sexta-feira, 13 de maio de 2016

É BOM CITAR: METAFÍSICA DE ARISTÓTELES



Se não existisse nada de eterno, também não poderia existir o devir
(Aristóteles, Metafísica, B 4, 999 b 5-6)


Se além das coisas sensíveis não existisse nada, nem sequer haveria um princípio, nem ordem, nem geração, nem movimentos dos céus, mas deveria haver um princípio do princípio…
(Aristóteles, Metafísica, A 10, 1075 b 24-26)


Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente de sua utilidade e amam, acima de todas, a sensação da visão.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


...a visão nos proporciona mais conhecimentos do que todas as outras sensações e nos torna manifestas numerosas diferenças entre as coisas.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Os animais são naturalmente dotados de sensações; mas em alguns da sensação não nasce a memória, ao passo que em outros nasce.
(Aristóteles, Metafísica, 980 b)


Ora, enquanto os outros animais vivem com imagens sensíveis e com recordações, e pouco participam da experiência, o gênero humano vive também da arte de raciocínios.
(Aristóteles, Metafísica, 981 a)



Nos homens, a experiência deriva da memória. De fato, muitas recordações do mesmo objeto chegam a constituir uma experiência única.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


A experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte. Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experiência. A experiência, como diz Polo, produz a arte, enquanto a inexperiência produz o puro acaso.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


A arte se produz quando, de muitas observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível de ser referido a todos os casos semelhantes.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)
Por exemplo, o ato de julgar que determinado remédio fez bem a Cálias, que sofria de certa enfermidade, e que também fez bem a Sócrates e a muitos outros indivíduos, é próprio da experiência; ao contrário, o ato de julgar que a todos esses indivíduos, reduzidos à unidade segundo a espécie, que padeciam de certa enfermidade, determinado remédio fez bem (por exemplo, aos fleumáticos, aos biliosos e aos febris) é próprio da arte.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Ora, em vista da atividade prática, a experiência em nada parece diferir da arte; antes, os empíricos têm mais sucesso do que os que possuem a teoria sem a prática. E a razão disso é a seguinte: a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto que a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)
De fato o médico não o cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser um homem.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indivíduo particular.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


...estamos convencidos de que a sapiência, em cada um dos homens, corresponde à sua capacidade de conhecer.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Os empíricos conhecem o puro dado de fato, mas não seu porquê; ao contrário, os outros [os que possuem a arte] conhecem o porquê e a causa.
(Aristóteles, Metafísica, 980 a)


Por isso consideramos os primeiros mais sábios [os que têm a direção nas diferentes artes], não porque capazes de fazer, mas porque possuidores de um saber conceptual e por conhecerem as causas.
(Aristóteles, Metafísica, 980 b)


Em geral, o que distingue quem sabe de quem não sabe é a capacidade de ensinar: por isso consideramos que a arte seja sobretudo a ciência e não a experiência; de fato, os que possuem a arte são capazes de ensinar, enquanto os que possuem a experiência não o são.
(Aristóteles, Metafísica, 980 b)

Aristóteles, Metafísica vols. I, II, III, 2ª edição. Ensaio introdutório, tradução do texto grego, sumário e comentários de Giovanni Reale. Tradução portuguesa Marcelo Perine. São Paulo. Edições Loyola. 2002.






quinta-feira, 12 de maio de 2016

É BOM CITAR: LAVELLE, O SER E AS IDÉIAS.

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Louis Lavelle

"Nós nunca encontramos o eu numa experiência separada. O que nos é dado primitivamente não é um eu anterior ao ser e independente dele, mas a existência mesma do eu, ou ainda o 'eu inexistente', o que implica que a experiência do eu envolve a do ser e constitui uma espécie de determinação desta" 


(Louis Lavelle, in A presença total e ensaios reunidos, p. 39)




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"Há uma experiência inicial que está implicada em todas as outras e dá a cada uma delas sua gravidade e sua profundidade: é a experiência da presença do ser. Reconhecer esta presença é reconhecer ao mesmo tempo a participação do eu no ser" 


(Louis Lavelle, in A presença total e ensaios reunidos, p. 33)






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"...o ser não pode em nenhum grau ser considerado um modo do pensamento, porque o próprio pensamento deve ser definido antes de tudo como um modo do ser. Imagina-se muito amiúde que o pensamento, pondo-se a si mesmo, põe o caráter subjetivo de tudo o que pode ser: mas, para pôr-se, é preciso que ele ponha antes de tudo sua existência, ou seja, 'a objetividade de sua própria subjetividade'"


(Louis Lavelle, in A presença total e ensaios reunidos, p. 45)




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"As ideias nos pertencem apenas como nossos filhos. Somos senhores da atenção, assim como somos senhores da geração. A hora do nascimento, porém, é para nós uma hora de ansiedade: não sabemos de antemão que presente o Céu nos enviará. E nossos filhos vivem diante de nós e não para nós, com uma vida na qual a nossa se reconhece e se prolonga mas que, todavia, nos ultrapassa e nos maravilha" 


(Louis Lavelle, in A consciência de si, p. 51)





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"Pois não criamos de maneira alguma as ideias. Elas são os elementos de um universo de pensamento, assim como os corpos são os elementos de um universo de matéria. Revelam-se a nós por um ato da inteligência, assim como as coisas se revelam a nós por um ato do olhar. E, assim como nossa atividade prática se apossa das coisas e delas tira proveito para o corpo, nossa atividade pura escolhe entre as ideias e, pela composição que faz delas, compõe nossa figura espiritual. Assim, pode-se dizer que todas as ideias que vêm iluminar nosso espírito são de Deus. Mas a ordem que estabelecemos entre elas é do homem. Cabe a nós apenas escolher o caminho que nosso pensamento vai tomar: seja qual for o caminho, inúmeros materiais nos são oferecidos; cabe a nós construir com eles nossa própria obra" 


(Louis Lavelle, in A consciência de si, p. 50)



É BOM CITAR: ÉTICA E TOMÁS DE AQUINO

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"A virtude moral depende dos costumes, ou melhor, dos hábitos. A virtude moral pertence à parte apetitiva [da alma] e, por isso, implica em uma inclinação rumando para alguma coisa desejável. Esta inclinação ou é direcionada pela natureza - para o que é conveniente para si - ou é o costume transformado em natureza."

"Por isso o adjetivo 'moral' - supõe a palavra 'costumes', sendo quase sinônimos. A palavra 'ethos' do Grego, escrita com um 'e' breve, significa hábito ou virtude moral. Por outro lado, a palavra grega 'ythos', escrita com 'y' longo, significa costume."

"Entre nós, [que utilizamos a língua latina], a palavra 'moral' algumas vezes significa costume, e outras vezes se refere ao elemento do vício e da virtude, aproximando-se da definição de hábito." (Santo Tomás de Aquino, in Onze Lições sobre a Virtude, p. 21-2)

https://www.facebook.com/quidetica/posts/1654347501500476

domingo, 1 de maio de 2016

O DIREITO E A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS DE OLAVO DE CARVALHO

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Destaco abaixo algumas passagens de um artigo que publiquei outrora, respeitante à aplicação da Teoria dos Quatro Discursos, do Philosofus brasiliensis Olavo de Carvalho, o artigo pretendeu situar as teorias retóricas aplicadas ao fenômeno jurídico, como parte de uma teoria ontológica mais abrangente que deve levar em consideração as demais dimensões da linguagem (poética, dialética e lógica), que emanam da objetividade do mundo que serve de suporte físico para emitir os dados que compõem a própria linguagem:

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Ou seja, sendo o direito um produto retórico, enquanto sistema de linguagem social, garantido pela sanção e coatividade daí decorrente, e, partindo-se do pressuposto de que o Direito deve ser explicado com base no princípio da auto-referência do discurso, que está no mundo dos bens culturais a manifestar-se como linguagem (idem), teremos, num primeiro relance, uma falsa impressão de divórcio da realidade da norma, de base retórica, da realidade da vida, de base ontológica, e, resta-nos a impressão de que, por alguns momentos, Parmênides e Heráclito estão a discutir, na faculdade de filosofia do Hades, se a norma, como ser, uno e auto-referente, enquanto linguagem, funda a realidade retórica da regra jurídica, como ser auto-referente; ou, se a norma jurídica e sua existência estão no grande fluxo de mudanças do devir da realidade, de uma ontologia jurídica.

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Mas, como é da prudência do estudioso não se fiar em aparências, devemos procurar os verdadeiros fundamentos de tal posicionamento retórico, pois ocorre que além do instrumental retórico imanente da compreensão da linguagem como instrumento fundamental do conhecimento humano, o referido divórcio não se verifica, afinal, como bom discípulo da fenomenologia, fundada por Husserl, o nosso Paulo de B. Carvalho define que "o texto ocupa o tópico de suporte físico, base material para produzir-se a representação mental na consciência do homem (significação) e, também, termo da relação semântica com os objetos significados" (Op. Cit., p.15).

Ou seja, a teoria retórica deverá considerar que o seu objeto, a linguagem, emana de determinados suportes físicos, seja um papel, seja a própria pessoa, que ontologicamente existem, como produtos de atos reais, portanto, se o texto é auto-referente, também, as coisas e as pessoas, enquanto seres, também, são auto-referentes dentre do real.

Pelo exposto, percebemos que o primeiro passo, de natureza retórica, que busca na linguagem, e, na sua correta compreensão, e interpretação, como instrumento do conhecimento, por excelência, é simplesmente um ato preparatório de natureza metodológica para passos mais complexos, que visam atuar sobre a realidade.

Este processo de passagem do retórico, no plano da linguagem, para a ação, no plano da realidade, descreverei tomando por base a Teoria do Quatros Discursos, teoria que é imanente à obra aristotélica, e, que foi decifrada de forma científica pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, in Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos, Ed. Topbooks, Rio de Janeiro, 1996.

Em resumo, citada teoria define o seguinte: a linguagem é uma manifestação do intelecto humano, que pode ser observada por quatro focos distintos, sucessivos do ponto de vista lógico e simultâneos na perspectiva ontológica, que são representados pelas as quatro ciências que têm especificamente a linguagem como seu objeto imediato de estudo: a poética, a retórica, a dialética e a analítica ou lógica.

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Isto posto, percebe-se que todo e qualquer discurso, social ou, principalmente, jurídico, primeiro tem que ser imaginado, depois consolidado em uma doutrina ou tese, ou opinião, que será posta à prova, e, caso seja aprovada como fundada e correta, conforme os critérios de validade postos na discussão dialética, resultando o nível de credibilidade que denominamos de certeza apodíctica, teremos, então, a premissa maior lógica, a certeza que conferirá validade ou não às novas retóricas que venham a surgir e mereçam ser postas à prova, pois o próprio quadro de crenças, que serve de referência para conferir credibilidade a esta ou àquela retórica, compõe-se de premissas dadas como corretas, como axiomas do raciocínio, que são desvendadas socialmente mediante este processo seletivo dos quatro discursos.

Percebe-se que nesta teoria dos quatro discursos está descrito o processo intelectual que permite compreender a linguagem, desde a sua realidade de ideais e sonhos até a frieza de uma verdade científica, passando pelos acalorados debates em que retóricas antagônicas deverão ser postas à prova, pelo processo da triagem dialética.

Mas, reconduzindo este texto ao seu contexto inicial, melhor dizendo, ao seu contexto de teoria do conhecimento aplicado ao Direito; e, retomando o braço do preclaro Paulo de B. Carvalho, encarando de forma honesta a sua obra, fruto de muito esforço, como percebe-se pela clareza e objetividade de suas exposições; e, para maior compreensão de sua doutrina, devemos encarar que a sua postura de aceitação das teorias retóricas, como metodologia que calca-se na realidade da linguagem enquanto instrumento de produção da realidade social, com eficácia e efetividade, atuando de forma concreta, formando e deformando a realidade mesma, visando, portanto, fins ontológicos, pois são idéias e doutrinas que visam conseqüências, jurídicas, de base retórica mas de finalidade material, pois visam influir em tomadas de decisões, citada postura metodológica que visa clarificar, em traços gerais, o sentido, a essência, os métodos, os pontos de vista capitais de uma crítica da razão jurídica, pois o Direito é linguagem vestida de coatividade.

Sob esta perspectiva de interação dialética entre retórica e realidade, verificamos que em torno do conceito de doutrina, como conhecimento racionalmente ordenado visando fins pedagógicos, devemos aferir, antes de mais nada, que toda doutrina é uma retórica, entretanto, nem toda retórica pode ser chamada de doutrina.

Ora, a mera doxa (opinião) só deve converter-se em doutrina após a prova da validade de seus fundamentos, ou seja, retórica dialetizada, e, que passe pela prova de não ser contraditória, possuir identidade num objeto de conhecimento e não causar confusão cognoscitiva, passará a gozar do status de episteme (conhecimento).

Diante do método científico do tributarista P. de B. Carvalho, uma vez submetido à prova dialética do método de interpretação da Teoria dos Quatro Discursos, vislumbra-se por entre os galhos desta floresta de saber a constatação: que a posição retórica é mero ponto de partida para doutrina do Jurista Carvalho.

Pauto de Barros Carvalho, ao adotar a postura retórica diante do Direito, outra coisa não fez que encarar o próprio problema de validade do conhecimento, partindo da mais humilde postura do cientista que não se impõe mediante argumentos de autoridade, mas, mediante operações lógicas, faz prevalecer o a força do espírito, para desvendar o espírito da lei.

A referida postura retórica segue num crescendo de confrontos entre seus pressupostos e suas conseqüências, logo, pondo à prova a sua coerência, e, portanto a sua validade.

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E, que coisa interessante, chega-se, sem sombra de dúvida, através de operações retóricas, mas adotando o processo dialético de confrontação de posições e oposições, segundo um método maiêutico, ou seja, mediante um constante questionar, alcançam-se os fundamentos de validade lingüísticos-ontológicos, isto é, a linguagem não é senhora e dona da realidade, tem-se a todo momento a visão da realidade social mediante a consideração dos princípios que informam o Direito, no caso, em seu ramo tributário, prova desta postura pé-no-chão temô-la em seu Curso de direito tributário. São Paulo, Saraiva, 11.ª edição, 1995, p. 54, quando, ao se questionar em que espécie de veículo normativo se converte a medida provisória, se em lei ordinária ou lei complementar, assim disserta:

não havendo previsão constitucional expressa, tudo ficaria na dependência da matéria disciplinada, de tal modo que, ferido tema de lei ordinária, nesta se converteria; se o assunto for pertinente ao âmbito de competência de lei complementar, nesta espécie de diploma normativo haveria de transformar-se; e assim por diante

Entretanto, o nosso tributarista assevera a imprestabilidade desta interpretação, pois não respeita a reflexão, a filosofia, os valores do sistema, e assim se manifesta (1995, p. 55):

Para objetá-la pensemos nos chamados princípios ontológicos: um se aplica ao direito privado: tudo que não estiver expressamente proibido está permitido; outro, ao direito público: tudo que não estiver expressamente permitido está proibido.

Logo, eis provada a insuficiência da mera teoria retórica como único suporte teórico do autor em estudo, e, salvo melhor juízo, acrescentamos o suporte realístico, por assim dizer, que complementa a metodologia retórica, é a adoção da perspectiva fenomenológica, outra coisa não se está fazendo do que provocar o giro da linguagem como auto-referência, como significado na mente do seu usuário e como significante em relação ao objeto, e, de posse dos conceitos e relações lingüisticamente concertadas, procura-se realizar a comparação destes dados teóricos com a realidade social, pois são teorias que visam a eficácia, e este fenômeno é próprio da realidade social, que por mais que seja fundada na linguagem, é também composta de substância, objeto descrito pela própria linguagem, e, é sobre este substrato que atuam as teorias retóricas.

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A retórica objetiva influenciar a feitura de fatos e atos, que nada mais são que entes materiais ou intelectuais vestidos de linguagem, mas dotados de materialidade, porque existem e resistem no tempo e espaço, independentemente desta ou daquela retórica ou linguagem.

Levar ao extremo a consideração das teorias retóricas como instância única para o julgamento do real, é um erro no qual a lucidez de Paulo de B. C. não o deixa incorrer.

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Uma visão extremada do texto como auto-referente implica numa certa coisificação do texto, como se a realidade dele emanasse, o que não ocorre, pois o texto é mero auxílio à memória, como já o disse Platão, pela boca de Sócrates:

LX – Sócrates – Logo, quem presume ter deixado num livro uma arte em caracteres escritos, ou quem a recebe, na suposição de que desses caracteres virá a sair algum conhecimento claro e duradouro, revela muita igenuidade e o desconhecimento total do oráculo de Amão, dado que imagine ser o discurso escrito mais do que um meio para quem sabe, a fim de lembrar-se do assunto de que trata o documento.

Fedro – É muito certo.

Sócrates – É que a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto, parecidíssima com a pintura, pois esta, em verdade, apresenta seus produtos como vivos; mas, se alguém lhe formula perguntas, cala-se cheia de dignidade. O mesmo passa com os escritos. És inclinado a pensar que conversas com seres inteligentes; mas se, com o teu desejo de aprender, os interpelares acerca do que eles mesmos dizem, só respondem de um único modo e sempre a mesma coisa. Uma vez definitivamente fixados na escrita, rolam daqui dali os discursos, sem o menor descrime, tanto por entre os conhecedores da matéria como os que nada têm a ver com o assunto de que tratam, sem saberem a quem devam dirigir-se e a quem não. E no caso de serem agredidos ou menoscabados injustamente, nunca prescindirão da ajuda paterna, pois por si mesmos são tão incapazes de se defenderem como de socorrer alguém.

E de fato, o jurista Carvalho, intuitivamente, obedeceu aos ditames dos quatro discursos, e, ao mesmo tempo não ignorou a realidade ao adotar e ter sempre em vista os princípios ontológicos, e, com isso, deslindar uma fundada visão fenomenológica do Direito, ou seja, dosa a viagem teorética com a vivência empírica do direito enquanto fenômeno social.

O Direito, e seu ramo tributário, segundo a ótica do Dr. Paulo de B. Carvalho, como objeto de conhecimento, é o ato de conhecer, segundo este ou aquele critério parcial; isso quer dizer que jamais a Ciência do Direito poderia esgotar todas as perspectivas a serem consideradas, pois não apreendemos a coisa em si, mas, este ou aquele aspecto da realidade, e, assim, também, com o Direito.

Nada mais escorreito e objetivo que a abordagem do referenciado tributarista, que não se arroga dono da verdade absoluta, mas, que nos fornece com o seu método, mescla de retórica e ontologia, lingüística e fenomenologia, um belo e agradável caminho a trilhar pelas sendas jurídicas estando apto para apreender a verdade conforme o método proposto.

Cada método um caminho, e dentro de dado caminho um objetivo, a verdade, ainda que relativa, porque humana, mas suficiente para orientar a ação, porque ação sem a certeza razoável conferida por um parâmetro de verdade, não será ação, será mero evento aleatório e incontrolável. E, em especial, no campo jurídico, toda ação necessita de direção conferida por uma certeza, afinal, se a norma é feita para incidir, uma doutrina é feita para doutrinar, ou seja, incidir sobre o próprio pensamento de quem interpretará o âmbito de incidência de uma norma qualquer.

A lei se aplica mediante um esforço de doutrina, de retórica, de pensamento, de interpretação, tudo entremeado de valores e ideais, em suma; mas, todas estas operações complexas do espírito servem para modificar a realidade, que sempre permanece independente da retórica, da poesia, da dialética e da lógica, enquanto coisa dada, como natureza, mas potencialmente sujeita a sofrer a incidência material da retórica que visa modificá-la mediante a aplicação da lei, enfim, mediante a ação humana, este animal racional que necessita conhecer para ser, e, assim o mundo que o cerca é alterado por ações oriundas de sua racionalidade, de operações de pensamento, de linguagem, pois pensar é falar consigo mesmo, e antes de agir sempre pensamos no mínimo uma vez.

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Em conclusão, tendo em vista a Teoria dos Quatro Discursos, o posicionamento metodológico-retórico adotado por Paulo de Barros Carvalho é somente uma postura inicial que visa delimitar o âmbito de estudo do Direito como linguagem social prescritiva, dentro de um método maior que é o da Teoria Pura do Direito, mas, apesar de haver o axioma da norma hipotética fundamental, base para o estudo do Direito como sistema hierarquicamente concatenado de forma abstrata em vista da metodologia científica, o nosso jurista nunca esquece que o Direito é nada mais que um dos inúmeros fenômenos ontológicos, com princípios ontológicos, e, por assim dizer: as teorias retóricas desempenham o papel de descrever a forma de apresentação do Direito como linguagem social; entretanto, como forma sem conteúdo não existe, as teorias retóricas enquanto forma sempre terão que dialetizar com o conteúdo normativo, com os fatos da realidade social, com a natureza das coisas que sempre precedem as palavras na ordem do ser, pois o mundo não é uma afirmação que procede da linguagem, é a linguagem que procede da auto-referência do mundo, dada a constatação que antes da linguagem humana o descrever, a natureza primeiro descreveu o homem mediante uma linguagem biológica e evolucionista, fazendo-nos passar da condição do intelecto meramente animal para o racional.


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COÊLHO, Werner Nabiça, TEORIAS RETÓRICAS NA OBRA DE PAULO DE BARROS CARVALHO - UMA INTRODUÇÃO AO TEMA, In: Doutrinas Essenciais - Direito Tributário - Princípios Gerais.1 ed.São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, v.1, p. 541-551. 





 
COELHO, Werner Nabiça. As teorias retóricas e os fundamentos da incidência jurídica na obra de Paulo de Barros Carvalho.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2534>. Acesso em: 1 maio 2016.