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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: SÃO CONTÍNUAS AS ÚLTIMAS PARTICULAS DOS CORPOS? (cap. 05)



Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).


SÃO CONTÍNUAS AS ÚLTIMAS PARTICULAS DOS CORPOS?

Não se deve confundir a extensão hipoteticamente considerada, nem a matematicamente considerada, com a extensão verificada nas coisas reais do mundo objetivo, dos corpos. As primeiras, como se demonstrou, são contínuas e divisíveis in infinitum. Assim a linha, enquanto linha, é divisível em partes proporcionais in infinitum. Perguntar-se-ia se um pedaço de ferro seria, por sua vez, divisível, também, in infinitum?


Um pedaço de ferro não constitui uma extensão apenas matemática ou hipotética, mas uma extensão material. Ora, o ser material, segundo as categorias aristotélicas, é composto de matéria-prima e forma substancial, e possui três dimensões: longitude, latitude e profundidade, que são as três dimensões do espaço, como ainda se verá oportunamente, e as únicas.


Se falamos da última partícula de um corpo, queremos nos referir àquelas partículas mínimas em que o corpo é dividido, e que poderiam existir separadas dos mesmos. Para a ciência moderna, estas partículas são prótons, eléctrons, núcleons, etc. A molécula é, para a ciência moderna, a última partícula que se dá separadamente, e não a última partícula de um ser físico, como ela entende por físico. Os antigos afirmavam que um corpo, por ser composto de matéria-prima e forma substancial, possui suas últimas partículas, que êles chamavam de mínimos naturais (mínima naturalia), que era última realidade dêste corpo enquanto tal, isto é, conservando a sua forma; uma divisão posterior faria que êle perdesse aquela. Assim, uma gota d’água dividida chegaria a um ponto em que deixaria de ser água, para ser outra coisa. Nós vimos que o contínuo é a extensão, cujas partes se conjugam sem interrupções. Aristóteles dizia que os contínuos são aquêles sêres que têm extremos comuns, os quais formam uma unidade. Vimos que o contínuo pode ser formal ou virtual. O virtual é aquêle, cujas partículas simples são tôdas  no todo, e tôdas nas partes singulares; e formal, o que consta de partes extensas, potencialmente divisíveis enquanto extensas.



Em tôrno da pergunta que intitula êste  capítulo, inúmeras foram as respostas dadas. Os idealistas kantianos, cépticos, etc., julgam que não é o homem, devido às condições de sua mente, capaz de resolver êste problema. Outros, porém, não são mesmo pensar, e propõem soluções. Para Boscowitch e Leibnitz o contínuo é formado de entes simples, separados, com uma distância entre si, que nos dão a impressão de continuidade. Na verdade, para êles, não há a extensão, mas apenas um fenômeno, que surge para nós, como extensão. Para outros, os corpos são compostos de entes simples, e de número infinito, que se tangem; outros, ainda, dizem que os corpos são formalmente contínuos, embora compostos de partículas mínimas, como delas se refere a Ciência.

Afinal, outros, admitem a descontinuidade da matéria, e que um corpo é formado de mínimas partículas, e que  a sua continuidade é apenas formal, e que êsse contínuo formal é sempre divisível.


Sem dúvida, a realidade dos corpos nos revela a extensão; esta pode ser verificada por meios instrumentais. O intelecto fundado nos sentidos e na experiência científica, conclui que não é impossível um contínuo. Aquêles que afirmam que os corpos são compostos de entes simples, portanto indivisíveis, terão de permanecer ante estas duas possibilidades: êstes entes simples distanciam-se ou não se distanciam uns dos outros? Se não se distanciam, tocam-se, e, neste caso, desapareceria a extensão, porque êles coincidiriam uns com os outros, já que não são extensos; se se distanciam, dar-se-ia, entre êles, uma acção à distância, a qual veremos, é impossível.


Ter-se-ia, ademais, de afirmar a existência de um espaço vazio entre as partículas, o que provaremos ser infundado. Pois o espaço vazio é um ente de razão, que se funda na extensão, e não a extensão naquele. É a extensão que funda o espaço, e não o espaço interposto, que funda a extensão.


A conclusão, que se pode tirar, é a seguinte: que as últimas partículas de um corpo são formalmente contínuas, que êste não pode ser constituído de indivisíveis, hipotética e matemàticamente considerados. Fisicamente considerado, o corpo tem um mínimo formal deixando de ser o que é para ser outro, se por meios mecânicos ou sobrenaturais, é dividido nos elementos que o compõem. Êstes, por sua vez, são formalmente contínuos; portanto, divisíveis, hipotética e matemàticamente. Fisicamente, alcançar-se-ia o que formalmente não é êle, desde que atingido o mínimo natural. A caracterização do que fica além das últimas partículas conhecidas actualmente cabe à Ciência promove-la."



Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 31-33.