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sábado, 19 de agosto de 2017

UMA DISTINÇÃO ENTRE OS NÍVEIS DOS DISCURSOS


Uma breve distinção entre os níveis da linguagem na Teoria dos Quatro Discursos de Olavo de Carvalho.

O nível poético da linguagem é o mais concreto, no sentido de percepção direta da realidade em seu caráter simbólico.

O nível retórico é a introdução da subjetividade da doxa, onde alguém pretende que sua opinião prevaleça.

O nível dialético é o embate entre doxas divergentes, na busca de veracidade passível de demonstração racional.

Veja-se que o problema é que a veracidade racionalizadora está em potência desde o nível poético, ela é possível de muitas formas, quantas forem as possibilidades interpretativas, é o reino das possibilidades criativas.

No nível retórico há um fator político de imposição de idéias com base na verossimilhança do argumento.

Quando uma idéia passa pela depuração da disputa dialética, que se propõe eliminar incongruências e inconsistências do discurso, processam-se as descobertas das verdades que serão utilizadas pela lógica.

A lógica por sua vez é somente um nível da linguagem na qual já se está na posse de verdades científicas, e com base nessas conquistas alcançadas nas etapas anteriores.

Na linguagem lógica se estabelece um tipo de reducionismo, pois do reino do possível presente na poética passou-se para do verossímil, e deste para o verídico racional extraído da dialética, num processo constante de precisão da linguagem, o que diminui a abrangência do símbolo, tanto que a lógica é a fonte da matemática em seu processo silogístico.

Portanto, não pode o menos (a lógica) gerar o mais (o símbolo).

O símbolo é uma realidade ontológica e a linguagem é uma realidade epistemológica, sendo a lógica uma linguagem técnica e científica de verificação de validade silogística de certas realidades passíveis de tal avaliação em abstrato.

Werner Nabiça Coêlho - 19/08/2017

SENTIMENTOS, EMOÇÕES E LINGUAGEM


Ao se adotar um foco relativo à etiologia da linguagem é possível detectar que em animais superiores o sentimento é manifestação da primeira linguagem codificada seja em gestos, expressões faciais ou corporais, sons musicais ou de ênfase como rosnados.

A humanidade necessitou erigir o verbo em meio aos gritos com base na harmonia dos símbolos, que inicialmente surgiram de uma progressiva harmonização dos sentimentos em emoções, estruturas de linguagem sentimental possuidoras de conteúdo comunicacional mais consistente e expressiva de um estado psicológico específico.

A conversão da reação do sentimento cego na estabilidade das emoções significativas, simbolizadas por nomes próprios, foi o fruto da repetição de rituais religiosos originados das crises miméticas, que operaram o progressivo nascimento dos símbolos diferenciadores da cultura.


Cabe aqui esclarecer que a chave da teoria mimética de René Girard é fundada na criação do bode expiatório, uma vítima sacrificada pela violência sagrada, originada na violência caracterizada pela espiral da vingança que eventualmente domina a comunidade quando os processos miméticos fogem do controle.


O sacrifício do bode expiatório, fenômeno que ocorre dentro do mecanismo mimético, contém o processo da violência sem fim, assim, o ato sacrificial origina o rito, que é a reprodução dessa violência sagrada mantenedora da paz social, em contraponto à violência profana e irracional na qual os sentimentos são inominados e indiferenciados.

Neste sentido, o temor ao sagrado é um mecanismo que origina a linguagem, e explica como somos capazes de racionalizar o temor em amor, pois o próprio fato de atribuirmos nomes às emoções e aos sentimentos implica na criação de símbolos, imagens, referências, diferenciações.

A conversão de reações sentimentais em emoções racionalizadas é uma técnica de sobrevivência da espécie humana que possibilita o controle da violência humana e social.

Daí a criação de emoções e o ato nominá-las ser um tipo de racionalidade com foco na necessidade de sobrevivência, um exemplo misterioso, e já bem vulgarizado no senso comum, é o processo descrito como "Síndrome de Estocolmo", em que a vítima converte o temor ao algoz em respeito à autoridade, ou mesmo em amor ao tirano, por isso que ditaduras e totalitarismos são tão longevos, pois o medo é uma emoção que conforma o verbo "obedecer", e, da mesma forma,  em sociedades republicanas e/ou democráticas, o amor funda a caridade e a autonomia de pessoas livres por meio do senso de responsabilidade.

Werner Nabiça Coêlho - 19/08/2017

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

MINHA DEFINIÇÃO DE DIREITA POLÍTICA



Observe-se que a luta não é pela "direita", mas, sim, pela preservação de instituições e valores morais que permitem uma vida livre.

O homem em sua infância nasce com o conhecimento natural do mal, da luta pela sobrevivência material, e é necessário se buscar a maturidade, um fruto da elevação na vida da inteligência, na luta pela eternidade.

Ser de direita é uma postura "cultural" e "antropológica", somos povos ameaçados de extinção física mesmo, o que implica assumir uma postura "ambientalista", pois queremos preservar nossas condições básicas de vida, propriedade e liberdade.

O indivíduo ao defender-se do coletivismo da esquerda deve criar uma "práxis" de preservação da espécie humana em seus anseios mais básicos e de perduração.

Algo fácil de se constatar, ao se estudar fatos históricos, e da observação dos fatos políticos recentes, que  esquerda não está nem aí para a coerência de idéias, o que importa é a "práxis marxista", cujo objetivo final é tomada do poder social absoluto.

A direita brasileira é incipiente e está perdida em meio a visões do paraíso ideológico libertário, por pura e simples contaminação das esquerdas, o primeiro passo é afirmar que não se precisa de uma ideologia para viver, danem-se os seguidores do Cazuza.

Devemos recuperar a realidade do mérito, do valor de alcançar um objetivo por meio do esforço do exercício e/ou treino, que no caso do conhecimento é fruto do auto-estudo.

A auto-educação é a dedicação de quem tem predisposição e persistência, de estudar por conta própria, e, assim, alcançar seus objetivos educacionais, por outro lado, o reconhecimento social e financeiro é outro departamento, afinal, não se estuda para enriquecer financeiramente (apesar de ser um lugar comum para o brasileiro), isso é o mais tosco materialismo dinheirista (esta é outra expressão muito usada pelo Olavo de Carvalho).

Elevar o espírito é o mérito do estudo, acontece que pessoas bem formadas acabam virando líderes, cientistas, empreendedores, bons funcionários, etc.

O estudo é fundamental para preparar a luta de quem está contra a esquerda em defesa das verdades consagradas pela experiência, tradição, família, ciência, e, em última análise, pela eternidade.

Nossa responsabilidade pessoal se espraia ao passado e se lança ao futuro, mas, sobretudo, é uma luta pela salvação da própria alma, e, quem sabe, servir de exemplo para outras.

O que é ser não-ideológico? 

É buscar a verdade! 

Como fazê-lo? 

Precisamos estudar história, contemplar a arte, viver a religião, mas, para gostos mais filosóficos, recomendo o enfrentamento do argumento etiológico, ou estudo das origens e das causas, são todos caminhos que nos conduzem a Deus, o Logos da Última e da Primeira Verdade.

Quem luta pela ideia de "direita" é aliado da esquerda, pois é só mais uma palavra polissêmica, cujo sentido é variável, e quando representa uma "ideologia de direita" torna-se, assim, mais um braço da esquerda.

Ao cidadão que enfrenta o embate pela defesa da civilização para conservar desde a própria vida até os valores mais elevados da religião, da arte e da cultura herdada de seus antepassados, costuma-se distinguir da esquerda... com o termo "direita".

Para ser de direita, num dado contexto histórico, basta estar na necessidade de agir segundo o instinto de autopreservação, o que se convencionou denominar, na era pós-revolução de 1789, de "conservador", em oposição ao "liberal", o revolucionário que precedeu o "socialista".

Logo, ser de direita é ser não ideológico!

O fato de assumir posições de direita decorre de uma reação à invasão de bárbaros do pensamento e da ação social deletéria da esquerda.

Quid iustum? (Que é direita?)

Direita é uma definição negativa em relação ao que é ser de esquerda.

Direita é uma posição relativa, até a esquerda política tem sua "direita".

O meta-capitalismo (expressão criada por Olavo de Carvalho) é a suprema burguesia aliada ao estado totalitário, como já ocorre na China, o paraíso das elites comunistas e econômicas, a esquerda consuma-se nesta vil aliança político-econômica.

Neo-conservadorismo é coisa de americano, brasileiro quando quer conservar alguma coisa de sua tradição ancestral torna-se católico, ou ao menos um zeloso estudioso da história desta nação, desde a conquista romana da velha Ibéria lusitana.

Por fim, no sentido mais elevado da ideia de "direita", a única direita pela qual vale à pena lutar é aquela posição ocupada pelos que estão à direita de Nosso Senhor Jesus Cristo, o resto é tudo gente que acredita em ideologias baratas, que negam a sacralidade da vida humana em algum nível.

Werner Nabiça Coêlho - 17/08/2017


terça-feira, 28 de março de 2017

A SUBMISSÃO DO ATEU INTELECTUAL OCIDENTAL

A Disputa (ou Discussão) sobre o Santíssimo Sacramento de Rafael


Outro dia um amigo solicitou-me o empréstimo do livro "Eu via satanás cair do céu como uma raio" de René Girard, publicado em 1999, e, enquanto hesitava no ato de dar cumprimento ao compromisso, folheei as páginas como quem se despede de um livro muito querido, por não saber se o empréstimo teria bom termo, mas, promessa pronunciada deve ser cumprida, ocasião em que dei de cara com o anúncio da religião como espécie em extinção, naquela véspera do milênio cristão, na qual Girard assim se expressou:


"Lenta mas irresistivelmente no planeta inteiro, esmaece o domínio do religioso. Entre as espécies vivas, cuja sobrevivência o nosso mundo ameaça, é preciso contar as religiões. As mais pequenas estão mortas desde há muito tempo, as maiores passam por um momento menos bom do que aquilo que se diz, mesmo o indomável islão, mesmo o inumerável induísmo." (René Girard, Eu via satanás cair do céu como uma raio, Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 11)


Como a memória é uma coisa traiçoeira lembrei de um livro velho e empoeirado, na qual a Revista Veja comemorava seus primeiros 25 anos, em que foi publicado o célebre artigo "Choque do Futuro" de Samuel Huntington.


Huntington já lançara os olhos para a realidade objetiva do "choque de civilizações", e recomendava "compreensão muito mais profunda dos pressupostos religiosos e filosóficos que formam o alicerce das outras civilizações":


"A fonte fundamental de conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As grandes divisões na humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem cultural. As nações-Estados continuarão a ser os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do futuro." (Samuel Huntington, Choque do Futuro,in Veja 25 anos: reflexões para o futuro, São Paulo: Editora Abril, 1993, p. 135)


"[...]Será preciso, então, que o Ocidente desenvolva um compreensão muito mais profunda dos pressupostos religiosos e filosóficos que formam o alicerce das outras civilizações, bem como das maneiras como as pessoas daquelas civilizações vêem seus próprios interesses. Será necessário, ainda, um esforço para  identificar elementos comuns entre a civilização ocidental e as demais. No futuro próximo, não haverá uma civilização universal, mas um mundo de diferentes civilizações, e cada qual precisará aprender a coexistir com outras  (Idem, p. 146-7)


Como acabara de ler "Submissão" de Michel Houellebecq, que retrata a rendição da Europa ao islã, cito um dos mais significativos momentos em que é descrita a conversão de um intelectual:


"'Essa Europa que estava no auge da civilização humana realmente se suicidou, no espaço de alguns decênio", continuou Rediger com tristeza; ele não tinha acendido a luz, a sala só estava iluminada pelo abajur que havia em sua mesa. "Houve em toda a Europa os movimentos anarquistas e niilistas, o apelo à violência, a negação de qualquer lei moral. E depois, alguns anos mais tarde, tudo terminou por essa loucura injustificável da Primeira Guerra Mundial. Freud não se enganou, Thomas Mann também não: se a França e a Alemanha, as duas nações mais avançadas, mais civilizadas do mundo, eram capazes de se entregar a essa carnificina insensata, então era porque a Europa estava morta. Portanto, passei aquela última noirte no Métrople, até seu fechamento. Voltei para casa a pé, atravessando a metade de Bruxelas, margeando o bairro das instituições europeias - essa fortaleza lúgubre, cercada de casebres. No dia seguinte fui ver um imã em Zaventem. E no outro dia - segunda-feira de Páscoa - , em presença de umas dez testemunhas, pronunciei a fórmula ritual da conversão ao islã"' (Michel Houellebecq, Submissão, Objetiva, 2015, p. 217)


A conversão do personagem Rediger ao islamismo é rica em símbolos sobre o triunfo do ateísmo militante, do anarquismo e do niilismo, refere-se a Freud e Mann e suas conclusões sobre a morte da Europa, e, na parte final descreve-se a saída de um restaurante chamado "Métropole" após seu fechamento, o que induz ao sentido da percepção da morte da civilização ocidental, seguido pela caminhada de um homem perdido interiormente pelas ruas da capital europeia, entre prédios governamentais grandiosos e "casebres", e, ao fim, relata-se uma conversão religiosa formal, que de forma muito significativa se dá em plena segunda-feira da Páscoa.


Num único parágrafo Houellebecq descreve a negação da história, da literatura, da filosofia e do cristianismo ocidentais como pressupostos nos caminho da conversão islâmica.


Houellebecq cria imaginativamente um enredo possível daquilo que Huntington descreveu, e tal estado de coisas afasta para o limbo das teorias obsoletas a descrição de Girard sobre o fim do domínio religioso, esta dominância jamais acabará, pois a civilização é a consequência e não causa da realidade da religião, para finalizar cito alguns trechos do artigo "Adeus mundo ateu", de Olavo de Carvalho, que em 2007 já antecipara o conteúdo intelectual da obra literária "Submissão":


Todas as civilizações nasceram de surtos religiosos originários. Jamais existiu uma “civilização laica”. Longo tempo decorrido da fundação das civilizações, nada impede que alguns valores e símbolos sejam separados abstrativamente das suas origens e se tornem, na prática, forças educativas relativamente independentes.


Digo “relativamente” porque, qualquer que seja o caso, seu prestígio e em última análise seu sentido continuarão devedores da tradição religiosa e não sobrevivem por muito tempo quando ela desaparece da sociedade em torno. Toda “moral laica” não é senão um recorte operado em códigos morais religiosos anteriores.


[...]


O presente estado de coisas nos países que se desprenderam mais integralmente de suas raízes judaico-cristãs está demonstrando com evidência máxima que a pretensa “civilização leiga” nunca existiu nem pode existir.


Ela durou apenas umas décadas, jamais conseguiu extirpar totalmente a religião da vida pública, malgrado todos os expedientes repressivos que usou contra ela e, no fim das contas, sua breve existência foi apenas uma interface entre duas civilizações religiosas: a Europa cristã moribunda e a nascente Europa islâmica. (Olavo de Carvalho, Adeus mundo ateu, 03 de março de 2007)

Referências:

Michel Houellebecq, Submissão, Objetiva, 2015

René Girard, Eu via satanás cair do céu como uma raio, Lisboa: Instituto Piaget, 1999

Samuel Huntington, Choque do Futuro,in Veja 25 anos: reflexões para o futuro, São Paulo: Editora Abril, 1993

Olavo de Carvalho, Adeus Mundo ateu, disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/adeus-mundo-ateu/

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

REFLEXÕES SOBRE A TEORIA MIMÉTICA DE RENÉ GIRARD



O ponto que me proponho a discutir é justamente o conceito de racionalidade precipitado pelo cartesianismo, pois o fato de existir uma razão matematizante não exclui que o fenômeno da racionalidade inclua outras manifestações racionais.


Vou exemplificar com minha curiosidade relativa ao problema da origem da linguagem, pois não existe qualquer forma de o método cartesiano explicar o fenômeno da linguagem em sua gênese, há necessidade de se definir a linguagem pré-verbal e sua evolução para a linguagem verbal.


Neste sentido há que se considerar que há a uma linguagem não-verbal atuando antes, durante e depois, e que tal linguagem não é mensurável de forma quantitativa, mas é um qualidade da comunicação ser mais ou menos intensa, e esta intensidade no nível linguístico não verbal é o fenômeno emocional, que não é mensurável numericamente, e antes de existir a linguagem falada houve a linguagem emocional.


O complexo processo de manifestação da interação social por meio das emoções que possibilitou através do mecanismo mimético o desencadeamento do fenômeno sócio-religioso do bode expiatório, e com o sacrifício primordial que ocorreu diversas vezes em diversas culturas que se obteve a condição de possibilidade para a criação da própria razão que se utiliza da linguagem como ferramenta de comunicação.


A repetição de ritos sacrificiais consolida paulatinamente a própria linguagem verbal, criam-se os mitos originadores das primeiras expressões verbais.


E assim justifico minha percepção de que a razão que mensura dentro do corte metodológico da razão matemática não é suficiente para explicar o próprio fenômeno da razão mesma.


Werner Nabiça Coêlho - 10/06/2016
 

 

 

O fato de não existirem livros religiosos em algum tempo pretérito não implica na inexistência de religião, pois esta existe desde sempre, ao ser considerado o conceito de tempo de existência do ser humano.


A comunicação não escrita, ou melhor dizendo, a comunicação oral, é uma das fontes primordiais do conhecimento religioso, mas não é o seu pressuposto, a própria fala foi criada e conformada pela religião.


O marco teórico presente na teoria mimética, desenvolvida por René Girard é um adequado referencial explicativo para o fenômeno religioso, e, por tabela, serve para descrever a própria constituição da linguagem humana que necessitou transitar da fase pré-verbal para a expressão verbal.


Os dados que se originam da pesquisa mimética demonstram que foi a Religião que criou o homem, pois foi com o ritual religioso que se constituiu a própria fala.

 
Somente existiu a possibilidade do nascimento da cultura porque houve uma "evolução" da própria linguagem, em razão do fenômeno religioso primordial, resultado da "crise mimética", descrita pela antropologia girardiana.


Ocorre que as religiões arcaicas são essencialmente vitimárias e sacrificiais, e, neste ponto está a origem do conceito de pecado original, pois a sociedade foi erigida sobre uma montanha de vítimas sacrificadas.


A revelação cristã demonstrou que não podemos prosseguir nesse processo de sacrificar o próximo, pois revelou-se que a vítima é inocente, e Cristo é por isso a vítima perfeita, que causa a destruição das religiões arcaicas e seus mitos, pois os mitos mentem ao atribuir a culpa à vítima, e o Deus vivo revela que é mais sagrado poupar a vítima inocente, do que realizar o culto da violência.

 
Werner Nabiça Coêlho - 24/06/2016

 




O modelo mimético pode ser aplicado à chamada "síndrome de Estocolmo", considerando-se que esta é uma clara hipótese prática em que se manifesta uma das possíveis manifestações da relação entre a violência e o sagrado, em que se sacraliza a violência e a mesma transforma-se na linguagem dos mitos e em práticas rituais que podemos chamar de síndromes, ou outros apelidos modernos. 


Assim se estabelece um tipo de culto ao deus violento, que deve ser ritualisticamente homenageado, amado e temido, com fundamento na crise mimética desencadeada pela ação violenta do algoz.


Em suma, o instinto de sobrevivência procura razões para justificar a violência e racionalizar a submissão, como algo positivo, mesmo que injusto de fato e de direito.

 
Werner Nabiça Coêlho - 24/06/2016


 



René Girard converteu-se ao catolicismo quando constatou que a condição cultural que possibilitou a superação da violência mimética, que é o fundamento das religiões anteriores à boa nova cristã.


Foi justamente a paixão de Cristo que descortinou a falsidade dos mitos das religiões de até então, e revelou todo o mecanismo mimético, e essa revelação é considerada pelo Girard um verdadeiro milagre que não pode ser justificado pelos dados culturais somente, houve, sim, uma revelação, ou como diria o Wolfgang Smith houve uma causalidade vertical
 

Werner Nabiça Coêlho - 21/10/2016

 



O René Girard tem uma abordagem interessante sobre a origem das interdições sociais, e numa rápida síntese posso descrever que ele define que é necessário para a saúde da mente humana, e da sociedade em geral, que haja diferenciações e hierarquias, estruturas sociais que se consolidam mediante sucessivas crises miméticas.


São crises oriundas de situações na qual o risco da violência autodestruidora foram superadas, e uma dessas hipóteses é o sexo se tornar um evento intestino às relações familiares, essa hierarquia é tão severamente representada na mitologia grega, por exemplo, que Tróia precisou ser aniquilada para ser preservada a instituição do casamento, que dizer do incesto.

 
Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016


 



O que torna a hipótese mimética interessante é que a origem das interdições é necessariamente um processo antropológico, em seu sentido mais originário, é como que o processo de formação geológica que conforma os montes e vales da psique humana, das formas mais diversificadas possíveis mas sempre remetendo aos mesmos paradigmas que fornecem o esteio e os princípios para a hierarquia social, e, inclusive, pode ser que o incesto, de um ponto de vista ritual seja permitido, mas, somente para a classe de pessoas que serão possíveis bodes expiatórios, como o que ocorre com os Faraós.

 
Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016




 

As razões para a existência da crise mimética são um pouco mais profundas que a existência de um suposto conflito de um contra todos.


É como se fosse um processo, que quando dá certo cria uma válvula de escape para a violência social acumulada pelo processo de mediação interna, quando dá errado a comunidade entra em um processo de autodestruição mediante vinganças intermináveis.


A noção de horda é uma forma que a linguagem ordinária consegue descrever a própria crise mimética, como uma crise de indiferenciação, onde ninguém pode ser de ninguém e todos estão contra todos.


A solução da crise cria modelos de comportamento, que por sua vez são a origem das relações sociais que possibilitam a vida comunitária.


A teoria mimética demonstra que a solução de crises sociais nos primórdios da humanidade decorreu de inúmeros processos de criação de bodes expiatórios, que ora davam errado, e a sociedade desaparecia em meio ao caos social, ora davam certo, mediante o sacrifício de bodes expiatórios, e, assim, instituíam-se ritos e criavam-se mitos.


As vítimas eram normalmente elementos da sociedade que padeciam de algum defeito ou debilidade, ou mesmo uma característica de exceção, como ser um estrangeiro, que serviam de elementos catárticos para expulsar a violência profana, mediante a criação de uma violência sagrada, que passaria a ser ritualmente repetida, e, através de infindáveis repetições, assim, a própria cultura humana foi sedimentando-se.


Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016




 

Sem adentrar no modelo econômico de estrutura social, adoto o modelo antropológico de descrição da sociedade como o resultado de interação mimética. 


A gênese da cultura é fundamentalmente uma criação de hierarquias sociais fundadas na violência sagrada, que evolui paulatinamente para conformações mais brandas na qual a solução sacrificial migra para estruturas mais sofisticados. 


Segundo tal modelo inexiste sociedade sem hierarquia, e sem padrões fundados em modelos miméticos, que suplantam a mediação interna pela criação de mediações externas. 


Neste modelo antropológico o anarco-capitalismo é uma impossibilidade ontológica, em razão de estabelecer um pressuposto que impõe a destruição das hierarquias.


O modelo cristão é o mais impressionante padrão de supressão da violência, pois supera a crise mimética com o estabelecimento da racionalidade objetiva que distingue claramente o sacrificador e o sacrificado, e, portanto, é o portador dos padrões éticos que possibilitam a existência de uma sociedade capitalista bem regulada.

 
O anarco-capitalismo é uma proposta de (des)organização social inviável pois desencadeia a crise mimética.

 
Em síntese, a economia e sua prosperidade estão condicionados pela existência prévia de soluções de pacificação social, para permitir uma ordem legal e social capaz de proteger as trocas voluntárias, bem como impedir trocas involuntárias.

 
Werner Nabiça Coêlho - 25/02/2017

domingo, 5 de fevereiro de 2017

SOBRE A EPIDEMIA MUNDIAL DE SUICÍDIOS ENTRE JOVENS


A Organização Mundial da Saúde (OMS) descobriu que o suicídio mata mais jovens que o vírus da SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), dada esta constatação há uma percepção generalizada de que o mundo é uma bosta, e que os que têm um pouco de massa cinzenta se matam.

Discordo de tal opinião, pois a depressão do suicida tem mais relação com a perda de sentido da vida, vazio este que resulta do materialismo e do consumismo como eixos de orientação da vida contemporânea.

A vida não é só a matéria segunda, é sobretudo uma derivação do elemento espiritual, pois perdeu-se a percepção de que o sobrenatural é inerente à realidade do natural.

A visão negativa e suicida é uma boa síntese do pecado original, e da necessidade de redenção, temperada com um pouco de hedonismo, cuja tentação, se acaso não for vencida, pode danar a alma, pois se não podemos afirmar que o inferno existe, também não podemos afirmar que ele não seja real.

Nem sempre o fracasso é uma culpa exclusiva do suicida, alguns fracassos são projetados, para que a vítima não consiga encontrar a solução para enigma de seu sofrimento, neste momento é que o estudo e a reflexão, aliados à busca do autoconhecimento, ajudam a superar essa artimanha diabólica da cultura pós-moderna, que criou o argumento politicamente correto, ao arrepio do argumento simplesmente verdadeiro e grávido de sentido.

O Apóstolo Paulo, em sua Primeira Carta aos Coríntios, 14, 10-11, assim se refere quanto ao verdadeiro valor da linguagem

"No mundo existem não sei quantas espécies de linguagem, e não existe nada sem linguagem. Ora, se eu não conheço a força da linguagem, serei como estrangeiro para aquele que fala, e aquele que fala será um estrangeiro para mim"
 


A força da linguagem não está na polidez mas na eficácia, a linguagem é o princípio para a ação, boa linguagem implica em ações eficazes, e, uma das fontes da atual epidemia de suicidas está na criação de uma geração (des)educada no politicamente correto, que padece de força de expressão, e,  por isso, afunda-se na ineficácia do desespero da depressão.

Vivemos uma cultura fundada na mitologia da absoluta autonomia do ego, que resulta na autodestruição egocêntrica, e, na minha opinião descalça e nua, o remédio para esse mal está na busca da verdade religiosa e filosófica, preferencialmente ambas, mas cada uma destas buscas por si mesmas resultam nas únicas terapias eficazes, pois são meios de mirar corretamente no alvo do autoconhecimento que possibilita a autoconsciência, que por fim são os instrumentos para refinar a percepção objetiva do mundo e de sua beleza e bondade, com a reconquista da linguagem que possui a capacidade de comunicar verdades da vida, pois hoje a juventude é um estrangeiro em sua própria consciência.


Werner Nabiça Coêlho - 04.02.2017

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

RENÉ GIRARD: O RISO E AS LÁGRIMAS

Abaixo transcrevo uma passagem do artigo "Um equilíbrio perigoso", no qual René Girard tece considerações muito interessantes a respeito do papel do riso e do choro como elementos catárticos, tanto na tragédia como na comédia, e, como ambos são fenômenos fisiologicamente semelhantes, e, como, psicologicamente, cumprem o mesmo papel. 

"O esquema fundamental de um presunçoso vítima da sua presunção aparece constantemente. Mas se esta proximidade é real, porque é que os efeitos da tragédia são diferentes dos da comédia? 

Quando se assiste a uma tragédia, ou, mais geralmente, ao que se chama um "melodrama", podemos reagir derramando lágrimas - metafóricas ou mesmo reais. Com a comédia reage-se com o riso. O riso e as lágrimas opõem-se como dois contrários, duas emoções no mais alto grau distintas uma da outra.
 


Os dois são fenômenos físicos; neste plano a comparação é fácil. Revela bem depressa que a oposição entre o riso e as lágrimas é muito exagerada, ou antes, como para tantas oposições culturais, estabelecida a partir de uma base comum, o que se abandona geralmente quando prevalecem as considerações de gênero e de técnica literárias. Quando, fora do estreito contexto literário, se põe a pergunta: "O que é o riso?", é preciso descobrir esta base comum ainda escondida, sob pena de limitar o alcance da resposta.

 


Os fisiologistas dizem que a função normal das lágrimas é lubrificar os olhos. Mas deitam-se lágrimas mais abundantes que habitualmente, sobretudo em duas ocasiões. Em  primeiro lugar, quando acontecimentos considerados como "tristes", quer sejam reais ou representados, provocam este estado emocional de que acabámos de falar; depois, quando entra  para um olho um corpo estranho, um grão de pó, por exemplo, que irrita. Estas lágrimas, de ordem puramente física, têm como evidente função de afastar o intruso, expulsá-lo do órgão que ele insiste querer irritar. (p. 201)

Sabe-se que Aristóteles,  na sua Poética, empregava a palavra catarse para representar o efeito produzido pela tragédia nos espectadores. A palavra significa ao mesmo tempo purificação religiosa e purga médica. Uma medicina catártica purga o corpo de seus maus humores.
 
[...]
 
Quando o corpo humano reage a uma representação trágica com lágrimas, parece comportar-se segundo Aristóteles. Apesar de o olho não ter nenhum grão de pó para eliminar, funciona contudo como se tivesse que expulsar qualquer coisa. Deve existir, em qualquer lado no complexo alma/corpo, uma necessidade de expulsar, uma vez que dispomos desse órgão expulsivo. A objeção que as lágrimas não são feitas para isso é inaceitável. Porque o olho funciona metaforicamente. Face a uma necessidade do corpo, o corpo, muito frequentemente, reage como um todo; mobiliza diversos órgãos que, apesar de completamente inaptos para responderem à função pedida, não deixam de tentar trazer a sua ajuda. E pode acontecer que esta reacção aparentemente excessiva seja reveladora da natureza da necessidade em questão.


William James



Não é minha intenção voltar a William James e à sua teoria fisiológica. Não considero o corpo como origem da emoção mas, mais convencionalmente, como um acompanhamento, quase no sentido musical do termo. Assim como um solista, aqui invisível e inaudível, em todo o caso para nós, se acompanha ao piano, da mesma maneira o sentimento trágico se acompanha com lágrimas. (p. 201-2)
 
[...]
 
Para voltarmos agora ao rito, notar-se-á que as lágrimas fazem parte integrante dele. Trata-se de um detalhe que conta mas que se minimiza ou abandona muitas vezes. Porque queremos à viva força opor o riso e as lágrimas como dois contrários, somos levados a pôr o acento nos únicos aspectos do riso que parecem diferenciá-lo do choro. Mas aqui as considerações teóricas importam muito menos do que aquilo que se poderia chamar a praxis moderna do riso. O homem moderno ri constantemente quando não há razão para isso. O riso é a única forma socialmente aceite de cartase. Por conseguinte, todas as espécies de riso que não têm nada a ver com o riso são confundidas com ele: o riso de cortesia, o riso sofisticado, o riso mudano. Todos estes falsos risos aumentam muitas vezes a tensão que devem aliviar e, naturalmente, não se acompanham com manifestações autênticas e involuntárias como as lágrimas.

 
Fonte: http://www.institutodafelicidade.org.br/?pg=riso


Apesar dos sintomas físicos do riso se imitarem mais facilmente do que os das lágrimas, tornam-se também involuntários e reprimíveis quando se trata do verdadeiro riso. O corpo inteiro é agitado por convulsões; o ar é rapidamente expulso para fora das vias respiratórias graças aos movimentos reflexos análogos à tosse ou ao espirro. Todas estas manifestações têm a mesma função que as lágrimas visto que o corpo age como se tivesse qualquer coisa de concreto a expulsar. A única diferença é que um número maior de órgãos entra em jogo no riso.
 
O que se aproxima mais de um riso puramente natural e físico é sem dúvida a reacção do nosso corpo a uma sensação de cócegas. Analisada só em função da sua intensidade, esta reacção parece fora de proporção com a fraqueza do estímulo mas pode muito bem acontecer que corresponda à verdadeira natureza da ameaça não ainda identificada. Num contexto de hostilidade natural, poderia acontecer que uma ameaça de morte iminente, uma mordedura de cobra, por exemplo, não fosse precedido por nenhum outro aviso a não ser umas ligeiras cócegas. O carácter desconhecido e não precisamente localizado do estímulo, pelo menos no imediato, aumenta a intensidade da reacção.
 
O riso, noutros termos, sobretudo nas formas menos "culturais", parece significar, exactamente como as lágrimas, que devemos livrar-nos de alguma coisa; mas essa qualquer coisa é aqui mais importante e deve ser eliminada mais depressa do que no caso de simples choros. Se o corpo é a orquestra, o solista invisível e inaudível é acompanhado por um número muito maior de instrumentos. (p. 203-4)

Note-se também que a partir de uma certa intensidade as lágrimas se transformam em soluços e acabam por se parecer cada vez mais com o riso. Diz-se de alguém cujo riso é incontrolável, que ri portanto verdadeiramente e não finge, que chora a rir. (p. 204-5)
 
Há por conseguinte entre o riso e as lágrimas uma diferença não de natureza mas de grau, residindo precisamente o verdadeiro paradoxo na maneira como se marca esta diferença. Ao inverso do que dita o senso comum, o elemento de crise é mais agudo no riso que nas lágrimas. O riso parece mais próximo de um paroxismo tendendo a traduzir-se por verdadeiras convulsões, mais próximo de um esforço frenético de rejeição e de expulsão. Mas do que as lágrimas, é assimilável a uma reacção negativa de todo o ser a um perigo que lhe parece intransponível. (p. 205)
 
[...]
 
Ri-se verdadeiramente de qualquer coisa que poderia e, num sentido, deveria acontecer a qualquer pessoa que ri, incluindo nós. Creio que isto mostra claramente a natureza da ameaça, despercebida mas sempre presente, contra a qual o riso não pára de se defender, a do objecto ainda não identificado que precisa de se expulsar. A pessoa que ri está prestes a ser anexada pela estrutura de que a sua vítima já faz parte. Enquanto ri, acolhe e rejeita ao mesmo tempo a percepção desta estrutura na qual o objecto do seu riso já está preso; acolhe-a de boa vontade na medida em que é outro que não ele que é apanhado na armadilha, mas ao mesmo tempo tenta mantê-la à distância. A estrutura, que nunca é individual, tende a fechar-se sobre a pessoa que ri. Compreende-se agora porque é que o riso, mais do que as lágrimas, tem as propriedades de uma crise; a estrutura é muito mais visível no cómico do que no trágico; a autonomia do espectador é nela mais imediatamente e mais gravemente ameaçada. (p. 209)
 
[...]
 
O riso físico, como dissemos, tem como objectivo repelir uma agressão vinda do exterior e de proteger o corpo contra uma eventual intrusão. mas as quase convulsões do riso, se se prolongam, acabam por resultar no desmoronamento desde domínio de si que deveriam preservar. O verdadeiro riso torna-nos fracos e reduz-nos quase a uma semi-impotência. (p. 210)

René Girard, A voz desconhecida do real: uma teoria dos mitos arcaicos e modernos, Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

PETER KREEFT ENSINOU: A UNIVERSALIDADE DO SOFRIMENTO

A universalidade do sofrimento, sua inutilidade, seu tédio, as mazelas da família e a solidão de não tê-la, o império do fingimento universal, melancolia, depressão, desespero, feiura e mediocridade, são elementos da banalidade do sofrer, mas, a partir deste momento, fique com Peter Kreeft:





Não é só o caso de o sofrimento não ser merecido; é que parece ser casual e inútil, sem nenhum motivo ou razão concreta; puro acaso, apenas espalhando o mal sem fim. Para todo aquele que se torna um herói e um santo por meio do sofrimento, há dez outros que parecem perder sua humanidade, tornar-se depressivos ou desesperados (p. 19-20)



E a universalidade do sofrimento – aí é que está a questão. Seu vizinho, seu melhor amigo, seu médico, seu mecânico, todos possuem mágoas profundas e abafadas das quais você nem chega a tomar conhecimento, da mesma forma que eles não conhecerão as suas. Todos, pelo mundo afora, estão sofrendo. E, se você não se apercebe disso, é porque ou é bastante ingênuo e acredita na aparência das pessoas, ou tem a pele tão resistente que não se magoa, nem sente a mágoa das outras pessoas em sua volta.



Não tenho a intenção de insultar ninguém; todos fingimos muito. Faz parte do nosso instinto animal tentar ocultar nossas feridas para que não nos façam sofrer mais. Da mesma forma que os animais cobrem suas feridas no corpo para se proteger, fazemos o mesmo com nossas feridas da alma. Estamos todos envolvidos em um grande fingimento universal.



Um aspecto dessa mágoa que todos carregamos é a família. Todos nascemos em uma família, e muitas pessoas depois se dedicam a construir novas famílias. A família é a primeira e mais íntima fonte de relacionamentos entre o eu e o outro. Mas essa fonte de nossos amores mais profundos é também fonte de nossas maiores mágoas. Se você faz parte de uma família, seja ela um lar destruído pelo divórcio, alcoolismo ou ressentimentos, seja ela unida, você sabe que aqueles mais próximos de você são os que mais o magoam, de forma deliberada ou não. E, se você não faz parte de uma família, você sabe como dói profundamente ser sozinho.



Olhe as pessoas nas ruas. Observe os seus rostos. Olhe mesmo. Especialmente na rua de uma grande cidade. Não há ali somente tráfego e confusão – isso nem é tão terrível; Jesus estava ocupado e correndo a maior parte do tempo também –, mas há sofrimento. Veja a linha dos rostos das pessoas, os músculos, a dureza, a tensão, sua maneira de olhar, o medo, a estupidez. “A grande massa dos homens leva a vida em calmo desespero”, escreveu Thoreau. (p. 20)



Fisicamente, as pessoas sofrem menos do que nunca em nosso século, especialmente nessa geração, graças em grande parte aos progressos da medicina. Existem anestésicos, uma das maiores invenções de todos os tempos. Já há cura para um número cada vez maior de doenças. A sociedade industrial oferece à maioria das pessoas uma vida confortável, uma vida que somente uns poucos ricos poderiam alcançar décadas atrás. Muitas pessoas chegam aos setenta ou oitenta anos de idade com menos de meia dúzia de ocasiões em que realmente tenham sentido uma dor, uma agonia insuportável. Há um século, seria sorte passar um único ano sem sentir uma dor que chamaríamos hoje em dia de alucinante. Imagine um mundo sem anestésicos. Pense bem. Quando foi a última vez que você sentiu a dor de uma espada cortando o seu braço? (p. 20-1)



E ainda assim as pessoas hoje se machucam bem mais psicológica e espiritualmente do que nunca. As taxas de suicídio explodem. A depressão aumenta. A violência desenfreada é moda. O tédio se espalha. (Na verdade, a própria palavra tédio não existia em nenhuma das línguas pré-modernas!) A solidão é crescente. E a procura da fuga por meio das drogas é cada vez maior.



[…]



Estamos fugindo de nós mesmos (ou tentando fugir, já que a única coisa da qual não conseguimos escapar, além do próprio Deus, é de nós mesmos) porque estamos todos magoados, bem no fundo dos nossos corações. Geralmente esse não é o tipo de sofrimento trágico, incomum, espetacular, mas um enorme manto escuro que se abate sobre nossas vidas como fuligem, cobrindo tudo de tédio, enfado, melancolia, feiura e mediocridade. Vivemos como robôs, obedientes à programação social que recebemos, sem nunca levantar as perguntas fundamentais de nossa existência. Nossas próprias paixões estão adormecidas. Vamos para a cama em obediência à publicidade carregada de sexo, e pulamos da cama em obediência aos alarmes dos relógios. Não temos quase nenhum motivo para sair da cama e quase todos os motivos para deitar nela. (p. 21)

KREEFT, Peter. Buscar sentido no sofrimento. Tradução de Alexandre Patriarca. São Paulo: Edições Loyola, 1995.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

É BOM CITAR: CASA GRANDE & SENZALA II

Gilberto Freire, Casa-grande & senzala: 
formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 
51ª ed. rev. - São Paulo: Global, 2006.

O planisfério de Cantino, 1502


...o português sempre pendeu para o contato voluptuoso com mulher exótica. Para o cruzamento e miscigenação. Tendência que parece resultar da plasticidade social, maior no português que em qualquer outro colonizador europeu. (p. 265)

Iracema (1881), tela do pintor José Maria de Medeiros inspirada na personagem de José de Alencar
...o português de Quinhentos e de Seiscentos, ainda verde de energia, o caráter amolengado por um século, apenas, de corrupção e decadência. (p. 266)

Painéis de São Vicente de Fora - Nuno Gonçalves (1420-1490)
...no que o português se antecipou aos europeus foi no burguesismo. (p. 266)

O português fez-se aqui senhor de terras mais vastas, dono de homens mais numerosos que qualquer outro colonizador da América. (p. 267)

Eram as 13 capitanias hereditárias: Capitania do Maranhão, Ceará, Rio Grande, Itamaracá, Pernambuco, Baía de Todos os Santos, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Tomé, São Vicente, Santo Amaro e Santana. Fonte: http://www.dicasfree.com/capitanias-hereditarias-resumo-completo/#ixzz4IIh9FLg4

...fundou a maior civilização moderna nos trópicos. (p. 267)

A unificação moral e política realizou-se em grande parte pela solidariedade dos diferentes grupos contra a heresia... (p. 269)

Nossas guerras contra os índios nunca foram guerras de brancos contra peles-vermelhas, mas de cristãos contra bugres. (p. 269)

http://www.tribunadainternet.com.br/foro-privilegiado-e-uma-excrescencia-que-prejudica-a-atuacao-do-supremo/
Criminoso ou escravo fugido que se apadrinhasse com senhor de engenho livrava-se na certa das vias da justiça ou da polícia. (p. 271)

Pintura de Victor Meirelles (1861)
Nossa formação social, tanto quanto a portuguesa, fez-se pela solidariedade de ideal ou de fé religiosa, que nos supriu a lassidão de nexo político ou de mística ou consciência de raça. (p. 271)