domingo, 15 de abril de 2018

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: PÉ NA PORTA

Técnica do pé na porta
Freedman e Fraser, em 1966, trazem à luz um fenômeno conhecido como pé-na-porta. Tratemos brevemente de duas de suas experiências.

Com a primeira delas, se buscava conhecer, em função da maneira como era formulada a pergunta, o percentual de donas de casa dispostas a responder a uma enquete a respeito de seus hábitos de consumo. Estimando que tal enquete deveria ser longa e aborrecida, somente 22% aceitaram dela participar quando se lhes convidou a isso diretamente. Mas os autores, dirigindo-se a uma segunda amostragem, fizeram preceder à pergunta um processo preparatório bastante simples: três dias antes de formulá-la, telefonaram aos membros desse grupo, solicitando-lhes que respondessem a oito perguntas acerca de seus hábitos de consumo em matéria de produtos de limpeza. Quando, três dias mais tarde, se lhes pediu para que se submetessem à mesma enquete que fora feita com os membros da primeira amostragem, a taxa de aceitação elevou-se a 52%. Chama a atenção o fato de que um procedimento tão simples possua tamanho poder.

Portanto, o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso.

Noutra experiência, os mesmos autores dividiram igualmente os participantes em dois grupos. Os membros do primeiro não foram submetidos a qualquer preparação particular. Aos membros do segundo grupo foi solicitado que colassem (ato aliciador) um adesivo na janela. Pediu-se em seguida aos membros dos dois grupos que instalassem, cada qual em seu jardim, uma grande placa - que chegava a encobrir parcialmente a fachada da casa - a qual recomendava prudência aos motoristas. Enquanto o percentual de aceitação, no primeiro grupo, foi de apenas 16,7%, no segundo esse percentual atingiu a marca de 76%. Ainda, convém notar que, contrariamente à pesquisa anterior, nesta, as duas experiências foram conduzidas por duas pessoas diferentes.

E não é só isso. A enorme disparidade entre esses percentuais, citados logo acima, foi obtida nos casos em que o adesivo também exortava os motoristas à prudência. A atitude era a mesma (ser favorável a uma conduta mais prudente), tanto no ato aliciador (fixar um adesivo) quanto ao ato custoso (instalar em seu jardim um placa sem graça). Acontece que, mesmo que essa condição não seja atendida, podem-se obter resultados bastantes significativos. Convidando um terceiro grupo, não para colar adesivos que recomendassem uma conduta prudente, mas para assinar uma petição para manter bela a Califórnia, os autores obtiveram uma taxa de aceitação de 47,4% contra - notemos esse valor - 16,7%, quando a demanda não foi precedida de nenhum ato aliciador. Nesse protocolo experimental, a atitude referente a esse ato aliciador (ser favorável à preservação da qualidade ambiental) já não é a mesma relacionada ao ato custoso (estimular uma conduta mais prudente). Da mesma forma, a natureza de um e de outro ato, nesse caso, diferem: assinar uma petição redigida por um terceiro, comportamento pouco ativo e, de certa forma, anônimo, não pode ser comparado ao fixar-se, no próprio jardim, uma placa de grandes dimensões, comportamento ativo e personalizado. Assim, favorecer as diversas associações e organizações não governamentais coloca a população no papel - ilusório - de ator e modifica suas atitudes, levando-a, em seguida, a empreender atos cada vez mais custosos.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 21-22

Obras referidas:

Freedman, J. L., Fraser, S. C. Compliance without pressure: the foot-in-the-door technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 4, nº2, p. 195-202, 1966.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: NORMAS DE GRUPO


A célebre experiência de Sherif sobre o efeito autocinético evidencia a influência exercida por um grupo sobre a formação das normas e atitudes de seus membros. A experiência desenrola-se assim: tendo-se instalado um indivíduo, sozinho, em uma sala escura, pede-se-lhe que descreva os movimentos de uma pequena fonte luminosa, a qual, na verdade, acha-se imóvel. O sujeito, não encontrando nenhum ponto de referência, logo começa a perceber movimentos erráticos (efeito autocinético). Após algum tempo, passa a considerar que a amplitude dos movimentos oscila em torno de um valor médio, que varia de indivíduo para indivíduo. Se, ao contrário, a experiência é realizada com vários indivíduos observando a mesma fonte luminosa e partilhando entre si suas observações, surge logo uma norma de grupo à qual todos se conformam. No caso de, posteriormente, um indivíduo ser deixado só, ele permanece, ainda assim, conformado àquela norma de grupo. Tendo-se repetido a experiência, propondo agora ao sujeito outras questões ambíguas (estimativas de temperatura, julgamento estéticos etc.), constatou-se que, quanto mais difícil era formular um julgamento objetivo, mais estreita se fazia a conformidade à norma de grupo.

Sherif generaliza esses resultados até "o estabelecimento de normas sociais, como os estereótipos, as modas, as convenções, os costumes e os valores". Interrogando-se sobre a possibilidade de "fazer com que o sujeito adote [...] uma norma prescrita, ditada por influência de um companheiro prestigioso (um universitário), e logra obter que o sujeito ingênuo modifique sua norma e a substitua por aquela do companheiro de mais prestígio.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 20-21


Obras referidas:

M. Sherif, Influences du groupe sur la formation des normes et des attitudes. In: C. Faucheux, S. Moscovici (eds.). Psychologie sociale théorique et expérimentale, Mouton Editeur, Paris, 1971, p. 207-226.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: O CONFORMISMO



A tendência ao conformismo foi estudada por Asch, em sua célebre experiência. Ao sujeito avaliado, apresenta-se uma linha traçada sobre uma folha, além dela, três outras linhas de comprimentos diversos. Em seguida, se lhe pede para apontar, entre essas três linhas, aquela cuja medida é igual à da linha-padrão. Por exemplo: esta última mede quatro polegadas, enquanto as linhas que devem ser a ela comparadas medem, cada qual, três, cinco e quatro polegadas. À experiência estão presentes indivíduos associados ao pesquisador, que devem igualmente responder à questão. Estes, cujo papel real na experiência é ignorado pelo avaliado, dão, nos ensaios válidos, a mesma resposta errônea, combinada anteriormente à experiência. O indivíduo testado tem duas alternativas: ou dar uma resposta errônea ou se opor à opinião unânime do grupo. A experiência é repetida diversas vezes, com diferentes linhas-padrão e linhas para comparar. Há ocasiões em que os colaboradores respondem de modo correto (ensaios neutros). Aproximadamente três quartos dos indivíduos realmente avaliados deixam-se influenciar nos ensaios válidos, dando uma ou várias respostas errôneas. Assim, 32% das respostas dadas são errôneas, mesmo que a questão não ofereça, naturalmente, qualquer dificuldade. Na ausência de pressões, o percentual de respostas corretas chega a 92%. Verifica-se também que os indivíduos conformistas, interrogados após a experiência, depositaram sua confiança na maioria, decidindo-se pelo parecer desta, apesar da evidência perceptiva. Sua motivação principal está na falta de confiança em si e em seu próprio julgamento. Outros conformaram-se à opinião do grupo para não parecer inferiores ou diferentes. Eles não têm consciência de seu comportamento. Assim, a percepção de uma pequena minoria de sujeitos avaliados foi modificada: seus membros enxergaram as linhas tais como a maioria as descreveu. Lembremos que o indivíduo não sofria qualquer sanção caso errasse ao responder, da mesma forma que, na experiência de Milgram, ninguém se iria opor a quem desejasse abortar a experiência.

Convém notar que, se um dos colaboradores dá a resposta correta, o indivíduo avaliado então se sente liberto da pressão psicológica do grupo e dá, igualmente, a resposta correta, resultado que ilustra bem o papel dos grupos minoritários. A realidade social, contudo, é para estes bem menos favorável, uma vez que as pressões ou sanções são aí muito intensas.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p.18-19


Obras referidas:

S. E. Asch, Influence interpersonnelle, Les effets de la pression de groupe sur la modification et la distorcion des jugements, In: C. Faucheux, S. Moscovici (eds.). Psychologie sociale théorique et expérimentale, Mouton Editeur, Paris, 1971, p. 235-245.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: A SUBMISSÃO À AUTORIDADE



"Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram produzidas em numerosos países. Os resultados abtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, naturalmente o status real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer relação com a organização da experiência. As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que acredita o professor - este é quem recebe, no início do experimento, uma descarga de 45 volts, para "assegurar-se de que o gerador funciona". As reações que o colaborador deve simular estritamente codificadas: a 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um grito de agonia, depois do qual se cala completamente. É assegurado ao professor que os choques são dolorosos mas não deixam sequelas. O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu termo, tratando de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor, o pesquisador lhe responde: "Queira continuar, por favor"; na segunda vez: "A experiência exige que você continue"; na terceira vez: "É absolutamente essencial que você continue"; na quarta e última vez: "Você não tem escolha. Deve continuar". Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a experiência é encerrada.




O resultado da experiência é espantoso: mais de 60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que estão realmente administrando correntes de 450 volts. Em alguns países a taxa chega a alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão psicológica mas seguem, não obstante, até o fim.

Há algo, porém, ainda mais inquietante. No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras enquanto as descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: "Esta é talvez a lição fundamental de nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição terrível".

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os professores devam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível.

A autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o colaborador pede que o pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta deter a experiência ou denunciar o pesquisador. A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda do que aquilo que os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente aceitável.

Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que permitem modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida, que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática."

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p.13-18

Obras  referidas:

D. Winn. The Manipulated Mind. London, The Octagon press, 1984.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981.

R. V. Joule, J. L. Beauvois. Petit traité de manípulation à l'usage des honnêtes gens. Grenoble. Presses universitaires de Grenoble, 1987.

S. Milgram, Soumission à l'autorité, Paris, Calmann-Lévy, 1974.

S. Milgram, Obecience to Authority, New Yory, Harper & Row, 1974. Citado por Winn, Op. cit., p. 47.

SOBRE A INTELIGÊNCIA CORDIAL BRASILEIRA



Origem da linguagem e suas manifestações não-verbal, pré-verbal e verbal:

A origem da linguagem é um problema que remete à própria origem da cultura, pois antes da invenção da palavra escrita, antes da criação da expressão oral, antes da capacidade de comunicação verbal (mito-poética) houve algum nível de comunicação não-verbal (pré-ritual) e pré-verbal (ritual), isto é, sem a articulação de fonemas que representassem conceitos.

O que tornou possível a transição da expressão ainda animal (não-verbal) de gestos, gritos, rosnados, risos e demais expressões sem articulação simbólica (não verbal) fonética e gramatical (verbal), para a comunicação como a conhecemos?

Como o espectro comunicacional não-verbal e pré-verbal possibilitou a criação de uma ordem comunicativa verbal?

Qual tipo de atitude comunicacional humana pré-verbal precedeu imediatamente o processo de criação da própria linguagem verbal?

Qual o papel das emoções nas manifestações comunicativas pré-verbais? Será a emoção o elo perdido que conecta o momento da animalidade pré-verbal e não-verbal à gênese da palavra em sua forma verbalizável?

Haverá uma gramática das emoções que possibilita a existência da gramática das palavras?

Qual o mecanismo primordial que promoveu a transformação de emoções pré-verbais em verbos?



A linguagem da emoção e a teoria mimética:

Proponho-me a discutir a origem da linguagem, partindo da hipótese que suas manifestações pré-verbal e não-verbal surgiram na forma de uma linguagem de emoções, uma estratégia de sobrevivência que se utiliza de comunicação pré-verbal que possibilitou nos primórdios da cultura a convivência social.

Nesta perspectiva, as manifestações sociais das emoções, quando codificadas, são uma estratégia existencial que possibilitam a sustentação da existência do indivíduo, pois os motivos e justificativas para as reações emocionais são diretamente ligados aos comportamentos necessários à sobrevivência, o que revela um potencial racionalismo existencial pré-verbal.

Algo a ser ressaltado no âmbito da teoria mimética é que as emoções são a matéria prima da mimésis e o fator que desencadeia a crise mimética, pois a crise é o resultado do paroxismo da violência da emoções quando ficam fora de controle, e tal processo de descontrole é possível de ser superado pelo mecanismo do bode expiatório, que gera a catarse necessária para possibilitar o estabelecimento dos primeiros ritos sociais sagrados, que promovem o nascimento do primeiro símbolo, na forma da vítima sacrificial, cuja repetição cerimonial engendra o mito.

Assim sendo, a teoria mimética apresenta uma hipóteses na qual o processo social de ritualização permite o ambiente para o nascimento do verbo com a criação de mitos diretamente derivados da linguagem do ritual cuja origem é não-verbal.

O processo que origina a fala parte do fenômeno das emoções constantemente repetidas ritualmente, manifestadas por gritos, rugidos, rosnados, choro, riso e demais manifestações gestuais e sonoras possíveis, que ao serem articuladas repetidas vezes sofrem um constante aperfeiçoamenteo, e estabelecem padrões fonéticos, que se consolidam nas primeiras palavras carregas de significado ritual.

A palavra em sua origem primordial é, seguramente, um subproduto do ritual religioso sacrificial.

É interessante notar que a linguagem surge da crise que sacraliza e ritualiza a violência, que torna possível a constituição de uma ordem civilizacional.

O bode expiatório é ponto de convergência entre a violência e o sagrado, pois a violência banalizada gera a vingança interminável que destrói a comunidade, e a violência sacralizada estabelece os ritos e mitos que verbalizam as emoções socialmente estabelecidas pela repetição benéfica da crise mimética por meio do ritual, como instrumentos de mediação externa pacificadora da mediação interna que se originara da violência intestina potencial, esta última sempre atuante como um fator de entropia no meio social.

A comunicação oral origina-se da sacralização da violência, antes manifestada em emoções não-verbais de gestos e gritos que, num lance de dados do destino, pode ser solucionada pelo sacrifício do bode expiatório, cuja repetição cria a pedagogia do rito que rememora a criação do primeiro símbolo (o sacrificado) e estabelece um padrão de linguagem pré-verbal, na qual os gestos e gritos passam a ser significativos e permitem o aperfeiçoamento da linguagem ao ponto da criação do verbo oralizado.

O sacrifício é o acontecimento social primordial que cria a paz social necessária para a perduração das relações interpessoais nas origens da sociedade humana, e capacita uma associação de seres humanos em sua fase não-verbal com a linguagem das emoções, sua fase pré-verbal com a linguagem do rito, e, por fim, sua fase verbal com a linguagem dos mitos.

Ao desenvolver a pedagogia do sagrado, que limita a violência social, este ensino puramente religioso é compreendido como uma manifestação divina representada no rito, que revive o acontecimento que pacificou a violência, e, com o tempo, após infinita repetições, permite o nascimento da linguagem falada.

A linguagem em sua fase inicial é produto direto da manifestação religiosa que funciona como uma pedagogia das emoções convertendo a energia da violência em padrões rituais que geram a catarse por meio do ritual, a pedagogia do ritual permite a formação de narrativas mitológicas, pois os mitos em sua linguagem poética são a manifestação verbal deste registro do evento primordial.

Tanto faz se os mitos são gregos ou africanos, muito embora sejam encarados de um ponto de vista meramente literário atualmente, em suas origens, os mitos são sedimentações de ritos, nascidos em tempos na qual inexistia a própria linguagem falada.

Os primeiros ritos e sua pedagogia do eterno retorno estabilizaram-se em palavras.



O homem cordial:

Ora, por mais que sejamos induzidos a considerar que a realidade da comunicação nos níveis não-verbal (linguagem das emoções), pré-verbal (linguagem do ritual) e verbal (linguagem mitológica) como etapas atuantes nas origens da linguagem, tal percepção é falaciosa, pois cada pessoa ao nascer reinicia todo este processo de gênese da linguagem, que parte da comunicação emocional típica da primeira infância, com a criação de ritos e mitos da infância, e prossegue com a conformação de palavras vestidas de conceitos e símbolos durante a segunda infância e a adolescência, numa permanente pedagogia de autocontenção da violência instintiva do ser humano em suas relações interpessoais que ocorre durante a adolescência, até a desejável maturidade afetiva e intelectual da idade adulta.

Todavia, quando uma determinada pessoa está submetida a pressões permanentes, tanto em seu meio social e político, quanto nas relações mais próximas, sejam familiares ou de vizinhança, passa a determinar-se em suas atitudes cotidianas buscando sinais de perigo, com base em suas percepções linguística de amplo espectro (não-verbal e pré-verbal), e, assim, cria-se ressalvas comportamentais e pessoais, para se precaver dos perigos mais iminentes aos mais remotos percebidos numa espécie de sociedade em que impera o princípio da desconfiança.

O brasileiro, como digno representante de seus antepassados lusos, é este tipo de cidadão submetido ao absurdo social acima descrito como sociedade da desconfiança, seja oriunda nos mais altos níveis sociais pela permanente atuação de uma cleptocracia irresponsável com o bem comum, seja pela rotina de uma criminalidade que invade todos os aspectos do cotidiano da vida privada de cada cidadão.

Uma estrutura social baseada na desconfiança tende prevenir-se de uma potencial anarquia resultante de tal instabilidade que lhe é inerente, todo cidadão em tais circunstâncias é uma potencial vítima de crises sacrificiais, como ocorre quando se pratica um linchamento, em que a violência é descarregada sobre um culpado eleito por uma massa dominada pelo desejo de vingança, e cuja vítima eventualmente poderia ser inocente em relação à acusação que motiva o ataque contra si.

Neste ponto, é que resgato a noção cultural e antropológica brasileira de "cordialidade", como uma manifestação de inteligência social típica de sujeitos que necessitam sobreviver às adversidades de um ambiente na qual a confiança é o elemento mais desvalorizado.

Por exclusão, o brasileiro acaba por necessitar se refugiar nas relações interpessoais mais íntimas, seja a família, sejam as confrarias representadas por profissões, por associações com finalidades pias, políticas, desportivas ou mesmo por integrar sociedades iniciáticas das mais diversas matizes.

Em certa medida, os espaços públicos no âmbito da cultura brasileira, são zonas de perigo, ou de pura e simples exploração da boa-fé alheia, e, numa circunstância desta natureza, ao brasileiro somente resta desenvolver técnicas de convivência que apelam para elementos não-verbais e pré-verbais de forte caráter comunicativo em sua natureza emocional.

O brasileiro encara cada pessoa à sua frente como um predador em potencial, e há que haver algum elemento de salvaguarda social, que permita à percepção do sujeito a interação com menor o prejuízo potencial possível.

Nesta base é o estudo do nosso fenômeno cultural denominado de "homem cordial" é fundamental, como elemento constituinte da nossa antropologia social.

A valorização adequada dos aspectos positivos e o desenvolvimento dos modos de superação dos aspectos negativos relacionados ao fenômeno do "homem cordial" é uma das mais importantes contribuições da civilização brasileira para a humanidade.

O ponto de vista pessimista em relação à cordialidade brasileira é muito marcante em Sérgio Buarque de Holanda, enquanto que uma visão mais generosa é exposta por Gilberto Freire.

Creio que é muito interessante trabalhar a definição de "homem cordial" como uma forma de ser que não se prende aos elementos formais e lógico-racionais de uma filosofia da linguagem positivista, que somente considera a palavra falada e escrita, mas, sim, que se trata de uma percepção da humanidade que valoriza adequadamente o elemento emocional da comunicação humana.

O modo de ser nacional, com todos os seus defeitos de origem, e suas taras e deformações, é uma contribuição relevante, pois demonstra que um povo inteiro pode desenvolver mecanismos de mediação externa que suplantam conflitos que em outras culturas implicam em desastres, não é à toa que a história brasileira é uma narrativa de comédias no sentido dado por Aristóteles, ou seja, uma tragédia que não aconteceu, pois persiste um instinto de sobrevivência na psicologia das massas brasileiras que permitiu que grandes eventos históricos não sofressem seus últimos desenvolvimentos trágicos, talvez seja por isso que sejamos tão faltos de grandes guerras civis e revoluções sanguinárias, e, por outro lado, somos a nação na qual a legislação concessiva de anistias foi tão abundante aos longo de sua história.

O brasileiro, por ser afogado num ambiente de cotidiano hostil, desenvolveu a habilidade de perceber, em suas relações sociais e institucionais, o espectro emocional da linguagem (não-verbal e pré-verbal) e perceber sua condição de potencial vítima, seja diante de seu próprio governo, ou até mesmo diante do mais humilde de seus vizinhos, numa sociedade em que um povo ordeiro e trabalhador tem que conviver com uma anarquia institucionalizada pelos representantes do Poder governante.

Portanto, há um elemento de "inteligência cordial", definível como estratégia racional e emocional de sobrevivência do brasileiro, por este ter a percepção intuitiva de ser a potencial vítima de sacrificadores igualmente cordiais, e vice versa,

É a sociedade brasileira, praticamente, uma sociedade em guerra fria consigo mesmo, que sobrevive em tênue equilíbrio operacionalizado pelo fenômeno da "cordialidade".

Por fim, complemento que minha hipótese acerca deste tênue equilíbrio social possui entre seus elementos cordiais, que estão em constante troca de posições vítima/sacrificador, só é possível em razão de nosso forte substrato cultural fundado na revelação cristã, que nos permite perceber que a vítima é sempre inocente.

Werner Nabiça Coêlho

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O GNOSTICISMO

Plotino


"O GNOSTICISMO

É difícil, em face da variedade extremada dos pensamentos gnósticos, muitas vêzes até contraditórios, expor em que consiste essa corrente, que teve seu desabrochar nesse período, e que deixou no patrimônio da filosofia muitas contribuições positivas, como também muitos erros. Afirma o gnosticismo um conhecimento (gnosis) capaz de unir o homem a Deus. A gnosis é o conhecimento intelectual, que unido à pistis, à fé religiosa, alcança ao mais alto saber. O gnosticismo pretendia, no segundo século, realizar a união entre a alma humana e Deus através de um conhecimento (gnosis), que permitisse tal desiteratum.

Entre os grandes gnósticos dêsse período, podem citar-se Simão o Mago, Márcio, Valentino, Basílides, Saturnillus, Menandro de Capparetta, Lucano, Asclépio, Metrodoro, Ambrósio e muitos outros.

Márcio de Sinope foi o fundador do movimento chamado marcionista. Excomugado por seu bispo, foi para Roma, onde combateu as idéias cristãs. Nada nos resta de suas obras, salvo passagens nos livros cristãos em que são rebatidas as suas teses. Afirmava êle haver uma antítese entre o Nôvo e o Velho Testamento. O deus dos judeus é um deus imperfeito. O verdadeiro Deus foi revelado por Cristo, que é um deus puramente bondade, e não o deus justiceiro dos hebreus.

Basílides, natural da Síria, começou a ensinar em Alexandria, em 130. Afirmava que Deus pairava acima do ser, que é criação dêle, como o são tôdas as coisas. Dessa mesma época é Valentino, que em 135 ensinava em Alexandria, vindo, depois, par Roma, em 160. Deus, acima de tôdas as coisas, é o abismo, o inconcebível. Mas o abismo era amor e não tolerava solidão, e uniu-se ao silêncio (sigê), e dessa união nasceu o Intelecto (NOUS) e a verdade (Alétheia). Do Intelecto e da Verdade foi engendrado o LOGOS, o Verbo e a Vida, que engendram, por sua vez, o Homem.

A perda da obra dos gnósticos impede que se possa fazer uma reconstrução de suas idéias: contudo, há intenções claras que podem ser delineadas, como seja a de apresentar Cristo apenas como um escolhido (eleito) para transmitir um conhecimento que salva, para estimular uma luta contra o judaísmo, que perverte o cristianismo.

Pode-se considerar como o genuíno codificador do gnosticismo Plotino, que constituiu essa doutrina com bases filosóficas e com a suficiente inteligibilidade. É o que vimos ao examinar a Escola Alexandrina.

Na Igreja, em luta contra os gnósticos, surte Santo Irineu, natural de Esmirna, que foi (126) discípulo de Policarpo, que era da geração que conhecera Cristo, e que fôra instruído pelos seus discípulos. Sua obra, Exposição e refutação do falso conhecimento (gnosis), acusa a êste de desconhecer os limites da razão humana e pretender penetrar no que a ultrapassa por caminhos falsos. Há apenas Deus, e não um demiurgo, um ser intermediário, criador do mundo. Para os gnósticos, o demiurgo é o criador, embora dependente de Deus. Deus é o verdadeiro criador, e não há nenhum outro ser fora dêle, mas, sim, Dêle, a Êle submetido. Contudo o homem é livre, e se o pecado diminui a sua liberdade, não consegue, porém, destruí-la.

Hipólito foi um discípulo de Santos Irineu e tornou-se famoso por sua obra Contra os Gregos e Platão, ou do Universo. Provàvelmente, nasceu em Roma, tendo morrido na Sardenha, em 236 ou 237. Combateu as heresias e defendeu a tese de que estas não surgiram pròpriamente do Cristianismo, mas das doutrinas filosóficas gregas. Sua obra Refutação das Heresias foi contemporânea de Clemente de Alexandria."

Fonte: Mário Ferreira dos Santos, Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, Editôra Matese, São Paulo, 3.ª edição, 1965, p.1208-10

A VERDADE METAFÍSICA QUE SE FEZ CARNE



Imagem extraída da página Cooperatoris Veritatis


Rousseau fez um grande mal à psique da modernidade ao afirmar que bondade é natural à animalidade!

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O orgulho é o único pecado que não sente vergonha diante de Deus, é o soberbo que se levanta e O enfrenta, este é o vício que o diabo mais gosta...afinal, a sabedoria inicia pelo temor a Deus!


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Amo meus inimigos, pois eles motivam respostas e reflexões valiosas, a inspiração é em grande parte oriunda do escândalo do teatro da maldade e da maledicência.

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A religião marxista, que Raymond Aron denominou de o "ópio dos intelectuais" prossegue expandindo seus fiéis por meio da formação de nosso celebrado sistema de ensino!

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Àqueles que cultuam a matéria, perdoem-me se minha liberdade de expressão e minhas convicções ofendem vosso ativismo messiânico de um tão desejado apocalipse comunista!

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O que será da moral sem a religião? 

Será contribuir somente para a manutenção da burocracia estatal mediante impostos? 

Bastará ser um bom cumpridor da lei positiva, aquela regra emanada do governo? 

Ser cidadão e votar conforme o calendário eleitoral? 

Afirmar uma moral sem Deus, mas fundada no imperativo categórico kantiano... porque sim!? 

Acreditar que o bem pode existir sem o mal, uma vez que tudo é subjetivo, e, por isso, só pode existir o bem relativo a cada pessoa?

Postular o "dogma do relativismo" em que o mal é uma criação da subjetividade humana?

Defender que o bem é uma criação da "mãe natureza", ou seja, que a seleção natural é boa por si mesma, que o mais apto deverá prosperar em detrimento dos fracassados?

Sei... talvez ser bom marxista, ou bom ateísta, seja um exercício de ódio, e talvez este exercício seja considerado como um valor... do bem?

***

Essas visões teológicas sobre o suposto "cristianismo primitivo" são antepassados do "comunismo primitivo".

Por que ninguém se lembra que Cristo e seus Apóstolos ao fundarem o catolicismo foram perseguidos até o martírio.

Séculos dessas perseguições imperiais levaram os cristãos às catacumbas e ao coliseu (algo recorrente na China e em países islâmicos até hoje).

Ninguém se lembra de que por alguns momentos históricos o cristianismo poderia ter sido extinto, e que o seu triunfo histórico foi um verdadeiro milagre.

Somente no cristianismo o fenômeno "laico" ou mesmo o "iluminismo" puderam ocorrer, pois o livre arbítrio é seu elemento essencial.

A religião cristã não é agente primariamente político, afinal foi Cristo que mandou separar a religião de Deus da política de César, mas, se valorizas tanto a laicidade deverias valorizar sobretudo sua herança cristã como o fenômeno cultural e histórico que possibilitou a liberdade contemporânea.

***

O Logos (em grego λόγος, palavra) significava inicialmente a palavra escrita ou falada — o Verbo, passa a ser um conceito filosófico traduzido como razão, tanto como a capacidade de racionalização individual ou como um princípio cósmico da Verdade e da Beleza.

São João principia seu livro sinótico:

"1 1. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. 2. Ele estava no princípio junto de Deus. 3. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. 4. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. 5. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam."

Portanto, 

Cristo é a verdade metafísica que se fez carne, 

é o logos identificado pela filosofia grega, 

é a razão que se fez viva numa pessoa, 

por isso a tradição cristã católica é profundamente filosófica, 

pois a razão feita carne está viva entre nós!