domingo, 1 de julho de 2018

O processo criativo no devir



Na teoria quântica existe o conceito de "colapso do vetor de estado", que é aquele momento em que o aspecto indeterminado da partícula quântica (quantum) consolida-se em um estado determinado, que faz surgir o evento definidor da forma de manifestação do objeto físico.

Wolfgang Smith define que esse é o momento em que a matéria informe do objeto físico sofre a ligação, dentro de uma relação de causalidade vertical com a sua forma substancial determinante e eterna, no sentido aristotélico-platônico, quando então se torna uma criatura composta de matéria e forma.

O momento de "colapso do vetor de estado", portanto, é uma prova científica de um ato de criação, ou seja, a criação é um processo permanente, é um processo de permanente concretização do devir.
Sem o devir, sem a liberdade, sem a livre escolha entre diversos modos potenciais, não haveria nem a virtude e nem o pecado, nem acertos e nem erros, seríamos como  aquelas máquinas tão celebradas e desejadas pelo modelo proposto na física newtoniana, e pela filosofia moderna em geral, ambas marcadamente determinísticas.

Não fosse o permanente processo de transição entre potência e ato, que criam possibilidades oriundas de jogo de probabilidades inerentes à realidade, seríamos meros agentes aplicadores de éticas teóricas, que não se comunicam com razões práticas, e, seríamos pessoas feitas de carne e osso, que nem acreditam na realidade objetiva do mundo, nem na concretude de seus ossos.
A realidade do devir, se for considerada dentro da realidade do Absoluto que é Deus, necessariamente, já está contida em todas as suas possibilidades em  potência.
Todavia, o devir é um processo de realização temporal, que se opera mediante um afunilamento das possibilidades e potencialidades, em formas concretas definitivas, em que o devir se torna um presente, que instaura fatos históricos únicos e definitivos, cuja graduação dependerá de um infinito número de fatores.
Neste sentido, o devir é algo que sempre foi discutido na filosofia, e esta já possuía a base dos conceitos do indeterminismo quântico ao discutir sobre o livre-arbítrio.

A criação está em permanente processo, uma vez que é permanente e contínua criação, no âmbito da criação já criada, pois a criação é dinâmica e co-participativa, em um certo sentido, quando se considera sua realização temporal mediante a experiência de cada vida individual.

Aforismos sobre a verdade e sua identidade com a realidade

Ser um cultor da verdade, necessariamente, nos lança no coliseu criado pelos servos da mentira, uma massa confusa e poderosa que necessita de bodes expiatórios.

***

Toda e qualquer ideologia (liberal, socialista, positivista, etc.) é uma operação de guerra, em que a mentira politicamente correta pretende suplantar a verdade objetiva e transcendente, testemunhada pela realidade viva e presente diretamente perante nossos olhos.

***

A verdade liberta a mente dos estribos da mentira, porque a verdade é uma revelação sobre a realidade criada por Deus, que por nos querer bem e nos amar como filhos não deseja nos dominar por puro egoísmo, enquanto que a mentira é uma negação da realidade, com o objetivo de turvar a mente e restringir a liberdade da sua vítima, em benefício de outro alguém terreno ou preternatural.

***

A verdade possui identidade com a realidade, na medida em que a realidade é o fundo ontológico para que haja a descrição na forma de linguagem, simbólica e lógica, de algo verdadeiro, neste sentido é que podemos descrever uma verdade.

***

Os seus sentidos percebem a verdade? Faça uma experiência: ao atravessar uma rua feche os olhos, e confie no seu eu subjetivo e sistemático, para chegar à salvo do outro lado.

***

O que é a verdade? É a realidade imediata dos sentidos, é a realidade mediada pela inteligência, é a realidade subjetiva de um que se conecta com realidade subjetiva de outrem, não importa como, onde e quando, a realidade é a verdade, e ambas são frutos de uma Verdade transcendente e Real em nível verdadeiramente objetivo e absoluto.

***

A verdade jamais é "construída" pois sua existência é transcendente, somente há verdade revelada, a sua compreensão é que comporta níveis diferenciados de subjetividade.

***

mentira é fundamento da correção política que nega a verdade objetiva e o próprios fatos que a contestam.

***

A verdade é a única coisa que vale à pena conservar, somente a mentira precisa ser convenientemente defendida por posições políticas e ideológicas.

***

Quem a firma que a verdade é relativa, necessariamente, incide numa petição de princípio, pois ao afirmar que a verdade é relativa tem que considerar que é uma verdade em seu sentido absoluto. Logo, se é verdade que "a verdade é relativa", então é "absolutamente verdadeiro" que a verdade é relativa, tais afirmações sobre a verdade são contraditórias quanto à sua validade conceitual, assim sendo, a verdade ou é absoluta, ou não é verdade, relatividade existe quanto ao nível de ignorância sobre a verdade, isso sim.

***

A negação da verdade em linguagem filosófica gera sofismas, que nada mais são que mentiras com retórica sofisticada.

***

Verdade é o nome que se dá à correspondência entre realidade percebida e a descrição verbal desta percepção, e, considerando-se que a verdade está contida na própria realidade, cabe-nos gastar nossas palavras e desenvolvermos os conceitos necessários para nos aproximarmos da máxima conexão entre o objeto e a sua descrição, mas, é mais fácil inventarmos fantasias, que negam a concretude do real, ou seja, mentiras são fugas mentais, por meio de descrições sem correspondência em fatos, experiências, percepções ou razões fundadas no real, em outras palavras, para combater a veracidade instrumentaliza-se a mentira por meio de sistemas ideológicos em que idéias vazias de sentido são impostas no lugar da vida concreta e cotidiana.

***

Palavras de ordem são a forma mais tola de retórica, quando as palavras gatilho são desarmadas por simples estímulos ao raciocínio a inteligência se manifesta involuntariamente nas vítimas do hipnotismo ideológico, mas, logo, em seguida, à falta de argumento começam a proferir o mantra: "fascista, fascista"!

***

O que torna a situação do cultor do relativismo uma peça de humor negro é que para poder defender sua posição, necessariamente, sua postura psicológica tende a ser cada vez mais dogmática, pois quanto mais se evidencia a falta de fundamentação de sua tese mais intolerante com a posição contrária se torna, daí o relativista fica incapaz de compreender uma refutação racional e probatória, pois perdeu a humildade de um buscador da verdade uma vez que já se tornou um tipo de senhor da verdade relativa.

***

Estou absolutamente certo de que a verdade é absolutamente relativa à realidade.

A verdade é relacionada à realidade, a realidade é o material probatório que confirma a verdade declarada verbalmente.

Digamos assim: a realidade é composta de coisas verdadeiras e a descrição verbal adequada dessas coisas é o que designamos de verdade.

***

A poesia é o nosso primeiro contato com a verdade, a verdade da beleza.

***

Está muito comum essa ligação da palavra relação com o sentido de relatividade, quase não se utiliza a mesma em seu sentido de nexo ou conexão.

A realidade é um sistema em permanente criação



Tenho minhas reservas quanto ao conceito de sistema presente na filosofia moderna (Kant, Hegel, Marx, etc.), pois esta concepção nos ilude com a noção de que ao ser dominado tal conceito, também, estar-se-ia dominando a própria realidade.

Se opto compreender mediante a noção de realidade como criação, e esta criação como um sistema oriundo de uma Inteligência, então, por consequência, sou levado, numa relação de causalidade, à concepção de participação na realidade, pois percebo minha situação de ser um ator num palco já iluminado, por uma realidade suficientemente rica, que me permite conceber que sua natureza é a de um sistema aberto passível de participação no ato criador.

O real está, portanto, em processo de desenvolvimento criativo, cuja criação é fruto de uma causalidade vertical permanente, o que autoriza a esperar que haja a ação de milagres, na medida em que a própria realidade é um milagre em permanente criação mediante cada fenômeno natural ou cada decisão moral, daí retorno à ontologia clássica e medieval, que parte da realidade de Deus, como fonte do real e como referência da ética.

O intuicionismo radical de Olavo de Carvalho

Fonte: Página de Olavo de Carvalho no Facebook


Olavo de Carvalho (01) define o intuicionismo radical da seguinte maneira:

Ou a conexão lógica de duas proposições é percebida num único relance intuitivo, ou não é percebida nunca (porque cairíamos na regressão infinita). Logo, a operação da razão tem fundamento intuitivo ou não tem fundamento nenhum. Portanto, não existem dois tipos de conhecimento, um racional, outro intuitivo, há apenas a diferença entre intuições lógicas e intuições sensíveis.

Ronaldo Robson (02) promove uma síntese sobre o a natureza "radical" da intuição na teoria do conhecimento, radicalidade que deve ser interpretada conforme a exata etimologia da palavra, pois é a fonte da qual emerge a apreensão do conhecimento, utilizando-se das publicações “Esboço de um sistema de filosofia” e “A tripla intuição”, disponíveis no Seminário de Filosofia, em que Olavo de Carvalho

...afirma o conhecimento como intuicionismo radical (15): ao contrário do que é comum pensar, o que há de mais objetivo e especificamente humano no conhecimento é o que os antigos lógicos chamavam de “simples apreensão”, ou seja, o ato pelo qual a consciência toma ciência da presença de um determinado dado da realidade. O “raciocínio”, a construção silogística e suas derivadas, é posterior e é uma aptidão de ordem construtiva e, portanto, mais dada a erros. O que é dizer: o homem erra mais na expressão interior do que apreende do que na apreensão em si; pois os métodos mais refinados da lógica apenas desencavam, analiticamente, algo que já estava dado na primeira intuição. E cada intuição, por sua vez, inaugura uma cadeia potencialmente ilimitada de outras intuições; disso trata a teoria da tripla intuição (16): o ato pelo qual o indivíduo intui (primeira intuição) é, ao mesmo tempo, intuição de algo (segunda intuição) e intuição das condições desse ato intuitivo (terceira intuição). Isso explicaria ainda, por exemplo, certos simbolismos naturais, como a identificação do “sol” ou da “luz” com o conhecimento em inúmeras culturas, porquanto em sociedades primitivas, sem o recurso do fogo, só se vê algo – e a visão é o sentido identificado mais diretamente ao conhecimento – quando há luz natural; então o indivíduo percebe que intui, percebe que intui algo e percebe a possibilidade que funda essa intuição paralelamente a uma situação natural. Isso, por fim, afirma a possibilidade de conhecimento objetivo contra todo o discurso contemporâneo de que só existem verdades convencionais, inexistindo as objetivas e, por assim dizer, naturais.

Olavo de Carvalho esclarece que a intuição é a "percepção de uma presença, percepção imediata. Imediata é o que não tem intermediário" (03), e exemplifica:


"Pode estar presente fisicamente, como esta mesa está presente ou estas pessoas aqui estão presentes; pode ser algo que está presente na sua mente, sob a forma de um estado de ânimo. Por exemplo: você percebe que você está triste, tem de haver algum intermediário, alguém tem de vir informá-lo de que está triste? Você precisa fazer um raciocínio para ver que está triste? Não. Então, a percepção do sentimento ou emoção é imediata também. E pode ser a percepção de seu próprio pensamento. O famoso “penso, logo existo”, de Descartes é isso: uma intuição imediata que você tem do seu próprio pensamento."

Olavo de Carvalho conclui que a "intuição é sempre intuição de presença, portanto todo conhecimento positivo é sempre intuitivo".

Em defesa dessa concepção é possível adotar-se a pesquisa de Wolfgang Smith (4), que, com base em dados científicos, descreve que o sentido da visão não está no olho, pois este é o órgão da visão, da mesma forma que o cérebro tem a função de receber e processar os dados, este último é somente o órgão da mente.

A visão e a mente são fontes de intuições para a alma, esta última é fonte da inteligência e do intelecto, que habita e move o corpo.

Logo, potencialmente, a inteligência intelectiva tem acesso à realidade, tanto de forma mediata quanto de forma imediata, pois a visão e a mente são órgãos da percepção oriundos de nossa própria alma.

Nossa percepção é intelectiva, porque é diretamente conectada com nossa percepção sensorial, ou seja, é intuitiva, no sentido em que a sensação é ligada ao intelecto, por meio de órgãos sensoriais, cujas funções também são intelectivas, e, que fornecem dados brutos sobre a realidade, dados estes que são interpretados, imediatamente, pela nossa alma intelectiva, o intelecto percebe a totalidade imediatamente.

Nossa capacidade de descrição verbal necessita do aporte de conceitos vestidos de linguagem, aí que surge nosso problema demasiadamente humano, que é o problema de verter a realidade em linguagem, pois interpretações ruins são como os vírus de computador, que destroem nossa capacidade de intuir conforme a realidade.

Então, quando conceitos verbais se introduzem no processo de percepção, e negam aquilo que está diante de nossos olhos, temos a presença do vírus ideológico, cujo objetivo é se reproduzir destruindo o intelecto do portador, e, destruindo-se, assim, na vítima a capacidade de perceber a realidade.

NOTAS:



(03) O que é intuição? É percepção de uma presença, percepção imediata. Imediata é o que não tem intermediário. Dizer que suas percepções sensíveis, percepções visuais por exemplo, têm um intermediário que é o seu olho, como diria Kant, é não dizer nada. Alguém pode dizer que vê através de seu olho, mas é seu olho mesmo está vendo. O olho é parte de mim, assim como a mão é parte de mim. A intuição é a percepção imediata de algo que está presente. Pode estar presente fisicamente, como esta mesa está presente ou estas pessoas aqui estão presentes; pode ser algo que está presente na sua mente, sob a forma de um estado de ânimo. Por exemplo: você percebe que você está triste, tem de haver algum intermediário, alguém tem de vir informá-lo de que está triste? Você precisa fazer um raciocínio para ver que está triste? Não. Então, a percepção do sentimento ou emoção é imediata também. E pode ser a percepção de seu próprio pensamento. O famoso “penso, logo existo”, de Descartes é isso: uma intuição imediata que você tem do seu próprio pensamento. Não precisa de um terceiro pensamento para mediá-lo. Claro, quando você expressa em palavras, você então cria uma mediação. Mas, esta certeza que você tem de que você existe enquanto está pensando é uma certeza imediata, sem sombra de dúvida. Conclusões advindas daí podem ser duvidosas, mas que isto é uma intuição certíssima, é. E pode ser a intuição de uma relação entre pensamentos que você pensou. Quando você faz um silogismo e percebe a identidade entre a premissa e a consequência, você a percebe não através de um outro pensamento, mas é uma percepção imediata. Resultado: todo e qualquer conhecimento é intuitivo ou não é conhecimento de maneira alguma, é apenas a criação do esquema de pensamento.

Este esquema de pensamento, em primeiro lugar, precisa ser ele mesmo intuído; em segundo lugar, precisa ver se ele serve como lente para através dele você perceber alguma coisa. Também tem isso, o nosso pensamento é necessariamente dialético. Não sei se já perceberam: você consegue crer numa coisa sem imaginar a coisa contrária? Ninguém consegue. Se você nem imagina a coisa contrária, que sentido faz crer? Quando você diz que Deus é bom, não lhe passa pela cabeça a hipótese de que Deus seja mal? Então você não sabe o que é ser bom. No momento [em que diz que Deus é bom], você faz a hipótese gnóstica, o deus maligno (o gênio mal de que falava Descartes); isto tem de passar pela sua cabeça para que você diga que Deus é bom. A mente humana, quando pensa uma idéia, sempre pensa a contrária. A contrária pode anular a primeira idéia ou pode ser anulada por ela, mas tem de passar por essa dialética. A intuição não é jamais dialética, para ela só existe o sim. Não existe a intuição do ausente. Você pode ter a intuição da sua percepção do ausente, mas não da própria ausência. Por exemplo, a Roxane está sentada na cadeira, de repente eu olho e ela não está [mais] ali. O que eu intuo é a minha percepção de ausência, e não a ausência dela. A percepção de ausência é um pensamento, na verdade, não uma intuição. A intuição é sempre intuição de presença, portanto todo conhecimento positivo é sempre intuitivo. Eu acho que, dito isto, posso dizer: ponto final. Não tem como voltar atrás, isto é uma conclusão a que eu cheguei, não li em ninguém. Isto quer dizer que, até uma besta quadrada como eu, pode chegar a alguma conclusão final.

Sim, cheguei a esta conclusão final. E que conclusões eu tiro daí para o restante do universo do conhecimento? Por enquanto, nenhuma. Nós podemos ter certezas, mas são sobre pontos definidos, em geral pontos demasiado genéricos e abstratos. E a realidade concreta, em seu fluxo e variedade constantes, continua sendo incerta, e o conhecimento dela vai requerer sempre a mesma paciência, as mesmas contradições, a mesma confusão interior etc. (Olavo de Carvalho, Aula 308 – COF, 5 DE JANEIRO DE 2016, transcrição por Carla Farinazzi, disponível em https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/01/05/aula-308-cof/)

(04) "Agora, consideremos o cérebro humano à luz desses fatos. Neurologicamente falando, o cérebro tem inputs sensoriais e outputs motores e opera como "mediador", como uma espécie de dispositivo de processamento de informações. Em adição aos seus canais neurológicos de input e output, contudo, por assim dizer, através dos quais se conecta a manas ou "mente". Ora, é precisamente por meio dessas ligações verticais que se realizam funções que caracterizamos anteriormente como não algorítimos, porque, com efeito, é manas que as executa, em conjunto com o cérebro. Sozinho, o cérebro vivo consegue efetuar apenas funções algorítmicas e processuais: sua própria composição - o fato de que é "feito de neurônios" - implica isso. Ademais, essas operações neurais estão associadas, no máximo, à consciência psicossomática, em contraste com as funções não algorítmicas superiores, que se escoram em uma "visão" que ultrapassa categoricamente o domínio psicossomático.

Agora, há de fato dois níveis onde essa "visão" pode ocorrer: isto é, no manásico e no vijnânico. É necessário notar, porém, que o manásico em si é, de certa forma, intelectivo, como evidenciado pela divisão triádica de manas à qual nos referimos previamente. A noção de "intelecto" acarreta, portanto, uma certa ambiguidade, mesmo na esfera do indivíduo humano; e, ao passo que o ato de percepção visual, por exemplo, é inequivocadamente manásico - a despeito de sua natureza intelectiva - , parece que a "atividade intelectual" pode ter lugar, no primeiro caso, em "intelecto" e, no segundo, em "razão"; entretanto, o fato é que a verdade só pode ser apreendida por uma ato de "visão" que é inerentemente intelectivo, não importa o nível em que ocorra.

***
Essas considerações estão de acordo com a tese central de Roger Penrose - a afirmação de que a descoberta e a prova matemática não se reduzem a operações algorítmicas e, portanto, a uma função cerebral - e, de certo modo, confirmam sua suposição de que a "não-localidade" é a chave para resolver o problema da ligação. Igualmente, estão de acordo com a tese de William Debsky, segundo a qual o "design inteligente" não pode ser efetuado por meio de algorítimos: na esfera da atividade humana criativa, assim como na do pensamento racional, um ato intelectivo se mostra fundamental. Em uma palavra, todas as ações propriamente humanas são inteligentes. Logo, não somente existem funções não algorítmicas superiores como elas se revelam verdadeiramente definidoras da condição humana." (Wolfgang Smith, Ciência e MIto: com uma resposta a O Grande Projeto, de Stephen Hawking, 1ª ed., tradução de Pedro Cava, Campinas: Vide Editorial, 2014, p. 164-166)

domingo, 10 de junho de 2018

A TABELA DO FRETE SERIA DESNECESSÁRIA SE A ANTT FOSSE EFETIVA NA FISCALIZAÇÃO: o controle de preços é impossível num mercado aberto, mais útil será o exercício do poder de polícia da ANTT para exigir a aplicação da legislação em vigor

A tabela de frete, fruto da greve dos caminhoneiros de 2018, não será eficaz dado a natureza aberta do mercado de transporte, seria mais eficaz se a ANTT exercesse o seu poder de polícia administrativa para cobrar o cumprimento da legislação em vigor.
O jornal “O Estado de São Paulo” noticiou em 09/06/2018, sob o título “Caminhoneiros e ANTT têm nova reunião sobre preço do frete”:
"A ANTT já avisou que uma eventual terceira versão da tabela, que pode ficar pronta no início da próxima semana, será submetida a uma audiência pública que durará de 30 a 45 dias. Na mesa, há inclusive a proposta de se estipular preços diferenciados para os períodos de safra e de entressafra.
Enquanto continua o impasse, segue em vigor a primeira versão da tabela, editada no último dia 30 de maio, nos termos da Medida Provisória 832/2018, que instituiu a 'Política de Preços Mínimos de Transporte Rodoviário de Cargas', uma das principais reivindicações dos caminhoneiros dentro do acordo firmado com o governo para pôr fim à paralisação da categoria, que durou 11 dias, no fim de maio."
Em suma, a tabela de preços publicada em 30/05/2018 continua em vigor, mas, o problema enfrentado pelo setor de transporte terrestre de cargas, em especial as dificuldades vivenciadas pelo caminhoneiro autônomo, é um problema muito mais profundo, que consiste no descompasso entre custos de produção e preço do frete.
Um dos principais fatores está no custo do combustível, e nas peças e insumos de manutenção veicular, ocorre que este custos estão intimamente associados aos custos regulatórios, uma vez que o caminhoneiro deverá manter em dia seu Registro Nacional de Transportadores Rodpviários de Carga - RNTRC, registro este que é necessário para a criação do CIOT - Código Identificador da Operação de Transporte.
O CIOT é o cadastro gerenciado pela ANTT que garante a regularidade da operação de transporte, no qual é obrigatória a apresentação dos seguintes dados, conforme o art. 6º da  Resolução nº 3.658/11:

Art. 6º Para a geração do Código Identificador da Operação de Transporte, será necessário informar:
I - o número do RNTRC do contratado;
II - o nome, a razão ou denominação social, o CPF ou CNPJ, e o endereço do contratante e do destinatário da carga;
III - o nome, a razão ou denominação social, o CPF ou CNPJ, e o endereço do subcontratante e do consignatário da carga, se existirem;
IV - os municípios de origem e de destino da carga;
V - a natureza e a quantidade da carga, em unidade de peso;
VI - o valor do frete, com a indicação do responsável pelo seu pagamento;
VII - valor do combustível, se for o caso, destacado apenas contabilmente;
VIII - o valor do pedágio desde a origem até o destino;
IX - o valor dos impostos, taxas e contribuições previdenciárias incidentes; e
X - a placa do veículo e a data de início e término da operação de transporte.
(negritei)
Muito embora o custo regulatório tenha um lado negativo em relação à estrutura burocrática que o cerca, também, devemos observar que esta estrutura gerida pela ANTT, em particular no que diz respeito ao CIOT, serve de garantia aos direitos fundamentais do caminhoneiro autônomo, uma vez que permite que o pagamento do frete seja realizado mediante a "Conta Frete", o que exclui a prática da "Carta-Frete", e, uma vez que se promova a exigência deste nível de cumprimento de critério de regularidade (RNTRC + CIOT), com a devida fiscalização de seu cumprimento por parte da ANTT, seria totalmente desnecessária a criação de uma tabela de frete, pois, então, os preços seriam objeto de análise realista conforme o "Custo Brasil".
Atualmente, os caminhoneiros autônomos estão sendo oprimidos pela força dos poderes econômicos (Indústria, Comércio e Agronegócio), opressão que inicia pelo descumprimento das normas legais e regulatórias, e se conclui pela criação de um mercado informal, na qual imperam crimes os mais diversos por meio da utilização da "Carta-Frete".
Como sempre, as normas brasileiras são moderníssimas, mas o serviço público é ineficiente na atividade de fiscalização, e, assim, colabora constantemente pela manuntenção do "status quo".

sábado, 9 de junho de 2018

A PRÁTICA ILÍCITA DA "CARTA-FRETE": informalidade, sonegação fiscal e abuso do poder econômico no setor de transporte de cargas

A lógica da Carta-Frete - Fonte Nota Técnica nº 54/2009/SUREG

A greve dos caminhoneiros autônomos deve servir de incentivo para que a sociedade e o governo observem, com mais atenção, o setor de atividade do transporte de cargas terrestres, cuja legislação não é respeitada no sentido de garantir os direitos fundamentais da referida categoria profissional.
Um tema que merece atenção é a prática ilegal de emissão de "Carta-Frete", e suas consequências negativas para a economia e para arrecadação tributária e previdenciária.
Podemos relembrar que, em 06/02/2009, a União Nacional dos Caminhoneiros - UNICAM, protocolou na ANTT o "Manifesto Sindical pelo Fim da Carta-Frete".
O manifesto denunciou que grande parte dos contratantes dos serviços de transportes rodoviários de cargas, ao contratar caminhoneiros autônomos para efetuar o serviço, omitem-se de adotar os meios regulares de pagamento, e, também, deixam de emitir os documentos obrigatórios na legislação comercial e fiscal que registram as operações de transporte.
Entre os argumentos apresentados pela UNICAM destacamos o seguinte trecho:
Quando analisadas as razões específicas da utilização da Carta-Frete, identifica-se que apenas os emissores têm vantagens em sua utilização, pois ela possibilita que:
• O pagamento do frete seja substituído por outra forma de pagamento que não o cheque ou dinheiro, sem desembolso efetivo do contratante;
• O embarque e transporte da carga sejam feitos sem a necessidade da disponibilização de capital, otimizando o fluxo de caixa do contratante;
• O emissor atrele a quitação do frete à comprovação de entrega da carga;
• O embarcador não tenha preocupações quanto ao pagamento das mesmas, pois se trata de um documento sem poderes legais, tornando-se um título não executável pelo caminhoneiro ou pelo posto.
(Fonte, p. 03 da Nota Técnica nº 54 / 2009 / SUREG / ANTT)
A ANTT no âmbito do debate sobre a regulamentação do pagamento de fretes emitiu a Nota Técnica nº 54/2009/SUREG, datada de 06/04/2009, que, entre outras coisas, relatou como consequências da prática da "Carta-Frete":
Baixa automação da Carta-Frete:
1. risco de fraude no recebimento dos valores de frete;
2. risco de inadimplência do emissor;
3. baixo controle operacional;
4. elevação artificial do preço do diesel;
5. ausência de informações fiscais;
6. aumento dos custos operacionais do transporte; etc
Além destes fatores, existem conseqüências indiretas advindas do uso da Carta-Frete que elevam o custo do transporte no País. A redução na renda do transportador autônomo faz com que a manutenção dos veículos seja negligenciada, aumentado os riscos inerentes à atividade; compele o transportador a trafegar com excesso de peso, acarretando o desgaste prematuro do veículo e do pavimento das rodovias; obriga o transportador a uma longa jornada, deteriorando a sua saúde e prejudicando a segurança no trânsito; etc. 
A "Carta-Frete", portanto, é utilizada para gerar um mercado informal, por se tratar de uma ordem de pagamento sem qualquer formalidade prevista em lei, que representa o valor do frete a ser pago, que de forma irregular se torna o comprovante da prestação do serviço entre as partes.
A "Carta-Frete" é emitida pelo contratante do serviço de transporte do frete e o entrega ao acontratado caminhoneiro autônomo, este por sua vez somente poderá converter a ordem de pagamento em moeda em Postos de Combustível "conveniados" com o contratante.
Todavia, a conversão da ordem em pagamento em moeda sempre se revela danosa e irregular, pois o caminhoneiro autônomo é obrigado a receber parte do valor em combustível, em regra com preço majorado, e o saldo do valor do frete com deságio e, eventualmente, em cheques do posto de combustível ou de seus clientes, não em espécie.
A "Carta-Frete" é um título fiduciário apócrifo. Muitas vezes ocorre o fato de que o caminhoneiro autônomo não consegue descontá-lo nos postos de combustíveis credenciados, em razão de o emissor da "Carta-Frete" estar na condição de devedor no "mercado de cartas-frete", e, assim, sua "ordem de pagamento" não seria mais aceita para troca, o que transforma a "Carta-Frete" em uma moeda podre na mão do caminhoneiro autônomo.
Os estabelecimentos que realizam o desconto da "Carta-Frete", ao realizarem o desconto desta ordem de pagamento, além de tornar o caminhoneiro autônomo um consumidor cativo, fato que limita a concorrência, também, condicionam a conversão do "título de crédito" em moeda ao abastecimento do veículo com preço majorado.
Tais condutas, sintetizadas na operação da "Carta-Frete", ofendem o direito que proteje a livre iniciativa e a concorrência, bem como infringe a ordem econômica, tal como previsto na Lei nº 8.884/1994.
A "Carta-Frete" é uma prática de transações de pagamento sem qualquer registro idôneo ou controle estatal, que permite a sonegação de impostos. Em especial são sonegados os tributos que incidem sobre o frete, considerando-se que esta é a remuneração do serviço do caminhoneiro autônomo, ou seja, seus respectivos Imposto de Renda Pessoa Física e contribuições sociais para o INSS, o que impacta diretamente na capacidade de o caminhoneiros autônomo comprovar sua renda e suas contribuições para a finalidade de aposentadoria e demais benefícios da seguridade social.
A ANTT, no exercício de suas atribuições, na forma do art. 20, II, b, da Lei nº 10.233/2001 c/c o art. 5º-A da Lei nº 11.442/2007, regulamentou o pagamento do frete mediante a Resolução ANTT nº 3.658/2011, para que o pagamento do mencionado serviço seja, obrigatoriamente, em moeda, a ser depositado em conta bancária, ou mediante cartão de débito regulamentado pela ANTT, ou seja, passou-se ao regime da "Conta Frete".
Geraldo Viana distingue a prática de "carta-frete" em contraposição à atual sistemática legal da "conta frete" prevista na Resolução ANTT nº 3.658/2011:
"Chamado de 'conta-frete' - em contraposição à 'carta frete', que foi posta na ilegalidade - o novo sistema tem potencial para provocar mudanças importantes nas práticas que vigoram há décadas neste mercado.
Muita gente que se especializou em ganhar dinheiro explorando o transportador autônomo (TAC), burlando o fisco uo simplesmente usando a informalidade que sempre existiu no TRC para lavar dinheiro ou cometer outros delitos, vai começar a sentir o peso da lei e a ter sérias dificuldades para prosseguir nesse caminho.
Por outro lado, os próprios caminhoneiros e as empresas sérias tendem a colher benefícios palpáveis. Aqueles, pelos ganhos de cidadania e pela possibilidade de comprovar renda, passando a ter acesso ao crédito que hoje lhe é negado. E as empresas, entre outros motivos, pela maior segurança jurídica, reforçando, na prática, a inexistência de vínculo de emprego quando da contratação de TACs, tal como o previsto em lei, evitando assim ações e condenações milionárias.
Além do mais, uns e outros desfrutarão de um mercado tanto quanto possível saneado, sob a égide de uma concorrência regrada e mais leal. Bom para todos; bom para o País." (Geraldo Viana, Conta Frete: como surgiu e por quê? O que esperar dela? Agora o fluxo de pagamento de frete a caminhoneiros terá que trafegar pelo sistema financeiro formal, por meio de cartão ou conta corrente – entenda este novo sistema.  Revista Mundo Logística, ed.25, nov. a dez. de 2011 p. 86)
Uma das funções primordiais da regulamentação do pagamento do frete é permitir a livre concorrência entre os agentes econômicos, especialmente com a adoção de mecanismos que permitam ao caminhoneiro autônomo ter a livre utilização de seus recursos, que lhe permita escolher qualquer um dos fornecedores disponíveis, não ficando restrito àqueles indicados por seu contratante.
A "Carta-Frete" é um exercício de poder econômico espúrio que submete os caminhoneiros contratados às regras e práticas abusivas do contratante, quando este se associa com fornecedores de combustível para a prática de crimes diversos, tais como:
Crime contra a economia popular previstos na Lei nº 1.521/1951 ao cobrar valores majorados pelo combustível, o que implica na tipificação da conduta prevista no art. 2º, VIII, uma vez que o contratante  emissor da "Carta-Frete" em conluiu com o fornecedor de combustível visam "obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos".
Crime de usura, ao utilizar-se de ordem de pagamento para impor negociação desfavorável no momento da troca da "Carta-Frete" por moeda com exigência de deságio, o que, na prática, é uma cobrança de juros abusivos não declarados na ordem de pagamento. Configura-se, assim, a previsão do art. 13 da Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933) , que define punível a:
"prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento".
Crime contra a ordem econômica, uma vez que a "Carta-Frete" é uma forma de abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas (art. 4º, I , Lei nº 8.137/1990).
Crimes contra a ordem tributária, seja por omissão de obrigação acessória (art. 1º, II e art. 2º, I, Lei nº 8.137/1990), ou por sonegação fiscal, especialmente do IRPF, e contribuições sociais do caminhoneiro autônomo incidentes sobre o frete, etc.