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sábado, 9 de junho de 2018

A PRÁTICA ILÍCITA DA "CARTA-FRETE": informalidade, sonegação fiscal e abuso do poder econômico no setor de transporte de cargas

A lógica da Carta-Frete - Fonte Nota Técnica nº 54/2009/SUREG

A greve dos caminhoneiros autônomos deve servir de incentivo para que a sociedade e o governo observem, com mais atenção, o setor de atividade do transporte de cargas terrestres, cuja legislação não é respeitada no sentido de garantir os direitos fundamentais da referida categoria profissional.
Um tema que merece atenção é a prática ilegal de emissão de "Carta-Frete", e suas consequências negativas para a economia e para arrecadação tributária e previdenciária.
Podemos relembrar que, em 06/02/2009, a União Nacional dos Caminhoneiros - UNICAM, protocolou na ANTT o "Manifesto Sindical pelo Fim da Carta-Frete".
O manifesto denunciou que grande parte dos contratantes dos serviços de transportes rodoviários de cargas, ao contratar caminhoneiros autônomos para efetuar o serviço, omitem-se de adotar os meios regulares de pagamento, e, também, deixam de emitir os documentos obrigatórios na legislação comercial e fiscal que registram as operações de transporte.
Entre os argumentos apresentados pela UNICAM destacamos o seguinte trecho:
Quando analisadas as razões específicas da utilização da Carta-Frete, identifica-se que apenas os emissores têm vantagens em sua utilização, pois ela possibilita que:
• O pagamento do frete seja substituído por outra forma de pagamento que não o cheque ou dinheiro, sem desembolso efetivo do contratante;
• O embarque e transporte da carga sejam feitos sem a necessidade da disponibilização de capital, otimizando o fluxo de caixa do contratante;
• O emissor atrele a quitação do frete à comprovação de entrega da carga;
• O embarcador não tenha preocupações quanto ao pagamento das mesmas, pois se trata de um documento sem poderes legais, tornando-se um título não executável pelo caminhoneiro ou pelo posto.
(Fonte, p. 03 da Nota Técnica nº 54 / 2009 / SUREG / ANTT)
A ANTT no âmbito do debate sobre a regulamentação do pagamento de fretes emitiu a Nota Técnica nº 54/2009/SUREG, datada de 06/04/2009, que, entre outras coisas, relatou como consequências da prática da "Carta-Frete":
Baixa automação da Carta-Frete:
1. risco de fraude no recebimento dos valores de frete;
2. risco de inadimplência do emissor;
3. baixo controle operacional;
4. elevação artificial do preço do diesel;
5. ausência de informações fiscais;
6. aumento dos custos operacionais do transporte; etc
Além destes fatores, existem conseqüências indiretas advindas do uso da Carta-Frete que elevam o custo do transporte no País. A redução na renda do transportador autônomo faz com que a manutenção dos veículos seja negligenciada, aumentado os riscos inerentes à atividade; compele o transportador a trafegar com excesso de peso, acarretando o desgaste prematuro do veículo e do pavimento das rodovias; obriga o transportador a uma longa jornada, deteriorando a sua saúde e prejudicando a segurança no trânsito; etc. 
A "Carta-Frete", portanto, é utilizada para gerar um mercado informal, por se tratar de uma ordem de pagamento sem qualquer formalidade prevista em lei, que representa o valor do frete a ser pago, que de forma irregular se torna o comprovante da prestação do serviço entre as partes.
A "Carta-Frete" é emitida pelo contratante do serviço de transporte do frete e o entrega ao acontratado caminhoneiro autônomo, este por sua vez somente poderá converter a ordem de pagamento em moeda em Postos de Combustível "conveniados" com o contratante.
Todavia, a conversão da ordem em pagamento em moeda sempre se revela danosa e irregular, pois o caminhoneiro autônomo é obrigado a receber parte do valor em combustível, em regra com preço majorado, e o saldo do valor do frete com deságio e, eventualmente, em cheques do posto de combustível ou de seus clientes, não em espécie.
A "Carta-Frete" é um título fiduciário apócrifo. Muitas vezes ocorre o fato de que o caminhoneiro autônomo não consegue descontá-lo nos postos de combustíveis credenciados, em razão de o emissor da "Carta-Frete" estar na condição de devedor no "mercado de cartas-frete", e, assim, sua "ordem de pagamento" não seria mais aceita para troca, o que transforma a "Carta-Frete" em uma moeda podre na mão do caminhoneiro autônomo.
Os estabelecimentos que realizam o desconto da "Carta-Frete", ao realizarem o desconto desta ordem de pagamento, além de tornar o caminhoneiro autônomo um consumidor cativo, fato que limita a concorrência, também, condicionam a conversão do "título de crédito" em moeda ao abastecimento do veículo com preço majorado.
Tais condutas, sintetizadas na operação da "Carta-Frete", ofendem o direito que proteje a livre iniciativa e a concorrência, bem como infringe a ordem econômica, tal como previsto na Lei nº 8.884/1994.
A "Carta-Frete" é uma prática de transações de pagamento sem qualquer registro idôneo ou controle estatal, que permite a sonegação de impostos. Em especial são sonegados os tributos que incidem sobre o frete, considerando-se que esta é a remuneração do serviço do caminhoneiro autônomo, ou seja, seus respectivos Imposto de Renda Pessoa Física e contribuições sociais para o INSS, o que impacta diretamente na capacidade de o caminhoneiros autônomo comprovar sua renda e suas contribuições para a finalidade de aposentadoria e demais benefícios da seguridade social.
A ANTT, no exercício de suas atribuições, na forma do art. 20, II, b, da Lei nº 10.233/2001 c/c o art. 5º-A da Lei nº 11.442/2007, regulamentou o pagamento do frete mediante a Resolução ANTT nº 3.658/2011, para que o pagamento do mencionado serviço seja, obrigatoriamente, em moeda, a ser depositado em conta bancária, ou mediante cartão de débito regulamentado pela ANTT, ou seja, passou-se ao regime da "Conta Frete".
Geraldo Viana distingue a prática de "carta-frete" em contraposição à atual sistemática legal da "conta frete" prevista na Resolução ANTT nº 3.658/2011:
"Chamado de 'conta-frete' - em contraposição à 'carta frete', que foi posta na ilegalidade - o novo sistema tem potencial para provocar mudanças importantes nas práticas que vigoram há décadas neste mercado.
Muita gente que se especializou em ganhar dinheiro explorando o transportador autônomo (TAC), burlando o fisco uo simplesmente usando a informalidade que sempre existiu no TRC para lavar dinheiro ou cometer outros delitos, vai começar a sentir o peso da lei e a ter sérias dificuldades para prosseguir nesse caminho.
Por outro lado, os próprios caminhoneiros e as empresas sérias tendem a colher benefícios palpáveis. Aqueles, pelos ganhos de cidadania e pela possibilidade de comprovar renda, passando a ter acesso ao crédito que hoje lhe é negado. E as empresas, entre outros motivos, pela maior segurança jurídica, reforçando, na prática, a inexistência de vínculo de emprego quando da contratação de TACs, tal como o previsto em lei, evitando assim ações e condenações milionárias.
Além do mais, uns e outros desfrutarão de um mercado tanto quanto possível saneado, sob a égide de uma concorrência regrada e mais leal. Bom para todos; bom para o País." (Geraldo Viana, Conta Frete: como surgiu e por quê? O que esperar dela? Agora o fluxo de pagamento de frete a caminhoneiros terá que trafegar pelo sistema financeiro formal, por meio de cartão ou conta corrente – entenda este novo sistema.  Revista Mundo Logística, ed.25, nov. a dez. de 2011 p. 86)
Uma das funções primordiais da regulamentação do pagamento do frete é permitir a livre concorrência entre os agentes econômicos, especialmente com a adoção de mecanismos que permitam ao caminhoneiro autônomo ter a livre utilização de seus recursos, que lhe permita escolher qualquer um dos fornecedores disponíveis, não ficando restrito àqueles indicados por seu contratante.
A "Carta-Frete" é um exercício de poder econômico espúrio que submete os caminhoneiros contratados às regras e práticas abusivas do contratante, quando este se associa com fornecedores de combustível para a prática de crimes diversos, tais como:
Crime contra a economia popular previstos na Lei nº 1.521/1951 ao cobrar valores majorados pelo combustível, o que implica na tipificação da conduta prevista no art. 2º, VIII, uma vez que o contratante  emissor da "Carta-Frete" em conluiu com o fornecedor de combustível visam "obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos".
Crime de usura, ao utilizar-se de ordem de pagamento para impor negociação desfavorável no momento da troca da "Carta-Frete" por moeda com exigência de deságio, o que, na prática, é uma cobrança de juros abusivos não declarados na ordem de pagamento. Configura-se, assim, a previsão do art. 13 da Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933) , que define punível a:
"prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento".
Crime contra a ordem econômica, uma vez que a "Carta-Frete" é uma forma de abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas (art. 4º, I , Lei nº 8.137/1990).
Crimes contra a ordem tributária, seja por omissão de obrigação acessória (art. 1º, II e art. 2º, I, Lei nº 8.137/1990), ou por sonegação fiscal, especialmente do IRPF, e contribuições sociais do caminhoneiro autônomo incidentes sobre o frete, etc.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

O Código Identificador da Operação de Transporte (CIOT) e sua importância para a regularidade da Operação de Transporte Rodoviário de Cargas.


Resolução nº 3.658/11 regulamenta o art. 5º-A da Lei Federal nº 11.442/2007, que tornou obrigatório "pagamento do frete do transporte rodoviário de cargas ao Transportador Autônomo de Cargas - TAC deverá ser efetuado por meio de crédito em conta mantida em instituição integrante do sistema financeiro nacional, inclusive poupança, ou por outro meio de pagamento regulamentado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT".
O CIOT é o cadastro gerenciado pela ANTT que garante a regularidade da operação de transporte, na qual é obrigatória a apresentação dos seguintes dados, conforme o art. 6º da  Resolução nº 3.658/11:

Art. 6º Para a geração do Código Identificador da Operação de Transporte, será necessário informar:
I - o número do RNTRC do contratado;
II - o nome, a razão ou denominação social, o CPF ou CNPJ, e o endereço do contratante e do destinatário da carga;
III - o nome, a razão ou denominação social, o CPF ou CNPJ, e o endereço do subcontratante e do consignatário da carga, se existirem;
IV - os municípios de origem e de destino da carga;
V - a natureza e a quantidade da carga, em unidade de peso;
VI - o valor do frete, com a indicação do responsável pelo seu pagamento;
VII - valor do combustível, se for o caso, destacado apenas contabilmente;
VIII - o valor do pedágio desde a origem até o destino;
IX - o valor dos impostos, taxas e contribuições previdenciárias incidentes; e
X - a placa do veículo e a data de início e término da operação de transporte.
(negritei)

Destaco que o Caminhoneito Autônomo (Transportador Autônomo de Carga - TAC) para ser cadastrado no CIOT deve possuir regularidade em seu RNTRC - Registro Nacional dos Transportadores de Carga, e, mais importante, deverá ser registrado o "valor dos impostos, taxas e contribuições previdenciárias incidentes", isto é, necessário se faz que sejam provisionados os valores de IRPF e INSS do respectivo Caminhoneiro Autônomo.
O CIOT ao ser gerado, ficará registrado na base de dados nacionais da ANTT, e deverá ser anotado pelo emissor do Contrato ou do Conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas – CTRC (Art. 7º, caput, da Resolução nº 3.658/11).
Em síntese, quando o CIOT não é cadastrado, e, portanto, não compõe o CTRC que registra a Operação de Transporte na qual participa o TAC, haverá, necessariamente, um forte indício da prática de condutas de sonegação fiscal relativa aos tributos e contribuições federais, e da prática de crimes contra economia popular, como a cobrança do ágio sobre o preço do diesel, por meio da emissão de  Carta-Frete, que é um título “apócrifo” (ilegal) e fiduciário, que sobrevive no imenso mercado informal do setor de transporte terrestre de carga, assundo que merece atenção.