quinta-feira, 28 de abril de 2016

O MITO DA LEGALIDADE É RAZÃO LIBERTA DO DESEJO!


 

Há quem afirme que a constituição é “a nova morada de Deus(CHAUÍ, apud NADAL, p. 129).

Ao considerarmos a constituição como mito, afirmamos que o próprio princípio da legalidade é um mito, pois simboliza a legalidade em alto grau normativo.

A idéia de constituição torna-se, portanto, um princípio basilar do pensamento jurídico, em seu nível poético, no sentido de fonte criativa de imagens inspiradoras da ação (princípios), ao ser compreendido como norma fundamental, para, em última análise, servir de base de sustentação ao discurso sagrado da legitimidade de uma espécie de religião civil à moda do contrato social iluminista.

A constituição, como símbolo que representa o mito da legalidade, numa perspectiva antropológica girardiana, possui estreita relação com a necessidade humana de prevenção da erupção da violência, e, portanto, é uma condição de possibilidade para a própria existência da vida em sociedade.

A doutrina do Direito Constitucional nos ensina que o Poder Constituinte é fruto de uma Revolução Política, cuja energia seria oriunda do Povo, que tanto pode assumir um caráter de crise violenta e imprevisível, como pode ser pacífica, e criada por meio de uma Assembleia Constituinte, incumbida de fundar uma nova ordem constitucional. 

A linguagem simbólica da ciência política trata o ser humano, vivo, espiritual e carnal, com base em abstrações: "Revolução", "Poder", "Povo" e "Assembleia", que convidam nossa imaginação a vislumbrar panoramas épicos, em que os heróis criam uma sociedade política impessoal e purificada dos males do passado, como se toda mudança política fosse resultado de uma evolução progressiva, para formas mais perfeitas de Estado.

Todavia, por mais mitológica que seja a construção da ideia de lei, tal imagem não é fruto de um processo irracional, pois há uma necessidade humana de estabilidade e segurança, que deve ser atendida, e esta necessidade é suprida pela criação de processos sociais fornecedores de mediação externa nas relações humanas. 

A mediação externa é operada por um terceiro situado simbolicamente acima das partes, superioridade que impõe uma ordem normativa incontestável, esta é a estrutura básica do mito, quando os heróis em conflito são punidos ou agraciados pelos deuses, ordem versus caos, uma vez que a violência é oriunda das mediações internas, em que os contendores estão no mesmo nível de desejo, e são potenciais competidores num processo autodestrutivo de vingança interminável.

Aristóteles renega a irracionalidade da idéia de lei, e, demonstra que o predomínio da emoção será afastado com a aceitação do princípio (mito) da legalidade, nestes termos:


Na verdade, tudo o que a lei parece ser incapaz de resolver, também não pode ser conhecido por um só indivíduo. A lei que formou adequadamente os magistrados, encarrega-os de dividir e resolver “do modo mais eqüitativo possível” as restantes questões. Ademais, concede-lhes o direito de corrigir o que, em resultado da experiência, lhes parece ser melhorável em relação às leis escritas. Assim, exigir que a lei tenha autoridade não é mais que exigir que Deus e a razão predominem; pelo contrário, exigir o predomínio dos homens é adicionar um elemento animal; o desejo cego é semelhante a um animal e o predomínio da paixão transtorna os que ocupam as magistraturas, mesmo se forem os melhores dos homens. A lei é, pois, a razão liberta do desejo. (ARISTÓTELES, 1998, p. 259) (destaques no original)

A mediação externa significa, pois:

Exigir que a lei tenha autoridade não é mais que exigir que Deus e a razão predominem,

porque, de outra forma, somente restará a danosa mediação interna, para a qual:
exigir o predomínio dos homens é adicionar um elemento animal,

pois o predomínio do desejo cego implica em conflitos diretos, num processo de mediação interna, que gera um crescendo de atos de violência nas relações interpessoais, até que estoure um crise de vinganças infinitas, a crise mimética.

Quando os participantes de uma relação social são colocados em conflitos de interesses, suas condutas podem ser transtornadas pela paixão.

Para conter o conflito, resultante da mediação interna inerente às partes, que estão emocionalmente envolvidas, deve-se criar uma situação contrabalanceada pela “razão liberta do desejo”, por meio da mediação externa.

A sacralidade da lei é o fundo mitológico-poético sobre a qual se erige a idéia de legalidade, e seus representantes, os agentes da ordem normativa, permite que o virtual conflito da rivalidade mimética encontre um limite objetivo, interposto entre os interesses subjetivos em conflito, mediante a presença um terceiro em posição simbólica superior.

O mito da legalidade, a idéia de que a lei é sagrada, se impõe para ordenar e mediar o fenômeno da universalidade do desejo, e da violência, existentes na presença de mediação interna, inerente aos conflitos de interesses do cotidiano social.

A universalização do mito da constituição, encarado como o símbolo da legalidade em último grau, que serve de princípio ordenador para toda a ordem legal normativa, gera a possibilidade de mediação externa nas relações sociais, estrutura simbólica que torna o exercício das magistraturas um dever sagrado para com a lei, que neste caso é erigida como a representação de Deus, da Razão e do Povo.

Assim sendo, a imaginação humana considera-se liberta da opressão, quando não mais se encontra sob a sujeição do ódio ou do medo, nem a este ou àquele poder pessoal.

O mito da legalidade é, assim, erigido como a base de sustentação da mediação externa, que opera institucionalmente, sobre os conflitos intersubjetivos, pois se estabelece a simbólica da superioridade e racionalidade da lei, e não da vontade pessoal de outrem, o agente da ordem não age em nome próprio, mas em nome da lei.


 

Maximiliano (1961, p. 20) assevera que:
 
O Direito precisa transformar-se em realidade eficiente, no interesse coletivo e também no individual”; sem esquecermos que “[...] toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não se verificarem com esmero, o sentido e alcance das suas prescrições”(MAXIMILIANO, p. 23)

A partir da prévia aceitação do mito da legalidade desenvolve-se os métodos hermenêuticos e interpretativos, pois sem a expressa aceitação deste pressuposto simbólico não é possível desenvolver o discurso poético fundador da ordem legal.


 

A poética do discurso sacraliza a idéia de constituição, que será o fundamento para estabelecer padrões (mediação externa) para os diversos discursos retóricos (mediação interna).

As retóricas, quando alicerçadas na ordem legal, são operadas pelas partes em conflito, passam a ser mediadas pela superioridade da "vontade da lei" ou "vontade dos legisladores", quando as retóricas não apelam para a superioridade lei, descambam para soluções violentas "fora da lei".

Quando o mito da legalidade está sedimentado socialmente, a legitimidade da ordem social daí decorrente é a condição suscetível de racionalizar o debate necessário ao discurso dialético interpessoal.

A aceitação de um referente externo e objetivo, criador de uma mediação externa a ser dirigida pela autoridade competente, eleita pela ordem legal como mediador, permite a criação do momento decisório típico da linguagem jurídica.

Este momento decisório, com base no princípio da legalidade, implica na dialética do devido processo legal, que se conclui na lógica da decisão jurídica.

Em suma, para que os quatro discursos humanos, interligados no fenômeno comunicacional (Olavo de Carvalho, 1996), sejam operados de forma eficiente pelo cidadão, pelo jurista e pelo político, estes devem sempre afirmar e reafirmar sua fé no mito da legalidade, ao aceitar a prevalência simbólica de seu livro sagrado: a constituição.



REFERÊNCIAS



ARISTÓTELES. Política . Edição bilíngüe. Lisboa: Vega, 1998.



CARVALHO, Olavo de, Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos.Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.



MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito . 7ed., São Paulo: Freitas Bastos, 1961.



NADAL, Fábio. A Constituição como mito: o mito como discurso legitimador da constituição. São Paulo: Método, 2006.

MITO, ESTRUTURALISMO E CONSTITUIÇÃO







Fábio Nadal (2006), ao apreciar a natureza simbólica do Direito, afirma a concepção mitológica da constituição, vejamos:
[...] mito como estrutura que não se submete a nenhuma regra lógica ou continuidade [...] (p. 89)

[...] a legitimidade de uma Constituição baseie-se em uma crença ou em um conjunto de crenças (base irracional – a “fé na Constituição”) que propicia o urdimento do sistema normativo (base racional), de acordo com um discurso competente (ideológico) com a finalidade (telos) de alcançar e manter sua funcionalidade (simbólica, dominação, regulação e integração). A Constituição, de qualquer sorte, é, na síntese feliz de Marilena Chauí, “a nova morada de Deus” (p. 129).
Adota-se o marco teórico estruturalista, que implica na admissão de uma visão irracional do mito em matéria constitucional, que, contraditoriamente, será a fonte de um sistema normativo de base racional.

A pura e simples declaração numa crença ou fé não deve prosperar em matéria constitucional, face à necessária racionalidade do sistema normativo, que é teleológico por natureza.

A proposta explicativa de Nadal deve ser impugnada em sua validade ontológica, por ser um mero abstracionismo cartesiano, um experimento mental sem base no real, porque estruturalista, fundado num “dever ser ideal” (NADAL, p. 91) que se contenta em não investigar a fundo o porquê da ambigüidade do mito, como um dado universal, que responde à questão levantada por Lévi-Strauss:
Reconheçamos que o estudo dos mitos nos conduz a constatações contraditórias [...] se o conteúdo do mito é inteiramente contigente, como explicar que, de uma extremidade à outra da Terra, os mitos se assemelham de tal forma? É necessário tomar consciência desta antinomia fundamental, que decorre da natureza do mito, se esperamos resolvê-la. (Apud NADAL, p. 88)
Há uma necessidade humana de contenção da violência, sim, o elemento objetivo e real decisivo que unifica todos os mitos.

O mito é a primeira ferramenta conceitual que possibilitou a racionalização da realidade paradoxal da violência, que só pode ser contida por outra violência.

Para as sociedades, em suas origens segundo a ótica de René Girard, a violência é a manifestação do sagrado, pois, ao mesmo tempo em que é maléfica quando emerge do desejo mimético, criador de rivalidades sem fim que destroem todas as diferenças; ao mesmo tempo, é capaz de ser o meio de se solucionar o paroxismo da vingança interminável, quando a coletividade cria o bode expiatório, que passará a simbolizar o herói, o deus, o salvador nos ritos e nos mitos, instituídos, após o sacrifício primário, que passa a ser ritualmente revivido para conter a violência, ao representar na forma de ritual, este torna-se o primeiro método da primeira ciência, que busca reproduzir a eficácia da primeira vez em que violência sagrada foi experimentada.

Ao contrário da tese defendida por Nadal, a linguagem do mito não é antinômica por natureza, nem irracional em sua essência, mas representa o primeiro esforço normativo de contenção da violência humana, fruto do rito sacrificial, que se propõe a ser a repetição do ato que conteve a crise mimética, o assassinato fundador do bode expiatório, em que um é sacrificado para que todos possam continuar vivendo, mas, percebamos, isto é um dado necessário em eras primevas e arcaicas, e que serve de parâmetro para a percepção que a constituição é um mito fundador da ideia de Direito, e que esta estrutura de pensamento é uma barreira à violência desmedida. 
 
REFERÊNCIAS

GIRARD, René. A violência e o sagrado ; trad. Martha Conceição Gambini; revisão técnica de Assis Carvalho. - São Paulo : Editora Universidade Estadual Paulista; 1998.

NADAL, Fábio. A Constituição como mito: o mito como discurso legitimador da constituição. São Paulo: Método, 2006.

sábado, 23 de abril de 2016

FRAGMENTOS LITERÁRIOS: TOLKIEN E DOSTOIÉVISKI

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Aliocha inspirou Niggle!

Dostoiéviski em “Os irmãos Karamázov” ao tratar de um dado biográfico do jovem Aliocha lembrou-me um conto do Tolkien, o trecho é este:

“...desde o berço ele dera provas de ser diferente. Já contei que ele perdera a mãe aos quatro anos, mas por toda a vida lembrou-se de sua face, de suas carícias, “como se a visse viva”. Como todos sabem, tais lembranças podem permanecer gravadas na memória, mesmo originárias de uma idade mais tenra ainda, mas só persistem como pontos luminosos nas trevas, como fragmentos de uma imensa pintura desaparecida.” 
(Ed. Martim Claret, 2015, p. 32)

Daí posso trabalhar a hipótese de que Tolkien criou o enredo do conto “Folha por Niggle” para desenvolver a idéia de Dostoiéviski sobre "uma imensa pintura desaparecida".

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Ensinar e Aprender numa Perspectiva Socrática

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Sumário: Introdução. I – Novos tempos, problemas velhos. O novo paradigma educacional que torna o aluno o sujeito de sua educação. O problema da aprendizagem. II – Aprender para quê? Para conhecer-te a ti mesmo! Conclusão – A nova tendência educacional implica postura maiêutica. Bibliografia.

Resumo: O artigo estuda a nova tendência da pedagogia que privilegia o aprendizado do aluno e a velha orientação originada no pensamento socrático a respeito da importância da descoberta da dimensão ética para aquisição do saber da virtude que orienta o cidadão na busca do bem social e conclui-se demonstrando que a nova pedagogia é um misto de ensino e aprendizagem, de descoberta interior e exterior.

Palavras-chave: Ensinar – Aprender – Sócrates – Maiêutica – Democracia – Direito.


Introdução.


Adotaremos como marcos teóricos do presente texto as obras O professor universitário em aula de Abreu e Masetto e Sócrates, Platão, Aristóteles de Jean Brun.

Travaremos contato com nascentes paradigmas educacionais a respeito do ensino, nos confrontaremos com velhas verdades filosóficas, demonstrando-se, ao fim, a suma importância do tema para a manutenção da Democracia e do Estado de Direito.


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I – Novos tempos, problemas velhos

O novo paradigma educacional que torna o aluno o sujeito de sua educação

O problema da aprendizagem.


Maria Célia de Abreu e Marcos Tarciso Masetto (1997) afirmam que o enfoque educacional que deve pautar a atividade docente está no problema da aprendizagem, pois o aluno é o centro do mundo acadêmico.

Esta ênfase deve utilizar o ensino, que tradicionalmente privilegia a figura do professor, somente como atividade meio, para que se insira o aluno não só como um bom profissional no mercado, mas, precipuamente, invista-se na sua formação sob uma perspectiva educacional humanística (ABREU E MASETTO, 1997, p. 07), que forme cidadãos aptos a assumir suas responsabilidades individuais e sociais.

Segundo esta perspectiva de "privilegiar a aprendizagem de seus alunos sobre o ensino de seus professores" referidos autores prescrevem um método de ensino que torne o aluno no sujeito de sua educação, tornando-se o professor o meio, o instrumento, o objeto que possibilitará o desenvolvimento ativo do educando, e, apontam quatro tendências de aprendizagem, que devem orientar a atividade do educador, que são:

a) o "desenvolvimento mental" ( loc. cit. );

b) o "desenvolvimento da pessoa singular" ( op. cit. , p. 08);

c) o "desenvolvimento das relações sociais" ( loc. cit. ); e,

d) o "desenvolvimento da capacidade de decidir" ( loc. cit., p. 09).

Estas quatro tendências apontam para o desenvolvimento da pessoa que conhece, sabe para que serve o seu conhecimento, e, assim assume seus deveres e obrigações perante a sociedade política, e, quando é chamado a participar ativa e criativamente tem os instrumentos cognitivos, afetivos e técnicos, para protagonizar seu papel no teatro da vida.

Em síntese, o novo paradigma educacional propõe ao professor aprender a ser o guia de seu aluno, na atividade de descobrir conteúdos, relacioná-los à sua vida, e, se possível, fazer com que tais conhecimentos e habilidades retornem na forma de atuação social, ativa e responsável.

Exposto o estado da questão, relativo à proposta de um novo paradigma educacional que deve orientar a docência neste novo milênio, coloca-se, perante nós, o mais velho problema pedagógico, aflição de cada educador que se importa com a resposta do problema fundamental da educação, que Abreu e Masetto sintetizam na seguinte formulação: "aprender para quê?" (1997, p. 07).


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II – Aprender para quê?

Para conhecer-te a ti mesmo!


Vivemos tempos em que sopram ventos democráticos, em que há franca expansão das necessidades e responsabilidades, e, em que há número crescente de atores penetrando no palco da vida social.

Qualquer sociedade em que haja a necessidade crescente de tomadas de posições mais ativas, em que a liberdade de ação é regra e não exceção, em tais sociedades o patrimônio da informação, do conhecimento e das habilidades para aplicá-los torna-se um imperativo para a definição dos papéis principais e secundários.

Há, presentemente, uma forte tendência à valorização de operadores simbólicos, isto é, de indivíduos capazes de ultrapassar a mera habilidade técnica e que saibam atuar com criatividade suficiente para constantemente produzir adaptações, atualizações e inovações que antecipem ou respondam ao dinamismo da sociedade.

Em situações históricas como acima descritas o conhecimento torna-se a moeda fundamental para a inserção o homem em seu meio, e, tal como hoje, este contexto se manifestou na Idade Clássica, mais precisamente, na Grécia, aos tempos de Péricles, por volta do séc. V a. C..

Tempos de vigor da nascente e triunfante democracia grega, que incentivaram a formação de uma nova espécie de professores, que ensinavam como fazer do discurso forte um discurso fraco e do discurso fraco um discurso forte. Sofistas, professores de retórica e de conhecimentos gerais, portadores dos conhecimentos e das técnicas para o progresso na vida política e social de então.

A dinâmica do discurso democrático implica num crescente antropocentrismo, que induz ao egocentrismo e ao individualismo exagerados, estimuladores duma auto-suficiência que tem já dentro de si o gérmen da destruição da liberdade tão duramente conquistada, exemplo desta postura é o fragmento de Protágoras em que este sofista declara: "O homem é a medida de todas as coisas, das que existem e das que estão na sua natureza, das que não existem e da explicação da sua inexistência" (GOMES, 1994, p. 216).

Ao se afirmar que o homem é a medida de tudo, seu desejo puro e simples passa a ser o critério de avaliação de seus anseios, e, se necessário for, determinado homem, portador de suficiente ambição política, em busca do poder, poderá raciocinar junto com o sofista Trasímaco que afirmava "o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte" (338c) (PLATÃO, 1976, p. 12).

Diante do dilema fundamental da democracia, que é ser potencialmente o fermento da tirania, ergueu-se Sócrates (470-399 a. C.) para guiar o cidadão para além das aparências da política, para o caminho da descoberta do conhecimento interior, mediante o método do diálogo maiêutico, que objetiva discutir os próprios fundamentos dos conhecimentos vendidos a peso de ouro.

Revelou-se com isso a dimensão ética do saber e da sua fundamental importância na assunção da responsabilidade social inerente à obediência voluntária aos mandamentos da ordem social democraticamente constituída e sustentada, que possibilitam a convivência, despertou-se a profunda consciência para a percepção do que é a virtude e para o quê ela serve, criar um ambiente regido pela justiça.

Jean Brun (1994, p. 79) constata que para Sócrates a virtude é um saber que principia pelo autoconhecimento, é a ação que implica num discernimento refletido em que se distingue o desejo e a vontade.

Neste diapasão a vontade é a apreciação subjetiva com valor verdadeiro, como opinião individual com conhecimento motivado, ou seja, a episteme ou conhecimento refletido, fruto do debate dialético racionalmente concatenado.

Enquanto o desejo é a opinião sem outra motivação além do desejo, isto é, doxa ou simples opinião sem reflexão, nosso famoso achaísmo .

Nesta distinção podemos distinguir o conceito do preconceito, este objeto de simples, imediata e parcial cognição, aquele construído pela reflexão.

Segundo a perspectiva socrática devemos compreender que: "O saber que a virtude implica é um saber que não se adquire como o conhecimento da gramática, ele implica todo um trabalho de conversão interior que ninguém pode fazer por nós, mas de que o filósofo pode fazer-nos descobrir a urgente necessidade" (Brun, 1994, p. 79).


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Conclusão


A nova tendência educacional implica numa postura maiêutica

Eis que é chegada a oportunidade em que devemos concluir. Até este momento pudemos perceber que existe uma forte percepção entre os estudiosos da arte de lecionar que vivemos um período histórico em que necessidades sociais e individuais devem ser harmonizadas, sob pena de os excessos cometidos em nome de tais necessidades ocasionarem restrições crescentes às liberdades públicas e individuais, em razão da carência educacional do cidadão para a democracia, fazendo-se necessário, portanto, um novo paradigma educacional para sanar tal carência.

A solução proposta para evitar a derrocada da democracia, e possibilitar seu constante aperfeiçoamento, está em se estimular o aluno a se tornar um agente com capacidade de discernir seus conhecimentos e aplicá-los com fins de melhorar sua vida e pensar no bem comum de forma ampla, e, por fim, de ter uma postura ativa e interessada na conformação de seu meio social mediante ações e decisões refletidas em princípios condutores do ideal de justiça.

A maior dificuldade para que tais desideratos se consumam pode ser sintetizada num aforismo do médico cético Sexto Empírico que viveu no séc. III d. C., formulador do problema das relações mestre e discípulo nos seguintes termos: "ou a matéria a ensinar é clara e neste caso ela não tem necessidade de ser ensinada, ou é obscura e neste caso não pode ser ensinada" (BRUN, 1994, p. 49).

Ora, como observamos acima a virtude, que é o desejo de fazer o bem, individual e social, não é algo que se ensine, mas que se desperta, é algo que pode ser objeto de uma descoberta interior.

Nesta perspectiva, ao analisarmos as quatro tendências expostas acima, podemos observar que a terceira e a quarta tendências são posturas que respondem ao "aprender para quê?", enquanto que a primeira e a segunda tendências indicam "o quê aprender?".

O ato cognitivo de aprender e de incorporar à personalidade tais saberes são precípuos objetos de ensino, pois dizem respeito a conhecimentos e habilidades, ficando a aprendizagem para a capacidade de orientar tais conhecimentos e habilidades num sentido de atender às necessidades e anseios da sociedade, possibilitando a tomada de decisões.

O aluno é o agente fundamental e o professor é seu guia, que deve agir tal como Sócrates que afirmava nada saber e que se autodenominava um parteiro de idéias.

Com o método maiêutico incentiva-se ao aprendizado mediante a proficuidade do diálogo, pois: "O mestre não sabe mais do que o discípulo, ele procura como ele e com ele. O diálogo não é um processo exterior e acidental de inquérito e exposição; é a expressão essencial do esforço em comum para soltar a verdade interior aos espíritos" (BRUN, 1994, p. 51).

Sopesando-se os dados expostos e raciocínios expendidos acima, constataremos que os referidos paradigmas são novos a mais de dois milênios, e esta novidade é mescla de conhecimento exterior, cognição e habilitação com conhecimento interior, reflexão e decisão, elementos que devem penetrar no cerne da nova pedagogia que pretende evitar velhos erros, e, com isso, defender nossas liberdades públicas e individuais, possibilitando-se a permanência da experiência política democrática, e do Estado de Direito que lhe dá suporte jurídico, pois a lei é refém da opinião, e, opinião irrefletida produz tirania.

Bibliografia:

GOMES, Pinharanda. Filosofia grega pré-socrática , 4a ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1994.

ABREU, Maria Célia de; MASETTO, Marcos Tarciso. O professor universitário em aula, 11a ed., São Paulo: MG Ed. Associados, 1997.

BRUN, Jean. Sócrates, platão, Aristóteles , tradução de Carlos Pitta, Filipe Jarro, Liz da Silva . Lisboa: Dom Quixote,1994.

PLATÃO. República , Coleção Amazônia, Série Farias Brito, tradução de Carlos Alberto Nunes, Belém: Universidade Federal do Pará, 1976.

Texto confeccionado por
(1)Werner Nabiça Coelho

Atuações e qualificações
(1)Advogado. Especialista em Direito Tributário e Professor da Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ.


COELHO, Werner Nabiça. Ensinar e Aprender numa Perspectiva Socrática. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 20 de mar. de 2006.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2512/ensinar_e_aprender_numa_perspectiva_socratica >. Acesso em: 22 de abr. de 2016.

COÊLHO, Werner Nabiça . Ensinar e aprender numa perspectiva socrática. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade da Amazônia , v. 1, p. 115-122, 2007.