Mostrando postagens com marcador Submissão à autoridade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Submissão à autoridade. Mostrar todas as postagens

domingo, 15 de abril de 2018

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: A SUBMISSÃO À AUTORIDADE



"Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram produzidas em numerosos países. Os resultados abtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, naturalmente o status real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer relação com a organização da experiência. As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que acredita o professor - este é quem recebe, no início do experimento, uma descarga de 45 volts, para "assegurar-se de que o gerador funciona". As reações que o colaborador deve simular estritamente codificadas: a 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um grito de agonia, depois do qual se cala completamente. É assegurado ao professor que os choques são dolorosos mas não deixam sequelas. O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu termo, tratando de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor, o pesquisador lhe responde: "Queira continuar, por favor"; na segunda vez: "A experiência exige que você continue"; na terceira vez: "É absolutamente essencial que você continue"; na quarta e última vez: "Você não tem escolha. Deve continuar". Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a experiência é encerrada.




O resultado da experiência é espantoso: mais de 60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que estão realmente administrando correntes de 450 volts. Em alguns países a taxa chega a alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão psicológica mas seguem, não obstante, até o fim.

Há algo, porém, ainda mais inquietante. No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras enquanto as descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: "Esta é talvez a lição fundamental de nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição terrível".

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os professores devam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível.

A autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o colaborador pede que o pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta deter a experiência ou denunciar o pesquisador. A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda do que aquilo que os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente aceitável.

Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que permitem modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida, que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática."

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p.13-18

Obras  referidas:

D. Winn. The Manipulated Mind. London, The Octagon press, 1984.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Petit traité de manípulation à l'usage des honnêtes gens. Grenoble. Presses universitaires de Grenoble, 1987.

S. Milgram, Soumission à l'autorité, Paris, Calmann-Lévy, 1974.

S. Milgram, Obecience to Authority, New Yory, Harper & Row, 1974. Citado por Winn, Op. cit., p. 47.