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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O MARTÍRIO VERMELHO DOS ARMÊNIOS

Monte Ararat - Armênia
A Armênia foi a primeira nação a proclamar o cristianismo como religião de Estado no ano de 302, e, segundo a tradição armênia, o cristianismo foi introduzido no país desde suas origens por dois discípulos de Jesus Cristo, os apóstolos Bartolomeu e Tadeu, e, por volta do ano 200, o cristianismo já se encontrava bastante difundido entre os armênios.


A Armênia é uma nação cuja história é digna de prosa e verso em estilo épico, pois além de ter sido a primeira nação cristã, foi este povo, juntamente com a Irlanda, responsável pela preservação da cultura clássica em meio aos desastres das invasões bárbaras, como, também, foi uma das propagadoras missionárias da verdade cristã.

Jean Pierre-Alem em seu precioso livreto intitulado A Armênia, relata a tentativa do rei Persa impor a conversão dos armênios ao culto do fogo,  realça que o cálculo deste rei era sobretudo político, pois o mesmo "julgava que essa conversão afastaria definitivamente os armênios de Bizâncio e lhes tiraria qualquer possibilidade de executar um desses rompimentos de aliança dos quais eles haviam dado tantos exemplos num passado recente."





Os armênios numa resolução unânime expressaram submissão política, mas afirmaram sua fé cristã, nos seguintes termos:

Nada nos moverá de nossa fé, nem anjos e nem homens, nem espadas e nem águas, ou qualquer outra violência imaginável. Nossos bens e nossas posses estão a tua disposição; podes usa-los como bem entenderes. Desde que nos concedas a liberdade de crença, tu serás nosso único senhor na terra, assim como Cristo é nosso único Deus no céu. Se porém exigires de nós mais que isso, eis nossa decisão: nossas vidas estão em tuas mãos…; tu tens a espada, nós a cerviz…Tombaremos como mortais que somos e passaremos às fileiras dos imortais…É inútil querer negociar o que é inegociável. Nossa fé não tem origem humana e nossas convicções sobre ela resultam de uma experiência amadurecida. Somos inseparavelmente unidos ao nosso Deus. Nada poderá romper essa união, jamais e em tempo algum. ( Loureiro, Heitor. Breve histórico dos primórdios da Igreja Apostólica Armênia. In: Rhema. Juiz de Fora: v. 13, n. 40, 2006.)

Este ato de defesa da fé cristã enfureceu o rei dos reis, que convocou os príncipes armênios, e estes optaram pela apostasia, para em seguida voltarem a seu país acompanhados de 760 magos persas, e, ao cruzarem a fronteira, o povo armênio atacou e dispersou os sacerdotes masdeístas, e, como qualquer político diante da fúria de um povo indignado, submeteram-se à vontade da multidão de cristãos e renegaram a conversão pagã.



Diante desta situação, a Armênia preparou-se para sofrer o ataque persa, e a resistência foi confiada a Vardan Mamikonian.

Bizâncio omitiu-se de enviar qualquer auxílio, mesmo após insistentes pedidos de Vardan, e, assim, um exército de 60.000 homens da Armênia foi levantado, para enfrentar um inimigo superior, numa luta desesperada.

O combate travou-se na planície de Avarair, no dia 02 de junho de 451. Os armênios foram vencidos e Vardan Mamikonian, morto.


Mas as perdas persas foram consideráveis. O rei dos persas que devia, além disso, sustentar uma guerra difícil contra os hunos, ao norte de seus Estados, mostrou-se relativamente conciliador. Mandou prender e torturar alguns padres, deu à Armênia um novo marspã, mas desistiu de impor o masdeísmo a seu novo protetorado.


Miniatura do século XV representando a batalha

Assim, na planície de Avarair, os armênios, ao perder uma batalha heróica salvaram sua fé.


Tal batalha é celebrada todo ano, no mês de fevereiro, numa grande cerimônia patriótica, a "festa de Vardan".

A história da Armênia possui inúmeros outros episódios memoráveis, todavia, julgamos importante destacar o papel que os armênios desempenharam no mundo pela ação de seus viajantes, de seus missionários, de seus emigrados, das colônias da diáspora, e, principalmente seu papel na preservação da cultura clássica.

Jean Pierre-Alem refere que os gôdos sofreram a influência dos armênios quando passaram pelas margens do Mar Negro, e foram provavelmente evangelizados por eles. Muitos reis e príncipes visigodos tinham aliás nomes armênios (Artavasdés).

No século XI, os missionários armênios difundiram-se até a longínqua Islândia.

Mas é a importância do povo armênio na preservação de parte considerável da cultura clássica que destacamos, fato que se inicia com base na invenção do alfabeto armênio, por volta de 405.

Antes dessa data, os armênios usavam o grego como língua literária, e o persa como língua administrativa, e, com a adoção de um alfabeto nacional foi sedimentada sua personalidade nacional, sua religião e a profunda vontade de independência, que tão magnificamente demonstraram ao longo de toda a sua dramática história.

Ryszard Kapuscinski, em sua obra Imperium comenta que vencido no campo, o exército armênio procurou pôr-se a salvo nos Scriptoria. O que são os Scriptoria? Podem ser celas monásticas, cabanas ou até mesmo cavernas. Nesses Scriptoria há sempre uma espécie de prancheta e um copista escrevendo de pé.

A consciência nacional armênia sempre esteve acompanhada pelo senso da ameaça de extermínio. E, ligado a isso, uma fervorosa necessidade de salvação, de pôr a salvo seu mundo.

Na impossibilidade de defendê-lo com a espada, então que se conserve a memória. Assim surge esse fenômeno único da cultura mundial: o livro armênio. Dispondo de um alfabeto próprio, os armênios sem demora começaram a escrever livros.





Já no século VI traduziram para o armênio toda a obra de Aristóteles. 


Até o século X haviam vertido a maioria dos filósofos gregos e romanos, centenas de títulos da literatura antiga.

Os armênios têm a mente aberta e grande capacidade de absorção. 


Traduziram tudo o que lhes caiu nas mãos. 

Grandes obras da literatura antiga e da cultura mundial chegaram até nós graças às traduções armênias.

Os copistas se lançavam sobre todas as novidades e logo as traziam para o gabinete.

Quando os árabes conquistaram a Armênia, os armênios traduziram todos os clássicos árabes.

Quando foi a vez dos persas, traduziram todos os autores persas.

Quando em disputa com Bizâncio, aproveitaram para levar tudo o que havia no mercado para traduzir.

Começaram a surgir bibliotecas inteiras. Deviam ser acervos imensos: em 1170, turcos saldjúquidas destroem em Snik uma biblioteca contendo 10 mil volumes. Eram todos manuscritos armênios.

Até os dias de hoje conservam-se 25 mil manuscritos armênios.

Desses, mas de 10 mil encontram-se em Ierevan, em Matenadaran. Quem quiser ver os restantes, terá que fazer uma volta ao mundo.

As maiores coleções encontram-se na Biblioteca São Jacó em Jerusalém, Biblioteca São Lázaro em Veneza e Biblioteca da Congregação Mekitariana em viana. Lindas coleções estão em Paris e Los Angeles.

E, aqui concluo a exposição relativa ao fato de que os armênios e seu  Martírio Vermelho preservaram não somente a fé, mas o conhecimento da civilização ocidental, em  meio ao naufrágio do mundo antigo.


Sugestão de leitura:

 “Lost Birds” uma outra forma de retratar o Genocídio Armênio
 
Livros

Fontes:

Jean Pierre-Alem, A Armênia, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1961.
 

Ryszard Kapuscinski, Imperium, São Paulo, Companhia das Legras, 1994.