Mostrando postagens com marcador Percepção. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Percepção. Mostrar todas as postagens

domingo, 1 de julho de 2018

O intuicionismo radical de Olavo de Carvalho

Fonte: Página de Olavo de Carvalho no Facebook


Olavo de Carvalho (01) define o intuicionismo radical da seguinte maneira:

Ou a conexão lógica de duas proposições é percebida num único relance intuitivo, ou não é percebida nunca (porque cairíamos na regressão infinita). Logo, a operação da razão tem fundamento intuitivo ou não tem fundamento nenhum. Portanto, não existem dois tipos de conhecimento, um racional, outro intuitivo, há apenas a diferença entre intuições lógicas e intuições sensíveis.

Ronaldo Robson (02) promove uma síntese sobre o a natureza "radical" da intuição na teoria do conhecimento, radicalidade que deve ser interpretada conforme a exata etimologia da palavra, pois é a fonte da qual emerge a apreensão do conhecimento, utilizando-se das publicações “Esboço de um sistema de filosofia” e “A tripla intuição”, disponíveis no Seminário de Filosofia, em que Olavo de Carvalho

...afirma o conhecimento como intuicionismo radical (15): ao contrário do que é comum pensar, o que há de mais objetivo e especificamente humano no conhecimento é o que os antigos lógicos chamavam de “simples apreensão”, ou seja, o ato pelo qual a consciência toma ciência da presença de um determinado dado da realidade. O “raciocínio”, a construção silogística e suas derivadas, é posterior e é uma aptidão de ordem construtiva e, portanto, mais dada a erros. O que é dizer: o homem erra mais na expressão interior do que apreende do que na apreensão em si; pois os métodos mais refinados da lógica apenas desencavam, analiticamente, algo que já estava dado na primeira intuição. E cada intuição, por sua vez, inaugura uma cadeia potencialmente ilimitada de outras intuições; disso trata a teoria da tripla intuição (16): o ato pelo qual o indivíduo intui (primeira intuição) é, ao mesmo tempo, intuição de algo (segunda intuição) e intuição das condições desse ato intuitivo (terceira intuição). Isso explicaria ainda, por exemplo, certos simbolismos naturais, como a identificação do “sol” ou da “luz” com o conhecimento em inúmeras culturas, porquanto em sociedades primitivas, sem o recurso do fogo, só se vê algo – e a visão é o sentido identificado mais diretamente ao conhecimento – quando há luz natural; então o indivíduo percebe que intui, percebe que intui algo e percebe a possibilidade que funda essa intuição paralelamente a uma situação natural. Isso, por fim, afirma a possibilidade de conhecimento objetivo contra todo o discurso contemporâneo de que só existem verdades convencionais, inexistindo as objetivas e, por assim dizer, naturais.

Olavo de Carvalho esclarece que a intuição é a "percepção de uma presença, percepção imediata. Imediata é o que não tem intermediário" (03), e exemplifica:


"Pode estar presente fisicamente, como esta mesa está presente ou estas pessoas aqui estão presentes; pode ser algo que está presente na sua mente, sob a forma de um estado de ânimo. Por exemplo: você percebe que você está triste, tem de haver algum intermediário, alguém tem de vir informá-lo de que está triste? Você precisa fazer um raciocínio para ver que está triste? Não. Então, a percepção do sentimento ou emoção é imediata também. E pode ser a percepção de seu próprio pensamento. O famoso “penso, logo existo”, de Descartes é isso: uma intuição imediata que você tem do seu próprio pensamento."

Olavo de Carvalho conclui que a "intuição é sempre intuição de presença, portanto todo conhecimento positivo é sempre intuitivo".

Em defesa dessa concepção é possível adotar-se a pesquisa de Wolfgang Smith (4), que, com base em dados científicos, descreve que o sentido da visão não está no olho, pois este é o órgão da visão, da mesma forma que o cérebro tem a função de receber e processar os dados, este último é somente o órgão da mente.

A visão e a mente são fontes de intuições para a alma, esta última é fonte da inteligência e do intelecto, que habita e move o corpo.

Logo, potencialmente, a inteligência intelectiva tem acesso à realidade, tanto de forma mediata quanto de forma imediata, pois a visão e a mente são órgãos da percepção oriundos de nossa própria alma.

Nossa percepção é intelectiva, porque é diretamente conectada com nossa percepção sensorial, ou seja, é intuitiva, no sentido em que a sensação é ligada ao intelecto, por meio de órgãos sensoriais, cujas funções também são intelectivas, e, que fornecem dados brutos sobre a realidade, dados estes que são interpretados, imediatamente, pela nossa alma intelectiva, o intelecto percebe a totalidade imediatamente.

Nossa capacidade de descrição verbal necessita do aporte de conceitos vestidos de linguagem, aí que surge nosso problema demasiadamente humano, que é o problema de verter a realidade em linguagem, pois interpretações ruins são como os vírus de computador, que destroem nossa capacidade de intuir conforme a realidade.

Então, quando conceitos verbais se introduzem no processo de percepção, e negam aquilo que está diante de nossos olhos, temos a presença do vírus ideológico, cujo objetivo é se reproduzir destruindo o intelecto do portador, e, destruindo-se, assim, na vítima a capacidade de perceber a realidade.

NOTAS:



(03) O que é intuição? É percepção de uma presença, percepção imediata. Imediata é o que não tem intermediário. Dizer que suas percepções sensíveis, percepções visuais por exemplo, têm um intermediário que é o seu olho, como diria Kant, é não dizer nada. Alguém pode dizer que vê através de seu olho, mas é seu olho mesmo está vendo. O olho é parte de mim, assim como a mão é parte de mim. A intuição é a percepção imediata de algo que está presente. Pode estar presente fisicamente, como esta mesa está presente ou estas pessoas aqui estão presentes; pode ser algo que está presente na sua mente, sob a forma de um estado de ânimo. Por exemplo: você percebe que você está triste, tem de haver algum intermediário, alguém tem de vir informá-lo de que está triste? Você precisa fazer um raciocínio para ver que está triste? Não. Então, a percepção do sentimento ou emoção é imediata também. E pode ser a percepção de seu próprio pensamento. O famoso “penso, logo existo”, de Descartes é isso: uma intuição imediata que você tem do seu próprio pensamento. Não precisa de um terceiro pensamento para mediá-lo. Claro, quando você expressa em palavras, você então cria uma mediação. Mas, esta certeza que você tem de que você existe enquanto está pensando é uma certeza imediata, sem sombra de dúvida. Conclusões advindas daí podem ser duvidosas, mas que isto é uma intuição certíssima, é. E pode ser a intuição de uma relação entre pensamentos que você pensou. Quando você faz um silogismo e percebe a identidade entre a premissa e a consequência, você a percebe não através de um outro pensamento, mas é uma percepção imediata. Resultado: todo e qualquer conhecimento é intuitivo ou não é conhecimento de maneira alguma, é apenas a criação do esquema de pensamento.

Este esquema de pensamento, em primeiro lugar, precisa ser ele mesmo intuído; em segundo lugar, precisa ver se ele serve como lente para através dele você perceber alguma coisa. Também tem isso, o nosso pensamento é necessariamente dialético. Não sei se já perceberam: você consegue crer numa coisa sem imaginar a coisa contrária? Ninguém consegue. Se você nem imagina a coisa contrária, que sentido faz crer? Quando você diz que Deus é bom, não lhe passa pela cabeça a hipótese de que Deus seja mal? Então você não sabe o que é ser bom. No momento [em que diz que Deus é bom], você faz a hipótese gnóstica, o deus maligno (o gênio mal de que falava Descartes); isto tem de passar pela sua cabeça para que você diga que Deus é bom. A mente humana, quando pensa uma idéia, sempre pensa a contrária. A contrária pode anular a primeira idéia ou pode ser anulada por ela, mas tem de passar por essa dialética. A intuição não é jamais dialética, para ela só existe o sim. Não existe a intuição do ausente. Você pode ter a intuição da sua percepção do ausente, mas não da própria ausência. Por exemplo, a Roxane está sentada na cadeira, de repente eu olho e ela não está [mais] ali. O que eu intuo é a minha percepção de ausência, e não a ausência dela. A percepção de ausência é um pensamento, na verdade, não uma intuição. A intuição é sempre intuição de presença, portanto todo conhecimento positivo é sempre intuitivo. Eu acho que, dito isto, posso dizer: ponto final. Não tem como voltar atrás, isto é uma conclusão a que eu cheguei, não li em ninguém. Isto quer dizer que, até uma besta quadrada como eu, pode chegar a alguma conclusão final.

Sim, cheguei a esta conclusão final. E que conclusões eu tiro daí para o restante do universo do conhecimento? Por enquanto, nenhuma. Nós podemos ter certezas, mas são sobre pontos definidos, em geral pontos demasiado genéricos e abstratos. E a realidade concreta, em seu fluxo e variedade constantes, continua sendo incerta, e o conhecimento dela vai requerer sempre a mesma paciência, as mesmas contradições, a mesma confusão interior etc. (Olavo de Carvalho, Aula 308 – COF, 5 DE JANEIRO DE 2016, transcrição por Carla Farinazzi, disponível em https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/01/05/aula-308-cof/)

(04) "Agora, consideremos o cérebro humano à luz desses fatos. Neurologicamente falando, o cérebro tem inputs sensoriais e outputs motores e opera como "mediador", como uma espécie de dispositivo de processamento de informações. Em adição aos seus canais neurológicos de input e output, contudo, por assim dizer, através dos quais se conecta a manas ou "mente". Ora, é precisamente por meio dessas ligações verticais que se realizam funções que caracterizamos anteriormente como não algorítimos, porque, com efeito, é manas que as executa, em conjunto com o cérebro. Sozinho, o cérebro vivo consegue efetuar apenas funções algorítmicas e processuais: sua própria composição - o fato de que é "feito de neurônios" - implica isso. Ademais, essas operações neurais estão associadas, no máximo, à consciência psicossomática, em contraste com as funções não algorítmicas superiores, que se escoram em uma "visão" que ultrapassa categoricamente o domínio psicossomático.

Agora, há de fato dois níveis onde essa "visão" pode ocorrer: isto é, no manásico e no vijnânico. É necessário notar, porém, que o manásico em si é, de certa forma, intelectivo, como evidenciado pela divisão triádica de manas à qual nos referimos previamente. A noção de "intelecto" acarreta, portanto, uma certa ambiguidade, mesmo na esfera do indivíduo humano; e, ao passo que o ato de percepção visual, por exemplo, é inequivocadamente manásico - a despeito de sua natureza intelectiva - , parece que a "atividade intelectual" pode ter lugar, no primeiro caso, em "intelecto" e, no segundo, em "razão"; entretanto, o fato é que a verdade só pode ser apreendida por uma ato de "visão" que é inerentemente intelectivo, não importa o nível em que ocorra.

***
Essas considerações estão de acordo com a tese central de Roger Penrose - a afirmação de que a descoberta e a prova matemática não se reduzem a operações algorítmicas e, portanto, a uma função cerebral - e, de certo modo, confirmam sua suposição de que a "não-localidade" é a chave para resolver o problema da ligação. Igualmente, estão de acordo com a tese de William Debsky, segundo a qual o "design inteligente" não pode ser efetuado por meio de algorítimos: na esfera da atividade humana criativa, assim como na do pensamento racional, um ato intelectivo se mostra fundamental. Em uma palavra, todas as ações propriamente humanas são inteligentes. Logo, não somente existem funções não algorítmicas superiores como elas se revelam verdadeiramente definidoras da condição humana." (Wolfgang Smith, Ciência e MIto: com uma resposta a O Grande Projeto, de Stephen Hawking, 1ª ed., tradução de Pedro Cava, Campinas: Vide Editorial, 2014, p. 164-166)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

É BOM CITAR: METAFÍSICA DE ARISTÓTELES



Se não existisse nada de eterno, também não poderia existir o devir
(Aristóteles, Metafísica, B 4, 999 b 5-6)


Se além das coisas sensíveis não existisse nada, nem sequer haveria um princípio, nem ordem, nem geração, nem movimentos dos céus, mas deveria haver um princípio do princípio…
(Aristóteles, Metafísica, A 10, 1075 b 24-26)


Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente de sua utilidade e amam, acima de todas, a sensação da visão.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


...a visão nos proporciona mais conhecimentos do que todas as outras sensações e nos torna manifestas numerosas diferenças entre as coisas.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Os animais são naturalmente dotados de sensações; mas em alguns da sensação não nasce a memória, ao passo que em outros nasce.
(Aristóteles, Metafísica, 980 b)


Ora, enquanto os outros animais vivem com imagens sensíveis e com recordações, e pouco participam da experiência, o gênero humano vive também da arte de raciocínios.
(Aristóteles, Metafísica, 981 a)



Nos homens, a experiência deriva da memória. De fato, muitas recordações do mesmo objeto chegam a constituir uma experiência única.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


A experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte. Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experiência. A experiência, como diz Polo, produz a arte, enquanto a inexperiência produz o puro acaso.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


A arte se produz quando, de muitas observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível de ser referido a todos os casos semelhantes.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)
Por exemplo, o ato de julgar que determinado remédio fez bem a Cálias, que sofria de certa enfermidade, e que também fez bem a Sócrates e a muitos outros indivíduos, é próprio da experiência; ao contrário, o ato de julgar que a todos esses indivíduos, reduzidos à unidade segundo a espécie, que padeciam de certa enfermidade, determinado remédio fez bem (por exemplo, aos fleumáticos, aos biliosos e aos febris) é próprio da arte.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Ora, em vista da atividade prática, a experiência em nada parece diferir da arte; antes, os empíricos têm mais sucesso do que os que possuem a teoria sem a prática. E a razão disso é a seguinte: a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto que a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)
De fato o médico não o cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser um homem.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indivíduo particular.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


...estamos convencidos de que a sapiência, em cada um dos homens, corresponde à sua capacidade de conhecer.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Os empíricos conhecem o puro dado de fato, mas não seu porquê; ao contrário, os outros [os que possuem a arte] conhecem o porquê e a causa.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Por isso consideramos os primeiros mais sábios [os que têm a direção nas diferentes artes], não porque capazes de fazer, mas porque possuidores de um saber conceptual e por conhecerem as causas.
(Aristóteles, Metafísica, 980 b)


Em geral, o que distingue quem sabe de quem não sabe é a capacidade de ensinar: por isso consideramos que a arte seja sobretudo a ciência e não a experiência; de fato, os que possuem a arte são capazes de ensinar, enquanto os que possuem a experiência não o são.
(Aristóteles, Metafísica, 980 b)

Aristóteles, Metafísica vols. I, II, III, 2ª edição. Ensaio introdutório, tradução do texto grego, sumário e comentários de Giovanni Reale. Tradução portuguesa Marcelo Perine. São Paulo. Edições Loyola. 2002.