sexta-feira, 22 de abril de 2016

Ensinar e Aprender numa Perspectiva Socrática

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Sumário: Introdução. I – Novos tempos, problemas velhos. O novo paradigma educacional que torna o aluno o sujeito de sua educação. O problema da aprendizagem. II – Aprender para quê? Para conhecer-te a ti mesmo! Conclusão – A nova tendência educacional implica postura maiêutica. Bibliografia.

Resumo: O artigo estuda a nova tendência da pedagogia que privilegia o aprendizado do aluno e a velha orientação originada no pensamento socrático a respeito da importância da descoberta da dimensão ética para aquisição do saber da virtude que orienta o cidadão na busca do bem social e conclui-se demonstrando que a nova pedagogia é um misto de ensino e aprendizagem, de descoberta interior e exterior.

Palavras-chave: Ensinar – Aprender – Sócrates – Maiêutica – Democracia – Direito.


Introdução.


Adotaremos como marcos teóricos do presente texto as obras O professor universitário em aula de Abreu e Masetto e Sócrates, Platão, Aristóteles de Jean Brun.

Travaremos contato com nascentes paradigmas educacionais a respeito do ensino, nos confrontaremos com velhas verdades filosóficas, demonstrando-se, ao fim, a suma importância do tema para a manutenção da Democracia e do Estado de Direito.


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I – Novos tempos, problemas velhos

O novo paradigma educacional que torna o aluno o sujeito de sua educação

O problema da aprendizagem.


Maria Célia de Abreu e Marcos Tarciso Masetto (1997) afirmam que o enfoque educacional que deve pautar a atividade docente está no problema da aprendizagem, pois o aluno é o centro do mundo acadêmico.

Esta ênfase deve utilizar o ensino, que tradicionalmente privilegia a figura do professor, somente como atividade meio, para que se insira o aluno não só como um bom profissional no mercado, mas, precipuamente, invista-se na sua formação sob uma perspectiva educacional humanística (ABREU E MASETTO, 1997, p. 07), que forme cidadãos aptos a assumir suas responsabilidades individuais e sociais.

Segundo esta perspectiva de "privilegiar a aprendizagem de seus alunos sobre o ensino de seus professores" referidos autores prescrevem um método de ensino que torne o aluno no sujeito de sua educação, tornando-se o professor o meio, o instrumento, o objeto que possibilitará o desenvolvimento ativo do educando, e, apontam quatro tendências de aprendizagem, que devem orientar a atividade do educador, que são:

a) o "desenvolvimento mental" ( loc. cit. );

b) o "desenvolvimento da pessoa singular" ( op. cit. , p. 08);

c) o "desenvolvimento das relações sociais" ( loc. cit. ); e,

d) o "desenvolvimento da capacidade de decidir" ( loc. cit., p. 09).

Estas quatro tendências apontam para o desenvolvimento da pessoa que conhece, sabe para que serve o seu conhecimento, e, assim assume seus deveres e obrigações perante a sociedade política, e, quando é chamado a participar ativa e criativamente tem os instrumentos cognitivos, afetivos e técnicos, para protagonizar seu papel no teatro da vida.

Em síntese, o novo paradigma educacional propõe ao professor aprender a ser o guia de seu aluno, na atividade de descobrir conteúdos, relacioná-los à sua vida, e, se possível, fazer com que tais conhecimentos e habilidades retornem na forma de atuação social, ativa e responsável.

Exposto o estado da questão, relativo à proposta de um novo paradigma educacional que deve orientar a docência neste novo milênio, coloca-se, perante nós, o mais velho problema pedagógico, aflição de cada educador que se importa com a resposta do problema fundamental da educação, que Abreu e Masetto sintetizam na seguinte formulação: "aprender para quê?" (1997, p. 07).


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II – Aprender para quê?

Para conhecer-te a ti mesmo!


Vivemos tempos em que sopram ventos democráticos, em que há franca expansão das necessidades e responsabilidades, e, em que há número crescente de atores penetrando no palco da vida social.

Qualquer sociedade em que haja a necessidade crescente de tomadas de posições mais ativas, em que a liberdade de ação é regra e não exceção, em tais sociedades o patrimônio da informação, do conhecimento e das habilidades para aplicá-los torna-se um imperativo para a definição dos papéis principais e secundários.

Há, presentemente, uma forte tendência à valorização de operadores simbólicos, isto é, de indivíduos capazes de ultrapassar a mera habilidade técnica e que saibam atuar com criatividade suficiente para constantemente produzir adaptações, atualizações e inovações que antecipem ou respondam ao dinamismo da sociedade.

Em situações históricas como acima descritas o conhecimento torna-se a moeda fundamental para a inserção o homem em seu meio, e, tal como hoje, este contexto se manifestou na Idade Clássica, mais precisamente, na Grécia, aos tempos de Péricles, por volta do séc. V a. C..

Tempos de vigor da nascente e triunfante democracia grega, que incentivaram a formação de uma nova espécie de professores, que ensinavam como fazer do discurso forte um discurso fraco e do discurso fraco um discurso forte. Sofistas, professores de retórica e de conhecimentos gerais, portadores dos conhecimentos e das técnicas para o progresso na vida política e social de então.

A dinâmica do discurso democrático implica num crescente antropocentrismo, que induz ao egocentrismo e ao individualismo exagerados, estimuladores duma auto-suficiência que tem já dentro de si o gérmen da destruição da liberdade tão duramente conquistada, exemplo desta postura é o fragmento de Protágoras em que este sofista declara: "O homem é a medida de todas as coisas, das que existem e das que estão na sua natureza, das que não existem e da explicação da sua inexistência" (GOMES, 1994, p. 216).

Ao se afirmar que o homem é a medida de tudo, seu desejo puro e simples passa a ser o critério de avaliação de seus anseios, e, se necessário for, determinado homem, portador de suficiente ambição política, em busca do poder, poderá raciocinar junto com o sofista Trasímaco que afirmava "o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte" (338c) (PLATÃO, 1976, p. 12).

Diante do dilema fundamental da democracia, que é ser potencialmente o fermento da tirania, ergueu-se Sócrates (470-399 a. C.) para guiar o cidadão para além das aparências da política, para o caminho da descoberta do conhecimento interior, mediante o método do diálogo maiêutico, que objetiva discutir os próprios fundamentos dos conhecimentos vendidos a peso de ouro.

Revelou-se com isso a dimensão ética do saber e da sua fundamental importância na assunção da responsabilidade social inerente à obediência voluntária aos mandamentos da ordem social democraticamente constituída e sustentada, que possibilitam a convivência, despertou-se a profunda consciência para a percepção do que é a virtude e para o quê ela serve, criar um ambiente regido pela justiça.

Jean Brun (1994, p. 79) constata que para Sócrates a virtude é um saber que principia pelo autoconhecimento, é a ação que implica num discernimento refletido em que se distingue o desejo e a vontade.

Neste diapasão a vontade é a apreciação subjetiva com valor verdadeiro, como opinião individual com conhecimento motivado, ou seja, a episteme ou conhecimento refletido, fruto do debate dialético racionalmente concatenado.

Enquanto o desejo é a opinião sem outra motivação além do desejo, isto é, doxa ou simples opinião sem reflexão, nosso famoso achaísmo .

Nesta distinção podemos distinguir o conceito do preconceito, este objeto de simples, imediata e parcial cognição, aquele construído pela reflexão.

Segundo a perspectiva socrática devemos compreender que: "O saber que a virtude implica é um saber que não se adquire como o conhecimento da gramática, ele implica todo um trabalho de conversão interior que ninguém pode fazer por nós, mas de que o filósofo pode fazer-nos descobrir a urgente necessidade" (Brun, 1994, p. 79).


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Conclusão


A nova tendência educacional implica numa postura maiêutica

Eis que é chegada a oportunidade em que devemos concluir. Até este momento pudemos perceber que existe uma forte percepção entre os estudiosos da arte de lecionar que vivemos um período histórico em que necessidades sociais e individuais devem ser harmonizadas, sob pena de os excessos cometidos em nome de tais necessidades ocasionarem restrições crescentes às liberdades públicas e individuais, em razão da carência educacional do cidadão para a democracia, fazendo-se necessário, portanto, um novo paradigma educacional para sanar tal carência.

A solução proposta para evitar a derrocada da democracia, e possibilitar seu constante aperfeiçoamento, está em se estimular o aluno a se tornar um agente com capacidade de discernir seus conhecimentos e aplicá-los com fins de melhorar sua vida e pensar no bem comum de forma ampla, e, por fim, de ter uma postura ativa e interessada na conformação de seu meio social mediante ações e decisões refletidas em princípios condutores do ideal de justiça.

A maior dificuldade para que tais desideratos se consumam pode ser sintetizada num aforismo do médico cético Sexto Empírico que viveu no séc. III d. C., formulador do problema das relações mestre e discípulo nos seguintes termos: "ou a matéria a ensinar é clara e neste caso ela não tem necessidade de ser ensinada, ou é obscura e neste caso não pode ser ensinada" (BRUN, 1994, p. 49).

Ora, como observamos acima a virtude, que é o desejo de fazer o bem, individual e social, não é algo que se ensine, mas que se desperta, é algo que pode ser objeto de uma descoberta interior.

Nesta perspectiva, ao analisarmos as quatro tendências expostas acima, podemos observar que a terceira e a quarta tendências são posturas que respondem ao "aprender para quê?", enquanto que a primeira e a segunda tendências indicam "o quê aprender?".

O ato cognitivo de aprender e de incorporar à personalidade tais saberes são precípuos objetos de ensino, pois dizem respeito a conhecimentos e habilidades, ficando a aprendizagem para a capacidade de orientar tais conhecimentos e habilidades num sentido de atender às necessidades e anseios da sociedade, possibilitando a tomada de decisões.

O aluno é o agente fundamental e o professor é seu guia, que deve agir tal como Sócrates que afirmava nada saber e que se autodenominava um parteiro de idéias.

Com o método maiêutico incentiva-se ao aprendizado mediante a proficuidade do diálogo, pois: "O mestre não sabe mais do que o discípulo, ele procura como ele e com ele. O diálogo não é um processo exterior e acidental de inquérito e exposição; é a expressão essencial do esforço em comum para soltar a verdade interior aos espíritos" (BRUN, 1994, p. 51).

Sopesando-se os dados expostos e raciocínios expendidos acima, constataremos que os referidos paradigmas são novos a mais de dois milênios, e esta novidade é mescla de conhecimento exterior, cognição e habilitação com conhecimento interior, reflexão e decisão, elementos que devem penetrar no cerne da nova pedagogia que pretende evitar velhos erros, e, com isso, defender nossas liberdades públicas e individuais, possibilitando-se a permanência da experiência política democrática, e do Estado de Direito que lhe dá suporte jurídico, pois a lei é refém da opinião, e, opinião irrefletida produz tirania.

Bibliografia:

GOMES, Pinharanda. Filosofia grega pré-socrática , 4a ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1994.

ABREU, Maria Célia de; MASETTO, Marcos Tarciso. O professor universitário em aula, 11a ed., São Paulo: MG Ed. Associados, 1997.

BRUN, Jean. Sócrates, platão, Aristóteles , tradução de Carlos Pitta, Filipe Jarro, Liz da Silva . Lisboa: Dom Quixote,1994.

PLATÃO. República , Coleção Amazônia, Série Farias Brito, tradução de Carlos Alberto Nunes, Belém: Universidade Federal do Pará, 1976.

Texto confeccionado por
(1)Werner Nabiça Coelho

Atuações e qualificações
(1)Advogado. Especialista em Direito Tributário e Professor da Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ.


COELHO, Werner Nabiça. Ensinar e Aprender numa Perspectiva Socrática. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 20 de mar. de 2006.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2512/ensinar_e_aprender_numa_perspectiva_socratica >. Acesso em: 22 de abr. de 2016.

COÊLHO, Werner Nabiça . Ensinar e aprender numa perspectiva socrática. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade da Amazônia , v. 1, p. 115-122, 2007. 

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