emoção como um evento psicológico separado. (p. 22)

Uma emoção é um processo complexo que engloba vários e diferentes aspectos da vida de uma pessoa, incluindo interações e relações com outras pessoas, bem como seu bem-estar físico, ações, gestos, expressões, sentimentos, pensamentos e experiências semelhantes. (p. 22)

...gostaria de iniciar com a opinião - hesitante e irônica que posse ser - de que nós não sabemos o que é uma emoção e que é realmente um assunto a ser explorado com curiosidade e expectativa. (p. 24)

Temos que aprender como reconhecer nossas emoções, como lidar com elas, como usá-las, e isso é um conjunto de habilidades que a maioria de nós reuniu apenas acidentalmente, sem pensar e de forma inadequada. (p. 24)

Há em andamento sérios debates sobre se as emoções formam uma classe unificada e se são "realmente" fisiológicas, como alguns argumentariam, ou se assemelham-se mais a julgamentos de valor ou tendências comportamentais. No entanto, não é como se não tivéssemos ideia do que estamos examinando aqui. Entretanto, compreender é muito mais do que meramente ser capaz de concordar a respeito de um assunto. (p. 24-5)

Baseado em Sartre, argumentarei que nossas emoções são estratégias por meio das quais nos tornamos felizes ou infelizes e que dão significado a nossas vidas. Ao cultivar nossas emoções, determinamos as virtudes e os vícios que nos fazem pessoas melhores ou piores. (p. 26)

vivemos em nossas emoções e por meio delas (p. 26)

Se alguém se importa com alguma coisa - e é virtualmente impossível imaginar alguém que com nada se importe - , esse alguém terá emoções. (p. 27)

...emoção básica é aquela essencialmente neurológica (ou melhor, neuro-hormonal-muscular). Consiste numa resposta complexa mais ou menos fixa, uma síndrome que envolve certas partes do cérebro e dos sistema endócrino e características expressões comportamentais hard-wiredi, especialmente faciais. (p. 34)

...as emoções são sentimentos, no sentido de que são tipicamente experimentadas. (p. 35)

...uma emoção é (pelo menos em grande parte) uma experiência (um "sentimento"), mas não deve ser, de modo algum, identificada com algo semelhante a uma sensação ("sentimento" nesse outro sentido. (p. 35)

A raiva (como todas as emoções) é um fenômeno cognitivo e impregnado de valores, não apenas um estado ou evento momentâneo, mas um processo complexo que prossegue através do tempo e pode durar muito. Envolve necessariamente sentimento e julgamento, bem como fisiologia, e, às vezes, especialmente depois de certo período, pode haver pouca resposta fisiológica  evidente. (p. 37)

É uma forma de interagir com outra pessoa (situação ou tarefa) e um modo de situar-se no mundo. (p. 41)

...uma emoção é um engajamento autoconsciente no mundo e, para compreender a raiva, temos de compreender exatamente que tipo de engajamento é esse. (p. 41)

...quero adotar uma perspectiva existencialista e falar sobre o que fazemos com nossas emoções, e não apenas sobre o que as causa. (p. 43)

...com frequência, as emoções são hábitos, até certo ponto aprendidos, mas também fruto de prática e repetição. (p. 44)

Hábitos emocionais são produto de vias bastante usadas e dependências químicas bem-estabelecidas. (p. 44)

...a ideia de que as emoções são estratégias sugere que a perspectiva em que melhor aprendemos sobre as emoções é na segunda pessoa, na interação e troca interpessoais. Portanto, a raiva (e outras emoções) está menos "na" mente (nem corpo ou no cérebro) e mais do lado de fora, no espaço social e interpessoal. (p. 45)

...a raiva é uma emoção literalmente julgadora ou magistral. (p. 48)

Na raiva, o indivíduo coloca-se no papel superior de juiz e jurado. (p. 48)

...na raiva, o outro é levado a julgamento. Ainda mais poderosa e mais julgadora é a indignação moral, uma emoção em que se acusa o outro não apenas em benefício próprio, mas em nome de um princípio moral. (p. 48)

A vantagem estratégica desse esquema deveria ser óbvia. Emergindo de uma situação em que ferida, ofendida ou humilhada, a pessoa se reposiciona como superior, até virtuosa. É uma posição psicológica poderosa. É também bastante presunçosa, motivo pelo qual a tradição cristã, justificadamente, faz advertências a respeito. (p. 48)

Não há ocasiões em que a raiva é perfeitamente razoável? (p. 48)

...a raiva pode ser, muitas vezes, uma resposta razoável e racional à adversidade. (p. 49)

...a ideia de que a raiva é uma forma de engajamento no mundo. Ficamos com raiva de alguém, alguma coisa. Consequentemente, a questão importante é se a raiva está corretamente dirigida, se escolheu o objeto certo (o ofensor) e se é justificada pela situação. (A pessoa-alvo pode ser de fato o ofensor, mas a ofensa ser tão insignificante que não justifica a raiva.) Se tanto o objeto está correto como se justifica a seriedade da acusação, então a raiva é racional e razoável. (p. 49)

Porém, se a raiva também pode ser uma estratégia,  existe uma consideração adicional, além da precisão e da justiça que governa a racionalidade da raiva. Em outras palavras, ficar com raiva serve aos objetivos finais da pessoa?. (p. 50)

...a raiva é sensata dependendo de se encaixar ou não nos objetivos de longo prazo da pessoa.. (p. 50)

O que aprendemos, então? Que a raiva não é apenas um sentimento autocontido, mas um engajamento com outras pessoas e com o mundo, que pode ser mais ou menos justificado, mais ou menos primitivo ou refinado, mais ou menos gratificante e mais ou menos adequado moralmente. Como estratégia, não é apenas algo que nos acontece, mas algo que colocamos em ação, quer refletidamente, quer não. Isso levanta uma última questão que quero deixar pendente ao longo destes capítulos iniciais. Às vezes, talvez com frequência, aquilo que fazemos não é imediatamente óbvio para nós. Grande parte de nossa vida emocional é, como insistiu Freud, inconsciente.. (p. 52-3)

Considero o inconsciente não apenas como uma profunda descoberta psicanalítica, mas como um dado fundamental. As pessoas nem sempre sabem quando estão com raiva e nem sempre sabem o que sentem.. (p. 53)

Robert C. Solomon, Fiéis às nossas emoções: o que elas realmente nos dizem; tradução de Miriam Gabaglia de Pontes Medeiros. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.