De fato, paradoxalmente, sugeriria que as emoções são até mais centrais à racionalidade do que a razão e o raciocínio, porque sem elas (como argumentou David Hume, alguns séculos atrás, no Tratado sobre a natureza humana) a razão não tem objetivo ou foco. A recente pesquisa psiquiátrica e neurológica tende a confirmar isso. (p. 20-1)
As emoções de que me ocuparei neste livro não serão, portanto, as súbitas "explosões" que tanto fascinam os neurocientistas e alguns psicólogos, mas as emoções e obsessões de longo prazo que nos têm fascinado através da história... (p. 21)
...emoções são processos que por sua própria natureza, levam tempo e podem, de fato, continuar ininterruptamente. Não são necessariamente conscientes. (p. 22)
Um grande problema é nossa tendência a pensar em uma emoção como um evento psicológico separado. (p. 22)
Uma emoção é um processo complexo que engloba vários e diferentes aspectos da vida de uma pessoa, incluindo interações e relações com outras pessoas, bem como seu bem-estar físico, ações, gestos, expressões, sentimentos, pensamentos e experiências semelhantes. (p. 22)
...gostaria de iniciar com a opinião - hesitante e irônica que posse ser - de que nós não sabemos o que é uma emoção e que é realmente um assunto a ser explorado com curiosidade e expectativa. (p. 24)
Temos que aprender como reconhecer nossas emoções, como lidar com elas, como usá-las, e isso é um conjunto de habilidades que a maioria de nós reuniu apenas acidentalmente, sem pensar e de forma inadequada. (p. 24)
Há em andamento sérios debates sobre se as emoções formam uma classe unificada e se são "realmente" fisiológicas, como alguns argumentariam, ou se assemelham-se mais a julgamentos de valor ou tendências comportamentais. No entanto, não é como se não tivéssemos ideia do que estamos examinando aqui. Entretanto, compreender é muito mais do que meramente ser capaz de concordar a respeito de um assunto. (p. 24-5)
Baseado em Sartre, argumentarei que nossas emoções são estratégias por meio das quais nos tornamos felizes ou infelizes e que dão significado a nossas vidas. Ao cultivar nossas emoções, determinamos as virtudes e os vícios que nos fazem pessoas melhores ou piores. (p. 26)
vivemos em nossas emoções e por meio delas (p. 26)
Se alguém se importa com alguma coisa - e é virtualmente impossível imaginar alguém que com nada se importe - , esse alguém terá emoções. (p. 27)
...emoção básica é aquela essencialmente neurológica (ou melhor, neuro-hormonal-muscular). Consiste numa resposta complexa mais ou menos fixa, uma síndrome que envolve certas partes do cérebro e dos sistema endócrino e características expressões comportamentais hard-wiredi, especialmente faciais. (p. 34)
...as emoções são sentimentos, no sentido de que são tipicamente experimentadas. (p. 35)
...uma emoção é (pelo menos em grande parte) uma experiência (um "sentimento"), mas não deve ser, de modo algum, identificada com algo semelhante a uma sensação ("sentimento" nesse outro sentido. (p. 35)
A raiva (como todas as emoções) é um fenômeno cognitivo e impregnado de valores, não apenas um estado ou evento momentâneo, mas um processo complexo que prossegue através do tempo e pode durar muito. Envolve necessariamente sentimento e julgamento, bem como fisiologia, e, às vezes, especialmente depois de certo período, pode haver pouca resposta fisiológica evidente. (p. 37)
É uma forma de interagir com outra pessoa (situação ou tarefa) e um modo de situar-se no mundo. (p. 41)
...uma emoção é um engajamento autoconsciente no mundo e, para compreender a raiva, temos de compreender exatamente que tipo de engajamento é esse. (p. 41)
...quero adotar uma perspectiva existencialista e falar sobre o que fazemos com nossas emoções, e não apenas sobre o que as causa. (p. 43)
...com frequência, as emoções são hábitos, até certo ponto aprendidos, mas também fruto de prática e repetição. (p. 44)
Hábitos emocionais são produto de vias bastante usadas e dependências químicas bem-estabelecidas. (p. 44)
...a ideia de que as emoções são estratégias sugere que a perspectiva em que melhor aprendemos sobre as emoções é na segunda pessoa, na interação e troca interpessoais. Portanto, a raiva (e outras emoções) está menos "na" mente (nem corpo ou no cérebro) e mais do lado de fora, no espaço social e interpessoal. (p. 45)
...a raiva é uma emoção literalmente julgadora ou magistral. (p. 48)
Na raiva, o indivíduo coloca-se no papel superior de juiz e jurado. (p. 48)
...na raiva, o outro é levado a julgamento. Ainda mais poderosa e mais julgadora é a indignação moral, uma emoção em que se acusa o outro não apenas em benefício próprio, mas em nome de um princípio moral. (p. 48)
A vantagem estratégica desse esquema deveria ser óbvia. Emergindo de uma situação em que ferida, ofendida ou humilhada, a pessoa se reposiciona como superior, até virtuosa. É uma posição psicológica poderosa. É também bastante presunçosa, motivo pelo qual a tradição cristã, justificadamente, faz advertências a respeito. (p. 48)
Não há ocasiões em que a raiva é perfeitamente razoável? (p. 48)
...a raiva pode ser, muitas vezes, uma resposta razoável e racional à adversidade. (p. 49)
...a ideia de que a raiva é uma forma de engajamento no mundo. Ficamos com raiva de alguém, alguma coisa. Consequentemente, a questão importante é se a raiva está corretamente dirigida, se escolheu o objeto certo (o ofensor) e se é justificada pela situação. (A pessoa-alvo pode ser de fato o ofensor, mas a ofensa ser tão insignificante que não justifica a raiva.) Se tanto o objeto está correto como se justifica a seriedade da acusação, então a raiva é racional e razoável. (p. 49)
Porém, se a raiva também pode ser uma estratégia, existe uma consideração adicional, além da precisão e da justiça que governa a racionalidade da raiva. Em outras palavras, ficar com raiva serve aos objetivos finais da pessoa?. (p. 50)
...a raiva é sensata dependendo de se encaixar ou não nos objetivos de longo prazo da pessoa.. (p. 50)
O que aprendemos, então? Que a raiva não é apenas um sentimento autocontido, mas um engajamento com outras pessoas e com o mundo, que pode ser mais ou menos justificado, mais ou menos primitivo ou refinado, mais ou menos gratificante e mais ou menos adequado moralmente. Como estratégia, não é apenas algo que nos acontece, mas algo que colocamos em ação, quer refletidamente, quer não. Isso levanta uma última questão que quero deixar pendente ao longo destes capítulos iniciais. Às vezes, talvez com frequência, aquilo que fazemos não é imediatamente óbvio para nós. Grande parte de nossa vida emocional é, como insistiu Freud, inconsciente.. (p. 52-3)
Considero o inconsciente não apenas como uma profunda descoberta psicanalítica, mas como um dado fundamental. As pessoas nem sempre sabem quando estão com raiva e nem sempre sabem o que sentem.. (p. 53)
Robert C. Solomon, Fiéis às nossas emoções: o que elas realmente nos dizem; tradução de Miriam Gabaglia de Pontes Medeiros. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
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