sábado, 25 de junho de 2016

É BOM CITAR: O trivium e o quadrivium segundo Rosenstock-Huessy

...a descoberta de que o discurso racional pressupõe o discurso ritualístico.
Descobrimos que a lógica de nossas escolas cobria, na melhor das hipóteses, um quarto do território real da lógica.
Antes de qualquer coisa possa ser computada, calculada, observada ou testada, ela tem de ter sido algo nomeado, com que se falou, com que se operou, algo com que se teve alguma experiência.
Com suas generalizações e numerais, a ciência priva as coisas de nomes. Mas não pode fazer isso senão com coisas que previamente se revestiram de nomes.
A ciência é uma aproximação secundária e abstrata à realidade.
Devemos estar imersos e enraizados num universo nomeado, para depois dele nos podermos emancipar pela ciência. (p. 218)
Esta breve investigação das novas vias mostra que, dentre as sete artes liberais, o chamado trivium - gramática, retórica e lógica - é o que mais se beneficia de nossos estudos.
Nossa abordagem eleva as "trivialidades" desses três campos introdutórios do saber à estatura de ciências plenamente desenvolvidas.
Elas tornar-se-ão as grandes ciências do futuro.
Tal ascensão ao poder teve um paralelo quatrocentos anos atrás, quando o chamado quadrivium (aritmética, geometria, música, astronomia) e o trivium (gramática, retórica, lógica) não passavam de meros serviçais e ferramentas auxiliares.
É preciso substituir a faculdade de direito por todo um conjunto de ciências sociais, incluindo uma acerca de nossa própria consciência.
A consciência não funciona senão quando a mente responde a imperativos e utiliza metáforas e símbolos.
Até os cientistas devem falar com confiança e segurança antes de poder pensar analiticamente. (p. 219)
Que é um símbolo? Que é uma metáfora? Constituem o pão nosso de cada dia? Símbolos são fala cristalizada. E a fala cristaliza-se em símbolos porque, em seu estado criativo, é metafórica. Símbolos e metáforas relacionam-se como a juventude e a velhice da linguagem. (p. 219-20)
Até os símbolos dos lógicos a provam... são fala cristalizada.
A fala deve levar aos símbolos. Os símbolos resultam da fala. "Ouvimos" os símbolos como se fossem fala. "Olhamos" para a fala porque ela nos levará aos símbolos. (p. 220)
Os símbolos representam o estado "real" ou principal de uma pessoa a despeito de quais aparências. Representam meu melhor eu em sua ausência…
Isso nos dá uma pista dos autênticos lugares dos símbolos. Eles sucedem a atos de investidura, por meio dos quais se tornam indeléveis e importantes elementos da realidade.
Um ritual antecede ao símbolo. Se nenhum ritual investiu a pessoa, o símbolo não passa de mero brinquedo frívolo. (p. 221)
Quanto mais seriamente o ritual é "falado", mais o símbolo se fixa. Não há, porém, símbolo sem fala.
Os símbolos reiteram o fato de que a fala visa à verdade de longo alcance e de que, para tanto, ela procura substituir as aparências do mundo visível por uma ordem mais elevada,  melhor ou mais penetrante.
Porque o símbolo mostra melhor sua eficiência após o término da cerimônia de investidura, e concebem-se as cerimônias de investidura precisamente como um poder capaz de criar um segundo mundo.
A linguagem humana é metafórica por definição. Nada nela é o que é. Tudo significa algo que, em sim mesmo, não é. (p. 222)


Fonte: Eugen Rosenstock-Huessy (1888-1973) A origem da linguagem; edição e notas Olavo de Carvalho e Carlos Nougué: introdução, Harold M. Sathmer e Michael Gorman-Thelen: tradução Pedro Sette Câmara, Marcelo de Polli Bezerra, Márcia Xavier de Brito e Maria Inêz Panzoldo de Carvalho. - Rio de Janeiro: Record, 2002.


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