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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

WOLFGANG SMITH: A BIFURCAÇÃO CARTESIANA



Trata-se de uma breve resenha do primeiro capítulo de "O enigma quântico: desvendando a chave oculta", de Wolfgang Smith.

Smith constata de início a dificuldade filosófica em dar sentido às complexidades inerentes à teoria quântica, e evidencia que o principal problema são "certas premissas metafísicas falsas que têm ocupado um posição de dominância intelectual desde o tempo de René Descartes" (p. 27)

Tais premissas decorrem da "concepção cartesiana de um mundo externo feito exclusivamente das chamadas res extensae ou 'coisas extensas', as quais se supõem serem desprovidas de todos os atributos ou qualidades 'secundárias', tais como a cor, por exemplo" (p. 27), e tudo aquilo que  não for "um res extensa passa a ser um 'objeto de pensamento' ou, em outras palavras, uma coisa que não tem existência fora de uma res cogitans ou mente particular"(p. 27).

A metafísica cartesiana pressupõem o mundo independente da matéria, realidade primária que origina dados objetivos mensuráveis, enquanto que as qualidades como frutos do pensamento são sem existência real, o que resulta numa realidade secundária oriunda da subjetividade do sujeito.

A dicotomia res extensae/res cogitans promovem uma "simplificação incalculável do primeiro" (p. 28) por fornecer "um tipo de 'mundo externo' que a física matemática poderia em princípio compreender 'sem resíduo'" (p. 28).

Smith questiona então: "Como é possível, por exemplo, que a res cogitans tome ciência da res extensa? Através da percepção, sem dúvida; mas, então, o que é que nós percebemos? Ora, em tempos pré-cartesianos, pensava-se - sendo filósofo ou não - que, no ato da percepção visual, por exemplo, nós de fato 'lançamos o olhar para o mundo exterior'" (p. 28).


MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: COMO SÃO AS PARTES DO CONTÍNUO? (cap. 04)

Observações preliminares.
 
O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).

 

"COMO SÃO AS PARTES DO CONTÍNUO?

Antes de adentrarmos no texto cito o paradoxo de Banach-Tarski, na qual o cálculo matemático gera, em abstrato, a "criação" de "extensão" por meio do mecanismo da divisibilidade infinita:
[...] começa com a aplicação do axioma da escolha. Por derivações matemáticas no espaço euclidiano (o espaço usual de três ou mais dimensões em que a geometria é estudada), os dois matemáticos demonstraram que uma esfera de raio fixo pode ser decomposta em um número infinito de partes e novamente montada para formar duas esferas, cada qual com o mesmo raio da esfera original. Esse paradoxo causou grande surpresa entre os matemáticos. (Amir D. Aczel, O mistério do alef: a matemática, a Cabala e a procura do infinito, tradução Ricardo Gouveia, Globo, São Paulo, 2003, p. 156-7)
Esta menção se faz necessária para exemplificar o ponto suscitado por Mário Ferreira dos Santos,  sobre a necessidade do pensamento concreto, que leva em consideração a realidade do objeto, e que se distingue do modo pensar típico da matemática, somente por meio de abstrações, que se desconecta da objetividade do real, e, é por isso que nosso Filósofo se posiciona da seguinte forma:

"que a realidade das partes seria obtida pela divisão, não criada pela divisão; que as partes não estão divididas em acto, mas em designabilidade, e ao dizer que elas são realmente distintas em acto ou potência refere-se ao nosso modo de falar, não quanto à sua realidade."
Feitas estas considerações, passemos para a próxima lição a respeito da cosmologia:

"COMO SÃO AS PARTES DO CONTÍNUO?

Afirmam uns que estas partes estão nêle actual e formalmente. Outros negam esta afirmativa, para alegar estarem apenas potencialmente. Uma  terceira posição afirma que estão em acto, mas que, formalmente, estão apenas em potência. A primeira tese é defendida por Suarez, pelos conimbricenses, por João de São Tomás e por Scot. A segunda, por Arríaga, Tongiorgi e Schifini. A terceira, por Mendive, Lahousse e outros. Todos afirmam que a sua tese é a de Aristóteles e de São Tomás. Uma quarta posição afirma que as partes, obtidas pela divisão, já estão no continuo e não são criadas pela divisão; porém não estão no contínuo em acto, apenas são designáveis. Finalmente, se são elas realmente distintas em acto e potência é o que esta posição pretende estabelecer.


Que as partes devem estar contidas no todo, e que não podem ser criadas ou produzidas pela divisão, é evidente, porque a divisão, por si só, não poderia realizar a realidade das partes. Estas, de qualquer modo, já deveriam estar no todo.

Deveriam estar no todo potencial, e formalmente, e assim o afirmamos, porque, no todo contínuo, as partes são essencialmente idênticas ao todo enquanto extensivo. Se as partes fôssem em acto distintas, o todo não seria contínuo, mas contíguo. Se as partes fôssem em acto, seriam finitas, então, o contínuo exaurir-se-ia por partes finitas, as quais não seriam divisíveis in infinitum. Se as partes fôssem infinitas, dar-se-ia, então, uma multidão infinita em acto, e elas se distinguiriam por seus limites, e constituiriam número.

O facto das partes serem realmente distintas uma das outras, não quer dizer que sejam separadas, porque nem tudo que é distinto é separado.


Ademais, é preciso não esquecer que a divisão matemática é uma divisão mental, que ela, por si só, não realiza divisão. As partes do contínuo não realizam o número, pois êste decorre da divisão, e as partes do contínuo não têm uma dvisão actual, nem limites actuais, mas apenas designáveis. O que na verdade se diz é que, no contínuo, há a realidade das partes, as quais podem ser alcançadas por divisão, e não que elas são criadas por divisão. Não se afirma que, num contínuo, as partes estejam em acto e formalmente, mas apenas que, por divisão, pode-se obter a sua realidade, cuja realidade não é criada pela divisão. Estas são as razões demonstrativas desta quarta posição, que afirmaria, como dissemos acima, que a realidade das partes seria obtida pela divisão, não criada pela divisão; que as partes não estão divididas em acto, mas em designabilidade, e ao dizer que elas são realmente distintas em acto ou potência refere-se ao nosso modo de falar, não quanto à sua realidade. Esta quarta posição, que é a nossa, concilia as três anteriores, e não oferece os perigos que decorrem de cada uma, tomada abstractamente."

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 25-6.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: SÃO CONTÍNUAS AS ÚLTIMAS PARTICULAS DOS CORPOS? (cap. 05)



Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


SÃO CONTÍNUAS AS ÚLTIMAS PARTICULAS DOS CORPOS?

Não se deve confundir a extensão hipoteticamente considerada, nem a matematicamente considerada, com a extensão verificada nas coisas reais do mundo objetivo, dos corpos. As primeiras, como se demonstrou, são contínuas e divisíveis in infinitum. Assim a linha, enquanto linha, é divisível em partes proporcionais in infinitum. Perguntar-se-ia se um pedaço de ferro seria, por sua vez, divisível, também, in infinitum?


Um pedaço de ferro não constitui uma extensão apenas matemática ou hipotética, mas uma extensão material. Ora, o ser material, segundo as categorias aristotélicas, é composto de matéria-prima e forma substancial, e possui três dimensões: longitude, latitude e profundidade, que são as três dimensões do espaço, como ainda se verá oportunamente, e as únicas.


Se falamos da última partícula de um corpo, queremos nos referir àquelas partículas mínimas em que o corpo é dividido, e que poderiam existir separadas dos mesmos. Para a ciência moderna, estas partículas são prótons, eléctrons, núcleons, etc. A molécula é, para a ciência moderna, a última partícula que se dá separadamente, e não a última partícula de um ser físico, como ela entende por físico. Os antigos afirmavam que um corpo, por ser composto de matéria-prima e forma substancial, possui suas últimas partículas, que êles chamavam de mínimos naturais (mínima naturalia), que era última realidade dêste corpo enquanto tal, isto é, conservando a sua forma; uma divisão posterior faria que êle perdesse aquela. Assim, uma gota d’água dividida chegaria a um ponto em que deixaria de ser água, para ser outra coisa. Nós vimos que o contínuo é a extensão, cujas partes se conjugam sem interrupções. Aristóteles dizia que os contínuos são aquêles sêres que têm extremos comuns, os quais formam uma unidade. Vimos que o contínuo pode ser formal ou virtual. O virtual é aquêle, cujas partículas simples são tôdas  no todo, e tôdas nas partes singulares; e formal, o que consta de partes extensas, potencialmente divisíveis enquanto extensas.



Em tôrno da pergunta que intitula êste  capítulo, inúmeras foram as respostas dadas. Os idealistas kantianos, cépticos, etc., julgam que não é o homem, devido às condições de sua mente, capaz de resolver êste problema. Outros, porém, não são mesmo pensar, e propõem soluções. Para Boscowitch e Leibnitz o contínuo é formado de entes simples, separados, com uma distância entre si, que nos dão a impressão de continuidade. Na verdade, para êles, não há a extensão, mas apenas um fenômeno, que surge para nós, como extensão. Para outros, os corpos são compostos de entes simples, e de número infinito, que se tangem; outros, ainda, dizem que os corpos são formalmente contínuos, embora compostos de partículas mínimas, como delas se refere a Ciência.

Afinal, outros, admitem a descontinuidade da matéria, e que um corpo é formado de mínimas partículas, e que  a sua continuidade é apenas formal, e que êsse contínuo formal é sempre divisível.


Sem dúvida, a realidade dos corpos nos revela a extensão; esta pode ser verificada por meios instrumentais. O intelecto fundado nos sentidos e na experiência científica, conclui que não é impossível um contínuo. Aquêles que afirmam que os corpos são compostos de entes simples, portanto indivisíveis, terão de permanecer ante estas duas possibilidades: êstes entes simples distanciam-se ou não se distanciam uns dos outros? Se não se distanciam, tocam-se, e, neste caso, desapareceria a extensão, porque êles coincidiriam uns com os outros, já que não são extensos; se se distanciam, dar-se-ia, entre êles, uma acção à distância, a qual veremos, é impossível.


Ter-se-ia, ademais, de afirmar a existência de um espaço vazio entre as partículas, o que provaremos ser infundado. Pois o espaço vazio é um ente de razão, que se funda na extensão, e não a extensão naquele. É a extensão que funda o espaço, e não o espaço interposto, que funda a extensão.


A conclusão, que se pode tirar, é a seguinte: que as últimas partículas de um corpo são formalmente contínuas, que êste não pode ser constituído de indivisíveis, hipotética e matemàticamente considerados. Fisicamente considerado, o corpo tem um mínimo formal deixando de ser o que é para ser outro, se por meios mecânicos ou sobrenaturais, é dividido nos elementos que o compõem. Êstes, por sua vez, são formalmente contínuos; portanto, divisíveis, hipotética e matemàticamente. Fisicamente, alcançar-se-ia o que formalmente não é êle, desde que atingido o mínimo natural. A caracterização do que fica além das últimas partículas conhecidas actualmente cabe à Ciência promove-la."



Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 31-33.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

WOLFGANG SMITH: A TEORIA ECOLÓGICA DA PERCEPÇÃO VISUAL DE GIBSON

Wolfgang Smith

"Ora, ocorre que, mesmo de um ponto de vista 

estritamente científico, 

a concepção reducionista do observador 

acaba enfim por ser indefensável.

Tomemos o caso da percepção visual: 

mantendo-se de acordo com a opinião predominante, 

Hawking supõe que a visão se reduz a uma função do cérebro. 

Ele nos conta, por exemplo, que o cérebro humano 

"lê uma gama bidimensional de dados 

vindos da retina e cria a partir deles, 

a impressão de um espaço tridimensional" (47). 

Esse preceito, porém, já foi desafiado criticamente 

por um cientista empírico chamado James Gibson, 

http://slideplayer.es/slide/5404573/

com base em descobertas experimentais 

coletas por meio do que, talvez até hoje, 

foi a pesquisa mais exaustiva acerca da natureza 

da percepção visual. 

O que os experimentos de Gibson trouxeram à luz 

foi o fato decisivo de que 

a percepção não se baseia em uma imagem retiniana 

(como haviam quase todos presumido), 

e sim em informações dadas no arranjo ótico ambiente, 

que especifica, entre outras coisas, 

a estrutura tridimensional do ambiente. 

http://es.slideshare.net/pepeh/63-teora-sobre-la-percepcion-del-ambiente-victor-hugo-castillo

Parece que nosso sistema visual 

não foi projetado simplesmente para receber imagens retinianas,

mas para vasculhar esse arranjo ótico ambiente 

e extrair dele aquilo que Gibson chama de invariantes. 

São essas invariantes que, em verdade, são percebidas, 

o que significa que o percepto não é construído, 

e sim objetivamente real; 

não está meramente "dentro da mente", mas fora dela, 

como a humanidade, com efeito, sempre supusera. 

Isso quer dizer que o que é percebido 

não é uma imagem visual, seja retiniana, cortical ou mental, 

e que a chamada terceira dimensão, 

em particular, 

não é diferente das outras duas; 

ela não precisa ser construída 

- por meio de um processo que ninguém, 

mesmo remotamente, jamais foi capaz de conceber - , 

mas, com efeito, é percebida diretamente, 

assim como todas as invariantes.




Embora amplamente discutido e jamais refutado, 


[...] as descobertas empíricas de Gibson 

bastam para invalidar 

a concepção reducionista do observador humano, 

sobre a qual a noção de realismo modelo-dependente se baseia."


SMITH, Wolfgang. Ciência e mito: com uma resposta a O Grande Projeto, de Stephen Hawking. Tradução Pedro Cava. 1.ed. CEDET: Campinas, 2014, p. 226-7.

domingo, 18 de dezembro de 2016

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O CONCEITO DE CORPO (cap. 02)

Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).



"O CONCEITO DE CORPO



O que entendemos por corpo é um ser quantitativo, extensista, mensurável, limitado por superfícies, tridimensional, ocupando um lugar e que se dá no tempo, etc. O que é salientado em tal ente são as suas propriedades e os efeitos, que dele podemos conhecer, não propriamente a sua essência.

Como as propriedades são umas estáticas e outras dinâmicas, a Cosmologia, ao estudar os corpos, o faz segundo o seu aspecto estático numa parte, e noutra, segundo o seu dinamismo, a sua acção ou actividade.

O conceito de corpo implica, portanto, superfícies, e se o cosmos, que é o conjunto dos sêres corpóreos, é o único ser existente, e sendo êle corpóreo, será limitado por superfícies, posto num espaço que o cerca, outro que êle, um grande vazio, um vácuo imenso e sem fim. O cosmos seria um conjunto de corpos accidentalmente reunidos, formando uma unidade de ser, nem imenso nada absoluto parcial, que o conteria. As tremendas contradições que decorrem deste pensamento tornam-no absurdo, como ainda veremos. Como, porém, para chegar até este ponto é, mister que previamente examinemos outros, sigamos os caminhos clássicos da Cosmologia, a fim de apresentar os elementos imprescindíveis para realizar, posteriormente, a análise das hipóteses e teorias absurdas, que geraram tremendos erros no filosofar moderno.

Seja de modo fôr que consideremos o corpo, a quantidade será sempre da sua essência, a continuidade de ser, o contínuo. A descontinuidade, o discreto, que implica separação, surgirá da multidão de sêres quantitativos, separados de certo modo uns dos outros.

A quantidade implica partes extra partes, uma parte após outra parte, o ser que continua sendo extensivamente, a tensão que se afasta de si mesmo, ex, que foge de si, centrífuga. Essas partes não ocupam o mesmo espaço, uma não está no mesmo onde que outra.

Costuma-se considerar como essência da quantidade a divisibilidade, a qual também se poderia atribuir à qualidade, pois esta é divisível em graus intensistas. É mister, contudo, distinguir que a divisão, na qualidade, é distinta de a da quantidade, pois esta dá como resultado partes formalmente idênticas, enquanto aquela não, pois, uma gradação, em grau é formalmente distinta de outro, pois 10º de calor é distinto de 1º, enquanto um centímetro, enquanto tal, não se distingue, essencial e formalmente, de outro, mas apenas numericamente.

Qualifica-se a quantidade em continua e descontinua ou discreta. Examinemos a primeira.

São contínuos os sêres cujos extremos são um, aqueles que não apresentam interrupção, nem divisão, nem terminação entre as suas partes.

Contínuo permanente é aquêle cujas partes coexistem simultaneamente; contínuo sucessivo, aquêle cujas partes não são simultâneas, mas uma se coloca após outra, como o movimento.

Dividiam, ainda, os antigos em contínuo matemático ou hipotético, que é o contínuo considerado em sua constituição essencial, e contínuo físico, que é o existente nas coisas físicas considerado, por sua vez, do ângulo matemático.

Há, ainda, o contínuo formal, que é contínuo considerado divisível em partes, que é extenso, e que tem partes extra partes. Contínuo virtual é o constante de entes simples distintos, que embora ocupem um espaço, é todo no todo e todo em suas partes singulares.

O contínuo formal divide-se em linha, superfície e volume. Ponto há na intersecção de duas ou mais linhas, e não tem dimensão, não é medível portanto. A linha tem uma dimensão, a extensibilidade de uma dimensão, a longitude, alonga-se. A superfície, duas dimensões, a longitude e a latitude; o volume, além destas, tem a profundidade. O ponto é o término de uma linha, a linha o término de uma superfície, a superfície o término de volume.

Diz-se que é contígua a quantidade cujos extremos são simultâneos. Assim os corpos, que têm extremidades distintas, mas as quais se tocam, sem que haja entre eles um corpo intermédio, são contíguos. Diz-se que é discreta a quantidade, quando há entre os corpos uma realidade que os separa, e que serve de intermédio, como a que se verifica entre dois homens. Para os que admitem que o espaço é vazio, tais quantidades são separadas por um espaço vazio.

Propriamente a contiguidade e a discreção não são espécies da quantidade, mas multidão de quantidades, as quais são nomeáveis e distinguidas numericamente, de modo que alguns antigos (como Aristóteles) consideravam número a multiplicidade quando medida pela unidade. Dêste modo, o número era uma espécie da quantidade. Contudo, o número, neste sentido, não está na coisa, mas sim em nossa mente, e por meio dele, numeramos, contamos as coisas corpóreas, consideradas descontinuamente. O número, aplicado às coisas corpóreas, consideradas descontinuamente. O número, aplicado às coisas corpóreas, é uma espécie da quantidade, número sensível; quando aplicado às coisas não materiais, é tomado sob a razão da número transcendental.

Na ontologia e na Lógica, enumeram-se diversas propriedades da quantidade:

1)   Não ter contrário. Contrário é o máximo diferente específico dentro da mesma espécie. A quantidade não é um gênero que possua muitas espécies. O maior não é um contrário do menor, mas apenas este afirma uma privação de quantum em relação àquele.
2)   Não receber a quantidade mais nem menos, intensistamente considerados, embora possa ter mais ou menos extensistamente considerados.
3)   A quantidade ou é igual ou desigual. A igualdade é a conveniência na quantidade: e a desigualdade, desconveniência naquela.
4)   A divisibilidade por meio mecânico, ou por introdução de um outro corpo, que separe suas partes.
5)   É finita, e potencialmente infinita, porque a qualquer quantidade não repugna um aumento, ou seja, que esse fosse ainda maior.
***
Dadas essas idéias fundamentais da Cosmologia, pode-se penetrar na problemática que em torno da quantidade é proposta na obra de tantos autores, e visualizar de modo seguro quais os pontos deficientes das diversas posições, e quais os que têm procedência rigorosa, em bases normalmente lógico-ontológicas, e comprováveis pela experiência.

Quando, numa extensão quantitativa, não há interrupção de qualquer espécie, nenhuma divisão, nenhum término, diz-se que ela é contínua. Ora, como vimos, o contínuo pode ser matemático ou hipotético, ou então, físico. O primeiro é a contínuo considerado segundo a sua constituição essencial, cuja existência objectiva não se discute por ora, enquanto o contínuo físico é o que existe a parte rei, mas que essencialmente se funda no contínuo matemático.

Também foi distinguido o contínuo formal de o virtual. O primeiro é o que consta de partes sem interrupção de qualquer espécie, enquanto o virtual é o que consta de entes simples, distintos, que estão todos no todo e todos nas partes singulares do espaço.

Uma parte é integral, quando constituinte de uma substância. Sua retirada não implica o desaparecimento específico do todo, como um pedaço de ferro retirado de uma barra não implica no desaparecimento da espécie ferro à qual pertence o restante. Uma parte é essencialmente, quando retirada, ela implicará a transformação do todo, como a racionalidade no homem, retirada deste, torna-lo-ia não-homem. A parte essencial é constitutiva da essência da coisa. Modernamente chamam alguns autores de contínuo homogêneo o que é constituído de partes totalmente semelhantes, essencial e accidentalmente, como um pedaço de ferro, que é continuamente homogêneo, enquanto tal, e contínuo heterogêneo, quando consta de partes que não têm a mesma espécie, mas diversas. Assim os cristais são contínuos, mas heterogêneos, porque apresentam accidentes diversos, como as experiências físicas podem comprovar. (Itálicos e negritos no original.)


Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, 14-18.