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terça-feira, 1 de maio de 2018

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: DISSONÂNCIA COGNITIVA



A teoria da dissonância cognitiva, elaborada em 1957 por Festinger, permite perceber o quanto nossos atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões. Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas opiniões. A importância dessa constatação leva-nos a destacá-la, pra que, a partir dela, se tornem visíveis as razões profundas da reforma do sistema educacional mundial. Verificamos anteriormente que é possível induzir diversos comportamentos, apelando-se à autoridade, à tendência ao conformismo ou às técnicas do "pé na porta" ou da "porta na cara". Os fundamentos que servem de base a esses atos induzidos repercutem em seguida sobre as opiniões do sujeito, modificando-as (dialética psicológica). Assim, encontramo-nos diante de um processo extremamente poderoso, que permite a modelagem do psiquismo humano e que, além disso, constitui a base das técnicas de lavagem cerebral.

Uma dissonância cognitiva é uma contradição entre dois elementos do psiquismo de um indivíduo, sejam eles: valor, sentimento, opinião, recordação de um ato, conhecimento etc. Não é nada difícil provocar dissonâncias cognitivas. As técnicas de "pé na porta" e "porta na cara" têm a capacidade de extorquir a alguém atos em contradição com seus valores e sentimentos. O exercício do poder ou da autoridade (de um professor, por exemplo) permite que se alcance facilmente o mesmo resultado. A "clarificação de valores", técnica pedagógica largamente utilizada, provoca, sem qualquer aparência de coação, dissonâncias cognitivas. (Exemplo: você está, em companhia de seu pai e de sua mãe, a bordo de um embarcação que naufraga; há disponível somente um colete salva-vidas. O que você faz?) A experiência prova que um indivíduo numa situação de dissonância cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim de reduzi-la. Em particular, se um indivíduo é levado a cometer publicamente (na sala de aula, por exemplo) ou frequentemente (ao longo do curso) um ato em contradição com seus valores, sua tendência será a de modificar tais valores, para diminuir a tensão que lhe oprime. Em outros termos, se um indivíduo foi aliciado a um certo tipo de comportamento é muito provável que ele venha a racionalizá-lo. Convém notar que, nesse caso, trata-se de um tendência estatística evidente, e não de um fenômeno sistematicamente observado; as teorias que referimos não pretendem resumir a totalidade da psicologia humana, mas sim fornecer técnicas de manipulação aplicáveis na prática. Dispõe-se, assim, de uma técnica extremamente poderosa e de fácil aplicação, que permite que se modifiquem os valores, as opiniões e os comportamentos e capacita a produzir uma interiorização dos valores que se pretende inculcar. Tais técnicas requerem a participação ativa do sujeito, que deve realizar atos aliciadores os quais, por sua vez, os levarão a outros, contrários às suas convicções. Tal é a justificação teórica tanto dos métodos pedagógicos ativos como das técnicas de lavagem cerebral.

"Os métodos ativos, fundados sobre a participação, são particularmente aptos a garantir essa aquisição [de valore úteis]." (Declaração mundial sobre a educação para todos.)
Notemos, de passagem, pois não seria ocasião de aprofundar esse aspecto, o papel fundamental desempenhado pelo sentimento de liberdade experimentado pelo indivíduo durante uma experiência. Na ausência desse sentimento, não se produz qualquer dissonância cognitiva e, consequentemente, nenhuma modificação de valor, já que o sujeito tem consciência de agir sob constrangimento e não se sente minimamente engajado. Essas considerações, bem como outras similares, no domínio da dinâmica de grupo, podem lançar uma nova luz sobre importantes processos políticos ocorridos nesses últimos anos. (negritos e itálicos no original)

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 23-25


Obras  referidas:

L. Festinger. A theory of cognitive dissonance. Stanford University Press, 1968.

J. L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981, p. 49.

WCEFA. Conférence mondiale sur l'éducation pour tous, 5-9 mars 1990, Jomtien, Thaïlande, Déclaration mondiale sur l'éducation pour tous, New York, 1990, Unicef, p. 5.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: PORTA NA CARA


Técnica complementar à precedente, a "porta na cara" consiste em apresentar, de início, um pedido exorbitante, que naturalmente será recusado, depois do que se formula um segundo pedido, então aceitável. Em uma experiência clássica, Cialdini et al. solicitaram a alguns estudantes que acompanhassem, por duas horas, um grupo de jovens delinquentes em visita ao zoológico. Formulada diretamente, essa solicitação obteve somente 16,7% de aceitação. Entretanto, colocando-se após um pedido exorbitante, a taxa elevou-se a 50%. Naturalmente, um "pé na porta" ou uma "porta na cara" podem ser úteis para se extorquir um ato custoso, o qual, por sua vez, consistirá em um ato aliciador, no caso de um próximo pé na porta. Com tal expediente, é possível obter comprometimentos cada vez mais significativos. Essa técnica de "bola de neve" é efetivamente aplicada.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 22-23


Obras  referidas:

R. B. Cialdine, J. E. Vicent, S. K. Catalan, D. Wheeler, B. L. Darby, Reciprocal concessions procedure for inducing compliance: the door-in-the-face technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 31, nº 2, p. 206-215, 1975.

domingo, 15 de abril de 2018

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: PÉ NA PORTA

Técnica do pé na porta
Freedman e Fraser, em 1966, trazem à luz um fenômeno conhecido como pé-na-porta. Tratemos brevemente de duas de suas experiências.

Com a primeira delas, se buscava conhecer, em função da maneira como era formulada a pergunta, o percentual de donas de casa dispostas a responder a uma enquete a respeito de seus hábitos de consumo. Estimando que tal enquete deveria ser longa e aborrecida, somente 22% aceitaram dela participar quando se lhes convidou a isso diretamente. Mas os autores, dirigindo-se a uma segunda amostragem, fizeram preceder à pergunta um processo preparatório bastante simples: três dias antes de formulá-la, telefonaram aos membros desse grupo, solicitando-lhes que respondessem a oito perguntas acerca de seus hábitos de consumo em matéria de produtos de limpeza. Quando, três dias mais tarde, se lhes pediu para que se submetessem à mesma enquete que fora feita com os membros da primeira amostragem, a taxa de aceitação elevou-se a 52%. Chama a atenção o fato de que um procedimento tão simples possua tamanho poder.

Portanto, o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso.

Noutra experiência, os mesmos autores dividiram igualmente os participantes em dois grupos. Os membros do primeiro não foram submetidos a qualquer preparação particular. Aos membros do segundo grupo foi solicitado que colassem (ato aliciador) um adesivo na janela. Pediu-se em seguida aos membros dos dois grupos que instalassem, cada qual em seu jardim, uma grande placa - que chegava a encobrir parcialmente a fachada da casa - a qual recomendava prudência aos motoristas. Enquanto o percentual de aceitação, no primeiro grupo, foi de apenas 16,7%, no segundo esse percentual atingiu a marca de 76%. Ainda, convém notar que, contrariamente à pesquisa anterior, nesta, as duas experiências foram conduzidas por duas pessoas diferentes.

E não é só isso. A enorme disparidade entre esses percentuais, citados logo acima, foi obtida nos casos em que o adesivo também exortava os motoristas à prudência. A atitude era a mesma (ser favorável a uma conduta mais prudente), tanto no ato aliciador (fixar um adesivo) quanto ao ato custoso (instalar em seu jardim um placa sem graça). Acontece que, mesmo que essa condição não seja atendida, podem-se obter resultados bastantes significativos. Convidando um terceiro grupo, não para colar adesivos que recomendassem uma conduta prudente, mas para assinar uma petição para manter bela a Califórnia, os autores obtiveram uma taxa de aceitação de 47,4% contra - notemos esse valor - 16,7%, quando a demanda não foi precedida de nenhum ato aliciador. Nesse protocolo experimental, a atitude referente a esse ato aliciador (ser favorável à preservação da qualidade ambiental) já não é a mesma relacionada ao ato custoso (estimular uma conduta mais prudente). Da mesma forma, a natureza de um e de outro ato, nesse caso, diferem: assinar uma petição redigida por um terceiro, comportamento pouco ativo e, de certa forma, anônimo, não pode ser comparado ao fixar-se, no próprio jardim, uma placa de grandes dimensões, comportamento ativo e personalizado. Assim, favorecer as diversas associações e organizações não governamentais coloca a população no papel - ilusório - de ator e modifica suas atitudes, levando-a, em seguida, a empreender atos cada vez mais custosos.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 21-22

Obras referidas:

Freedman, J. L., Fraser, S. C. Compliance without pressure: the foot-in-the-door technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 4, nº2, p. 195-202, 1966.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: NORMAS DE GRUPO


A célebre experiência de Sherif sobre o efeito autocinético evidencia a influência exercida por um grupo sobre a formação das normas e atitudes de seus membros. A experiência desenrola-se assim: tendo-se instalado um indivíduo, sozinho, em uma sala escura, pede-se-lhe que descreva os movimentos de uma pequena fonte luminosa, a qual, na verdade, acha-se imóvel. O sujeito, não encontrando nenhum ponto de referência, logo começa a perceber movimentos erráticos (efeito autocinético). Após algum tempo, passa a considerar que a amplitude dos movimentos oscila em torno de um valor médio, que varia de indivíduo para indivíduo. Se, ao contrário, a experiência é realizada com vários indivíduos observando a mesma fonte luminosa e partilhando entre si suas observações, surge logo uma norma de grupo à qual todos se conformam. No caso de, posteriormente, um indivíduo ser deixado só, ele permanece, ainda assim, conformado àquela norma de grupo. Tendo-se repetido a experiência, propondo agora ao sujeito outras questões ambíguas (estimativas de temperatura, julgamento estéticos etc.), constatou-se que, quanto mais difícil era formular um julgamento objetivo, mais estreita se fazia a conformidade à norma de grupo.

Sherif generaliza esses resultados até "o estabelecimento de normas sociais, como os estereótipos, as modas, as convenções, os costumes e os valores". Interrogando-se sobre a possibilidade de "fazer com que o sujeito adote [...] uma norma prescrita, ditada por influência de um companheiro prestigioso (um universitário), e logra obter que o sujeito ingênuo modifique sua norma e a substitua por aquela do companheiro de mais prestígio.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 20-21


Obras referidas:

M. Sherif, Influences du groupe sur la formation des normes et des attitudes. In: C. Faucheux, S. Moscovici (eds.). Psychologie sociale théorique et expérimentale, Mouton Editeur, Paris, 1971, p. 207-226.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: O CONFORMISMO



A tendência ao conformismo foi estudada por Asch, em sua célebre experiência. Ao sujeito avaliado, apresenta-se uma linha traçada sobre uma folha, além dela, três outras linhas de comprimentos diversos. Em seguida, se lhe pede para apontar, entre essas três linhas, aquela cuja medida é igual à da linha-padrão. Por exemplo: esta última mede quatro polegadas, enquanto as linhas que devem ser a ela comparadas medem, cada qual, três, cinco e quatro polegadas. À experiência estão presentes indivíduos associados ao pesquisador, que devem igualmente responder à questão. Estes, cujo papel real na experiência é ignorado pelo avaliado, dão, nos ensaios válidos, a mesma resposta errônea, combinada anteriormente à experiência. O indivíduo testado tem duas alternativas: ou dar uma resposta errônea ou se opor à opinião unânime do grupo. A experiência é repetida diversas vezes, com diferentes linhas-padrão e linhas para comparar. Há ocasiões em que os colaboradores respondem de modo correto (ensaios neutros). Aproximadamente três quartos dos indivíduos realmente avaliados deixam-se influenciar nos ensaios válidos, dando uma ou várias respostas errôneas. Assim, 32% das respostas dadas são errôneas, mesmo que a questão não ofereça, naturalmente, qualquer dificuldade. Na ausência de pressões, o percentual de respostas corretas chega a 92%. Verifica-se também que os indivíduos conformistas, interrogados após a experiência, depositaram sua confiança na maioria, decidindo-se pelo parecer desta, apesar da evidência perceptiva. Sua motivação principal está na falta de confiança em si e em seu próprio julgamento. Outros conformaram-se à opinião do grupo para não parecer inferiores ou diferentes. Eles não têm consciência de seu comportamento. Assim, a percepção de uma pequena minoria de sujeitos avaliados foi modificada: seus membros enxergaram as linhas tais como a maioria as descreveu. Lembremos que o indivíduo não sofria qualquer sanção caso errasse ao responder, da mesma forma que, na experiência de Milgram, ninguém se iria opor a quem desejasse abortar a experiência.

Convém notar que, se um dos colaboradores dá a resposta correta, o indivíduo avaliado então se sente liberto da pressão psicológica do grupo e dá, igualmente, a resposta correta, resultado que ilustra bem o papel dos grupos minoritários. A realidade social, contudo, é para estes bem menos favorável, uma vez que as pressões ou sanções são aí muito intensas.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p.18-19


Obras referidas:

S. E. Asch, Influence interpersonnelle, Les effets de la pression de groupe sur la modification et la distorcion des jugements, In: C. Faucheux, S. Moscovici (eds.). Psychologie sociale théorique et expérimentale, Mouton Editeur, Paris, 1971, p. 235-245.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: A SUBMISSÃO À AUTORIDADE



"Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram produzidas em numerosos países. Os resultados abtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, naturalmente o status real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer relação com a organização da experiência. As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que acredita o professor - este é quem recebe, no início do experimento, uma descarga de 45 volts, para "assegurar-se de que o gerador funciona". As reações que o colaborador deve simular estritamente codificadas: a 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um grito de agonia, depois do qual se cala completamente. É assegurado ao professor que os choques são dolorosos mas não deixam sequelas. O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu termo, tratando de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor, o pesquisador lhe responde: "Queira continuar, por favor"; na segunda vez: "A experiência exige que você continue"; na terceira vez: "É absolutamente essencial que você continue"; na quarta e última vez: "Você não tem escolha. Deve continuar". Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a experiência é encerrada.




O resultado da experiência é espantoso: mais de 60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que estão realmente administrando correntes de 450 volts. Em alguns países a taxa chega a alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão psicológica mas seguem, não obstante, até o fim.

Há algo, porém, ainda mais inquietante. No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras enquanto as descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: "Esta é talvez a lição fundamental de nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição terrível".

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os professores devam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível.

A autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o colaborador pede que o pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta deter a experiência ou denunciar o pesquisador. A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda do que aquilo que os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente aceitável.

Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que permitem modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida, que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática."

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p.13-18

Obras  referidas:

D. Winn. The Manipulated Mind. London, The Octagon press, 1984.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Petit traité de manípulation à l'usage des honnêtes gens. Grenoble. Presses universitaires de Grenoble, 1987.

S. Milgram, Soumission à l'autorité, Paris, Calmann-Lévy, 1974.

S. Milgram, Obecience to Authority, New Yory, Harper & Row, 1974. Citado por Winn, Op. cit., p. 47.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Ensinar e Aprender numa Perspectiva Socrática

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Sumário: Introdução. I – Novos tempos, problemas velhos. O novo paradigma educacional que torna o aluno o sujeito de sua educação. O problema da aprendizagem. II – Aprender para quê? Para conhecer-te a ti mesmo! Conclusão – A nova tendência educacional implica postura maiêutica. Bibliografia.

Resumo: O artigo estuda a nova tendência da pedagogia que privilegia o aprendizado do aluno e a velha orientação originada no pensamento socrático a respeito da importância da descoberta da dimensão ética para aquisição do saber da virtude que orienta o cidadão na busca do bem social e conclui-se demonstrando que a nova pedagogia é um misto de ensino e aprendizagem, de descoberta interior e exterior.

Palavras-chave: Ensinar – Aprender – Sócrates – Maiêutica – Democracia – Direito.


Introdução.


Adotaremos como marcos teóricos do presente texto as obras O professor universitário em aula de Abreu e Masetto e Sócrates, Platão, Aristóteles de Jean Brun.

Travaremos contato com nascentes paradigmas educacionais a respeito do ensino, nos confrontaremos com velhas verdades filosóficas, demonstrando-se, ao fim, a suma importância do tema para a manutenção da Democracia e do Estado de Direito.


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I – Novos tempos, problemas velhos

O novo paradigma educacional que torna o aluno o sujeito de sua educação

O problema da aprendizagem.


Maria Célia de Abreu e Marcos Tarciso Masetto (1997) afirmam que o enfoque educacional que deve pautar a atividade docente está no problema da aprendizagem, pois o aluno é o centro do mundo acadêmico.

Esta ênfase deve utilizar o ensino, que tradicionalmente privilegia a figura do professor, somente como atividade meio, para que se insira o aluno não só como um bom profissional no mercado, mas, precipuamente, invista-se na sua formação sob uma perspectiva educacional humanística (ABREU E MASETTO, 1997, p. 07), que forme cidadãos aptos a assumir suas responsabilidades individuais e sociais.

Segundo esta perspectiva de "privilegiar a aprendizagem de seus alunos sobre o ensino de seus professores" referidos autores prescrevem um método de ensino que torne o aluno no sujeito de sua educação, tornando-se o professor o meio, o instrumento, o objeto que possibilitará o desenvolvimento ativo do educando, e, apontam quatro tendências de aprendizagem, que devem orientar a atividade do educador, que são:

a) o "desenvolvimento mental" ( loc. cit. );

b) o "desenvolvimento da pessoa singular" ( op. cit. , p. 08);

c) o "desenvolvimento das relações sociais" ( loc. cit. ); e,

d) o "desenvolvimento da capacidade de decidir" ( loc. cit., p. 09).

Estas quatro tendências apontam para o desenvolvimento da pessoa que conhece, sabe para que serve o seu conhecimento, e, assim assume seus deveres e obrigações perante a sociedade política, e, quando é chamado a participar ativa e criativamente tem os instrumentos cognitivos, afetivos e técnicos, para protagonizar seu papel no teatro da vida.

Em síntese, o novo paradigma educacional propõe ao professor aprender a ser o guia de seu aluno, na atividade de descobrir conteúdos, relacioná-los à sua vida, e, se possível, fazer com que tais conhecimentos e habilidades retornem na forma de atuação social, ativa e responsável.

Exposto o estado da questão, relativo à proposta de um novo paradigma educacional que deve orientar a docência neste novo milênio, coloca-se, perante nós, o mais velho problema pedagógico, aflição de cada educador que se importa com a resposta do problema fundamental da educação, que Abreu e Masetto sintetizam na seguinte formulação: "aprender para quê?" (1997, p. 07).


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II – Aprender para quê?

Para conhecer-te a ti mesmo!


Vivemos tempos em que sopram ventos democráticos, em que há franca expansão das necessidades e responsabilidades, e, em que há número crescente de atores penetrando no palco da vida social.

Qualquer sociedade em que haja a necessidade crescente de tomadas de posições mais ativas, em que a liberdade de ação é regra e não exceção, em tais sociedades o patrimônio da informação, do conhecimento e das habilidades para aplicá-los torna-se um imperativo para a definição dos papéis principais e secundários.

Há, presentemente, uma forte tendência à valorização de operadores simbólicos, isto é, de indivíduos capazes de ultrapassar a mera habilidade técnica e que saibam atuar com criatividade suficiente para constantemente produzir adaptações, atualizações e inovações que antecipem ou respondam ao dinamismo da sociedade.

Em situações históricas como acima descritas o conhecimento torna-se a moeda fundamental para a inserção o homem em seu meio, e, tal como hoje, este contexto se manifestou na Idade Clássica, mais precisamente, na Grécia, aos tempos de Péricles, por volta do séc. V a. C..

Tempos de vigor da nascente e triunfante democracia grega, que incentivaram a formação de uma nova espécie de professores, que ensinavam como fazer do discurso forte um discurso fraco e do discurso fraco um discurso forte. Sofistas, professores de retórica e de conhecimentos gerais, portadores dos conhecimentos e das técnicas para o progresso na vida política e social de então.

A dinâmica do discurso democrático implica num crescente antropocentrismo, que induz ao egocentrismo e ao individualismo exagerados, estimuladores duma auto-suficiência que tem já dentro de si o gérmen da destruição da liberdade tão duramente conquistada, exemplo desta postura é o fragmento de Protágoras em que este sofista declara: "O homem é a medida de todas as coisas, das que existem e das que estão na sua natureza, das que não existem e da explicação da sua inexistência" (GOMES, 1994, p. 216).

Ao se afirmar que o homem é a medida de tudo, seu desejo puro e simples passa a ser o critério de avaliação de seus anseios, e, se necessário for, determinado homem, portador de suficiente ambição política, em busca do poder, poderá raciocinar junto com o sofista Trasímaco que afirmava "o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte" (338c) (PLATÃO, 1976, p. 12).

Diante do dilema fundamental da democracia, que é ser potencialmente o fermento da tirania, ergueu-se Sócrates (470-399 a. C.) para guiar o cidadão para além das aparências da política, para o caminho da descoberta do conhecimento interior, mediante o método do diálogo maiêutico, que objetiva discutir os próprios fundamentos dos conhecimentos vendidos a peso de ouro.

Revelou-se com isso a dimensão ética do saber e da sua fundamental importância na assunção da responsabilidade social inerente à obediência voluntária aos mandamentos da ordem social democraticamente constituída e sustentada, que possibilitam a convivência, despertou-se a profunda consciência para a percepção do que é a virtude e para o quê ela serve, criar um ambiente regido pela justiça.

Jean Brun (1994, p. 79) constata que para Sócrates a virtude é um saber que principia pelo autoconhecimento, é a ação que implica num discernimento refletido em que se distingue o desejo e a vontade.

Neste diapasão a vontade é a apreciação subjetiva com valor verdadeiro, como opinião individual com conhecimento motivado, ou seja, a episteme ou conhecimento refletido, fruto do debate dialético racionalmente concatenado.

Enquanto o desejo é a opinião sem outra motivação além do desejo, isto é, doxa ou simples opinião sem reflexão, nosso famoso achaísmo .

Nesta distinção podemos distinguir o conceito do preconceito, este objeto de simples, imediata e parcial cognição, aquele construído pela reflexão.

Segundo a perspectiva socrática devemos compreender que: "O saber que a virtude implica é um saber que não se adquire como o conhecimento da gramática, ele implica todo um trabalho de conversão interior que ninguém pode fazer por nós, mas de que o filósofo pode fazer-nos descobrir a urgente necessidade" (Brun, 1994, p. 79).


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Conclusão


A nova tendência educacional implica numa postura maiêutica

Eis que é chegada a oportunidade em que devemos concluir. Até este momento pudemos perceber que existe uma forte percepção entre os estudiosos da arte de lecionar que vivemos um período histórico em que necessidades sociais e individuais devem ser harmonizadas, sob pena de os excessos cometidos em nome de tais necessidades ocasionarem restrições crescentes às liberdades públicas e individuais, em razão da carência educacional do cidadão para a democracia, fazendo-se necessário, portanto, um novo paradigma educacional para sanar tal carência.

A solução proposta para evitar a derrocada da democracia, e possibilitar seu constante aperfeiçoamento, está em se estimular o aluno a se tornar um agente com capacidade de discernir seus conhecimentos e aplicá-los com fins de melhorar sua vida e pensar no bem comum de forma ampla, e, por fim, de ter uma postura ativa e interessada na conformação de seu meio social mediante ações e decisões refletidas em princípios condutores do ideal de justiça.

A maior dificuldade para que tais desideratos se consumam pode ser sintetizada num aforismo do médico cético Sexto Empírico que viveu no séc. III d. C., formulador do problema das relações mestre e discípulo nos seguintes termos: "ou a matéria a ensinar é clara e neste caso ela não tem necessidade de ser ensinada, ou é obscura e neste caso não pode ser ensinada" (BRUN, 1994, p. 49).

Ora, como observamos acima a virtude, que é o desejo de fazer o bem, individual e social, não é algo que se ensine, mas que se desperta, é algo que pode ser objeto de uma descoberta interior.

Nesta perspectiva, ao analisarmos as quatro tendências expostas acima, podemos observar que a terceira e a quarta tendências são posturas que respondem ao "aprender para quê?", enquanto que a primeira e a segunda tendências indicam "o quê aprender?".

O ato cognitivo de aprender e de incorporar à personalidade tais saberes são precípuos objetos de ensino, pois dizem respeito a conhecimentos e habilidades, ficando a aprendizagem para a capacidade de orientar tais conhecimentos e habilidades num sentido de atender às necessidades e anseios da sociedade, possibilitando a tomada de decisões.

O aluno é o agente fundamental e o professor é seu guia, que deve agir tal como Sócrates que afirmava nada saber e que se autodenominava um parteiro de idéias.

Com o método maiêutico incentiva-se ao aprendizado mediante a proficuidade do diálogo, pois: "O mestre não sabe mais do que o discípulo, ele procura como ele e com ele. O diálogo não é um processo exterior e acidental de inquérito e exposição; é a expressão essencial do esforço em comum para soltar a verdade interior aos espíritos" (BRUN, 1994, p. 51).

Sopesando-se os dados expostos e raciocínios expendidos acima, constataremos que os referidos paradigmas são novos a mais de dois milênios, e esta novidade é mescla de conhecimento exterior, cognição e habilitação com conhecimento interior, reflexão e decisão, elementos que devem penetrar no cerne da nova pedagogia que pretende evitar velhos erros, e, com isso, defender nossas liberdades públicas e individuais, possibilitando-se a permanência da experiência política democrática, e do Estado de Direito que lhe dá suporte jurídico, pois a lei é refém da opinião, e, opinião irrefletida produz tirania.

Bibliografia:

GOMES, Pinharanda. Filosofia grega pré-socrática , 4a ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1994.

ABREU, Maria Célia de; MASETTO, Marcos Tarciso. O professor universitário em aula, 11a ed., São Paulo: MG Ed. Associados, 1997.

BRUN, Jean. Sócrates, platão, Aristóteles , tradução de Carlos Pitta, Filipe Jarro, Liz da Silva . Lisboa: Dom Quixote,1994.

PLATÃO. República , Coleção Amazônia, Série Farias Brito, tradução de Carlos Alberto Nunes, Belém: Universidade Federal do Pará, 1976.

Texto confeccionado por
(1)Werner Nabiça Coelho

Atuações e qualificações
(1)Advogado. Especialista em Direito Tributário e Professor da Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ.


COELHO, Werner Nabiça. Ensinar e Aprender numa Perspectiva Socrática. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 20 de mar. de 2006.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2512/ensinar_e_aprender_numa_perspectiva_socratica >. Acesso em: 22 de abr. de 2016.

COÊLHO, Werner Nabiça . Ensinar e aprender numa perspectiva socrática. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade da Amazônia , v. 1, p. 115-122, 2007.