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quinta-feira, 5 de abril de 2018

RAZÕES, LINGUAGEM, POLÍTICA E EDUCAÇÃO



RAZÕES DISCURSIVAS E RAZÕES EMOCIONAIS

Não realizo uma radical distinção entre razão discursiva e razão emotiva.

Não existe um racional puro distinto de um irracional puro, ambos são modos de manifestação da linguagem.

Ocorre que a emoção é a primeira linguagem, aquela que mais nos aproxima de nossa matriz animal.

Por isso aprecio muito a teoria do desejo mimético de René Girard que apresenta uma razoável explicação entre o controle da emoção em sua forma de linguagem não verbal e o início da linguagem verbal por meio do fenômeno da crise mimética e do bode expiatório.

A Ética Clássica, que por sua vez é um dos fundamentos da Ética Cristã, sempre destacou que o problema da virtude é um equilíbrio entre as intenções morais e a prática efetiva das ações, não é à toa que se cunhou a expressão de "que o inferno está cheio de boas intenções"

Phronesis é a boa e velha razão prática que se preocupa com a relação de causa e efeito entre ação, intenção e resultado, conforme a régua da virtude que está no justo meio.

Ética é o nome grego para o conjunto de teorias sobre comportamento humano ideal segundo a virtude, moral é somente sua denominação latina, portanto, quando há uma "desmoralização" de uma sociedade, então temos a criação de um "conjunto de teorias sobre o comportamento ideal para negar a virtude"

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ANTROPOLOGIA E LINGUAGEM POLÍTICA

A antropologia de René Girard é interessante na medida em que descreve uma bela hipótese para o surgimento da própria linguagem verbal.

O nascimento da linguagem é a condição de possibilidade para a descrição das descobertas em todas as demais ciências.

Evidencia-se, também, que o controle da violência é operado pelo surgimento da linguagem verbal, pois é a comunicação eficaz que cria a paz necessária para os demais desenvolvimentos da humanidade.

É como no Brasil de hoje, pois enquanto nossa insegurança pública for predominante não teremos níveis satisfatórios de crescimento econômico, porque o crime impede os negócios de prosperarem em todo seu potencial.

Hoje a linguagem do povo e a linguagem do governo não vem sendo compartilhada, situação que faz prevalecer a linguagem da violência, pois violência é incompreensão e vingança, o cálice que nos resta quando a surdez e a cegueira prevalecem.

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MAQUIAVEL NA EDUCAÇÃO

Vamos fazer assim: seja professor e ensine aos alunos que Maquiavel é brilhante e está certo em sua apreciação de que o mal na política "é um mal necessário", depois de alguns anos reclame que os cidadãos votam em políticos que aplicam a política maquiavélica. Quem é o maior responsável?!


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

COM A INTELIGÊNCIA SENTIMOS, DESEJAMOS, DECIDIMOS E INVESTIGAMOS



A inteligência é uma harmonia musical composta de sentimento, desejo, vontade e razão.

A filosofia moderna reduziu-se a considerar a inteligência como o mero exercício do elemento racional, e, pior, somente considera o aspecto racional em sua forma discursiva, como se palavras e abstrações mentais fossem realidades mais tangíveis que a própria realidade concreta.

A chave teórica dos quatro discursos, proposta por Olavo de Carvalho, nos habilita a afirmar que a inteligência principia pelo sentimento, que é um fruto direto da percepção estabelecida no contato com a realidade concreta em seu nível empírico e intuitivo, que possibilita o desenvolvimento do discurso mito-poético, esta linguagem do ponto vista antropológico recebe um forte aporte quando enfocado pela teoria mimética de René Girard.

A poética é forma inicial da linguagem que processa a percepção primária em formas imaginativas de representação simbólica do real, é o salto no ser descrito por Eric Voegelin, justamente por ser a forma que mais entra em contato com o esplendor da criação, e de onde se origina a linguagem simbólica grávida de significados, cujos infinitos sentidos são decantados nos demais níveis da linguagem.

O desejo de se impor perante seus pares é o instinto humano essencial, e, com base em posturas que postulam a dominância nas relações interpessoais cria-se a linguagem retórica, que nada mais é que o domínio da linguagem para defesa de interesses e objetivos pessoais na luta pelo poder social.

Mas, como necessitamos viver em sociedade, e como há resistências que devem ser vencidas constantemente, e, constata-se que quando é excluída a possibilidade de exercício da força e da violência pura e simples, há a necessidade de ser estabelecido um acordo de vontades para possibilitar o confronto controlado (dialético) das retóricas.

O objetivo de obter o consenso é o de estabelecer instituições que dependem de trocas e acordos possibilitadores do convívio em sociedade, assim, a vontade de coexistir deverá obter meios de gerenciar os desejos e os sentimentos interindividuais para possibilitar a discussão civilizada e política, este é padrão da linguagem dialética, o meio pela qual a linguagem investiga a realidade e obtém padrões conceituais e de conduta que podem ser aceitos como verdades estabelecidas e são condições de possibilidade para sobrevivência da comunidade.

A linguagem dialética é fértil por adotar o referido modelo investigativo, que imprime o hábito da racionalidade no processo de discussão de fenômenos e idéias, e, quanto mais aperfeiçoado o método dialético, mais clareza se obtém na formulação de conceitos e descrições de fatos, ao ponto de estabelecer certezas que influirão no processo de criação da própria ciência.

Prosseguindo-se nesse processo revelam-se os marcos práticos e teóricos da razão, que na posse das premissas reveladas nas etapas anteriores, é capaz de promover raciocínios silogísticos, que instrumentalizam a linguagem lógica, que é a forma de expressão do conhecimento científico, mas sua base é o processo de investigação dialética.

Ora, o momento decisório é a situação na qual há necessidade de se obter algum nível de certeza, a ciência bem estabelecida é tal qual uma arte premonitória, pois estabelece corretamente as relações de causa e efeito, que são tão bem expressas pelas estruturas silogísticas.

Sentimos, desejamos, decidimos e investigamos a realidade com nossa inteligência, pois é inegável que nunca deixaremos de nos deleitar em contemplar o arranjos que presenciamos na criação.

Werner Nabiça Coêlho

sábado, 19 de agosto de 2017

LINGUAGEM E GRAMÁTICA... QUEM VEIO PRIMEIRO?!



O problema da linguagem não se responde com a afirmação de uma precedência de estrutura lógica.

O discurso mais concreto e simbólico é o poético, e o menos cheio de elementos vitais é o lógico, entremeados pela retórica e dialética.

Não se pode pensar em lógica gramatical quando se está falando de origem da linguagem, pois é esta que é a fonte originária das normas gramaticais, não o contrário.

A lógica (e a gramática) é um momento muito posterior ao nascimento da linguagem.

A linguagem em sua origem é a música e a oração votadas ao ser divino, são frutos da percepção direta do sobrenatural que enforma a linguagem humana.

É o sagrado que dá razão às conquistas posteriores das estruturas gramaticais, mera criação de normas positivas com base em dados empíricos já instituídos pela tradição oral e escrita.

Werner Nabiça Coêlho - 19/08/2017

SENTIMENTOS, EMOÇÕES E LINGUAGEM


Ao se adotar um foco relativo à etiologia da linguagem é possível detectar que em animais superiores o sentimento é manifestação da primeira linguagem codificada seja em gestos, expressões faciais ou corporais, sons musicais ou de ênfase como rosnados.

A humanidade necessitou erigir o verbo em meio aos gritos com base na harmonia dos símbolos, que inicialmente surgiram de uma progressiva harmonização dos sentimentos em emoções, estruturas de linguagem sentimental possuidoras de conteúdo comunicacional mais consistente e expressiva de um estado psicológico específico.

A conversão da reação do sentimento cego na estabilidade das emoções significativas, simbolizadas por nomes próprios, foi o fruto da repetição de rituais religiosos originados das crises miméticas, que operaram o progressivo nascimento dos símbolos diferenciadores da cultura.


Cabe aqui esclarecer que a chave da teoria mimética de René Girard é fundada na criação do bode expiatório, uma vítima sacrificada pela violência sagrada, originada na violência caracterizada pela espiral da vingança que eventualmente domina a comunidade quando os processos miméticos fogem do controle.


O sacrifício do bode expiatório, fenômeno que ocorre dentro do mecanismo mimético, contém o processo da violência sem fim, assim, o ato sacrificial origina o rito, que é a reprodução dessa violência sagrada mantenedora da paz social, em contraponto à violência profana e irracional na qual os sentimentos são inominados e indiferenciados.

Neste sentido, o temor ao sagrado é um mecanismo que origina a linguagem, e explica como somos capazes de racionalizar o temor em amor, pois o próprio fato de atribuirmos nomes às emoções e aos sentimentos implica na criação de símbolos, imagens, referências, diferenciações.

A conversão de reações sentimentais em emoções racionalizadas é uma técnica de sobrevivência da espécie humana que possibilita o controle da violência humana e social.

Daí a criação de emoções e o ato nominá-las ser um tipo de racionalidade com foco na necessidade de sobrevivência, um exemplo misterioso, e já bem vulgarizado no senso comum, é o processo descrito como "Síndrome de Estocolmo", em que a vítima converte o temor ao algoz em respeito à autoridade, ou mesmo em amor ao tirano, por isso que ditaduras e totalitarismos são tão longevos, pois o medo é uma emoção que conforma o verbo "obedecer", e, da mesma forma,  em sociedades republicanas e/ou democráticas, o amor funda a caridade e a autonomia de pessoas livres por meio do senso de responsabilidade.

Werner Nabiça Coêlho - 19/08/2017

domingo, 23 de julho de 2017

O MITO, O SÍMBOLO E O SALTO NO SER

Maat

Eric Voegelin define que o "homem é consubstancial com a realidade que experiencia", e que o "centro da consciência" é a experiência da participação compreendida como a realidade do contato com a realidade exterior ao homem (p. 114), realidade esta que se manifesta no "horizonte da nossa existência no mundo" que inclui a multiplicidade das possibilidades de participação na realidade natural, cultural, artística, religiosa, científica, etc, e, assim, "a  experiência é o que está entre o sujeito e o objeto da participação" (idem).

A experiência, portanto, é a comunicação que se dá no contato entre sujeito e objeto, por serem consubstanciais podem trocar informações, cujo idioma é a própria experiência transfigurada em símbolos.

A estrutura da realidade é algo que está em constante tradução experiencial, é um processo de criação permanente de símbolos, cujo início e fim não são visíveis no horizonte da experiência.

Voegelin adverte que quando alguém "constrói um sistema, a falsificação da realidade é [...] inevitável" (p. 119), uma vez que a participação engendra a experiência e esta é percebida por meio de símbolos, que são conjuntos de idéias densamente compactadas, portanto, inabarcáveis por simplificações sistematizadoras, uma vez que os princípios, que permitem a construção de sistemas, são idéias parciais e derivadas que nascem dos próprios símbolos.

Os símbolos são fenômenos de linguagem engendrados pelo processo da experiência de participação, e são gerados pelo encontro entre o humano e o divino. A linguagem faz parte desse caráter de metaxo, ou Entremeio, da consciência. Os símbolos de linguagem que expressam uma experiência não são convenções sociais ou culturais, são testemunhos objetivos do processo de participação (p.116).

A abertura à realidade frutifica na experiência criadora de símbolos que comunicam as descobertas oriunda do processo de participação na criação.

Voegelin define que a ordem "é a estrutura da realidade como experenciada pelo homem, bem como a sintonia entre o homem e uma ordem não fabricada por ele ,isto é, a ordem cósmica" (p. 117), e, a ordem, quando descoberta, principia pela representação mitológica.

O mito é o símbolo da experiência que engendra toda e qualquer civilização, que surge da experiência de participação mediante a percepção de leis constantes na natureza, cuja divindade se materializa na realidade cósmica, fenômeno que implica em criação de símbolos panteístas, que em linguagem contemporânea descrevemos como a "mãe natureza".

A criação dos mitos cósmicos configuras-se no "salto no ser", cuja imanência determina que a existência humana está presa ao eterno retorno dos fenômenos deste mundo com a regularidade das estações do ano.

O próximo salto no ser descrito por Voegelin é a constituição do símbolo da história, cuja criação é relatada no Antigo Testamento.

A civilização histórica como a conhecemos é o resultado deste salto no ser transcendente que estabelece uma aliança entre o Logos e a humanidade, assim, estabelece-se o símbolo da história, e, ao ser humano é conferido um destino para além da história, é o símbolo do "destino" e da "liberdade", para além deste mundo, tal percepção é a origem da moral e da ética como a compreendemos, pois o juízo final é o julgamento da história da alma transcendente, é um testemunho perante a eternidade.

Eric Voegelin, Reflexões Autobiográficas. É Realizações: São Paulo, 2007.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

REFLEXÕES SOBRE A TEORIA MIMÉTICA DE RENÉ GIRARD



O ponto que me proponho a discutir é justamente o conceito de racionalidade precipitado pelo cartesianismo, pois o fato de existir uma razão matematizante não exclui que o fenômeno da racionalidade inclua outras manifestações racionais.


Vou exemplificar com minha curiosidade relativa ao problema da origem da linguagem, pois não existe qualquer forma de o método cartesiano explicar o fenômeno da linguagem em sua gênese, há necessidade de se definir a linguagem pré-verbal e sua evolução para a linguagem verbal.


Neste sentido há que se considerar que há a uma linguagem não-verbal atuando antes, durante e depois, e que tal linguagem não é mensurável de forma quantitativa, mas é um qualidade da comunicação ser mais ou menos intensa, e esta intensidade no nível linguístico não verbal é o fenômeno emocional, que não é mensurável numericamente, e antes de existir a linguagem falada houve a linguagem emocional.


O complexo processo de manifestação da interação social por meio das emoções que possibilitou através do mecanismo mimético o desencadeamento do fenômeno sócio-religioso do bode expiatório, e com o sacrifício primordial que ocorreu diversas vezes em diversas culturas que se obteve a condição de possibilidade para a criação da própria razão que se utiliza da linguagem como ferramenta de comunicação.


A repetição de ritos sacrificiais consolida paulatinamente a própria linguagem verbal, criam-se os mitos originadores das primeiras expressões verbais.


E assim justifico minha percepção de que a razão que mensura dentro do corte metodológico da razão matemática não é suficiente para explicar o próprio fenômeno da razão mesma.


Werner Nabiça Coêlho - 10/06/2016
 

 

 

O fato de não existirem livros religiosos em algum tempo pretérito não implica na inexistência de religião, pois esta existe desde sempre, ao ser considerado o conceito de tempo de existência do ser humano.


A comunicação não escrita, ou melhor dizendo, a comunicação oral, é uma das fontes primordiais do conhecimento religioso, mas não é o seu pressuposto, a própria fala foi criada e conformada pela religião.


O marco teórico presente na teoria mimética, desenvolvida por René Girard é um adequado referencial explicativo para o fenômeno religioso, e, por tabela, serve para descrever a própria constituição da linguagem humana que necessitou transitar da fase pré-verbal para a expressão verbal.


Os dados que se originam da pesquisa mimética demonstram que foi a Religião que criou o homem, pois foi com o ritual religioso que se constituiu a própria fala.

 
Somente existiu a possibilidade do nascimento da cultura porque houve uma "evolução" da própria linguagem, em razão do fenômeno religioso primordial, resultado da "crise mimética", descrita pela antropologia girardiana.


Ocorre que as religiões arcaicas são essencialmente vitimárias e sacrificiais, e, neste ponto está a origem do conceito de pecado original, pois a sociedade foi erigida sobre uma montanha de vítimas sacrificadas.


A revelação cristã demonstrou que não podemos prosseguir nesse processo de sacrificar o próximo, pois revelou-se que a vítima é inocente, e Cristo é por isso a vítima perfeita, que causa a destruição das religiões arcaicas e seus mitos, pois os mitos mentem ao atribuir a culpa à vítima, e o Deus vivo revela que é mais sagrado poupar a vítima inocente, do que realizar o culto da violência.

 
Werner Nabiça Coêlho - 24/06/2016

 




O modelo mimético pode ser aplicado à chamada "síndrome de Estocolmo", considerando-se que esta é uma clara hipótese prática em que se manifesta uma das possíveis manifestações da relação entre a violência e o sagrado, em que se sacraliza a violência e a mesma transforma-se na linguagem dos mitos e em práticas rituais que podemos chamar de síndromes, ou outros apelidos modernos. 


Assim se estabelece um tipo de culto ao deus violento, que deve ser ritualisticamente homenageado, amado e temido, com fundamento na crise mimética desencadeada pela ação violenta do algoz.


Em suma, o instinto de sobrevivência procura razões para justificar a violência e racionalizar a submissão, como algo positivo, mesmo que injusto de fato e de direito.

 
Werner Nabiça Coêlho - 24/06/2016


 



René Girard converteu-se ao catolicismo quando constatou que a condição cultural que possibilitou a superação da violência mimética, que é o fundamento das religiões anteriores à boa nova cristã.


Foi justamente a paixão de Cristo que descortinou a falsidade dos mitos das religiões de até então, e revelou todo o mecanismo mimético, e essa revelação é considerada pelo Girard um verdadeiro milagre que não pode ser justificado pelos dados culturais somente, houve, sim, uma revelação, ou como diria o Wolfgang Smith houve uma causalidade vertical
 

Werner Nabiça Coêlho - 21/10/2016

 



O René Girard tem uma abordagem interessante sobre a origem das interdições sociais, e numa rápida síntese posso descrever que ele define que é necessário para a saúde da mente humana, e da sociedade em geral, que haja diferenciações e hierarquias, estruturas sociais que se consolidam mediante sucessivas crises miméticas.


São crises oriundas de situações na qual o risco da violência autodestruidora foram superadas, e uma dessas hipóteses é o sexo se tornar um evento intestino às relações familiares, essa hierarquia é tão severamente representada na mitologia grega, por exemplo, que Tróia precisou ser aniquilada para ser preservada a instituição do casamento, que dizer do incesto.

 
Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016


 



O que torna a hipótese mimética interessante é que a origem das interdições é necessariamente um processo antropológico, em seu sentido mais originário, é como que o processo de formação geológica que conforma os montes e vales da psique humana, das formas mais diversificadas possíveis mas sempre remetendo aos mesmos paradigmas que fornecem o esteio e os princípios para a hierarquia social, e, inclusive, pode ser que o incesto, de um ponto de vista ritual seja permitido, mas, somente para a classe de pessoas que serão possíveis bodes expiatórios, como o que ocorre com os Faraós.

 
Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016




 

As razões para a existência da crise mimética são um pouco mais profundas que a existência de um suposto conflito de um contra todos.


É como se fosse um processo, que quando dá certo cria uma válvula de escape para a violência social acumulada pelo processo de mediação interna, quando dá errado a comunidade entra em um processo de autodestruição mediante vinganças intermináveis.


A noção de horda é uma forma que a linguagem ordinária consegue descrever a própria crise mimética, como uma crise de indiferenciação, onde ninguém pode ser de ninguém e todos estão contra todos.


A solução da crise cria modelos de comportamento, que por sua vez são a origem das relações sociais que possibilitam a vida comunitária.


A teoria mimética demonstra que a solução de crises sociais nos primórdios da humanidade decorreu de inúmeros processos de criação de bodes expiatórios, que ora davam errado, e a sociedade desaparecia em meio ao caos social, ora davam certo, mediante o sacrifício de bodes expiatórios, e, assim, instituíam-se ritos e criavam-se mitos.


As vítimas eram normalmente elementos da sociedade que padeciam de algum defeito ou debilidade, ou mesmo uma característica de exceção, como ser um estrangeiro, que serviam de elementos catárticos para expulsar a violência profana, mediante a criação de uma violência sagrada, que passaria a ser ritualmente repetida, e, através de infindáveis repetições, assim, a própria cultura humana foi sedimentando-se.


Werner Nabiça Coêlho - 20/11/2016




 

Sem adentrar no modelo econômico de estrutura social, adoto o modelo antropológico de descrição da sociedade como o resultado de interação mimética. 


A gênese da cultura é fundamentalmente uma criação de hierarquias sociais fundadas na violência sagrada, que evolui paulatinamente para conformações mais brandas na qual a solução sacrificial migra para estruturas mais sofisticados. 


Segundo tal modelo inexiste sociedade sem hierarquia, e sem padrões fundados em modelos miméticos, que suplantam a mediação interna pela criação de mediações externas. 


Neste modelo antropológico o anarco-capitalismo é uma impossibilidade ontológica, em razão de estabelecer um pressuposto que impõe a destruição das hierarquias.


O modelo cristão é o mais impressionante padrão de supressão da violência, pois supera a crise mimética com o estabelecimento da racionalidade objetiva que distingue claramente o sacrificador e o sacrificado, e, portanto, é o portador dos padrões éticos que possibilitam a existência de uma sociedade capitalista bem regulada.

 
O anarco-capitalismo é uma proposta de (des)organização social inviável pois desencadeia a crise mimética.

 
Em síntese, a economia e sua prosperidade estão condicionados pela existência prévia de soluções de pacificação social, para permitir uma ordem legal e social capaz de proteger as trocas voluntárias, bem como impedir trocas involuntárias.

 
Werner Nabiça Coêlho - 25/02/2017

domingo, 5 de fevereiro de 2017

SOBRE A EPIDEMIA MUNDIAL DE SUICÍDIOS ENTRE JOVENS


A Organização Mundial da Saúde (OMS) descobriu que o suicídio mata mais jovens que o vírus da SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), dada esta constatação há uma percepção generalizada de que o mundo é uma bosta, e que os que têm um pouco de massa cinzenta se matam.

Discordo de tal opinião, pois a depressão do suicida tem mais relação com a perda de sentido da vida, vazio este que resulta do materialismo e do consumismo como eixos de orientação da vida contemporânea.

A vida não é só a matéria segunda, é sobretudo uma derivação do elemento espiritual, pois perdeu-se a percepção de que o sobrenatural é inerente à realidade do natural.

A visão negativa e suicida é uma boa síntese do pecado original, e da necessidade de redenção, temperada com um pouco de hedonismo, cuja tentação, se acaso não for vencida, pode danar a alma, pois se não podemos afirmar que o inferno existe, também não podemos afirmar que ele não seja real.

Nem sempre o fracasso é uma culpa exclusiva do suicida, alguns fracassos são projetados, para que a vítima não consiga encontrar a solução para enigma de seu sofrimento, neste momento é que o estudo e a reflexão, aliados à busca do autoconhecimento, ajudam a superar essa artimanha diabólica da cultura pós-moderna, que criou o argumento politicamente correto, ao arrepio do argumento simplesmente verdadeiro e grávido de sentido.

O Apóstolo Paulo, em sua Primeira Carta aos Coríntios, 14, 10-11, assim se refere quanto ao verdadeiro valor da linguagem

"No mundo existem não sei quantas espécies de linguagem, e não existe nada sem linguagem. Ora, se eu não conheço a força da linguagem, serei como estrangeiro para aquele que fala, e aquele que fala será um estrangeiro para mim"
 


A força da linguagem não está na polidez mas na eficácia, a linguagem é o princípio para a ação, boa linguagem implica em ações eficazes, e, uma das fontes da atual epidemia de suicidas está na criação de uma geração (des)educada no politicamente correto, que padece de força de expressão, e,  por isso, afunda-se na ineficácia do desespero da depressão.

Vivemos uma cultura fundada na mitologia da absoluta autonomia do ego, que resulta na autodestruição egocêntrica, e, na minha opinião descalça e nua, o remédio para esse mal está na busca da verdade religiosa e filosófica, preferencialmente ambas, mas cada uma destas buscas por si mesmas resultam nas únicas terapias eficazes, pois são meios de mirar corretamente no alvo do autoconhecimento que possibilita a autoconsciência, que por fim são os instrumentos para refinar a percepção objetiva do mundo e de sua beleza e bondade, com a reconquista da linguagem que possui a capacidade de comunicar verdades da vida, pois hoje a juventude é um estrangeiro em sua própria consciência.


Werner Nabiça Coêlho - 04.02.2017

domingo, 15 de janeiro de 2017

Cooperatoris Veritatis: algumas considerações sobre o diálogo platônico Fedro



Seguindo a trilha aberta de Carlos Alberto Nunes, cujos comentários destacam a natureza teatral da obra platônica, e, após a reunião do grupo de estudos relativo ao diálogo platônico Fedro, considero ser útil guardar a memória de alguns pontos objeto de discussão.

Carlos Alberto Nunes (1897-1990)
Ao ser encontrado por Sócrates, fora dos muros de Atenas, às proximidades do Rio Ilisso,  Fedro afirma estar a "passear nas estradas" por recomendação do amigo comum Acumeno por ser uma forma de repouso melhor que descansar "em galerias cobertas" (227a) (p. 33)

Fedro relata a Sócrates que Lísias discursara em torno do amor, e defendera "que é preferível alguém ceder às instâncias de quem não lhe dedica amor, a entregar-se a quem o ama de verdade" (227c) (p. 33-4), ao que Sócrates ironiza que então "o pobre é de preferir ao rico e o velho ao moço, ou falasse das misérias que me são peculiares e à maioria dos homens, teria o mesmo feito um discurso civil e verdadeiramente democrático" (idem).

Diante da afirmação de Fedro, de que não poderia declamar o discurso de Lísias, Sócrates se sai com mais uma tirada irônica, e descreve o método de estudo de Fedro, descrição esta que por si só tem seu valor pedagógico:

II - Sócrates - Fedro! Fedro! Se eu não conhecesse o Fedro é que já me teria esquecido de mim mesmo. Porém nada disso é verdade. Tenho absoluta certeza de que, por tratar-se de um discurso de Lísias, ele não se satisfez com uma audição apenas, mas insistiu junto do autor para que o lesse várias vezes, ao que o outro acedeu de muito bom grado. Mas, nem isso lhe bastou; tomando do livro, mergulhou na lição dos trechos mais interessantes. Nesse estudo passou sentado a manhã toda, até que, vencido da fadiga, saiu a espairecer cá fora, porém já com o discurso de cor, como tenho que de fato aconteceu [...] Só veio passear fora dos muros para declamá-lo, e, ao topar com um tipo doente por discursos, exultou por haver encontrado um parceiro para seus delírios coribânticos e o convidou a acompanhá-lo. Depois, instado por esse amante de discursos par que o lesse, fez-se rogado, como se não tivesse o menor desejo disso" (288b a 288c) (p. 34)

Fedro é apanhado em outra malandragem estudantil, pois quando já iria começar um exercício de declamação do texto memorizado, com base em seus estudos acima descritos, Sócrates percebe que seu companheiro de diálogo escondia o texto escrito do discurso de Lísias, e, certamente, com um meio sorriso no rosto, e um tom de divertida admoestação se dirige ao jovem efebo:

"Sócrates - Pois não, amor; mas, antes disso mostra-me o que trazes na mão esquerda, debaixo do manto. Suspeito que seja o tal discurso. Se for o caso, podes ter a certeza de que, embora eu te dedique muita estima, uma vez que Lísias se acha presente, não deixarei que te exercites à minha custa. Vamos, descobre-o logo." (228e) (p. 35)

Esta colocação de Sócrates, de que "Lísias se acha presente", é muito interessante, como uma antecipação da noção posterior apresentada de que há um risco em potencial, relacionado ao culto do texto, sem levar em conta que as idéias escritas, também, possuem uma vida para além dos livros, o que torna relacionarmos esta passagem com a discussão posterior, neste mesmo diálogo, em que se destaca a natureza "muito perigosa" da palavra escrita:

"LX – Sócrates – Logo, quem presume ter deixado num livro uma arte em caracteres escritos, ou quem a recebe, na suposição de que desses caracteres virá a sair algum conhecimento claro e duradouro, revela muita ingenuidade e o desconhecimento total do oráculo de Amão, dado que imagine ser o discurso escrito mais do que um meio para quem sabe, a fim de lembrar-se do assunto de que trata o documento.
Fedro – É muito certo.
Sócrates – É que a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto, parecidíssima com a pintura, pois esta, em verdade, apresenta seus produtos como vivos; mas, se alguém lhe formula perguntas, cala-se cheia de dignidade. O mesmo passa com os escritos. És inclinado a pensar que conversas com seres inteligentes; mas se, com o teu desejo de aprender, os interpelares acerca do que eles mesmos dizem, só respondem de um único modo e sempre a mesma coisa. Uma vez definitivamente fixados na escrita, rolam daqui dali os discursos, sem o menor descrime, tanto por entre os conhecedores da matéria como os que nada têm a ver com o assunto de que tratam, sem saberem a quem devam dirigir-se e a quem não. E no caso de serem agredidos ou menoscabados injustamente, nunca prescindirão da ajuda paterna, pois por si mesmos são tão incapazes de se defenderem como de socorrer alguém." (275c a 275e) (p. 93-4)
Retornemos ao contexto inicial, em que Fedro e Sócrates acabaram de se encontrar, e buscam um local de descanso enquanto passeiam, cenas cujo caráter bucólico é ressaltado pela descrição de cenários idílicos, muito favoráveis à discussão dos conceitos relacionados ao sumo bem.

Após Fedro ser apanhado em suas artimanhas estudantis, e ser forçado a concordar em ler o discurso de Lísias, nossos amigos do saber prosseguem seu caminho em direção à uma localidade encimada por um plátano, uma árvore frondosa, cujas forma característica da folha está desenhada na bandeira do Canadá.

Ao caminhar na direção de seu local primaveril, em que se travará a parte principal do diálogo, Fedro observa que fez bem em sair sem sandálias, que é como Sócrates sempre anda (229a) (p. 35), o que me remete à etimologia da palavra humildade, derivada do latim "humus", e a expressão significa "estar com os pés descalços sobre o chão".

E, a propósito da descrição do local, em que a conversa de desenvolve, destaco alguns elementos descritivos, para depois prosseguir tratando de alguns passagens outras, que me remeteram à teoria mimética de René Girard, mas, enquanto isso, surpreendamos os amigos tratando do local em que o diálogo realmente iniciar-se-á:

Plátanos

Fedro - Estás vendo aquele plátano alto?
Sócrates - Como não?
Fedro - Ali há boa sombra, brisa agradável e relva suficiente para nos sentarmos e até mesmo para deitar, se assim nos aprouver.
Sócrates - Então sigamos. (229b) (p. 35)
[...]
IV - Sócrates [...] E, por falar nisso, companheiro, não é esta a árvore para onde querias conduzir-nos?
Fedro - É essa mesmo.
V - Sócrates - Por Hera! Que belo sítio para descansar! Este Plátano, realmente, é tão copado quanto alto, e aquele pé de agnocasto além de sombra agradabilíssima que sua altura proporciona, embalsama toda a redondeza, por estar em plena florescência. E sob o plátano, também, que fonte encantadora! A água é bastante fria, o que os pés nos confirmam. Deve ser consagrada às Ninfas e a Aquelôo, a julgarmos por estas imagens e figurinhas. Observa também como aqui a brisa é delicada e aprazível; sua melodia clara e estival acompanha o coro das cigarras. Porém, o mais admirável de tudo é a relva, que se eleva gradualmente para formar uma camada espessa. Se nos deitarmos neste ponto, disporemos de travesseiro em tudo cômodo. Revelaste-te excelente guia, amigo Fedro. (230a a 230 c) (p. 36-7)
Agnocasto 

Percebo que um dos mais importantes aspectos relacionados ao exercício de uma boa leitura, por vezes, é o tempo decorrido entre os anos que medeiam as visitas a um texto, pois da primeira vez que li este diálogo, e já fazem quase 20 anos, pouco me importei com aspectos lúdicos ou com o cenário, mas, após reler este trecho, pude perceber que o contexto bucólico descrito, pode ter sido uma rica fonte de referencias literárias aos irlandeses (1), quando salvaram a cultura ocidental, pois foi sob plátanos e outros locais análogos (2), conforme descrito por Platão nesta peça literário-filosófica, que os monastérios irlandeses do século V surgiram, como centros de preservação e divulgação da herança milenar greco-romana e judaico-cristã.

Agora, retomando o fio da meada, faço algumas indicações de elementos relacionados à teoria mimética (3) apanhados no texto, com a finalidade de registro para futuras elucubrações deste escriba, e, quem sabe, inspirar terceiros, a respeito da violência sagrada, presente no texto deste diálogo segundo a chave explicativa da teoria girardiana.

Rio Ilisso
Antes de chegar ao plátano, cujos arredores são poeticamente descritos no diálogo, Fedro comenta que estavam passando pelas margens do Ilisso, local em que Bóreas raptou Oritia, ao que Sócrates indica que o local certo ser um pouco mais adiante (229b) (p. 36-7), e neste ensejo Fedro questiona de forma cética a respeito do mencionado mito: "acreditas nessa história?" (229c) (p. 36).

Sócrates, então, discorre a respeito do mito, e de sua natureza questionável do ponto de vista racional, o que dá a entender que naquele tempo histórico contemporâneo ao nosso filósofo, as verdades religiosas tradicionais estavam sendo duramente criticadas, vejamos:

IV - Sócrates - Se, a exemplo dos sábios, eu não acreditasse, não seria de estranhar. Interpretação sutil da lenda fora dizer que o ímpeto de Bóreas a derrubou dos rochedos próximos, quando ela brincava com Farmaceia, e que as próprias circunstâncias de sua morte deram azo a dizerem que Bóreas a havia raptado. (229d) (p. 36)

Ora, este trecho revela-se perfeito, para análise com a utilização da chave explicativa de René Girard (4), pois descreve um mito em que há um bode expiatório (Oritia), e um deus (Bóreas) que personifica, neste caso, a multidão, que em sua fúria lança a vítima do rochedo, sem contaminar-se ritualmente com a violência bruta, pois utiliza-se de meios sagrados de imolação, e, por outro lado, a própria explicação dos sábios referidos por Sócrates, são um claro indício de um forte processo de dessacralização da religião ateniense, submetida à crítica racionalista que busca razões humanas para o surgimento das lendas.

Como o tempo urge, e o texto tem que ser concluído, indico que no trecho de 231a -234c está contido o discurso integral de Lísias, ao qual Sócrates qualifica de "demoníaco", e refere como ficou contagiado "do mesmo furor báquico" de Fedro enquanto este declamava a leitura de tal discurso (234d) (p. 41), o que me remete à lembrança das descrições sobre o magnetismo da arte no diálogo Íon (5), ou Ião como na tradução de Carlos Alberto Nunes.

Em seguida, há o discurso retórico que Sócrates é levado a fazer, pois Fedro impõe tal dever, inicialmente, por uma coação,  manifestada nestes termos: "Resolve-te, pois, a falar, antes que eu recorra à violência" (236d), e, finalmente, de forma eficaz, mediante a oração ritual em que faz o seguinte juramento:

Fedro - [...] Juro... Por qual divindade hei de jurar? Por qual? Aceitas este Plátano? Pois bem: se não declamares teu discurso diante deste plátano, juro que nunca mais te mostrarei nem indicarei discurso de nenhuma pessoa. (p. 236e) (p. 45)

E, mesmo sem ter tocado no assunto relativo à iniciação de natureza pitagórica cujos indícios surgem ao longo do texto, nem me deter nos aspectos concernentes às classificações sobre as virtudes e vícios do desejo amoroso, presentes no discurso retórico de 237b-241d, em que Sócrates discursa de rosto velado de vergonha (237a)(p. 44), e, muito menos, sem tocar nas profundas digressões sobre os conceitos platônicos que principiam pela descrição dos delírios sagrados da divinação, das musas e do amor, passa pela descrição mitológica do mundo das idéias, e prossegue pela metempsicose, que surgem a partir de 244a (p. 53 e seguintes), quando Sócrates declama:

Sócrates - De vergonha, pois, dessa pessoa e de medo de Eros, pretendo limpar-me com a boa água de um novo discurso de toda a salsugem dos conceitos há pouco enunciados. Aconselho também Lísias a escrever quanto antes que, em iguais circunstâncias, um jovem deve preferir quem o ama, não quem não lhe dedique amor. (243d) (p. 53)

Uma anotação final que deixo, é que o amor definido por Sócrates, no prosseguimento do diálogo, em seu mais alto nível, é o amor que se deve guardar pela contemplação da verdade, do bem, do justo e do belo no grau da pureza divina, e, que o eventual amor carnal entre os amantes do saber, é uma forma de apequenar e dessacralizar o amor ao saber, cuja origem é divinal, que deve ser cultivado e resguardado entre amigos, em suma, o saber é muito mais profundo quando associado à castidade, por ser um dever sagrado perante Deus.


Fonte:


Platão, Diálogos de Platão: Fedro, Cartas e O primeiro Alcebíades, Coleção Amazônia, Série Farias Brito, vol. V, tradução de Carlos Alberto Nunes, UFPA, Belém, 1975





domingo, 23 de outubro de 2016

A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS


A articulação do conhecimento é processada de infinitas formas e por meio de inúmeras ferramentas.

Um realista ingênuo como este escriba pode decidir-se a percorrer o caminho da linguagem tal como sugerido por Aristóteles, em especial na forma tão ricamente traduzida por Olavo de Carvalho, num crescendo que sai da raiz fincada no complexo da realidade, um contínuo espaço temporal tornado em realidade discreta pela percepção sensível, que se projeta por meio de imagens em sonhos, que transladam a linguagem poética e sua unicidade estética.

O gosto artístico rompe-se em divergências opinativas, e a política surge das posições retóricas que geram conflitos pelo predomínio de uma das idéias.

A necessidade de auto-conservação permite o estabelecimento de regras normativas à discussão, o que torna a briga em debate, e a discussão em dialética, num torneio desportivo em que o juiz é a razão que a tudo se propõe a igualar.

E, por fim, quando os contendores se dão por satisfeitos estabelece-se o texto que regerá a opinião comum dos doutores, que sob a desculpa de criar teses científicas, acaba por coisificar a linguagem já tornada toda nua de suas roupagens primaveris, mas não menos carregada de mitologia, pois idéia regida pela imaginação permaneceu.


E esta é a Teoria dos Quatro Discursos na qual Olavo de Carvalho definiu o Organon Aristotélico como uma articulação, dinâmica na chave evolutiva e estática na análise descritiva, de Poética, Retórica, Dialética e Analítica, como quatro espécies de linguagem que se justapõem e se entrelaçam no vórtice da comunicação.

Werner Nabiça Coêlho - 02/09/2016

sábado, 25 de junho de 2016

É BOM CITAR: PALAVRA, RITO, SÍMBOLO E A ORIGEM DA LINGUAGEM

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As palavras são como machados e espadas
antes que o humor lhes tire o gume,
pois o ritual verbal varre longos corredores de tempo
para o futuro 
e para o passado, 
a fim de que a vida de um homem 
não permaneça subumana.
(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 177-8)
 
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É uma lei: 
o homem não se torna humano 
sem que determinada organização física 
e indeterminado órgão social 
- ou o corpo do homem e seu caráter temporal - sejam integrados numa unidade.
O ritual, 
que consiste em cerimonial e memória nomeada, 
é o processo dessa integração.
Por isso ritual é medido em geração; 
a medida da perfeição de um ritual 
é o seu poder de atar várias gerações de homens.
Para interpretar o ritual primário, 
talvez seja melhor concentrarmo-nos na questão do poder. 
Abrir corredores de trinta ou quarenta anos 
em direção ao passado e ao futuro requer poder.
Requer muito mais poder 
do que aquele que atribuímos à fala.
(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, 178)

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O ritual tribal comunicava religião, 
lei, 
escrita 
e fala.
O ritual criou o tempo 
- como passado e futuro - , 
o poder 
- como liberdade e sucessão -, 
a ordem 
- como título e nome - , 
a expectativa 
- como cerimônia e vestuário - , 
a tradição 
- como canto fúnebre e mito do herói.
O ritual ligou o homem ao tempo, 
e isso é expresso pelo termo "religião"
(Eugen Rosenstock-Huessy (1888-1973) A origem da linguagem, p. 187-8)

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Um ritual antecede ao símbolo. 
Se nenhum ritual investiu a pessoa, 
o símbolo não passa de mero brinquedo frívolo.
(Eugen Rosenstock-Huessy, A origem da linguagem, p. 221)