quinta-feira, 28 de abril de 2016

MITO, ESTRUTURALISMO E CONSTITUIÇÃO







Fábio Nadal (2006), ao apreciar a natureza simbólica do Direito, afirma a concepção mitológica da constituição, vejamos:
[...] mito como estrutura que não se submete a nenhuma regra lógica ou continuidade [...] (p. 89)

[...] a legitimidade de uma Constituição baseie-se em uma crença ou em um conjunto de crenças (base irracional – a “fé na Constituição”) que propicia o urdimento do sistema normativo (base racional), de acordo com um discurso competente (ideológico) com a finalidade (telos) de alcançar e manter sua funcionalidade (simbólica, dominação, regulação e integração). A Constituição, de qualquer sorte, é, na síntese feliz de Marilena Chauí, “a nova morada de Deus” (p. 129).
Adota-se o marco teórico estruturalista, que implica na admissão de uma visão irracional do mito em matéria constitucional, que, contraditoriamente, será a fonte de um sistema normativo de base racional.

A pura e simples declaração numa crença ou fé não deve prosperar em matéria constitucional, face à necessária racionalidade do sistema normativo, que é teleológico por natureza.

A proposta explicativa de Nadal deve ser impugnada em sua validade ontológica, por ser um mero abstracionismo cartesiano, um experimento mental sem base no real, porque estruturalista, fundado num “dever ser ideal” (NADAL, p. 91) que se contenta em não investigar a fundo o porquê da ambigüidade do mito, como um dado universal, que responde à questão levantada por Lévi-Strauss:
Reconheçamos que o estudo dos mitos nos conduz a constatações contraditórias [...] se o conteúdo do mito é inteiramente contigente, como explicar que, de uma extremidade à outra da Terra, os mitos se assemelham de tal forma? É necessário tomar consciência desta antinomia fundamental, que decorre da natureza do mito, se esperamos resolvê-la. (Apud NADAL, p. 88)
Há uma necessidade humana de contenção da violência, sim, o elemento objetivo e real decisivo que unifica todos os mitos.

O mito é a primeira ferramenta conceitual que possibilitou a racionalização da realidade paradoxal da violência, que só pode ser contida por outra violência.

Para as sociedades, em suas origens segundo a ótica de René Girard, a violência é a manifestação do sagrado, pois, ao mesmo tempo em que é maléfica quando emerge do desejo mimético, criador de rivalidades sem fim que destroem todas as diferenças; ao mesmo tempo, é capaz de ser o meio de se solucionar o paroxismo da vingança interminável, quando a coletividade cria o bode expiatório, que passará a simbolizar o herói, o deus, o salvador nos ritos e nos mitos, instituídos, após o sacrifício primário, que passa a ser ritualmente revivido para conter a violência, ao representar na forma de ritual, este torna-se o primeiro método da primeira ciência, que busca reproduzir a eficácia da primeira vez em que violência sagrada foi experimentada.

Ao contrário da tese defendida por Nadal, a linguagem do mito não é antinômica por natureza, nem irracional em sua essência, mas representa o primeiro esforço normativo de contenção da violência humana, fruto do rito sacrificial, que se propõe a ser a repetição do ato que conteve a crise mimética, o assassinato fundador do bode expiatório, em que um é sacrificado para que todos possam continuar vivendo, mas, percebamos, isto é um dado necessário em eras primevas e arcaicas, e que serve de parâmetro para a percepção que a constituição é um mito fundador da ideia de Direito, e que esta estrutura de pensamento é uma barreira à violência desmedida. 
 
REFERÊNCIAS

GIRARD, René. A violência e o sagrado ; trad. Martha Conceição Gambini; revisão técnica de Assis Carvalho. - São Paulo : Editora Universidade Estadual Paulista; 1998.

NADAL, Fábio. A Constituição como mito: o mito como discurso legitimador da constituição. São Paulo: Método, 2006.

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