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domingo, 15 de abril de 2018

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O GNOSTICISMO

Plotino


"O GNOSTICISMO

É difícil, em face da variedade extremada dos pensamentos gnósticos, muitas vêzes até contraditórios, expor em que consiste essa corrente, que teve seu desabrochar nesse período, e que deixou no patrimônio da filosofia muitas contribuições positivas, como também muitos erros. Afirma o gnosticismo um conhecimento (gnosis) capaz de unir o homem a Deus. A gnosis é o conhecimento intelectual, que unido à pistis, à fé religiosa, alcança ao mais alto saber. O gnosticismo pretendia, no segundo século, realizar a união entre a alma humana e Deus através de um conhecimento (gnosis), que permitisse tal desiteratum.

Entre os grandes gnósticos dêsse período, podem citar-se Simão o Mago, Márcio, Valentino, Basílides, Saturnillus, Menandro de Capparetta, Lucano, Asclépio, Metrodoro, Ambrósio e muitos outros.

Márcio de Sinope foi o fundador do movimento chamado marcionista. Excomugado por seu bispo, foi para Roma, onde combateu as idéias cristãs. Nada nos resta de suas obras, salvo passagens nos livros cristãos em que são rebatidas as suas teses. Afirmava êle haver uma antítese entre o Nôvo e o Velho Testamento. O deus dos judeus é um deus imperfeito. O verdadeiro Deus foi revelado por Cristo, que é um deus puramente bondade, e não o deus justiceiro dos hebreus.

Basílides, natural da Síria, começou a ensinar em Alexandria, em 130. Afirmava que Deus pairava acima do ser, que é criação dêle, como o são tôdas as coisas. Dessa mesma época é Valentino, que em 135 ensinava em Alexandria, vindo, depois, par Roma, em 160. Deus, acima de tôdas as coisas, é o abismo, o inconcebível. Mas o abismo era amor e não tolerava solidão, e uniu-se ao silêncio (sigê), e dessa união nasceu o Intelecto (NOUS) e a verdade (Alétheia). Do Intelecto e da Verdade foi engendrado o LOGOS, o Verbo e a Vida, que engendram, por sua vez, o Homem.

A perda da obra dos gnósticos impede que se possa fazer uma reconstrução de suas idéias: contudo, há intenções claras que podem ser delineadas, como seja a de apresentar Cristo apenas como um escolhido (eleito) para transmitir um conhecimento que salva, para estimular uma luta contra o judaísmo, que perverte o cristianismo.

Pode-se considerar como o genuíno codificador do gnosticismo Plotino, que constituiu essa doutrina com bases filosóficas e com a suficiente inteligibilidade. É o que vimos ao examinar a Escola Alexandrina.

Na Igreja, em luta contra os gnósticos, surte Santo Irineu, natural de Esmirna, que foi (126) discípulo de Policarpo, que era da geração que conhecera Cristo, e que fôra instruído pelos seus discípulos. Sua obra, Exposição e refutação do falso conhecimento (gnosis), acusa a êste de desconhecer os limites da razão humana e pretender penetrar no que a ultrapassa por caminhos falsos. Há apenas Deus, e não um demiurgo, um ser intermediário, criador do mundo. Para os gnósticos, o demiurgo é o criador, embora dependente de Deus. Deus é o verdadeiro criador, e não há nenhum outro ser fora dêle, mas, sim, Dêle, a Êle submetido. Contudo o homem é livre, e se o pecado diminui a sua liberdade, não consegue, porém, destruí-la.

Hipólito foi um discípulo de Santos Irineu e tornou-se famoso por sua obra Contra os Gregos e Platão, ou do Universo. Provàvelmente, nasceu em Roma, tendo morrido na Sardenha, em 236 ou 237. Combateu as heresias e defendeu a tese de que estas não surgiram pròpriamente do Cristianismo, mas das doutrinas filosóficas gregas. Sua obra Refutação das Heresias foi contemporânea de Clemente de Alexandria."

Fonte: Mário Ferreira dos Santos, Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, Editôra Matese, São Paulo, 3.ª edição, 1965, p.1208-10