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domingo, 18 de junho de 2017

ÁGORA VIRTUAL: DIÁLOGO SOBRE NÚMEROS MATEMÁTICOS

Ágora de Atenas
Introdução: tendo em vista que a internet é a nova Ágora, e que ao passearmos por esta praça virtual, em que se comercializam produtos e idéias, tecemos com amigos espacialmente longínquos interessantes redes de pensamentos, e, por sermos seres caridosos e benevolentes, divulgamos o diálogo abaixo transcrito, ocorrido entre os dias 17 e 18 de Junho de 2017, no qual são tratados alguns aspectos sobre a natureza dos números, numa apreciação filosófica do tema, com base em um referencial que "olavetes" amam:


Fórmulas

Werner Nabiça Coêlho: O número é uma pequena forma, uma fórmula, que reduz uma realidade extremamente mais complexa. 

 
Monteiro Haroldo: Mas, para se tornar um símbolo, precisa ter se apreendido meio mundo, invisível aos matemáticos atuais.

 
Werner Nabiça Coêlho: Num certo sentido os símbolos em estado bruto abundam, só não são percebidos como tais, cada vez que surge uma dízima periódica há um símbolo do infinito matemático, que na verdade é um desafio que a realidade impõe ao estudioso, pois uma coisa é mensurabilidade matemática, outra a mensurabilidade hilemórfica, pois as formas não são meramente quantitativas.


***

Idiomas
 
Werner Nabiça Coêlho: A matemática é um tipo de idioma que aborda a realidade com uma linguagem redutora dos objetos a seus aspectos quantitativos, com base numa abstração operada por símbolos, que significam quantidade mensuradas de forma discreta.

 
Monteiro Haroldo: Por isso que no fim, a linguagem matemática pode ser retraduzida em modo simbólico.

Da velha cadeia platônica do mito se extrai os conceitos, e, no limite dos conceitos, a única saída é a formulação de novos mitos.
 
O que o Voegelin denominara de realidade é realidade coisa. A área conceptual da realidade é mais reduzida do que muitos pensam.
 
No fundo a linguagem poética tem muito mais abrangência, e é sempre imprescindível para ampliação do horizonte conceitual.
 
Os filósofos sempre compreendem o que os poetas intuíram primeiramente.
 
Acho que o Zubiri, não sei se estou fugindo do tema, matou a charada quando percebeu que o sentir e o inteligir são um só e único processo indivisível no plano do discurso humano, esse processo se torna mais evidente com a teoria dos quatro discursos, ou da compactação e descompactação de Consciência Noética do Voegelin, explicam bem isso.
 
Acho até que a Filosofia da Crise do Mário, a Presença do Ser do Lavelle, a Teoria dos Quatro Discursos do professor Olavo, a Teoria da Consciência Noética do Voegelin e a Trilogia Senciente do Zubiri chegaram ao ápice de uma possibilidade conceitual que, ao meu ver, são a antessala para uma nova filosofia da história.
 
Deus queira que eu não esteja enganado!

Pois só com uma nova visão da teoria da história será possível sairmos desse interregno da era das ideologias e dar à Igreja Católica a possibilidade do domínio da cultura!
 

Werner Nabiça Coêlho: Eu acrescento a este cabedal teórico o aspecto antropológico do mimetismo de René Girard, que refere-se à constituição ritual dos símbolos da própria fala, e apresenta uma hipótese evolutiva dessa transição entre o sentir e o inteligir, e do nascimento da própria poética como uma manifestação primária do sagrado.


***

Abstrações

Werner Nabiça Coêlho: Há um permanente processo de raciocínio lógico na matemática, pois a sua própria aceitação necessita de alguns passos que podem ser enumerados assim:

a) abstração de uma realidade concreta e contínua por meio de criação de um símbolo que representa uma determinada quantidade discreta e abstrata, o conceito de número;

b) criação de um idioma específico (figuras geométricas, números romanos, números árabes) que traduzam os conceitos em padrões transmissíveis de linguagem;

c) descrição de fenômenos e hipóteses com base no princípio quantitativo e abstrato, por meio de sofisticados processos de raciocínios lógicos.

 
Monteiro Haroldo: Eu não sei se é bem a criação de um símbolo, pois o símbolo tem sempre uma parte virtual e outra real bem ancorada a uma realidade referida.

Os números matemáticos me parecem, posso estar enganado, estritamente ideais, pois dizer que A=A é, em realidade, uma impossibilidade pura e simples, afinal não há nada que seja idêntico no devir, só a Deus se aplicaria então tal abstração de identidade que está na base do edifício matemático.
 
A matemática, fora da área de aplicação prática, é pura abstração. Não estou discutindo o que você disse, só apenas comunicando-lhe aqui uma questão que tenho, e que não está ainda bem resolvida.

 
Werner Nabiça Coêlho: Fizeste uma descrição do número que na metafísica representa a identidade, que é a unidade, que simboliza a não-contradição consigo mesmo, e, só para efeito de esclarecimento, quando refiro a símbolo matemático falo de conjuntos de unidades quantitativas, ao modo dos números euclidianos, e quando refiro ao idioma da matemática, estes são os símbolos gráficos, no resto é pura aplicação de lógica formal mesmo que opera a parte dos cálculos.

 
***

Método

Werner Nabiça Coêlho: O método da ciência matemática é uma redução de um aspecto da realidade, basta lembrar que a matemática tem suas limitações, ela não é a ferramenta adequada para avaliações morais, ou estéticas, a matemática é uma forma especializada de avaliação de dados quantitativos.

 
Monteiro Haroldo: é realmente muito limitado e é um verdadeiro pedantismo moderno achar que o mundo físico pode ser ele totalmente matematizável.

Apesar de eu ver nesse símbolo da matematização da realidade, rebatido para o plano simbólico, até bem revelador sob certos aspectos geométricos bem evidentes.
 
O senso geral de harmonia, por exemplo, seja além do musical, que é plenamente matematizável, o pictórico, até certas núcleos de significado histórico, como o dos ciclos culturais, o fenômeno do cinesismo espacial e etc, parece-me ter no fundo de tudo algum "q" de matemático.

 
Werner Nabiça Coêlho:  Divertido é que a matemática tem algumas semelhanças com os diálogos platônicos, pois da mesma forma que estes nos levam aos mistérios das aporias, os cálculos de precisão nos encaminham para os campos do incomensurável, que nos força a recorrer a símbolos como o Pi, da mesma forma que Sócrates se referia aos mitos.

O cartesianismo reinante é uma aposta na materialidade mensurável, que se defronta permanentemente com dados incomensuráveis da realidade objetiva, a realidade refuta repetidamente o dogmatismo materialista da modernidade

 
Monteiro Haroldo: O Mário Ferreira dos Santos diz que uma tese que seja logicamente bem armada em premissas verdadeiras implicará em que a realidade não tardará em comprová-la, a realidade parece que tem um gosto de assim o fazer.

 
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Limites

Werner Nabiça Coêlho: Os limites da ciência matemática devem ser reconhecidos, para se evitar a utilização indevida em áreas na qual seu uso é inadequado, temos que lembrar os diversos aspectos da realidade não tangenciados pelo estudo meramente quantitativo.

 
Monteiro Haroldo: Sim, como o da moral. Apesar de que no fundo de toda realidade há uma certa geometria, portanto, uma ordem matemática superior, uma meta-matemática.

 
Werner Nabiça Coêlho: Pitágoras e Platão postularam a matemática das formas existentes na eternidade.

Aristóteles descreveu a transição de tais formas para a existência com base no conceito de hilemorfismo e enteléquia, oriundas de Deus, e o Wolfgang Smith descreve o mesmo fenômeno como causalidade vertical, este sentido da matemática é essencialmente o sentido da metafísica deísta tradicional, na qual o conjunto de todas as qualidades e quantidades e suas relações mútuas interagem para formar o número existencial de cada ser.

Isso não é número matemático no sentido moderno

 
Monteiro Haroldo: Sim, claro. Eu acho que nesse sentido o Mário Ferreira dos Santos chegou ao ápice.

 
***

Ciência Pura

Werner Nabiça Coêlho: O caráter abstracionista é um axioma do processo de redução, operado na metodologia matemática, e demais metodologias científicas, afinal, é o estudioso que pretende traduzir em linguagem, seja em prosa, em verso, ou em matemática, um dado do real e não o contrário.

 
Monteiro Haroldo: Sim, mas dado as categorias aristotélicas, os axiomas já vem de certa forma fechando para uma univocação conceitual, pois, na medida em que o foco de linguagem vai se aperfeiçoando, subindo de nível, com a penetração do objeto, esse também vai delimitando os conteúdos de linguagem digna ou válida para a formulação dos seus princípios.

 
Werner Nabiça Coêlho: A ciência pura cria constantemente campos estritos e especializados, a técnica filosófica reúne os dados e confere um sentido global e interativo aos dados na busca do sentido superior e unificante, como ensina o Olavo de Carvalho.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A LIBERDADE É UM FRUTO DO INFINITO



Introdução.


O filosofar e a atividade da pesquisa científica são modos do conhecimento humano, que sempre se depararam com a natureza enigmática da inteligência e suas manifestações, seja na forma de dados ordenados por princípios lógicos, de natureza discricionária estabelecidos de forma hipotética (método científico), ou mediante a especulação racional sobre as causas em geral, sem limitações formais prévias (especulação filosófica).

O avanço ou retrocesso do conhecimento sempre se determina pela postura ideológica referente aos supostos limites do próprio conhecimento, seja pela perspectiva de completa liberdade em sua investigação, ou pela total interdição à contestação do saber estabelecido, com base na presunção de um limite a ser respeitado.

A filosofia moderna, em seus últimos desenvolvimentos cartesianos representados pelo "eu puro" de Fichte, em conjunto com os avanços da teoria dos conjuntos, que possibilitou à matemática realizar o desenvolvimento do cálculo infinitesimal, acabaram  por demonstrar que o conceito de infinito é inerente à realidade da consciência, e que esta possui um nível de liberdade que se articula como princípio ordenador do próprio conhecimento, pois para que séries ilimitadas de dados sejam cognoscíveis há que se reconhecer uma vontade ordenadora como princípio.  

OS LIMITES DO CONHECIMENTO TEÓRICO DA RAZÃO PURA.


Kant julga a possibilidade do conhecimento científico-filosófico dentro do “âmbito do conhecimento teórico da razão pura” que “não se estende além dos objetos dos sentidos” (1995, p. 35), e, assim, a intuição pura é portadora de um “esquemaa priori de espaço e tempo “ambos representando os objectos apenas como objectos dos sentidos e não como coisas em geral” (KANT, 1995, p. 36).

Para Kant há uma intuição pura do método “dogmático no interior desse âmbito, mediante leis que ele prescreve a priori à natureza enquanto totalidade dos objectos dos sentidos” (KANT, 1995, p. 37), para haver condições de possibilidade do conhecimento, de um ponto de vista estritamente formal com estruturas lógico-discursivas, na forma de postulados reducionistas da realidade e determinista apoiados em "leis naturais mentais" que implicam no hipotético domínio da “lei científica kantiana” sobre a realidade.

O INFINITO DA CONSCIÊNCIA.


Fichte afirma emA doutrina-da-ciência de 1794” que descobriu “o caminho pelo qual a filosofia deve elevar-se ao estatuto de ciência evidente” (1992, p. 39), e para tanto “ela pressupõe a faculdade da liberdade de intuição interna” (1992, p. 40), que não deve ser imposta, mas, é necessariamente o suprimento de uma “carência” e não um “gracejo” (1992, p. 41) contra a filosofia kantiana.

Há um princípio absolutamente primeiro, incondicionado que não se deixa provar nem determinar e que não aparece de forma empírica perante nossa consciência, mas, “está no fundamento de toda a consciência e é o único que a torna possível” (1992, p. 43).

O princípio em questão não é derivado diretamente das leis da lógica, que muito embora não tenham sido demonstradas como válidas, são pressupostas tacitamente com fundamento do saber humano, e, portanto, “é permitido então, mesmo no estabelecimento do princípio supremo, recorrer a todas as leis da lógica geral” (1992, p. 43) como ferramentas da reflexão filosófica a respeito do princípio supremo do conhecimento.

Ao investigar as regras lógicas relacionadas ao princípio da identidade Fichte demonstra que se discute a forma da proposição e não o seu conteúdo, que pode ser definido como A=A, e, ao refinar o raciocínio a respeito da “conexão necessária” entre os elementos daquela equação emerge a percepção da validade da proposição “eu sou” como “fundamento de explicação (Erklärungsgrund) de todos os fatos da consciência empírica que, antes do todo por no eu, é posto o próprio eu” (1992, p. 45).

O sabor kantiano da demonstração de Fichte emerge da proposta apriorística, e de seu caráter puro em relação à ordem empírica, da qual se abstrai “o caráter puro da atividade em si”, para daí definir o "eu puro":

Portanto, o pura e simplesmente posto e fundado em si mesmo é o fundamento de um certo (pela doutrina-da-ciência inteira se verificará que de todo) agir do espírito humano; é, por conseguinte, seu caráter puro; o caráter puro da atividade em si, abstração feita de suas condições empíricas particulares (1992, p. 45-46)

Enquanto Kant prioriza o caráter lógico e discursivo de seus princípios, com absoluta prevalência da ideia de lei impessoal, na forma de postulados sintéticos a priori, veiculados por proposições fechadas em si mesmas na forma de um sistema lógico-formal, Fichte, por sua vez, propõe a valorização do agente pensante, cuja existência é a absoluta condição de possibilidade dos próprios juízos filosóficos, sejam eles quais forem.

A "intuição pura" é composta por espaço e tempo, mas, Fichte percebe que espaço e tempo são, também, objetos pensados por um sujeito dotado de "atividade pura", pressuposto a qualquer juízo, incluídos aí aqueles relativos ao espaço e ao tempo, e propõe que o sistema apoiado no "eu puro" faz prevalecer liberdade de escolha, na qual o ser pensante “é ao mesmo tempo o agente e o produto da ação [...] ação e efeito são um e o mesmo [...] o eu sou é expressão de um estado-de-ação” (1992, p. 46).

O fundamento do sistema filosófico do "eu puro" se dá com a progressiva revelação das características do “caráter puro da atividade em si” representada pela expressão “eu sou” quando afirma que o “eu só é na medida em que é consciente de si [...] Não podemos pensar nada, sem introduzir o pensamento de nosso eu, como consciente de si mesmo; não podemos nunca abstrair de nossa autoconsciência” (1992, p. 46-7), para assim afirmar que a autoconsciência é autoevidente, pois muito embora o “eu sou” seja só para mim este é “necessariamente para o eu” (1992, p. 47).

O que torna o sobredito docemente irônico, é que o conceito de conhecimento proposto por Fichte, apesar de afirmar que tudo está determinado pelo “eu puro” de forma absoluta, inclui, no momento mesmo desta descoberta a realidade do infinito das possibilidades do pensamento, contidos na capacidade humana de conhecer com base em sua consciência.

O infinito está no fato de que este absoluto do “eu sou” passa a justificar a participação ativa da “categoria da realidade” como parte constitutiva do próprio “eu”, pois “uma qualquer coisa (de algo posto no eu), está posto, é nela realidade, é sua essência” (1992, p. 48).

EU SOU” PENSAMENTO E CONSCIÊNCIA.


Lous Lavelle em “A consciência de si” efetua uma bela descrição do termo “eu sou”, e disserta sobre a natureza do pensamento e da consciência:

Pensar é ter consciência de si, é possuir-se a si mesmo. Mas não existe diferença entre o ato pelo qual eu me conheço e o ato pelo qual eu me crio. Assim como a fecundidade do ato providencial não para de produzir novos seres no mundo, eu também não paro de produzir novos estados em mim pelo ato de minha atenção: assim, graças à operação da consciência, crio-me a mim mesmo assim como Deus cria o mundo. (2014, p. 22)

Lavelle define que pensar e conhecer é indistinguível, são operações inerentes à criação do próprio "eu" ao criar a consciência, e, por sua vez, a própria consciência como que flutua num universo infinito de idéias:

Pois não criamos de maneira alguma as ideias. Elas são os elementos de um universo de pensamento, assim como os corpos são os elementos de um universo de matéria. Revelam-se a nós por um ato da inteligência, assim como as coisas se revelam a nós por um ato do olhar. E, assim como nossa atividade prática se apossa das coisas e delas tira proveito para o corpo, nossa atividade pura escolhe entre as ideias e, pela composição que faz delas, compõe nossa figura espiritual. Assim, pode-se dizer que todas as ideias que vêm iluminar nosso espírito são de Deus. Mas a ordem que estabelecemos entre elas é do homem. Cabe a nós apenas escolher o caminho que nosso pensamento vai tomar: seja qual for o caminho, inúmeros materiais nos são oferecidos; cabe a nós construir com eles nossa própria obra (2014, p. 50)

As ideias nos pertencem apenas como nossos filhos. Somos senhores da atenção, assim como somos senhores da geração. A hora do nascimento, porém, é para nós uma hora de ansiedade: não sabemos de antemão que presente o Céu nos enviará. E nossos filhos vivem diante de nós e não para nós, com uma vida na qual a nossa se reconhece e se prolonga mas que, todavia, nos ultrapassa e nos maravilha (2014, p. 51)

Ora, temos percorrido conceitos filosóficos relativos às possibilidades infinitas da consciência, e, tais possibilidades acabam por receber um relevante suporte científico da teoria dos conjuntos, que dentro da mais pura das ciências hipotéticas, a matemática, descobriu-se o axioma da escolha, que demonstra que a percepção do conceito de infinito implica na aceitação da existência de uma vontade consciente, que por sua vez opera o ato de escolher como fundamento da percepção de infinitude, e, por se tratar de uma ação consciente, este axioma matemático necessita de um agente consciente, poisdepende de uma sequência infinita de escolhas” (2003, p. 151).



A matemática é fundada em um conjunto de axiomas, considerados afirmações evidentes por si mesmas, cujos desenvolvimentos são dependentes, tais axiomas em conjunto com as regras da lógica formam as proposições e teoremas, provados de forma rigorosa.

Ocorre que para haver a prova da teoria do continuum, relacionada à teoria dos conjuntos, necessária se faz a aceitação de que o princípio da boa ordenação é equivalente ao princípio da escolha.

Dada a complexidade do tema citamos abaixo o paradoxo de Banach-Tarski, referido por Aczel, que:

[...] começa com a aplicação do axioma da escolha. Por derivações matemáticas no espaço euclidiano (o espaço usual de três ou mais dimensões em que a geometria é estudada), os dois matemáticos demonstraram que uma esfera de raio fixo pode ser decomposta em um número infinito de partes e novamente montada para formar duas esferas, cada qual com o mesmo raio da esfera original. Esse paradoxo causou grande surpresa entre os matemáticos. (2003, p. 156-7)

Aczel refere que o matemático Paul Cohen provou que o axioma da escolha é independente dos demais axiomas da teoria dos conjuntos, e:

[...] com efeito, a hipótese do continuum era independente de todos os axiomas reunidos, inclusive o da escolha. [...] A prova de Cohen demonstrou definitivamente que a verdade da hipótese do continuum de Cantor não podia ser estabelecida dentro do atual sistema de axiomas da teoria dos conjuntos. (2003, p. 181)


A teoria dos conjuntos, criada por George Cantor, promoveu a abertura da ciência para o cálculo infinitesimal, que por sua vez possibilitou a pesquisa das partículas subatômicas, o que torna evidente que mesmo tal ciência, a matemática, depara-se com a presença de enigmas, na forma de intuições profundas e indemonstráveis relacionadas com o conceito de infinito que implica numa definição do conceito de liberdade, pois somente há escolha, onde há liberdade.

Aczel relata o paradoxo inerente à própria teoria dos conjuntos, que como o “eu puro” postulado por Fichte, é uma “afirmação sobre o infinito ou sobre o continuum”, que não é passível de ser provada, pois conforme destaca:

Gödel e Cohen mostraram que uma prova da hipótese do continuum é impossível dentro do sistema atual; portanto, até o momento em que conseguirmos construir outro sistema, essa hipótese continuará a ser um enigma. (2003, p. 183-4)


A realidade dos números matemáticos ao ser analisada perante o conceito de infinito possibilitou a descoberta do cálculo infinitesimal, que abriu a janela da ciência para os embaraços relacionados às idéias relacionadas ao conceito de infinito, já postulados por Fichte como “atividade pura, que implica em uma "escolha pura"?!

A afirmação do “eu puro”, à moda de Fichte, implica na aceitação da indeterminação elevada ao infinito, esta percepção filosófica é compatível com a noção de continuum relacionada à teoria dos conjuntos, que requer a aceitação do princípio da escolha, que por sua vez, no âmbito da teoria dos conjuntos nos remete à percepção de que o fundamento da lei é oriunda da liberdade de escolha, liberdade esta exercida por algum agente.

Ciência e a filosofia transitam entre enigmas cujas respostas se aproximam cada vez mais da teologia, mesmo que se utilize uma ontologia fundada na mensuração matematizante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A filosofia proposta por Fichte, pelo fato de ser indeterminada em seu limite, construída sobre a natureza absoluta do "eu puro", como fundamento da filosofia da ciência, possui implicações que apontam para um elevado grau de liberdade inerente à ação da consciência, e ao pensamento como atividades puras, pois não se determina de uma vez por todas, com base em juízos sintéticos a priori, codificados de forma impessoal e formal, mas, sim com base na mais pessoal e acessível e universal forma de conhecer, o conhecer-se a si mesmo, malgrado o modelo cartesiano adotado.

A teoria dos conjuntos é uma árida forma de exemplificar o fato de que o infinito, mesmo na matemática, não é passível de demonstração, assim como o caráter do “eu puro” da consciência não pode obedecer limites pressupostos.

Tendo em vista que o agente que pensa é sumamente mais importante que a ferramenta que é pensada, e, que por sua vez pensar “é ter consciência de si, é possuir-se a si mesmo", não existe diferença entre “o ato pelo qual eu me conheço e o ato pelo qual eu me crio” (Lavelle, 2014 p. 22).

Evidencia-se que o eu pensante é um princípio da própria realidade, e, também, é um conjunto, que contém infinitas possibilidades, e, portanto, possui o potencial de buscar infinitas respostas perante a realidade, mas, não devemos esquecer que o "eu puro" em último grau é somente um sinônimo do "motor imóvel" aristotélico, em cuja consciência transitamos e participamos com as limitações inerentes ao nosso ser contigente.

Referências
ACZEL, Amir. D. O mistério do alef: a matemática, a Cabala e a procura do infinito; tradução Ricardo Gouveia. Globo: São Paulo, 2003.
FICHTE, Johan Gottlieb. A doutrina da ciência de 1794 e outros escritos; tradução e notas Rubens Rodrigues Torres Filho. 5ed. Nova Cultural: São Paulo, 1992.
______________.. Reivindicação da liberdade de pensamento; tradução Artur Mourão. UBI - Universidade da Beira Interior: Covilhã, s/d. Disponível em: www.lusosofia.net/.../fichte_reinvindicacao_liberdade_pensamento.pdf. Acesso em: 19/01/2015.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura; tradução Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão; introdução e notas Alexandre Fradique Morujão. 5.ed. Fundação Calouste Goubenkian: Lisboa, 2001.
______________. Os progressos da metafísica; tradução Artur Morão. Edições 70: Lisboa. 1995.
LAVELLE, Louis. A consciência de si; tradução Lara Christina de Malimpensa; revisão técnica Carlos Nougué. É Realizações: São Paulo, 2014.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

É BOM CITAR: LAVELLE, O SER E AS IDÉIAS.

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Louis Lavelle

"Nós nunca encontramos o eu numa experiência separada. O que nos é dado primitivamente não é um eu anterior ao ser e independente dele, mas a existência mesma do eu, ou ainda o 'eu inexistente', o que implica que a experiência do eu envolve a do ser e constitui uma espécie de determinação desta" 


(Louis Lavelle, in A presença total e ensaios reunidos, p. 39)




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"Há uma experiência inicial que está implicada em todas as outras e dá a cada uma delas sua gravidade e sua profundidade: é a experiência da presença do ser. Reconhecer esta presença é reconhecer ao mesmo tempo a participação do eu no ser" 


(Louis Lavelle, in A presença total e ensaios reunidos, p. 33)






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"...o ser não pode em nenhum grau ser considerado um modo do pensamento, porque o próprio pensamento deve ser definido antes de tudo como um modo do ser. Imagina-se muito amiúde que o pensamento, pondo-se a si mesmo, põe o caráter subjetivo de tudo o que pode ser: mas, para pôr-se, é preciso que ele ponha antes de tudo sua existência, ou seja, 'a objetividade de sua própria subjetividade'"


(Louis Lavelle, in A presença total e ensaios reunidos, p. 45)




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"As ideias nos pertencem apenas como nossos filhos. Somos senhores da atenção, assim como somos senhores da geração. A hora do nascimento, porém, é para nós uma hora de ansiedade: não sabemos de antemão que presente o Céu nos enviará. E nossos filhos vivem diante de nós e não para nós, com uma vida na qual a nossa se reconhece e se prolonga mas que, todavia, nos ultrapassa e nos maravilha" 


(Louis Lavelle, in A consciência de si, p. 51)





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"Pois não criamos de maneira alguma as ideias. Elas são os elementos de um universo de pensamento, assim como os corpos são os elementos de um universo de matéria. Revelam-se a nós por um ato da inteligência, assim como as coisas se revelam a nós por um ato do olhar. E, assim como nossa atividade prática se apossa das coisas e delas tira proveito para o corpo, nossa atividade pura escolhe entre as ideias e, pela composição que faz delas, compõe nossa figura espiritual. Assim, pode-se dizer que todas as ideias que vêm iluminar nosso espírito são de Deus. Mas a ordem que estabelecemos entre elas é do homem. Cabe a nós apenas escolher o caminho que nosso pensamento vai tomar: seja qual for o caminho, inúmeros materiais nos são oferecidos; cabe a nós construir com eles nossa própria obra" 


(Louis Lavelle, in A consciência de si, p. 50)