sábado, 20 de maio de 2017
A IDENTIDADE DO PRINCÍPIO E A VERDADE: O ESTADO LAICO
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AFORISMOS: VIDA INTERIOR E PARTÍCULAS
SOBRE A VIDA INTERIOR
A vida interior é o testemunho de um esforço da vontade, que almeja obter a sinceridade da consciência para consigo mesmo.
A vida interior define-se como autoconsciência que possui a seriedade necessária para se alcançar o nível das verdades espirituais.
O discurso interior da consciência não é excludente das outras formas de vida da inteligência, mas é uma definição que remete à complexa relação entre a simplicidade do ser uno e indivisível em sua inteireza, algo que define a alma, e nossa impossibilidade empírica de obter informações fora do campo espaço-temporal, em cujo contexto só podemos ter acesso de modos parciais e especializados.
Há que se ter uma forma de juntar o que está separado!
As sendas de Sócrates e Cristo são bons caminhos a se trilhar.
O SIMPLES E O CONCRETO
O simples é o atributo do uno, e o uno contém a totalidade que é considerada simples somente perante aquele que é o Ser em sua integralidade, o concreto como é percebido pela percepção humana é um complexo sem fim, simplificado em abstrações provisórias com o uso de recursos verbais e mentais.
PARTÍCULAS E O LIMITE DA METODOLOGIA
Até onde sei os limites são conceituais, pois não há uma verdadeira observação e medição direta, alguma coisa escapa à "observação científica".
A metodologia da pesquisa científica na área da física de partículas suscita perguntas sobre os verdadeiros problemas relativos à realidade da física de partículas.
Perguntas de natureza ontológica a respeito da objetividade e concretude do mundo, da qual a metodologia abstrai somente alguns dados parciais.
CONTÍNUO, CONCRETUDE E OBJETOS FÍSICOS
Há uma distinção entre o contínuo da realidade como o percebemos, que é a concretude das coisas, e as hipóteses descritivas do objetos físicos, oriundos de uma abstração cheia de hipóteses e condições matematizáveis.
Por mais que haja indícios de tais objetos físicos, os mesmos são elementos parciais, parcialmente detectáveis, que se encontram inseridos no contínuo, não são apartados de fato, mas somente são abstraídos com base no corte metodológico científico.
Há uma gama muito grande de objetos e fenômenos cuja realidade escapa à pesquisa.
18.05.2017 - Werner Nabiça Coêlho
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AFORISMOS: A ARTE DO DIREITO
DIREITO É UMA FERRAMENTA, NADA MAIS.
A
natureza humana é composta de desejo e razão, aqueles dois cavalos, um
obediente e o outro rebelde, descritos por Sócrates no Fedro, o direito é
um conjunto de tradições, experiências, técnicas e hábitos que
trabalham esta tensão entre a emoção quente, que tudo incinera, e a
postura distante e racionalista, que tudo quer tratar com frieza e objetividade, nestes termos o
direito é só mais uma das ferramentas que o engenho humano constituiu
para garantir a sobrevivência.
O direito não é uma coisa separada do acontecer humano, é só um índice de medida do acontecer humano.
Ao fim e ao cabo o direito é o que os homens, justos ou injustos, fazem-no ser.
O direito como algo que produz resultados práticos (poiéticos) é operado pelo uso da força, com base num certo grau de legitimidade social, é como uma arma, pode ser usada para o bem ou para o mal.
O direito é uma arte
prática que é instrumentalizada pelo detentor do poder social, seja um
indivíduo seja um ditador, é uma simples ferramenta.
O direito é nada mais nada menos que uma manifestação da natureza humana segundo um foco comportamental e normativo.
DIREITO É PROGRAMAÇÃO.
O direito é na sociedade um tipo de atividade equivalente à arte do programador, ambos existem para gerir sistemas de dados, um binário e matemático e o outro ético e incomensurável.
DIREITO DOMADOR DA VIOLÊNCIA.
O direito é a arte de domar a violência que habita dentro e d'entre nós.
A
violência é constitutiva do acontecer natural, a vida de uns é
garantida pela morte de outros, a ordem natural é uma ordem mortífera.
Somos violentos, desejamos a violência, mas nos foi revelado que este é o caminho do erro, o esforço de seguir o caminho reto implica no sacrifício da própria violência, esta é a renúncia ao pecado, ao prazer da violência, à satisfação da vingança.
Por natureza somos violentos, adoradores potenciais de satanás, mas nosso espírito tem uma estranha tendência para a ordem, um dom capaz de captar o divino em meio ao caos, e com Cristo nos evadimos das trevas da vingança.
DIREITO E SALVAÇÃO.
Um bom meio de acabar com o fenômeno jurídico é a extinção da humanidade, outro é a salvação, mas daí não estaremos neste mundo.
O direito como arte que é, idealmente, deve gerar uma mimésis do comportamento justo.
Ser bom é uma
decisão no sentido do bem, decisão que nega todas as demais
possibilidades e tentações que se apresentam perante os desejos e
sentimentos menos elevados da natureza carnal.
Posso afirmar que o bem é um potencial virtual não atual, cuja realidade é fruto de um processo laborioso, consciente e custoso.
Lei, mortalidade e livre arbítrio são alguns dos termos metafísicos que somos capazes de gerenciar no cotidiano jurídico.
DIREITO VERSUS ROUSSEAU.
Considerar
o homem naturalmente bom é uma definição generosa, mas um tanto quanto
rousseauniana, pois apregoa uma espécie de bom selvagem teleológico.
De
minha parte sou um pessimista quanto à bondade natural do homem, creio
que ele é pecador por natureza, e somente com um esforço muito grande e
sujeito a muitas quedas é que ele se aperfeiçoa, essa é sua liberdade.
O dom que nos foi concedido, a liberdade, pode ser perdido pelo uso da própria liberdade, é a parábola dos talentos que melhor expressa isso.
DIREITO E SOBRENATURAL.
A tensão das contradições é a razão da vida da carne, do espírito e da alma, é o labor mesmo.
O positivismo farisaico é a versão primeva do satanismo politicamente correto, que subverte a virtude da justiça em tirania cega.
O
direito positivo em sua forma de registro formal é somente mais uma
ferramenta, da mesma forma que do ponto de vista somente do texto os
evangelhos não são todo o ensinamento, mas um registro parcial da
verdade revelada, assim é a lei escrita.
O positivismo quando encarado como ideologia é um direito preternatural, nem natural nem sobrenatural.
O conceito de direito natural... está aí um ponto discutível, podemos chamar de direito sobrenatural, por ser eterno, pois o nosso acesso aos princípios racionais é uma forma de presentificação da idéia que o espírito e o intelecto apreendem desde cima.
Pode-se definir o direito natural no sentido de verdade revelada, percebida pelo intelecto humano, atributo este que participa da natureza divina que nos criou.
DIREITO, MISERICÓRDIA E VINGANÇA.
A vingança de Deus está reservada ao juízo final que encerra uma vida de escolhas que negam a salvação.
Papo de jurista: a lei precisa ser interpretada, as ferramentas conceituais que permitem a interpretação compõem a hermenêutica, com Cristo a misericórdia vem como a boa nova que introduz o elemento providencial do perdão como parte da técnica de julgamento, com Cristo o amor funda o juízo, não mais uma vingança à moda da lei de talião.
17.05.2017
Werner Nabiça Coêlho
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sábado, 22 de abril de 2017
MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: DISTINÇÃO, SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE (CAP. 06-C)
Observações preliminares.
O
Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas
obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de
seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que
utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes
para "apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado",
e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as
transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção
das tremas).
DISTINÇÃO, SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE SEGUNDO MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
Fundamentalmente, nossos meios de conhecimento sensível (e no homem se
fundam nos sentidos) captam os factos, simultânea e sucessivamente.
As coisas extensas, que são aquelas em que as suas partes distintas não
coincidem num mesmo ponto, mas que se dão umas "extras" às outras, são
captadas visualmente como simultâneas, quando se trata das pequenas extensões, e não daquelas em que os olhos devem percorrer (portanto, sucessivamente) o que se extende.
O tacto capta a extensão "sucessivamente", salvo as pequenas extensões,
sentidas simultâneamente. De olhos fechados, percorremos com os dedos a
extensão da mesa, e a sensação é sucessiva. Simultaneidade e
sucessividade são fundamentais da sensibilidade.
Não esqueçamos
que simultâneo e sucessivo são extremos disjuntos perfeitos. Não há meio
têrmo entre êles. Ou algo é simultâneo ou é sucessivo, ou ambos, porque o
que sucede de certo modo se simultaneíza, pois, do contrário, não
haveria fundamento para sucessão, porque o que se dá "extra" a outro no
existir, implica a simultaneidade de certo modo; o que perdura, implica a
simultaneidade de seu ser, que insiste e persiste após si mesmo. Não
havendo meio têrmo entre tais extremos, não são êles apenas fundamentais
da sensibilidade, mas fundamentais ontològicamente, pois não há outro
modo de ser que não seja simultâneo ou sucessivo, ou participando de
ambos. São êles fundamentais da nossa sensibilidade que presta
simultaneidade e sucessão às coisas; são os entes que são ora
sucessivos, ora simultâneos, ora ambos.
As coisas só se podem
distinguir realmente de dois modos: o distinto é outro que outro, e como
tal ou é outro que outro no mesmo, insistindo no mesmo, ou outro que
outro, insistindo "extra" o outro, quer sucessiva, quer simultâneamente.
Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 36.
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: OS CONCEITOS DE ESPAÇO E TEMPO SÃO "A POSTERIORI" (CAP. 6-B)
Observações preliminares.
O
Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas
obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de
seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que
utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes
para "apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado",
e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as
transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção
das tremas).
Assim com a nossa experiência nos mostra haver sêres extensivos,
mostra-nos haver também intensivos. O verde é verde em si mesmo, não é
algo que se extende, não tem suas partes extra às outras, enquanto o
tamanho as tem. A dimensão do tamanho é a extensão, a da qualidade é a
perfeição qualitativa, é a forma da qualidade, pois uma coisa verde é
menos ou mais "verde", tomando-se, aqui,
"verde" em seu aspecto formal, perfectivo. Um tamanho pode ser maior ou
menor no sentido de ter mais ou menos "partes extra partes", mas
enquanto extensão, formalmente considerado, é extensão apenas, e não
mais ou menos extensão formalmente considerada. Assim se diz que a
quantidade não tem graus, porque é quantidade perfectivamente, enquanto a
qualidade pode ter escalaridade, graus, porque o qualitativo pode ser
mais ou menos em relação a uma forma perfeita, que virtualmente
compreendemos, pois podemos dizer que o céu é mais ou menos azul, que um
homem é mais ou menos sábio. Consideramos, como medida, a perfeição da
sabedoria, pois o tê-la indica que se tem um grau de sabedoria. Só a
Deus se poderia atribuir a perfeição absoluta da sabedoria, só a
"teria", e a "seria" em plenitude ontológica.
Com essa rápida
explanação do conceito de extensão, vê-se que o nosso conceito de
espaço é "posterior", e fundado na experiência da extensão, e não como o
pretendiam alguns filósofos, entre êles Kant, de que o espaço (como o
tempo também), fôssem "a priori" à experiência.
Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 35.
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O QUE FUNDAMENTA O CONCEITO DE ESPAÇO? (CAP. 06-A)
Observações preliminares.
O
Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas
obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de
seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que
utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes
para "apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado",
e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as
transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção
das tremas).
É o espaço que fundamenta a extensão,
ou é esta que fundamenta aquêle?
A pergunta é de máxima importância,
e não pode ainda receber uma resposta completa.
Contudo, já podemos, em face do que foi examinado,
concluir alguns aspectos importantes,
capazes de esclarecerem tema de tal valor.
A intencionalidade, que se empresta ao conceito de extensão,
é a de indicar a "tensão" que se dirige "ex",
para fora,
que se afasta,
a tensão centrífuga,
assim como intensidade corresponde
à tensão que se dirige "in",
para si mesma,
que é centrípeta.
Há extensão
onde a posição das partes
se dão umas extra às outras.
Não só o conceito,
mas também a experiência nos revela
que a extensão implica:
1) distinção real entre as partes;
2) não coincidência das partes num mesmo ponto.
A extensão exige "fundamentalmente", a distinção,
o ser "outro", o "alter", a alteridade simultânea,
pois o outro não é algo que decorre após ao primeiro,
mas que se dá simultâneamente com o primeiro,
como ponto de partida.
Assim, por ser possível haver distintos na mesma coisa,
a distinção, aqui, não é apenas esta,
mas acrescenta ainda que
o distinto se põe fora da mesma coisa ("ex");
ou seja, do mesmo que serve de ponto de partida.
Essa colocação "extra" aos de que se distinguem,
embora da mesma espécie,
pois a extensão é sempre da mesma espécie,
mas é, situalmente outra que outra,
tomada como ponto de referência ou de comparação.
Essa distinção serve de estímulo aos nossos sentidos espaciais,
que são a visão, o tacto em menor escala, a audição.
Os pontos "extra" uns aos outros estimulam os sentidos.
Os olhos podem captá-los em maior simultaneidade,
enquanto o tacto os capta em sucessão,
e a audição por referência.
Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, p. 34-5.
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terça-feira, 28 de março de 2017
A SUBMISSÃO DO ATEU INTELECTUAL OCIDENTAL
A Disputa (ou Discussão) sobre o Santíssimo Sacramento de Rafael |
Outro dia um amigo solicitou-me o empréstimo do livro "Eu via satanás cair do céu como uma raio" de René Girard, publicado em 1999, e, enquanto hesitava no ato de dar cumprimento ao compromisso, folheei as páginas como quem se despede de um livro muito querido, por não saber se o empréstimo teria bom termo, mas, promessa pronunciada deve ser cumprida, ocasião em que dei de cara com o anúncio da religião como espécie em extinção, naquela véspera do milênio cristão, na qual Girard assim se expressou:
"Lenta mas irresistivelmente no planeta inteiro, esmaece o domínio do religioso. Entre as espécies vivas, cuja sobrevivência o nosso mundo ameaça, é preciso contar as religiões. As mais pequenas estão mortas desde há muito tempo, as maiores passam por um momento menos bom do que aquilo que se diz, mesmo o indomável islão, mesmo o inumerável induísmo." (René Girard, Eu via satanás cair do céu como uma raio, Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 11)
Como a memória é uma coisa traiçoeira lembrei de um livro velho e empoeirado, na qual a Revista Veja comemorava seus primeiros 25 anos, em que foi publicado o célebre artigo "Choque do Futuro" de Samuel Huntington.
Huntington já lançara os olhos para a realidade objetiva do "choque de civilizações", e recomendava "compreensão muito mais profunda dos pressupostos religiosos e filosóficos que formam o alicerce das outras civilizações":
"A fonte fundamental de conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As grandes divisões na humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem cultural. As nações-Estados continuarão a ser os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do futuro." (Samuel Huntington, Choque do Futuro,in Veja 25 anos: reflexões para o futuro, São Paulo: Editora Abril, 1993, p. 135)
"[...]Será preciso, então, que o Ocidente desenvolva um compreensão muito mais profunda dos pressupostos religiosos e filosóficos que formam o alicerce das outras civilizações, bem como das maneiras como as pessoas daquelas civilizações vêem seus próprios interesses. Será necessário, ainda, um esforço para identificar elementos comuns entre a civilização ocidental e as demais. No futuro próximo, não haverá uma civilização universal, mas um mundo de diferentes civilizações, e cada qual precisará aprender a coexistir com outras (Idem, p. 146-7)
Como acabara de ler "Submissão" de Michel Houellebecq, que retrata a rendição da Europa ao islã, cito um dos mais significativos momentos em que é descrita a conversão de um intelectual:
"'Essa Europa que estava no auge da civilização humana realmente se suicidou, no espaço de alguns decênio", continuou Rediger com tristeza; ele não tinha acendido a luz, a sala só estava iluminada pelo abajur que havia em sua mesa. "Houve em toda a Europa os movimentos anarquistas e niilistas, o apelo à violência, a negação de qualquer lei moral. E depois, alguns anos mais tarde, tudo terminou por essa loucura injustificável da Primeira Guerra Mundial. Freud não se enganou, Thomas Mann também não: se a França e a Alemanha, as duas nações mais avançadas, mais civilizadas do mundo, eram capazes de se entregar a essa carnificina insensata, então era porque a Europa estava morta. Portanto, passei aquela última noirte no Métrople, até seu fechamento. Voltei para casa a pé, atravessando a metade de Bruxelas, margeando o bairro das instituições europeias - essa fortaleza lúgubre, cercada de casebres. No dia seguinte fui ver um imã em Zaventem. E no outro dia - segunda-feira de Páscoa - , em presença de umas dez testemunhas, pronunciei a fórmula ritual da conversão ao islã"' (Michel Houellebecq, Submissão, Objetiva, 2015, p. 217)
A conversão do personagem Rediger ao islamismo é rica em símbolos sobre o triunfo do ateísmo militante, do anarquismo e do niilismo, refere-se a Freud e Mann e suas conclusões sobre a morte da Europa, e, na parte final descreve-se a saída de um restaurante chamado "Métropole" após seu fechamento, o que induz ao sentido da percepção da morte da civilização ocidental, seguido pela caminhada de um homem perdido interiormente pelas ruas da capital europeia, entre prédios governamentais grandiosos e "casebres", e, ao fim, relata-se uma conversão religiosa formal, que de forma muito significativa se dá em plena segunda-feira da Páscoa.
Num único parágrafo Houellebecq descreve a negação da história, da literatura, da filosofia e do cristianismo ocidentais como pressupostos nos caminho da conversão islâmica.
Houellebecq cria imaginativamente um enredo possível daquilo que Huntington descreveu, e tal estado de coisas afasta para o limbo das teorias obsoletas a descrição de Girard sobre o fim do domínio religioso, esta dominância jamais acabará, pois a civilização é a consequência e não causa da realidade da religião, para finalizar cito alguns trechos do artigo "Adeus mundo ateu", de Olavo de Carvalho, que em 2007 já antecipara o conteúdo intelectual da obra literária "Submissão":
Todas as civilizações nasceram de surtos religiosos originários. Jamais existiu uma “civilização laica”. Longo tempo decorrido da fundação das civilizações, nada impede que alguns valores e símbolos sejam separados abstrativamente das suas origens e se tornem, na prática, forças educativas relativamente independentes.
Digo “relativamente” porque, qualquer que seja o caso, seu prestígio e em última análise seu sentido continuarão devedores da tradição religiosa e não sobrevivem por muito tempo quando ela desaparece da sociedade em torno. Toda “moral laica” não é senão um recorte operado em códigos morais religiosos anteriores.
[...]
O presente estado de coisas nos países que se desprenderam mais integralmente de suas raízes judaico-cristãs está demonstrando com evidência máxima que a pretensa “civilização leiga” nunca existiu nem pode existir.
Ela durou apenas umas décadas, jamais conseguiu extirpar totalmente a religião da vida pública, malgrado todos os expedientes repressivos que usou contra ela e, no fim das contas, sua breve existência foi apenas uma interface entre duas civilizações religiosas: a Europa cristã moribunda e a nascente Europa islâmica. (Olavo de Carvalho, Adeus mundo ateu, 03 de março de 2007)
Referências:
Michel Houellebecq, Submissão, Objetiva, 2015
René Girard, Eu via satanás cair do céu como uma raio, Lisboa: Instituto Piaget, 1999
Samuel Huntington, Choque do Futuro,in Veja 25 anos: reflexões para o futuro, São Paulo: Editora Abril, 1993
Olavo de Carvalho, Adeus Mundo ateu, disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/adeus-mundo-ateu/
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