domingo, 20 de maio de 2018

AULA DE METODOLOGIA CIENTÍFICA - LIÇÃO 01 (A essência do problema)

Vírus Ebola


Escolha entre estas duas hipóteses fundamentais:

a) Existem essências em todas as coisas, os conceitos captam e nomeiam suas características.


b) Não existem essências, o que existem são só nomes convencionais.

GABARITO:

RESPOSTA DA OPÇÃO "a)"

A essência é a forma intrínseca do objeto, seu projeto arquitetônico, sua fórmula, sua alma, o nome é sua descrição que é relatada por meio de símbolos e signos, sua essência é o seu ser ontológico, concreto, real, pré-existente.

O conceito de substância descrito por Aristóteles não descreve a matéria do objeto, a substância é a forma essencial que conforma e possibilita a existência da própria coisa, a inteligência capta alguns elementos dessa forma substancial e promove a distinção em relação a outras formas substanciais, daí são necessários os nomes.

RESPOSTA DA OPÇÃO "b)"

Considerar a inexistência de essências intrínsecas e que os nomes são meras convenções coletivas implica, necessariamente, na adoção de posturas céticas, radicais ou moderadas, que poderão julgar a realidade com base na eleição arbitrária de algum critério de medida, seja o materialismo ou o voluntarismo.

Esta postura sempre esbarrará no problema da validade do conhecimento captado pelos sentidos, e daí em diante a própria capacidade de considerar a realidade será objeto de considerações de ordem linguística, uma vez que toda descrição científica é essencialmente verbal.

Nesse sentido se instaura o que é tradicionalmente denominado de metafísica transcendental, porque imanente à mente e cujo escopo é só o descrever fenômenos restritos ao que for captável pela mente que é cética de tudo o mais, menos da própria mente.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

REFLEXÕES SOBRE A FILOSOFIA MORAL


Creio que o vocabulário "filosofia moral" deve ser resgatado para fazer o contraponto ao termo ideologizado "ética" (apesar de que originalmente "ética" é a versão grega para a latina "moral"), pois, atualmente, falar de "ética" somente remete ao comportamento politicamente correto, segundo a régua do subjetivismo materialista epicurista da modernidade em seu consenso contra o sumo bem

A moral é essencialmente um conhecimento de natureza ontológica, uma forma de participar da realidade concreta da vida e da sociedade, pois conecta-se à realidade objetiva, v.g. a interdição ao incesto quando inobservada gera consequências nefastas à própria herança genética.

A autoridade moral (no sentido de autoria mesmo) é primariamente heterônoma, por ser um mandamento de Deus, secundariamente é que se torna um objeto de julgamento decisório do livre arbítrio pessoal.

O momento da liberdade também é o momento do pecado, logo, inexistente a norma moral absolutamente autônoma, pois a moral é absoluta, o que é resta é a autonomia do erro moral, uma vez que a decisão é relativa

Moral não é uma norma no sentido jurídico-normativo, é uma revelação divina descoberta pelo intelecto humano, seja pela razão natural, como em Sócrates, seja pela razão sobrenatural revelada diretamente por Cristo.

O vício do bacharelismo jurídico é considerar que uma teoria da norma jurídica substitui a realidade concreta, portanto, é esquecer que autorreferencia do texto submete-se à autorreferencia da realidade, não o contrário

O contraponto ao excesso de abstração linguísticas, que fica preocupado com suporte físico em papel, está em chamar a atenção que o suporte físico da linguagem é ontológico, é a realidade de carne e osso, e, também, alma.

A filosofia, desde os pré socráticos até hoje, se depara com desafios teológicos e morais, ou aceitam o negam veementemente a existência de Deus.

Etimologicamente moral é ética, são termos sinônimos, todavia, hoje na cena institucional jurídico-política esqueceu-se o que é moral e o termo "ética" foi transformado numa palavra que aceita qualquer definição, inclusive pode ser a "ética dos bandidos"

Observo que em relação ao atual processo de destruição da linguagem como ferramenta de comunicação julgo indubitável que realmente existe um esforço acadêmico nesse sentido, e, também não discordo que esta demolição tenha consequências sociais, todavia percebo que a língua e a linguagem possuem uma substância, no sentido dado por Aristóteles na metafísica, em que a essência da palavra ainda resiste em função da necessidade que o senso comum de cada pessoa possui intuitivamente de reagir ao absurdo inerente aos ataques linguísticos da modernidade.

Para que seja possível a percepção da desordem do caos há que ser possível a prévia percepção da ordem do cosmos, e para que haja destruição e entropia há que haver criação e harmonia, neste sentido a filosofia moral é o amor ao saber em seu sentido de razão prática (phronesis), que possibilita o cultivo da ordem pessoal e possibilita a harmonia social.

domingo, 6 de maio de 2018

MATERIALISMO: O DOGMA DA MODERNIDADE


Demócrito

Como diria o Olavo de Carvalho, muito do que se discute na filosofia moderna está permeado de premissas ocultas, premissas não declaradas, mas que são premissas fundamentais ao pensamento.

A questão dos universais, ou seja, se há uma essência ou uma forma fundamental presente na realidade de todas as coisas, quando estudada com base na filosofia antiga e escolástica a todo momento é discutida a questão da transcendência dos conceitos, uma vez que os princípios metafísicos são utilizados como fonte de tais raciocínios, este é um caso de premissas não ocultadas.

Ocorre que com os tempos modernos começou-se o estabelecimento de uma "moda" de adoção da retórica cética, e, portanto, relativista, na qual há a negação formal da metafísica clássica, mas, implicitamente, foi sendo consolidada uma "metafísica" moderna que considera válida somente a existência material, em detrimento da vida espiritual e da religião.

A defesa de uma ontologia "imanente" à mente humana ignora intencionalmente, e como forma de seu método, o "Problema Deus".

Portanto, o dogma da inexistência de "Deus" é implícito em nossas elucubrações filosóficas modernistas que negam a existência de essências e a possibilidade de transcendência.

Nós, tal como Sócrates, ainda, hoje, sofremos daquela curiosidade que sempre emerge da consciência (daemon) que nos habita, e que continua perguntando sobre a natureza de todas as coisas, e permanece com aquele anseio pelo sumo bem, que nos remete a pensar na razão de ser da criação.

A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE IMPLICA EM DETERMINISMO?


Se recorrermos à uma base filosófica cartesiana, que trabalha a causalidade dentro de um molde matemático-quantitativo, e por isso determinista, podemos, assim, adotar a postura kantiana que considera a necessidade da adoção do ceticismo moderado de Hume e a ética contratual de Rousseou, então, dentro destes moldes é plausível afirmar a necessidade do determinismo, até porque está bem dento do cosmos da mecânica clássica de Newton, que por sua vez é a premissa científica para a ética contemporânea a partir de Kant.

Todavia, quando analisamos relações de causalidade dentro da dimensão que considera o universo de eventos qualitativos que são sonegados pela teoria cartesiana, tal como os fatores afetivos, emocionais, culturais, históricos inerentes à vida do acontecer humano, as relações de causalidade tornam-se completamente diferentes daquelas que consideram somente dados mensuráveis quantitativamente, pois passa-se a ser considerada não só a extensão matemática de um fenômeno mas também a intensidade do fenômeno, que por sua vez poderá se manifestar em graus diferenciados, mesmo em circunstâncias equivalentes.

Neste sentido, quando são considerados dados desta capilaridade tanto quantitativa quanto qualitativa, necessariamente, o mundo de possibilidades e probabilidades casuísticas se tornará quase infinito.

É neste mundo concreto em que coisas sem fim podem ocorrer, do ponto de vista da vida humana, há um grau razoável de previsibilidade permeada de possibilidades imprevisíveis que implicam na constante possibilidade de existência do exercício da vontade de escolha entre tais possibilidades, que denominamos de livre arbítrio, pois este só pode existir como exercício de um liberdade de escolha entre possibilidades cujos resultados são previsíveis, mais diferenciáveis.


Portanto, quando se trata do tema do determinismo, devemos observar que a densidade de informações e variáveis existentes, em cada acontecimento e em cada decisão, é tão imensurável que a única possibilidade de determinismo seria sob a regência de um poder capaz de conhecer imediatamente todas as possibilidades de ação e ser capaz de prever todas as variáveis envolvidas, logo, neste sentido, Deus sempre terá poder de previsão, todavia, no que diz respeito ao momento volitivo de escolher uma d'entre as possibilidades em cada caso singular, este momento caberá a cada pessoa singular em sua condição de partícipe da criação, todavia, o conjunto de decisões ainda poderá ser objeto de ponderação estatística, mas essa média será somente probabilística, não será determinística no sentido completo da palavra.

terça-feira, 1 de maio de 2018

FICHAMENTO: O QUE É O SENTIMENTALISMO?



[...] uma importante característica do tipo de sentimentalismo [...] seu caráter público (p. 75)

[...] consequência de viver num mundo moderno, incluindo um mundo mental, tão amplamente saturado por produtos da mídia de massa. Nesse mundo, aquilo que é feito ou que acontece em privado não é feito ou não aconteceu absolutamente, ao menos não no sentido mais pleno possível. (p. 75-76)

A expressão pública do sentimentalismo tem consequências importantes. Em primeiro lugar, ela demanda uma resposta daqueles que a testemunharam. [...] Há, portanto, algo coercivo ou intimidador em exibições públicas de sentimentalismo. Tome parte ou, no mínimo, evite criticar. (p. 76)

Uma pressão inflacionária também age sobre essas exibições. [...] exibições emotivas cada vez mais extravagantes se tornam necessárias [...] (p. 76)

Em segundo lugar, exibições de sentimentalismo público não coagem apenas os transeuntes ocasionais [...], mas quando são suficientemente fortes ou disseminadas, começam a afetar políticas públicas. [...] permite que o governo jogue ossos para o público em vez de enfrentar os problemas de maneira determinada e racional, ainda que também inconvenientemente controversa. (p. 76)

Entre os defensores mais notáveis do sentimentalismo estava o filósofo americano Robert C. Solomon, que faleceu em 2007. Solomon acreditava, com razão, acho eu, que as emoções eram necessárias para toda atividade cognitiva e pensamento racional. Sem uma postura emocional em relação ao mundo, no fim das contas, ninguém faria nada, pensaria nada nem buscaria nada. Um estado de completa neutralidade emocional logo levaria à morte por inanição. (p. 76-77)

Solomon, porém, foi adiante. Em seu livro In Defense of Sentimentality [Em Defesa do Sentimentalismo], há um capítulo intitulado "Sobre o Kitsch e o Sentimentalismo", em que ele tenta defender o sentimentalismo refutando as objeções contra ele uma por uma. As objeções são seis, como se segue:

i. Que o sentimentalismo envolve ou provoca uma expressão excessiva da emoção.
ii. Que o sentimentalismo manipula nossas emoções.
iii. Que as emoções expressas no sentimentalismo são falsas ou fingidas.
iv. Que as emoções expressas no sentimentalismo são baratas, fáceis e superficiais.
v. Que o sentimentalismo é autoindulgente, impedindo conduta e respostas apropriadas.
vi. Que o sentimentalismo distorce nossas percepções e interfere no pensamento racional e na compreensão adequada do mundo. (p. 77)

"A questão não é se deve haver emoções, mas como, quando e em que grau elas devem ser expressadas, e que papel elas devem desempenhar na vida humana" (p. 78, itálicos no original)

"Claro que culturas diferentes podem diferir em relação a quanta emoção deve ser expressada; porém, duvido muito de que haja uma só em que não exista a ideia de um a expressão excessiva da emoção (ainda que isso seja apenas uma ideia implícita, manifestada pela desaprovação social)" (p. 78)

"Assim, há um consenso universal de que a expressão da emoção deveria ser consoante tanto com a própria emoção quanto com a situação social, ainda que não haja acordo quanto ao ponto preciso em essa expressão se torna excessiva. [...] (p. 79)

"Sobre o razoável pressuposto de que a emoção está sob controle consciente, o grau em que ela é expressa é, portanto, uma questão moral. Aquilo que é permissível e até louvável entre pessoas íntimas e confidentes é repreensível entre estranhos. De fato, o desejo ou a exigência de que todas as emoções  sejam igualmente expressáveis em todas as ocasiões e em todos os momentos destrói a possibilidade mesma de intimidade. Se o mundo inteiro é seu confidente, então ninguém é. A distinção entre o privado e o público é abolida, e a vida, por conseguinte, fica mais rasa. (p. 79)

"Mas não é só a expressão da emoção (que Solomon mistura com a própria emoção) que deve ser disciplinada, é a própria emoção que deve ser sujeita à disciplina." (p. 79)

"[...] O apetite cresce com a alimentação; a emoção também cresce com sua expressão." (p. 80)

"[...] o caráter de um homem é em parte obra dele mesmo, e aquilo que de início demanda esforço e autocontrole acaba se tornando uma disposição." (p. 80)

"[...] um ponto cartesiano da epistemologia moral: estou encolerizado, portanto estou certo." (p. 81)

"[...] O calor confortante e gratuito do sentimento é um fim em si mesmo, uma mera muleta para a autoestima." (p. 82)

"Além disso, quando o sentimentalismo se torna um fenômeno público de massa, ele se torna manipulador de um jeito agressivo: exige que todos tomem parte. Um homem que se recuse, afirmando não acreditar que o pretenso objeto de sentimento seja digno de exibição demonstrativa, coloca-se fora do âmbito virtuoso e torna-se praticamente um inimigo do povo. Sua culpa é política, uma recusa em reconhecer a verdade do velho adágio vox populi, vox dei - a voz do povo é a voz de Deus. O sentimentalismo então se torna coercitivo, isto é, manipulador de maneira ameaçadora." (p. 82)

"Em um estado de sentimentalismo, certamento do tipo vivido em público, a pessoa é mais comovida pelo fato de ser comovida do que por aquilo que supostamente a está comovendo. Além disso, está interessada em que todos vejam o quão comovida está. O trigo do sentimento genuíno é logo perdido no joio das considerações secundárias; e, tendo o exagero uma lógica própria, o joio tende a aumentar." (p. 83)

"Sem dúvida, todos nós caímos no sentimentalismo às vezes (porque é mesmo estranho que a música barata seja tão forte), sem que ninguém sogra nenhum mal. [...] Mas aquilo que é inofensivo em privado não é necessariamente inofensivo, muito menos benéfico, em público; e aqueles que acham que sua conduta privada e pública deveria ser sempre a mesma, por medo de na diferenciação introduzir a hipocrisia, têm uma visão da existência humana que carece de sutileza, de ironia e, sobretudo, de realismo." (p. 84-5)

"Contudo, diz Solomon, pessoas como os filósofos gostam de usar a razão e a lógica não só para obter as verdades que resultarão de seu uso, mas porque fazer isso é satisfatório em si mesmo, e também um traço distintivo em relação aos outros. Num mundo de individualistas, se não de indivíduos, isso é importante." (p. 85)

"Será então que condenamos os filósofos, como se fossem autoindulgentes? A resposta é sim, se seu apego à (digamos) satisfação de parecer mais inteligentes do que o resto do mundo é maior do que seu apego à verdade ou à sabedoria, ou tão grande que são incapazes de mudar, se não suas mentes, ao menos suas palavras. Outra vez, o orgulho pode obstruir o caminho da busca da verdade: preferimos vencer uma discussão com sofismas a chegar à verdade por uma investigação honesta, ainda que os melhores dentre nós sorrateiramente mudem de opinião após termos vencido aquilo que é correto usando jogo sujo e sofismas." (p. 85)

"A última acusação contra o sentimentalismo citada por Solomon é que ele distorce nossas percepções e impede o pensamento racional e o entendimento. O sentimentalismo demanda o apego a um conjunto de crenças distorcidas a respeito da realidade, e também à ficção da inocência e da perfeição, atuais e potenciais." (p.86)

"Quando se permite que o emocionalismo transborde para a esfera das políticas públicas, não é provável que disse saia algo de bom, exceto por acaso." (p. 87)

"O sentimentalismo é a expressão da emoção sem julgamento. Talvez ele seja pior do que isso: é a expressão da emoção sem um reconhecimento de que o julgamento deveria fazer parte de como devemos reagir ao que vemos e ouvimos. É a manifestação de um desejo pela ab-rogação de um condição existencial da vida humana, a saber, a necessidade de exercer o juízo sempre e indefinidamente. O sentimentalismo é, portanto, infantil (porque são as crianças que vivem em um mundo tão facilmente dicotomizável) e redutor de nossa humanidade." (p. 87)

"A necessidade de julgamento implica que nossa situação no mundo, assim como a de outras pessoas, é quase sempre incerta e ambígua, e que nunca se pode fugir da possibilidade de erro. em nome de uma vida mental quieta, portanto, queremos simplicidade, não complexidade: o bem deveria ser inteiramente bom, o mal inteiramente mau; o belo inteiramente belo, e o feio inteiramente feio; o imaculado inteiramente imaculado, o e estragado inteiramente estragado; e assim por diante." (p. 87-8)

"[...] não quero sugerir que não exista distinção entre bem e mal e nada que distinga o assassino da vítima. Contudo, insinuar a mentes jovens que a história humana (e, por extensão, a vida humana inteira) tem sido e não é nada mais do isto, um conflito entre vítimas e perpretadores, entre oprimidos e opressores, entre bem e mal, é fazer com que seja improvável que elas desenvolvam aquele senso de proporções sem o qual (como afirmei alhures) a informação não passa de uma forma superior de ignorância." (p. 88)

"[...] Para muitas crianças nas escolas, os estudos do genocídio parecem ter tomado o lugar de todo e qualquer outro aspecto da história." (p. 88)

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: DISSONÂNCIA COGNITIVA



A teoria da dissonância cognitiva, elaborada em 1957 por Festinger, permite perceber o quanto nossos atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões. Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas opiniões. A importância dessa constatação leva-nos a destacá-la, pra que, a partir dela, se tornem visíveis as razões profundas da reforma do sistema educacional mundial. Verificamos anteriormente que é possível induzir diversos comportamentos, apelando-se à autoridade, à tendência ao conformismo ou às técnicas do "pé na porta" ou da "porta na cara". Os fundamentos que servem de base a esses atos induzidos repercutem em seguida sobre as opiniões do sujeito, modificando-as (dialética psicológica). Assim, encontramo-nos diante de um processo extremamente poderoso, que permite a modelagem do psiquismo humano e que, além disso, constitui a base das técnicas de lavagem cerebral.

Uma dissonância cognitiva é uma contradição entre dois elementos do psiquismo de um indivíduo, sejam eles: valor, sentimento, opinião, recordação de um ato, conhecimento etc. Não é nada difícil provocar dissonâncias cognitivas. As técnicas de "pé na porta" e "porta na cara" têm a capacidade de extorquir a alguém atos em contradição com seus valores e sentimentos. O exercício do poder ou da autoridade (de um professor, por exemplo) permite que se alcance facilmente o mesmo resultado. A "clarificação de valores", técnica pedagógica largamente utilizada, provoca, sem qualquer aparência de coação, dissonâncias cognitivas. (Exemplo: você está, em companhia de seu pai e de sua mãe, a bordo de um embarcação que naufraga; há disponível somente um colete salva-vidas. O que você faz?) A experiência prova que um indivíduo numa situação de dissonância cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim de reduzi-la. Em particular, se um indivíduo é levado a cometer publicamente (na sala de aula, por exemplo) ou frequentemente (ao longo do curso) um ato em contradição com seus valores, sua tendência será a de modificar tais valores, para diminuir a tensão que lhe oprime. Em outros termos, se um indivíduo foi aliciado a um certo tipo de comportamento é muito provável que ele venha a racionalizá-lo. Convém notar que, nesse caso, trata-se de um tendência estatística evidente, e não de um fenômeno sistematicamente observado; as teorias que referimos não pretendem resumir a totalidade da psicologia humana, mas sim fornecer técnicas de manipulação aplicáveis na prática. Dispõe-se, assim, de uma técnica extremamente poderosa e de fácil aplicação, que permite que se modifiquem os valores, as opiniões e os comportamentos e capacita a produzir uma interiorização dos valores que se pretende inculcar. Tais técnicas requerem a participação ativa do sujeito, que deve realizar atos aliciadores os quais, por sua vez, os levarão a outros, contrários às suas convicções. Tal é a justificação teórica tanto dos métodos pedagógicos ativos como das técnicas de lavagem cerebral.

"Os métodos ativos, fundados sobre a participação, são particularmente aptos a garantir essa aquisição [de valore úteis]." (Declaração mundial sobre a educação para todos.)
Notemos, de passagem, pois não seria ocasião de aprofundar esse aspecto, o papel fundamental desempenhado pelo sentimento de liberdade experimentado pelo indivíduo durante uma experiência. Na ausência desse sentimento, não se produz qualquer dissonância cognitiva e, consequentemente, nenhuma modificação de valor, já que o sujeito tem consciência de agir sob constrangimento e não se sente minimamente engajado. Essas considerações, bem como outras similares, no domínio da dinâmica de grupo, podem lançar uma nova luz sobre importantes processos políticos ocorridos nesses últimos anos. (negritos e itálicos no original)

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 23-25


Obras  referidas:

L. Festinger. A theory of cognitive dissonance. Stanford University Press, 1968.

J. L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981, p. 49.

WCEFA. Conférence mondiale sur l'éducation pour tous, 5-9 mars 1990, Jomtien, Thaïlande, Déclaration mondiale sur l'éducation pour tous, New York, 1990, Unicef, p. 5.

TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA: PORTA NA CARA


Técnica complementar à precedente, a "porta na cara" consiste em apresentar, de início, um pedido exorbitante, que naturalmente será recusado, depois do que se formula um segundo pedido, então aceitável. Em uma experiência clássica, Cialdini et al. solicitaram a alguns estudantes que acompanhassem, por duas horas, um grupo de jovens delinquentes em visita ao zoológico. Formulada diretamente, essa solicitação obteve somente 16,7% de aceitação. Entretanto, colocando-se após um pedido exorbitante, a taxa elevou-se a 50%. Naturalmente, um "pé na porta" ou uma "porta na cara" podem ser úteis para se extorquir um ato custoso, o qual, por sua vez, consistirá em um ato aliciador, no caso de um próximo pé na porta. Com tal expediente, é possível obter comprometimentos cada vez mais significativos. Essa técnica de "bola de neve" é efetivamente aplicada.

BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo - ou ministério da reforma psicológica, 1ª ed., Campinas: Ecclesiae e Vide Editorial,  p. 22-23


Obras  referidas:

R. B. Cialdine, J. E. Vicent, S. K. Catalan, D. Wheeler, B. L. Darby, Reciprocal concessions procedure for inducing compliance: the door-in-the-face technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 31, nº 2, p. 206-215, 1975.