domingo, 19 de junho de 2016

É BOM CITAR: CASA GRANDE & SENZALA

D. Afonso I
...colonizador português do Brasil.
 

Figura vaga,
falta-lhe o contorno

ou a cor que a individualize
 
entre os imperialistas modernos

O tipo contemporizador.

Nem ideais absolutos,

nem preconceitos inflexíveis.



(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 265)

Nuno Álvares Pereira, o Condestável
Tanto nas Cruzadas 

como nas guerras de independência 

esse concurso [de estrangeiros] 

se fez sentir de maneira notável.
 

É o que explica no português 

não só seu nacionalismo quase sem base geográfica 

como o cosmopolitismo.

Cosmopolitismo favorecido, esse sim, em grande parte, pela situação geográfica do reino: 


a de país largamente marítimo, 

desde remotos tempos variando de contatos humanos.

Por um lado, 


recebendo em suas praias sucessivas camadas 

ou simples, mas frequentes, 

salpicos de povos marítimos.
 

Por outro lado, indo seus navegantes, 

pescadores e comerciantes às praias 

e águas alheias comerciar, 

pescar e farejar novos mercados.


(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 274)

Na falta de grandes fronteiras naturais ou físicas,

defendendo-se de agressões e absorções,

tiveram os portugueses de entesar-se 


em muralhas vivas, de carne,

contra o imperialismo muçulmano

e mais tarde contra o de Castela


(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 273)
O Direito português iniciou-se, 

não sufocando e abafando 

as minorias étnicas dentro do reino 

- os mouros e os judeus - suas tradições e costumes,

mas, reconhecendo-lhes a faculdade de se regerem 


por seu direito próprio 

e até permitindo-lhes magistrados à parte,

como mais tarde no Brasil colonial, 

com relação aos ingleses protestantes.
(Gilberto Freire, Casa-grande & senzala, p. 274)

- SÉRIE O HOMEM CORDIAL - O JEITO DE SER NACIONAL TEM SEU VALOR! SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E MARXISMO CULTURAL



Ao revisitar a obra de Sérgio Buarque de Holanda percebi um não sei quê de marxismo cultural.



O tão celebrado sociólogo promove uma apologia ostensiva do socialismo, sob terminologia weberiana de Estado burocrático, e descreve a família brasileira como um grande mal e origem de nosso atraso.


Já numa perspectiva à moda da visão filosófica de Mário Ferreira dos Santos de que, em toda teoria ou conhecimento humano, há algum grau de positividade concreta, no sentido de algo válido e real para o bem comum.

Então, proponho uma busca da positividade inerente ao jeito de ser nacional, uma inquirição acerca da evidente vigência de um modo de ser dos brasileiros, herdado dos lusos, inerente ao seu caráter emotivo, e, por isso, denominado de "cordial", como uma forma eficaz manifestação de inteligência emocional, que se manifesta numa linguagem não verbal.

Todavia, observo que parto do pressuposto de que isto é uma técnica de sobrevivência secular, pragmática e intuitiva, desenvolvida em razão da hostilidade sem igual de nosso estamento burocrático, fato verificável desde nossas origens lusas.

- SÉRIE O HOMEM CORDIAL - O JEITO DE SER NACIONAL TEM SEU VALOR! O QUE É O "HOMEM CORDIAL"?




A expressão "homem cordial" é do escritor Ribeiro Couto, em carta dirigida a Alfonso Reyes e por este inserta em sua publicação Monterey.

Cumpre ainda ainda acrescentar que essa cordialidade, estranha, por um lado, a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange, por outro, apenas e obrigatoriamente, sentimento positivos de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado.

(Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), O homem cordial; seleção de Lilian Moritz Schwarcz. 1ªed. - Sãu Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012, p. 102)

SOBERANIA E MITO DA LEGALIDADE

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Interessa-nos discutir a natureza social (material) do Poder Político e seu desenvolvimento jurídico (formal) no caminho da institucionalização do Estado, razão pela qual trazemos à baila algumas questões candentes levantadas na República de Platão, que suscita questões recorrentes à legitimidade do exercício do Poder.

O Estado surge da manifestação do Poder que transforma uma coletividade em Povo, destacando-se este ser um fenômeno jurídico (MIRANDA, 2000, p. 165).

O Poder Político é o Poder Constituinte que molda o Estado segundo uma idéia, um projeto, um fim de organização, e, que o Estado não existe em si ou por si, efetivando-se em dois aspectos: autoridade e serviço ( Idem , p. 166).

Miranda socorre-se de Gustav Radbruch nos seguintes termos: “é ainda um direito suprapositivo e natural que obriga o Estado a manter-se sujeito às próprias leis. O preceito jurídico que isto determina é o mesmo que serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo” ( Idem , p. 169).

Referido Autor destaca que para a sociologia o exercício do poder político pode ser objeto de análise como poder da comunidade estatal , e, como orientador da comunidade sobre a qual se exerce a orientação.

Todavia, em termos jurídicos, tal cisão seria inadmissível, sendo a titularidade do poder da própria comunidade, tendo uma explicação una e trina , una como fonte do poder, e, trina, pois é o Poder que auto-organiza a comunidade , é o substrato do Estado na forma de Pessoa Coletiva e manifesta-se em seus Órgãos e Agentes detentores de parcelas do poder político.

Esclarece que para os efeitos de sua obra é o mesmo falar em Poder Político e em Soberania ( Idem , 173).

Destas colocações deriva nossa grande questão acerca de qual a origem ideológica do fenômeno jurídico que possibilita ao poder unificar o povo; e, ao mesmo tempo, fornecer uma base de valores que obriga a autoridade a servir este mesmo povo; colocada em outros termos: qual a idéia que legitima o poder, e o transforma em objeto de consentimento popular, ao mesmo tempo em que limita o próprio exercício do poder?

Percebemos que as posições adotadas por Miranda ao invés de revelarem uma resposta clara à questão, simplesmente saltam por sobre o problema sem enfrentá-lo, ao definir corte metodológico, consistente na afirmação dogmática da existência de um direito suprapositivo e natural que teria o condão de obrigar o Estado à bem se comportar, mas, ao mesmo tempo, demonstra grande intuição que já principia a resposta que buscamos quando enfatiza ser este o mesmo preceito jurídico que “serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo” (MIRANDA, 2000, p. 169).

Consideramos de suma importância contextualizar o nascimento da idéia normativa fundamental do Estado de Direito Democrático que passaremos a denominar de mito da legalidade.

Quais os elementos conformadores do mito em exame?

Qual sua base histórico-social?

Que filosofia o sustenta?

Qual a sua realidade sob uma perspectiva antropológica e qual sua estrutura discursiva que dá a base ritualista do mencionado mito e que o atualiza?

Iniciaremos com o Livro I da República de Platão, na qual Sócrates questiona um próspero ancião de nome Céfalo acerca de “qual foi a maior vantagem que te proporcionou tua fortuna?” (330 d) (PLATÃO, 1976, p. 46), recebendo a resposta de que “a riqueza é de grande vantagem, porém não para todos; apenas para as pessoas equilibradas. Ela é que enseja a possibilidade de deixar a vida sem receio de haver mentido, embora involuntariamente, e de não ter ficado devendo” (331 b) (PLATÃO, 1976, p. 47).

Após, Sócrates questiona Céfalo sobre a inconstância do conceito de justiça, por este consistir apenas em falar a verdade e restituir o recebemos de outrem, quando coloca a seguinte hipótese: “de alguém receber para guardar a arma de um amigo que se encontre são do juízo, e este, depois, com manifesta perturbação de espírito, exigir que lha restitua, todo o mundo concordará que não se deve devolvê-la” (331 c-d) ( Idem , p. 47-8).

No seguimento do diálogo Céfalo é substituído por Polemarco, e, então, surge a célebre citação da máxima de Simônides “dar a cada um o que lhe é devido” (331e) ( Idem , p. 48), descrito como “enigma poético” (332 b) (Idem , p. 49), que vai suscitando diversidade de respostas proferidas por Polemarco, tais quais: “Tudo indica que para ele é justo dar a cada um o que convém” (332 c) ( Idem , p. 49); “Justiça, então, é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos?” (332 d); sendo esta última afirmação refutada da seguinte forma: “a justiça é uma espécie de arte de furtar. Naturalmente: para beneficiar os amigos e prejudicar os inimigos” (334 a) ( Idem , p. 54).

Reforçando sua contestação ao maniqueísmo como fundamento da justiça, Sócrates demonstra o subjetivismo dos conceitos de amigo e inimigo ao questionar Polemarco: “E porventura não se enganam os homens nisso, justamente, parecendo-lhes boa muita gente que não o é, e vice-versa?” (334 c) ( Idem , p. 52), e, após diversas colocações acerca da natureza da ética concernente à pessoa imbuída de justiça, concluí Sócrates que “não é próprio do justo causar dano nem aos amigos nem a quem quer seja, porém do seu contrário, o homem injusto.” (335 d) ( Idem , p. 54).

Neste ponto do diálogo surge o sofista Trasímaco defendendo a tese de que “o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte” (336 c) ( Idem, p. 56).

Todavia, ao investigar todas as implicações da definição sofística de justiça, Sócrates acaba por inaugurar na filosofia e na ciência política, em nosso entender, a tese de origem popular do poder político quando diz: “é mais do que claro que nenhuma arte ou governo cuida do interesse próprio, porém, conforme há muito demonstramos, providencia e determina o que é de utilidade para o súdito, considerando apenas o interesse dos mais fracos, nunca o dos mais fortes” (346 e) (Idem, p. 69-70).

Assim, podemos identificar a genealogia da afirmação dogmática de Jorge Miranda, no sentido de encarar o Poder Político, manifestado na Soberania, como auto-organizado pela existência de um direito suprapositivo e natural, que como vimos com Platão é um fenômeno de multidão, e, por isso mesmo, tem em seu substrato e fundamento antropológico explicado cientificamente pela teoria do desejo mimético de René Girard.

A teoria do desejo mimético descreve a origem da cultura na superação da violência inerente às relações humanas, mediante a edificação de ritos e mitos criadores de mediação externa, cada vez mais sofisticada, conforme a cultura desenvolve-se, emergindo na construção do mito da legalidade capaz de legitimar o exercício do Poder lho fornecendo uma ritualística jurídica.

A mediação externa mais sofisticada é o rito jurídico, caracterizado por um discurso peculiar, em que o mito da legalidade é personalizado na autoridade que se apresenta como sujeito e objeto da representação mitológica da legalidade, isto é, a autoridade ao prestar seus serviços submete e é submetida pelo discurso alicerçado na força da idéia normativa (Jouvenel, 1978, p. 34-6) de lei, e assim, temos uma base para a descrição da soberania como resultado da racionalização do Poder da multidão de cidadãos mimeticamente vinculados por mitos que estabelecem padrões de mediação externa, que fomentam idéias normativas de justiça consideradas aceitáveis pelo corpo social.

REFERÊNCIAS

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. 2ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

GIRARD, René. A violência e o sagrado ; trad. Martha Conceição Gambini; revisão técnica de Assis Carvalho. - São Paulo : Editora Universidade Estadual Paulista; 1998.

GIRARD, René;Rocha, João Cezar de Castro; e, Antonello, Pierpaolo. Um longo argumento do princípio ao fim: diálogos com João Cezar de Castro Rocha e Pierpaolo Antonello , Rio de Janeiro: Topbooks, s/d.

JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Col. Biblioteca de Cultura Histórica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. t.III. Coimbra: Coimbra, 2000.

PLATÃO, A República. Diálogos, v. VI-VII. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Coleção Amazônia, Série Farias Brito. Belém: UFPA, 1976.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O Tributo e a Constituição

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Quid est Constituição?

Quid est tributo?


Muito se fala e muito se escreve, e, como pretensioso que sou vou dar minha opinião:


Considero que a Constituição Política e Jurídica de uma Nação necessariamente está contida na Constituição Social e Natural desta mesma Nação.


Logo, a Constituição resultante de uma Assembléia Constituinte, e, mesmo eventualmente, quando fruto de Cartas Políticas Outorgadas por um poder unipessoal ou colegiado, sempre será uma espécie de garantia política, que fundamenta garantias jurídicas protetoras dos valores sociais e naturais do homem, que serão respeitados pela Administração, além, é claro, de servir de garantia contra a ingerência externa de outras nações.


Ora, antes da existência da doutrina política e jurídica do constitucionalismo, doutrina esta que formalizou e explicitou uma série de princípios limitadores do arbítrio estatal; antes da existência da primeira constituição escrita, sempre houve em menor ou maior grau alguma espécie de Constituição Natural a informar o direito dos povos.


Pode-se afirmar que sempre houve fundamento jurídico-constitucional para os atos de um Estado, entretanto, o que diferencia os Estados pré-constitucionalismo dos atuais está, justamente, na falta de vinculação expressa a uma dada ordem estabelecida e consolidada.


Portanto, não é de estranhar-se que quando os nascentes Estados Nacionais ao esmagarem as representações sociais de origem feudal, propugnando uma espécie de absolutismo estatal encarnada na figura do Monarca, hajam proporcionado o ambiente de fermentação da causa constitucionalista, que instauraria outro modelo de absolutismo: o absolutismo da idéia da lei constitucional a prevalecer sobre toda a nação, seja em relação aos cidadãos, seja em relação à Administração.


A idéia da existência de uma constituição natural baliza, inclusive, a existência das chamadas constituições não-escritas como é o exemplo britânico que, não obstante a Inglaterra possuir uma constituição consuetudinária, é operante, tendo sido o primeiro exemplo concreto de submissão da Administração à lei, em sua configuração máxima de norma constitucional de um povo, que deve ser obedecida em virtude do ato de soberania popular que a fundamenta.


Em suma, a idéia de constituição está intrinsecamente associada à idéia de submissão à lei por parte dos administrados, naquilo em que não houver vedação expressa, e, de submissão absoluta à lei por parte da Administração, tendo em vista que esta só poderá agir conforme o expressamente previsto em lei.


Tais princípios justificam-se na medida em que o verdadeiro e único ente de Direito Natural é a pessoa, concreta e fisicamente existente, atual ou potencialmente.


A Administração nada mais é que uma ficção jurídica personalizada pela suspensão do juízo, e representada na figura de determinados agentes políticos, administrativos e/ou judiciais, que atuam em nome da lei e da constituição, e, portanto, nada podem inovar de maneira absoluta, mas somente de forma relativa, e dependendo sempre do respeito aos limites definidos legal e constitucionalmente; quando expressamente autorizado, poderão, tais agentes públicos, inovar na medida de sua discricionariedade, vinculada à estrita legalidade.


Logo, a lei constitucional de um povo é um divisor de águas, uma fronteira, que separa os atos penetrados de autonomia de vontade dos atos vinculados à vontade da lei.


Entre estas duas esferas, privada e pública, por determinação constitucional, opera-se verdadeira interação dialética onde os atos da vontade do particular fazem surgir os atos da Administração, seja pelo princípio da inércia em matéria judiciária seja por atos de fiscalização.

Enquanto a Administração (política, administrativa ou judiciária) define limites e vedações à atuação do particular, veiculadas em normas de diversos níveis, que por sua vez vinculam a própria Administração.

Neste contexto, eis que surgem as normas tributárias, e, numa analogia, em que equiparamos o conjunto das normas privadas e públicas, fundadas na Constituição, como parte de um único e grande volume de normas jurídicas, um grande livro imaginário da lei, neste teremos o tributo contido numa única página, ocupando uma única linha que determine: caso pratiques determinada conduta lícita, no livre exercício de vossa vontade, deves pagar compulsoriamente determinada prestação pecuniária, mediante atividade absolutamente vinculada à lei.


Ora, antes desta linha, em que o tributo aparece no referido livro imaginário, irão se localizar todas as condutas humanas, concretas, materiais e existentes, que o cidadão realiza em seu cotidiano sócio-econômico; e, após a incidência da norma tributária, verificaremos o cabedal de normas de natureza eminentemente administrativas, veiculadas segundo princípios constitucionais vinculantes, que impossibilitam à Administração Tributária de qualquer poder de desconsiderar validamente as características essenciais das condutas do particular, salvo quando ingresse com competente Medida Judicial, propugnando a desconstituição do negócio ou ato jurídico.


O tributo, portanto, somente opera diante de fatos reais e verificáveis no seio das relações sociais, e, sua operação somente se dá com o respeito aos atos jurídicos perfeitos sobre os quais incide; e, conforme a prescrição absolutamente vinculante da norma pré-estabelecida, havendo autoria e materialidade de ato ilícito que confere a possibilidade de desconstituir os atos do administrado, mediante o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário, poderá atuar o agente público da Administração Tributária.


Se, por absurdo, a Carta Magna seja (R)Emendada, no sentido de autorizar o retrocesso histórico de autorizar em norma positiva o espúrio direito da Administração exercer atos de absolutismo contra o administrado, p. ex.: desconsiderando os atos jurídicos perfeitos do contribuinte, mediante meros atos administrativos, então, tal arremedo de direito deverá ser aniquilado, como se uma peste o fosse, sob pena de se condenar a Constituição Escrita a ser mais uma relíquia do rol das leis que não pegam.





Texto confeccionado por
(1)Werner Nabiça Coelho


Atuações e qualificações
(1)Advogado. Especialista em Direito Tributário e Professor da Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ.

Bibliografia:

COELHO, Werner Nabiça; COELHO, Werner Nabiça. O Tributo e a Constituição. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 15 de mai. de 2003.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1349/o_tributo_e_a_constituicao >. Acesso em: 17 de jun. de 2016.


(Obs.: o presente texto é uma versão com algumas alterações e acréscimos em relação à versão publicada anteriormente no Universo Jurídico)

É BOM CITAR: O VOTO DE MINERVA



Um artista começa de repente do momento em que sabe dar razão a todos os seus heróis. 

Porque você não devolve a vida senão quando põe tudo em equilíbrio, quando dá razão a todos. 

São assim os heróis de Ésquilo: cada um com sua razão. 

Etéocles tem razão em defender a cidade de Tebas contra seu irmão, Polinice, que a assedia com um exército estrangeiro.

Mas Polinice tem razão em assediá-lá, porque Etéocles o afastou de sua parte na regência.

E o que é esplêndido é que também o coro se divide até o fim, nos Sete contra Tebas: metade segue Polinice, morto por ter razão; metade segue Etéocles, morto por ter razão.
 
***

Reencontro esse pensamento, mais belo, mais vivo, mais complexo, em Oréstia. 

Cada um tem razão de vingar-se.

As vinganças chamam umas às outras, entrelaçam-se, ramificam-se, acorrentam-se umas às outras.

Vingança contra vingança e vingança ao lado da vingança.

Egisto tem razão de querer a morte de Agamemno, porque este é da nação dos atridas, que lhe torturaram o pai, Tiestes.

Mas o assassino não é ele, Egisto, mas a própria esposa de Agamemno Clitemnestra, que tem razão de matar o marido, porque, porque este lhe sacrificara a filha, Ifigênia.

Mas quando Orestes, filho deles, vai matar Clitemnestra e Egisto, o amante dela, já não sabe bem por que vinga a morte do pai: a profanação que sua mãe fez do lar familiar, ou a perda de seu próprio cetro.

Já não sabe senão que tudo grita por vingança, pela voz, pelo gesto, pelo ser da irmã de Orestes, este monstro de piedade, amor e ódio: Electra.

Mas terminam aqui as vinganças? Não, porque até a sombra de Clitemnestra vai pedir vingança.

Mas as Fúrias, as Eumênides, instigadas por ela, perseguem Orestes, em nome da razão, porque matou a própria mãe.

"Agrada-nos termos razão", dizem as Fúrias.

Mas o lance não se fecha senão diante da sábia Minerva, que está para julgar entre as Fúrias e Orestes.

"É árdua a causa", diz Minerva.

E por isso vai instituir um tribunal de atenienses.

O resultado?

A despeito do testemunho de Apolo em favor de Orestes, a despeito do voto de Minerva em favor dele, é igual o número de votos.

O todo está em equilíbrio. Todo mundo tem razão.

Oh, como é "verdade"!

(Constantin Noica, Diário filosófico, p. 87-8)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: SOLIPSISMO É CARTESIANISMO





Resultado de imagem para solipsismoSolipsismo – (De solus, sôzinho e ipse, si mesmo).

É a doutrina que considera o indivíduo racional como o ponto de partida e de legitimação de tudo quanto há e existe.

É metafisicamente, uma variante viciosa do idealismo do mundo externo, e de tôda realidade, dependente das representações do indivíduo, não tendo uma existência independente da mente humana

(Mário Ferreira dos Santos, Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, III volume, 3 ed. São Paulo: Editora Matese, 1965)

Conhecemos os corpos apenas pela faculdade de entender que está em nós, e não pela imaginação nem pelos sentidos, e que não os conhecemos pelo fato de o vermos, ou de tocarmos, mas somente pelo fato de os concebermos pelo pensamento, conheço evidentemente que não há nada que me seja mais fácil de conhecer do que meu espírito (grifamos e destacamos)

(DESCARTES, René. Meditação Primeira. Meditação Segunda. Meditações metafísicas. 2. ed. Introdução e notas Homero Santiago. Tradução Maria Ermantina Galvão. Tradução dos textos introdutórios Homero Santiago. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 54-5)