Mostrando postagens com marcador Olavo de Carvalho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Olavo de Carvalho. Mostrar todas as postagens

domingo, 23 de outubro de 2016

A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS


A articulação do conhecimento é processada de infinitas formas e por meio de inúmeras ferramentas.

Um realista ingênuo como este escriba pode decidir-se a percorrer o caminho da linguagem tal como sugerido por Aristóteles, em especial na forma tão ricamente traduzida por Olavo de Carvalho, num crescendo que sai da raiz fincada no complexo da realidade, um contínuo espaço temporal tornado em realidade discreta pela percepção sensível, que se projeta por meio de imagens em sonhos, que transladam a linguagem poética e sua unicidade estética.

O gosto artístico rompe-se em divergências opinativas, e a política surge das posições retóricas que geram conflitos pelo predomínio de uma das idéias.

A necessidade de auto-conservação permite o estabelecimento de regras normativas à discussão, o que torna a briga em debate, e a discussão em dialética, num torneio desportivo em que o juiz é a razão que a tudo se propõe a igualar.

E, por fim, quando os contendores se dão por satisfeitos estabelece-se o texto que regerá a opinião comum dos doutores, que sob a desculpa de criar teses científicas, acaba por coisificar a linguagem já tornada toda nua de suas roupagens primaveris, mas não menos carregada de mitologia, pois idéia regida pela imaginação permaneceu.


E esta é a Teoria dos Quatro Discursos na qual Olavo de Carvalho definiu o Organon Aristotélico como uma articulação, dinâmica na chave evolutiva e estática na análise descritiva, de Poética, Retórica, Dialética e Analítica, como quatro espécies de linguagem que se justapõem e se entrelaçam no vórtice da comunicação.

Werner Nabiça Coêlho - 02/09/2016

sábado, 4 de junho de 2016

Princípios jurídicos e direito natural: Proposta para fornecer um conteúdo ético à norma fundamental pressuposta

Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereço https://jus.com.br/artigos/4361


Publicado em . Elaborado em .


SUMÁRIO: Intróito – 1. Que é o direito? – 2. Um breve histórico do direito ocidental – 3. Fato, valor, norma e o direito natural – 4. Crítica à teoria pura do direito – 5. Sintetizando o que já foi dito – 6. Continuando a crítica e apresentando uma proposta de solução – 7. Direito processual e direito material – 8. Que são princípios? – 9. Normas-princípio e normas-limite – 10. Conclusão – Bibliografia.

Resumo: O direito é um fenômeno social e é objeto de estudo de uma ciência cultural, a ciência do direito, d’entre os muitos métodos científicos possíveis vislumbramos a teoria pura do direito, que consideramos adequada como mero instrumento de análise lógica do direito positivo numa perspectiva auto-referente, entretanto, tal postura é insuficiente, pois a auto-referência do texto legal não é uma garantia de que os direitos humanos serão protegidos segundo os valores e ideais que informam a idéia de justiça. Propomos a solução desta insuficiência ética mediante a adoção novos conceitos a respeito de princípios jurídicos estruturados hierarquicamente: princípios, princípios-norma e princípio-limite; tudo com fundamento num conceito físico-bio-racional de direitos humanos, partindo de uma acepção de senso comum a respeito do direito enquanto fenômeno social.

Palavras-chaves: princípios – teoria pura do direito – direito natural – princípios-norma – princípios-limite – norma fundamental pressuposta.


Intróito.

Falemos sobre o direito, e antes de tudo, aviso que sempre me referirei a direito em letra minúscula, e, para realçar, quando me referir ao direito em suas manifestações – de ciência, norma vigente e válida ou filosofia, etc. – simplesmente, acrescentarei o adjetivo adequado, reservando-me a grafar a letra maiúscula somente quando gramaticalmente necessário.

O estudo do direito enquanto ciência apresenta uma perplexidade que mais dia menos dia afeta o seu pesquisador, e, é justamente o fato de que por mais que a atitude do jurista busque uma postura neutral, entretanto, sempre interferem valores, tais valores recebem o nome de princípios que se sobrepõem inclusive sobre o texto constitucional quando a doutrina revela princípios implícitos, como é o caso da segurança jurídica.

O objeto de estudo do direito é o conjunto de normas que vigem em determinado contexto territorial, histórico e social; por que não considerar tais princípios como normas, ? E, mais, tais normas não se reportariam diretamente a princípios primeiros, tais como a vida, a liberdade e a propriedade?

Portanto, os cognominados princípios seriam princípios-norma que se reportariam aos verdadeiros princípios informadores do direito!
Sob esta perspectiva devemos prosseguir na tentativa de melhor fundamentar tal assertiva.


1. Que é o direito?

Direito em acepção comum nos remete à idéia de posse.
Posse é pretensão fundada num título, formal ou informal, real ou imaginário, ou seja, é o produto de uma manifestação de vontade, livre ou vinculada, sobre algo ou alguém, com a finalidade de usar, gozar, dispor ou consumir (PIPES, 2001: 32) o bem possuído, isto é, a idéia de direito é uma idéia de posse e/ou propriedade.

Ora, só há posse de algo se esta pertencer a alguém, e este só poderá vibrar sua pretensão se a mesma for o objeto de desejo de outrem, daí a natureza heterônoma do direito, sua natureza social, enquanto objeto de desejo mimético (GIRARD, 1990), que necessariamente deve ser condicionado por limites axiológicos e objetivos.

Entretanto, o direito como objeto produzido culturalmente jamais deve ser encarado como um instinto social, pois não existe direito na sociedade das abelhas ou numa alcatéia, o direito, além de social é racional, melhor dizendo: é eminentemente racional, é em verdade a racionalização da vida social possibilitadora da convivência baseada no consentimento e na boa-fé recíproca, esta é minha definição de ética a fundamentar a posse legítima de qualquer direito.


2. Um breve histórico do direito ocidental.

De tanto ler sobre sociedades primitivas e/ou arcaicas (GIRARD), sobre a Civilização Clássica (COULANGES, 2001), sobre as luzes medievais (CHESTERTON, 1957) e as trevas modernas (PIPES, 1997), nada é mais fácil de se perceber que quanto mais primaveril uma sociedade mais se pode afirmar que todas as normas sociais (morais, religiosas, de meras condutas sociais ou simplesmente éticas) são eminentemente jurídicas, e jurídicas por mandamento divino, o próprio direito romano, tão celebrado como o fundamento do direito ocidental nada mais era, quando em vigor, que uma série de formalidades rituais originadas na religião arcaica romana, daí a extrema importância dos ritos e da forma para os habitantes do Lácio.

O cristianismo com seus dogmas da divisão entre o Estado e a Igreja e sua ética de amor e perdão, associados aos sábios ensinamentos helenos que demonstram filosoficamente que o direito positivo está submetido à justiça, e, que esta se fundamenta no direito natural, tais tendências preencheram de razão e sensibilidade o duro e frio pragmatismo jurídico do conquistador romano para a formação do direito ocidental, e, com isso, sedimentar o apogeu do direito ocidental, que fundamenta juridicamente àquele fenômeno econômico e social que convencionalmente chamamos de globalização.

Assim do caldo das três culturas fundadoras do mundo ocidental consumou-se após mais de dois milênios de fluxos e refluxos a atual visão do direito como conjunto de normas jurídicas distintas no universo das normas sociais.

O direito é composto de normas sociais cuja nota distintiva é a sanção eficaz em seu grau máximo, ou seja, é a norma imposta pela força se preciso for, enquanto as demais normas sociais quando possuem sanções o são em grau de menor eficácia, pois não se operacionalizam pela imposição mediante o uso da força legítima, pois então seriam jurídicas.


3. Fato, valor, norma e o direito natural.

Logo, para que haja uma norma jurídica basta que a sociedade atribua valor a determinado objeto e o proteja com mecanismos eficazes passíveis de atingir, potencialmente, o grau máximo de violência legítima contra o transgressor dos limites socialmente impostos.
Miguel Reale (1988: 103) em sua assertiva filosófica identifica três dimensões no direito: fato, valor e norma; elementos estruturados dialeticamente, pois fato sem valor jurídico não é subsumível a uma norma, norma é fruto de fatos valorados, e fato associado à norma onde se ausenta a relevância social da conduta é norma em desuso.

O Direito é, portanto, o fenômeno social apreensível quando pretendemos estudar uma sociedade desde suas estruturas de convivência, é o conjunto das leis phisicas de uma sociedade, pois phisis é o mesmo que natureza, ou seja, em outra terminologia podemos dizer que o Direito é o conjunto das leis naturais que possibilitam a vida social.

As leis da phisica social não são as mesmas leis que regem os fenômenos físico-biológicos, aquelas são leis que existem com e sobre estas, as leis naturais que incidem sobre o homem sofrem limitações do meio físico-biológico, mas, possuem face racional e natureza discursiva, cuja existência é relacionada com o contexto cultural e cronológico de dada sociedade (Em oposição às leis físico-biológicas, que são leis sem história e sem contexto, pois a água sempre terá duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio e o ferro sempre pigmentará o sangue de rubro.).

Antes de prosseguir, devo ressaltar que a consciência de um certo condicionamento histórico relativo aos direitos naturais humanos é um fato da vida que não pode ser ignorado, mas, esta percepção não é uma tomada de postura evolucionista em sua versão aplicada às ciências sociais, ou seja, o historicismo, o que percebo é que o contexto histórico e social são fundamentais para que o direito seja aplicado, em maior ou menor grau, conforme as constantes racionais presentes na phisica social, v. g., o direito à vida é uma constante que em diversos momentos e contextos históricos é altivamente ignorada e em outros, como em nossa atual ordem constitucional é elevada à categoria de cláusula pétrea com a vedação de pena de morte (art. 5º, inciso XLVII, alínea ‘a’, da CF), salvo em circunstância bélicas que implicam na suspensão de tal proibição.

Diante deste quadro, pintado em rápidas pinceladas, em que o direito é encarado como realidade histórica condicionada a leis naturais físico-biológicas e racionais, pergunto: que leis naturais e racionais são essas?

Vejamos, quando acima falei num sentido coloquial da palavra direito, e remeti à idéia de posse, quis frisar uma idéia de senso comum, e, ainda com base nesse mesmo sentido comum pergunto-me: qual o direito, ou posse, que pressupõe todos os direitos e posses, sem a qual não se pode cogitar da posse de qualquer outro direito? Qual o direito que encontra o seu fundamento na realidade natural físico-bio-racional?

A vida é ao mesmo tempo a posse que pressupõe todas as posses e o pressuposto ontológico a qualquer posse, é ao mesmo tempo fundamento material e formal para os demais direitos.

De posse da vida postulamos a liberdade, para usufruir uma e outra necessitamos de ao menos duas posses ou propriedades fundamentais: a primeira é posse da própria vida, a segunda é a da liberdade de dispor com livre arbítrio o próprio destino.

Aqui a vida é tomada naquele sentido impresso por Ortega y Gasset (1962: 184), de que a vida implica e é implicada por um cabedal de circunstâncias lógicas e concretas.
Nesta perspectiva todos os direitos são humanos, pois todos estão subordinados à vida, à liberdade e à propriedade, suprima um e farás ruir os demais.

Diante destas verdadeiras leis naturais (vida, liberdade, propriedade) é que a ordem jurídico-positiva inteirinha deve se ajoelhar e reverenciar a idéia de justiça, a idéia de proporção, pois justiça é proporção direta ou inversa, regressiva ou progressiva, o justo é proporção qualitativa e quantitativa, dependendo de que bem jurídico valorado seja material ou intelectual.


4. Crítica à teoria pura do direito.

Quando encaramos o direito como ciência precisamos fazer um corte metodológico que é puramente formal e abstrato, e, se não tomarmos todas as contramedidas que nos impeçam de considerar o conceito científico mais importante que o objeto de estudo, a abstração pela realidade, poderemos incorrer no equívoco de querer dobrar a realidade viva do direito pela idéia etérea da ciência do direito.

O método juspositivista em si é meritório ao isolar o sistema de direito positivo e analisá-lo em suas interações dinâmica e estática, em possibilitar a análise da ordem vigente e eficaz produzida por autoridade competente e processo adequado, metodologia que possui muito valor analítico, mas, em princípio, nenhum valor ético, seria o equivalente a uma cromatografia que simplesmente separa os elementos constituintes do objeto de pesquisa.

O diabo tentador vive justamente nesta última parte, quando o juspositivista se agarra à idéia de processo adequado para a formação da norma, ou seja, que o direito só é inaugurado por um processo de enunciação normativa apropriada, passa-se a tomar a parte pelo todo, e, conseqüentemente, a noção do direito enquanto processo formal acaba suplantando a sua realidade substancial, que é, em certa medida um processo concreto existencial cuja forma de constituição é tão livre quanto as possibilidades de interação social.

O maior vício intelectual produzido pela visão do direito somente como processo de produção positiva de normas, não obstante as vantagens analíticas evidentes, proporcionadas pela postura científica aí inerente, é que a idéia de norma fundamental pressuposta é só uma outra forma de descrever o imperativo categórico kantiano.;

Kant efetivou uma grande trapalhada conceitual que acabou por criar uma falsa distinção entre fundamentos ideais e pragmáticos da conduta humana (CARVALHO, 1998), findou por definir que devemos obedecer a um dever moral "porque sim", e, assim, quando Kelsen (2000: 221) cria a sua hipótese científica nos impinge esta mesma noção, devemos pressupor uma norma fundamental "porque sim", mas, a boa pedagogia ensina que até para crianças em idade pré-escolar não devemos responder "porque sim", pois não é resposta adequada para matar a sede de conhecimento natural ao ser humano quando infante, que dizer para nós que somos quase "doutores".

Portanto, sem negar nem uma vírgula da doutrina kelseniana naquilo que há de mais fundamental como método hipotético-dedutivo fornecedor de instrumental teórico válido para analisar o direito positivo como sistema auto-referente, critico somente o vazio ético inerente à idéia de norma pressuposta fundamental, nosso Kelsen (2000: 242) tanto criticou a idéia de direito natural como se fosse um ato de fé, que não se apercebeu que toda a sua doutrina nada mais é que... um ato de fé; a fé na norma fundamental pressuposta, num imperativo categórico, num "porque... sim" vazio de conteúdo e passível de ser utilizado para qualquer finalidade.

Por mais que seja referida a necessidade de que haja uma escolha política sobre o valor a ser adotado na escolha da finalidade a ser dada ao direito positivo, a doutrina kelseniana acaba por se recolher numa falsa neutralidade ao ignorar sistematicamente valores e fatos subjacentes às normas, para o juspositivismo exagerado a norma é algo vivo e o valor e o fato jazem no limbo do incognoscível da metafísica.


5. Sintetizando o que já foi dito.

O direito é realidade que se origina na matéria da vida social, é o processo que possibilita a própria convivência; em suas origens englobava todas as normas sociais, atualmente, somente aquelas passíveis de uma valoração tal que implique no extremo do uso da força para sua defesa; é fruto de processo histórico condicionado a leis naturais físico-bio-racionais; o princípio fundamental do direito natural é a vida, seguida da liberdade e da propriedade, toda a ordem jurídica compõe-se de variações sobre estes temas que são a síntese dos direitos fundamentais.

Diante desta realidade material da vida, da liberdade e da propriedade, vislumbramos a substância do direito, enquanto que o direito posto, vigente e eficaz diz respeito à forma de garantir a integridade de tais matérias.

A crítica que se faz ao juspositivismo extremado, que se deixa levar pela idéia de que o direito positivo é o único que importa, não diz respeito ao método e ao objetivo do estudo do direito como ciência, mas, diz respeito ao perigo que há em se tornar o processo de garantia dos direitos fundamentais numa forma de supressão destes mesmos direitos fundamentais mediante uma crescente abstração em que as normas mais disparatadas quanto ao conteúdo são consideradas legítimas somente em virtude do atendimento das formas prescritas no processo de produção normativa.

A tendência de abstração do direito é inerente à postura de kelsen, herdada de Kant, de resolver problemas fundamentais da filosofia jurídica com a tosca idéia de imperativos categóricos que só se fundamentam numa afirmação hipotética destituída de valor ou justificativa maior que a necessidade de conferir um ponto de partida científico ao estudo filosófico ou jurídico, é como transferir para o direito o fiat lux divino presente no Gênesis, mas, nem o direito é religião, nem Kelsen foi profeta, logo, a tentativa de fundar a ciência do direito numa hipótese puramente neutra só serve como ato de fé vazio de conteúdo, apesar de a teoria pura do direito ter seu valor metodológico para o estudo analítico e sistemático pretendido pela ciência do direito em vista do direito positivo como sistema auto-referente, o seu tendão de Aquiles está justamente em sua pretendida neutralidade científica.

O direito é uma ciência que estuda a técnica de determinação deôntica que atua sobre fatos sociais de natureza ôntica e penetrados de valores, portanto, as limitações inerentes à neutralidade científica nas análises de fundo kelseniano, e, mesmo os mais formalistas dos juspositivistas, sempre, têm que se socorrer dos valores e raciocínios da axiologia jurídica... porque sim.


6. Continuando a crítica e apresentando uma proposta de solução.

Deve a postura juspositivista ser dosada pela idéia de direito natural.
Somente o direito natural, especificamente partindo da realidade material e inconteste do direito natural à vida.

O direito natural à vida preenche com sucesso o conteúdo ético faltante à noção de norma fundamental pressuposta, pois somente através da existência material da vida se vive o processo existencial do relacionar-se juridicamente.

O direito em seu sentido mais amplo possível é um reflexo da realidade, pois quando a norma jurídica, consuetudinária ou escrita, regula e tutela vida e os seus bens em seus aspectos estático de ser e dinâmico de dever-ser, situações e relações, então podemos identificar o direito material e seu corolário que é o princípio-norma da verdade material.

Quando o direito tutela as relações jurídicas inerentes ao viver individual e suas interações sociais, definindo os mais diversos procedimentos, as mais diversas garantias aos direitos materialmente considerados, quando surgem instrumentos de proteção, prevenção ou reparação então teremos o direito adjetivo, ou processual, que faz surgir o princípio-norma do devido processo legal, surge o direito enquanto garantias e mecanismos efetivos de operacionalização das suas funções preventiva e repressiva de conflitos sociais.

O ideal está em que verdade material se imponha à verdade formal, pois o direito é um dever-ser sobre o ser, produto e não produtor, quando muito indutor.


7. Direito processual e direito material.

Finalmente, esclarecida minha filosofia jurídica, vamos à doutrina científica, já com base na idéia de direito natural acima expendida, só me resta fazer o bom e velho corte metodológico e encarar o direito processual e o direito material pertencentes ao gênero das normas jurídicas, e, dependendo da perspectiva, as normas processuais podem ser encaradas como normas de conduta ou de estrutura (BOBBIO, 1989: 45).

São normas de conduta na medida em indicam os limites objetivos e subjetivos que devem ser atendidos pelos sujeitos passivo e ativo de dada relação jurídica; de estrutura quando informarem a conduta do agente público incumbido de julgar o mérito de dado processo, judicial ou administrativo.

Norma material é a norma de conduta que versa sobre condutas relativos a determinado bem jurídico, material ou intelectual, objeto de atos e fatos jurídicos, sem que seja necessária a instauração de outra relação jurídica em que um terceiro intervenha para solucionar eventual conflito ou sanar ocasional dúvida.

Uma vez que seja necessária a intervenção de um agente público para a solução de pretensões oriundas de uma relação jurídica material, então teremos normas de natureza processual; normas de conduta para as partes integrantes dos pólos em oposição de interesses, mas que vigerão como normas de estrutura para o julgador que produzirá uma novel norma jurídica constituída numa decisão solucionadora da lide, mediante a edição de uma norma individual e concreta que confirmará, infirmará ou afirmará o direito material de um dos contendores ou de partes dos interesses recíprocos em conflito.

Em suma, num linguajar inspirado em Cossio (apud CARVALHO, 1999: 36), afirmo que o direito material é o conteúdo composto de bens jurídicos, presentes na endonorma, que sofre a proteção do direito processual que é a forma de garantir eficazmente aquele mediante a introdução de uma norma criada processualmente, ou seja, a perinorma, suscetível de execução forçada, isto é, de coatividade.


8. Que são princípios?

Partindo da premissa maior de que princípios uma vez fixados, não podem mais "ser questionados por serem auto-evidentes demais", delimitam "o campo da ciência e as possibilidades do seu desenvolvimento futuro", e, "tudo aquilo que forma o princípio fundante de uma ciência não faz parte dela" e que o "desenvolvimento posterior de uma ciência não mudará esses princípios", e, ainda, que "o princípio jamais pode ser impugnado" (CARVALHO, 2002: 21).

Passando pela premissa menor de que o direito à vida é auto-evidente, que sua fruição (liberdade e propriedade) delimitam o campo de suas possibilidades, que o direito à posse da própria vida está para além de qualquer consideração juspositiva legítima tendo em vista que o princípio vital em si não é legislável, e que a sua impugnação é máximo do arbítrio negador do Direito;

Portanto, concluo que princípio mesmo só o direito à vida, princípios derivados imediatamente são os direitos à liberdade e à propriedade, e derivados mediatamente temos normas-princípio e normas-limite; normas-princípio, indicam limites lógicos ao aplicador do direito; e, normas-limite determinam as fronteiras objetivas que devem ser respeitadas pelo jurista.

Diante desta conceituação até admito a terminologia de Paulo César Conrado (2002: 49 e ss.) de princípios constitucionais e infraconstitucionais, lato sensu (limites objetivos) e estricto sensu (sobreprincípios), genéricos e específicos, mas, com um reparo, todos estes princípios ou são normas de conduta ou normas de estrutura, isto é, ou são limites à conduta dos sujeitos de uma relação jurídica ou são normas destinadas a regrar a conduta de um agente competente para produzir normas jurídicas, abstratas e genéricas ou individuais e concretas. princípios, mesmo, só a fazenda, a liberdade, e, claro, sobretudo a vida.


9. Normas-princípio e normas-limite:

O que Conrado chama de sobreprincípio, eu prefiro nominar de normas-princípio, que são normas extraídas expressa ou implicitamente do sistema positivo, racionalmente reveladas da análise estrutural do mesmo sistema.

Tais normas-princípio podem até ter qualidades solares ou de uma lamparina para iluminar a compreensão dos setores normativos (CONRADO, p. 51), salvo a carga poética ou mesmo de fótons, prefiro dar o parecer de que são essencialmente normas de estrutura cuja destinação está em orientar a aplicação do direito, e, aí sim, podem até iluminar as trevas da dúvida diante de um caso concreto, mas nada mais serão que normas com função de princípios, ou princípios com função de normas, normas-princípios, portanto.

Para mim sobreprincípio, ou princípio primeiro, ou simplesmente princípio é o direito fundamental, cuja origem é natural e apreensível pelo puro e simples bom-senso, ou seja, o princípio que deve informar todo os sistema jurídico é a vida, cujas derivações necessárias são a liberdade e a propriedade.

Para a doutrina tradicional, representada por Conrado, são os princípios em sentido estrito, ou sobreprincípios que teriam prevalência hierárquica sobre os princípios delimitadores de limites objetivos cujo caráter interpretativo possui um caráter axiológico. Ocorre que tais princípios, ou como prefiro: normas-princípio; são, quando muito, princípios secundários ou derivados dos princípios pressupostos da vida, liberdade e propriedade.

Em matéria processual, estas normas-princípio são normas de estrutura orientadoras da conduta do julgador e garantidoras dos direitos materiais das partes envolvidas.

Veja-se a norma-princípio do devido processo legal (dues process of law) que se trata de uma norma orientadora de todo e qualquer processo que tanto pode inquinar de ineficácia uma sentença que interprete inadequadamente os dispositivos que garantem a isonomia entre os postulantes do processo, bem como pode servir para invalidar a própria lei que fira um dos princípios específicos do processo, como lei que eventualmente suprima o contraditório e a ampla defesa para desconsiderar administrativamente os atos jurídicos perfeitos sobre os quais incida uma norma tributária, mesmo que tal desconsideração se dê sob a égide de uma suposta repressão à evasão fiscal.

Havendo, ainda, os princípios-limite que Conrado denomina de princípios em sentido amplo que indicam um limite-objetivo de natureza instrumental e técnica.
;
Patenteia-se, portanto, uma hierarquia tripartite de princípios jurídicos: princípios, normas-princípio e normas-limite que sujeitam a interpretação e aplicação estrutural da norma jurídica de conduta incidente nas relações jurídicas.


10. Conclusão.

A grande conclusão a ser tirada é que o fundamento ético necessário à norma fundamental pressuposta de Kelsen é o direito natural fundamental à vida, cuja base físico-bio-racional preenche todos os requisitos para a definição de um princípio científico, definidor do âmbito de interesse e dos limites do estudo.

E, tendo em vista que pretendemos somente iniciar um debate no fecundo âmbito da teoria geral do direito, com especial enfoque no direito tributário, só nos resta concluir postulando que todo o sobredito é uma tentativa teórica de fundamentar a norma-limite da verdade real ou material que se propõe atuar na determinação de limites à sanha arrecadatória do Estado, pois o direito de tributar é mero direito de confiscar conforme o ordenamento legal uma parcela razoável do patrimônio do particular, pessoa física ou jurídica, para sustentar o aparato de serviços públicos destinados a amparar as garantias e direitos individuais e a Ordem Pública que lhe é vinculada.

Em outros termos, o direito de tributar é uma espécie de confisco consentido, cujos recursos são destinados ao financiamento do Estado, cuja finalidade é disponibilizar garantias legais, materiais e processuais, ao patrimônio jurídico do contribuinte, patrimônio este que principia na posse de sua própria vida e na livre disposição da mesma.

A estrutura teórica acima descrita, também, tem o sentido de explicitar o caráter declaratório de toda e qualquer atuação estatal, e, mais especificamente, quando o Estado efetiva um lançamento tributário jamais constituirá uma relação jurídica, somente a declarará, quando muito irá constituir o fundamento jurídico de um título executivo extra-judicial, haja vista que a obrigação tributária é fruto da incidência abstrata da norma, enquanto o crédito é necessariamente um produto da incidência concreta da norma, realizável mediante ato de declaração, a natureza constitutiva será limitada somente ao crédito, e, sua constituição implicará na interrupção do prazo decadencial, quando o lançamento é realizado tempestivamente, e, no início do prazo prescricional, para a propositura da execução fiscal.

Ao nascermos o Estado somente declara que viemos ao mundo com o atributo da vida, a certidão de nascimento é mera norma individual e concreta que serve de pressuposto a outras normas individuais e concretas, como a carteira de identidade, logo, tal qual no lançamento tributário, a vida, e os fatos econômicos da vida, são mero objeto de declaração, numa de constituição, o que o Estado constitui são somente normas, abstratas e gerais ou individuais e concretas.

Quando o Estado se propõe a manipular os conceitos jurídicos a ponto de ignorar o fundo ontológico do direito, mediante a edição de leis que definem e punem supostos abusos de direito, criando ficções jurídicas em que o contribuinte é punido por atuar regular e licitamente conforme o ordenamento jurídico quando efetiva o seu planejamento fiscal, então, preparemo-nos porque tal Estado se esqueceu das garantias e direitos fundamentais do indivíduo, e, no lugar dos direitos humanos de fundo real e concreto baseado na própria vida, pretende instaurar o totalitarismo da supremacia do interesse público fundado na abstração jurídica e formal de uma norma fundamental pressuposta vazia de conteúdo ético.

A norma fundamental pressuposta, mera hipótese científica, quando tomada não como meio, mais como fim, acaba por ser passível de servir à velha promessa messiânica de instauração do paraíso terrestre, projeto que sempre ao ser executado se converte na própria visão do inferno sobre a Terra.


Bibliografia

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico; introdução Tércio Sampaio Ferraz Júnior; tradução Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos; revisão técnica João Ferreira – Polis: São Paulo; Editora Universidade de Brasília: Brasília, 1989.

CARVALHO, Olavo de. História essencial da filosofia – aula 1: história das histórias da filosofia. É Realizações: São Paulo, 2002.

____________________. Kant e o primado do problema crítico. Disponível em: <http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/Kant.htm>. Acesso em: 31/07/1998.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2.ª ed.. Saraiva: São Paulo, 1999.

CHESTERTON, G. K.. São Tomás de Aquino; trad. e notas Antônio Álvaro Dória; 3. ed.. Livraria Cruz: Braga, Portugal, 1957.

CONRADO, Paulo Cezar. Introdução à teoria geral do processo civil. Max Limonad: São Paulo, 2000.

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Editora Martim Claret: São Paulo, 2001.

GIRARD, René. A violencia e o sagrado; trad. Martha Conceição Gambini ; revisão técnica de Assis Carvalho. Editora Universidade Estadual Paulista: São Paulo, 1998.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito; 6. ed.. Martins Fontes: São Paulo, 2000.

ORTEGA Y GASSET, José. Que é filosofia?. 1. ed., Ed. Livro Ibero-Americano, Ltda: Rio de Janeiro, 1961.

Pipes, Richard. História concisa da Revolução Russa; tradução de T. Reis. Record: Rio de Janeiro, 1997.

Pipes, Richard. Propriedade & liberdade; tradução de Luis Guilherme B. Chaves e Carlos Humberto Pimental Duarte da Fonseca. Record: Rio de Janeiro, 2001.
Reale, Miguel. Lições preliminares de direito, 16a ed. Saraiva: São Paulo, 1988.








Informações sobre o texto



Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)


COELHO, Werner Nabiça. Princípios jurídicos e direito natural.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4361>. Acesso em: 4 jun. 2016.

domingo, 1 de maio de 2016

O DIREITO E A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS DE OLAVO DE CARVALHO

Resultado de imagem para olavo de carvalho

Destaco abaixo algumas passagens de um artigo que publiquei outrora, respeitante à aplicação da Teoria dos Quatro Discursos, do Philosofus brasiliensis Olavo de Carvalho, o artigo pretendeu situar as teorias retóricas aplicadas ao fenômeno jurídico, como parte de uma teoria ontológica mais abrangente que deve levar em consideração as demais dimensões da linguagem (poética, dialética e lógica), que emanam da objetividade do mundo que serve de suporte físico para emitir os dados que compõem a própria linguagem:

Resultado de imagem para aristoteles em nova perspectiva
Ou seja, sendo o direito um produto retórico, enquanto sistema de linguagem social, garantido pela sanção e coatividade daí decorrente, e, partindo-se do pressuposto de que o Direito deve ser explicado com base no princípio da auto-referência do discurso, que está no mundo dos bens culturais a manifestar-se como linguagem (idem), teremos, num primeiro relance, uma falsa impressão de divórcio da realidade da norma, de base retórica, da realidade da vida, de base ontológica, e, resta-nos a impressão de que, por alguns momentos, Parmênides e Heráclito estão a discutir, na faculdade de filosofia do Hades, se a norma, como ser, uno e auto-referente, enquanto linguagem, funda a realidade retórica da regra jurídica, como ser auto-referente; ou, se a norma jurídica e sua existência estão no grande fluxo de mudanças do devir da realidade, de uma ontologia jurídica.

Resultado de imagem para paulo de barros carvalho

Mas, como é da prudência do estudioso não se fiar em aparências, devemos procurar os verdadeiros fundamentos de tal posicionamento retórico, pois ocorre que além do instrumental retórico imanente da compreensão da linguagem como instrumento fundamental do conhecimento humano, o referido divórcio não se verifica, afinal, como bom discípulo da fenomenologia, fundada por Husserl, o nosso Paulo de B. Carvalho define que "o texto ocupa o tópico de suporte físico, base material para produzir-se a representação mental na consciência do homem (significação) e, também, termo da relação semântica com os objetos significados" (Op. Cit., p.15).

Ou seja, a teoria retórica deverá considerar que o seu objeto, a linguagem, emana de determinados suportes físicos, seja um papel, seja a própria pessoa, que ontologicamente existem, como produtos de atos reais, portanto, se o texto é auto-referente, também, as coisas e as pessoas, enquanto seres, também, são auto-referentes dentre do real.

Pelo exposto, percebemos que o primeiro passo, de natureza retórica, que busca na linguagem, e, na sua correta compreensão, e interpretação, como instrumento do conhecimento, por excelência, é simplesmente um ato preparatório de natureza metodológica para passos mais complexos, que visam atuar sobre a realidade.

Este processo de passagem do retórico, no plano da linguagem, para a ação, no plano da realidade, descreverei tomando por base a Teoria do Quatros Discursos, teoria que é imanente à obra aristotélica, e, que foi decifrada de forma científica pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, in Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos, Ed. Topbooks, Rio de Janeiro, 1996.

Em resumo, citada teoria define o seguinte: a linguagem é uma manifestação do intelecto humano, que pode ser observada por quatro focos distintos, sucessivos do ponto de vista lógico e simultâneos na perspectiva ontológica, que são representados pelas as quatro ciências que têm especificamente a linguagem como seu objeto imediato de estudo: a poética, a retórica, a dialética e a analítica ou lógica.

Resultado de imagem para organon aristoteles
Isto posto, percebe-se que todo e qualquer discurso, social ou, principalmente, jurídico, primeiro tem que ser imaginado, depois consolidado em uma doutrina ou tese, ou opinião, que será posta à prova, e, caso seja aprovada como fundada e correta, conforme os critérios de validade postos na discussão dialética, resultando o nível de credibilidade que denominamos de certeza apodíctica, teremos, então, a premissa maior lógica, a certeza que conferirá validade ou não às novas retóricas que venham a surgir e mereçam ser postas à prova, pois o próprio quadro de crenças, que serve de referência para conferir credibilidade a esta ou àquela retórica, compõe-se de premissas dadas como corretas, como axiomas do raciocínio, que são desvendadas socialmente mediante este processo seletivo dos quatro discursos.

Percebe-se que nesta teoria dos quatro discursos está descrito o processo intelectual que permite compreender a linguagem, desde a sua realidade de ideais e sonhos até a frieza de uma verdade científica, passando pelos acalorados debates em que retóricas antagônicas deverão ser postas à prova, pelo processo da triagem dialética.

Mas, reconduzindo este texto ao seu contexto inicial, melhor dizendo, ao seu contexto de teoria do conhecimento aplicado ao Direito; e, retomando o braço do preclaro Paulo de B. Carvalho, encarando de forma honesta a sua obra, fruto de muito esforço, como percebe-se pela clareza e objetividade de suas exposições; e, para maior compreensão de sua doutrina, devemos encarar que a sua postura de aceitação das teorias retóricas, como metodologia que calca-se na realidade da linguagem enquanto instrumento de produção da realidade social, com eficácia e efetividade, atuando de forma concreta, formando e deformando a realidade mesma, visando, portanto, fins ontológicos, pois são idéias e doutrinas que visam conseqüências, jurídicas, de base retórica mas de finalidade material, pois visam influir em tomadas de decisões, citada postura metodológica que visa clarificar, em traços gerais, o sentido, a essência, os métodos, os pontos de vista capitais de uma crítica da razão jurídica, pois o Direito é linguagem vestida de coatividade.

Sob esta perspectiva de interação dialética entre retórica e realidade, verificamos que em torno do conceito de doutrina, como conhecimento racionalmente ordenado visando fins pedagógicos, devemos aferir, antes de mais nada, que toda doutrina é uma retórica, entretanto, nem toda retórica pode ser chamada de doutrina.

Ora, a mera doxa (opinião) só deve converter-se em doutrina após a prova da validade de seus fundamentos, ou seja, retórica dialetizada, e, que passe pela prova de não ser contraditória, possuir identidade num objeto de conhecimento e não causar confusão cognoscitiva, passará a gozar do status de episteme (conhecimento).

Diante do método científico do tributarista P. de B. Carvalho, uma vez submetido à prova dialética do método de interpretação da Teoria dos Quatro Discursos, vislumbra-se por entre os galhos desta floresta de saber a constatação: que a posição retórica é mero ponto de partida para doutrina do Jurista Carvalho.

Pauto de Barros Carvalho, ao adotar a postura retórica diante do Direito, outra coisa não fez que encarar o próprio problema de validade do conhecimento, partindo da mais humilde postura do cientista que não se impõe mediante argumentos de autoridade, mas, mediante operações lógicas, faz prevalecer o a força do espírito, para desvendar o espírito da lei.

A referida postura retórica segue num crescendo de confrontos entre seus pressupostos e suas conseqüências, logo, pondo à prova a sua coerência, e, portanto a sua validade.

Resultado de imagem para paulo de barros carvalho curso de direito tributário

E, que coisa interessante, chega-se, sem sombra de dúvida, através de operações retóricas, mas adotando o processo dialético de confrontação de posições e oposições, segundo um método maiêutico, ou seja, mediante um constante questionar, alcançam-se os fundamentos de validade lingüísticos-ontológicos, isto é, a linguagem não é senhora e dona da realidade, tem-se a todo momento a visão da realidade social mediante a consideração dos princípios que informam o Direito, no caso, em seu ramo tributário, prova desta postura pé-no-chão temô-la em seu Curso de direito tributário. São Paulo, Saraiva, 11.ª edição, 1995, p. 54, quando, ao se questionar em que espécie de veículo normativo se converte a medida provisória, se em lei ordinária ou lei complementar, assim disserta:

não havendo previsão constitucional expressa, tudo ficaria na dependência da matéria disciplinada, de tal modo que, ferido tema de lei ordinária, nesta se converteria; se o assunto for pertinente ao âmbito de competência de lei complementar, nesta espécie de diploma normativo haveria de transformar-se; e assim por diante

Entretanto, o nosso tributarista assevera a imprestabilidade desta interpretação, pois não respeita a reflexão, a filosofia, os valores do sistema, e assim se manifesta (1995, p. 55):

Para objetá-la pensemos nos chamados princípios ontológicos: um se aplica ao direito privado: tudo que não estiver expressamente proibido está permitido; outro, ao direito público: tudo que não estiver expressamente permitido está proibido.

Logo, eis provada a insuficiência da mera teoria retórica como único suporte teórico do autor em estudo, e, salvo melhor juízo, acrescentamos o suporte realístico, por assim dizer, que complementa a metodologia retórica, é a adoção da perspectiva fenomenológica, outra coisa não se está fazendo do que provocar o giro da linguagem como auto-referência, como significado na mente do seu usuário e como significante em relação ao objeto, e, de posse dos conceitos e relações lingüisticamente concertadas, procura-se realizar a comparação destes dados teóricos com a realidade social, pois são teorias que visam a eficácia, e este fenômeno é próprio da realidade social, que por mais que seja fundada na linguagem, é também composta de substância, objeto descrito pela própria linguagem, e, é sobre este substrato que atuam as teorias retóricas.

Resultado de imagem para retórica aristóteles

A retórica objetiva influenciar a feitura de fatos e atos, que nada mais são que entes materiais ou intelectuais vestidos de linguagem, mas dotados de materialidade, porque existem e resistem no tempo e espaço, independentemente desta ou daquela retórica ou linguagem.

Levar ao extremo a consideração das teorias retóricas como instância única para o julgamento do real, é um erro no qual a lucidez de Paulo de B. C. não o deixa incorrer.

Resultado de imagem para sócrate fedro

Uma visão extremada do texto como auto-referente implica numa certa coisificação do texto, como se a realidade dele emanasse, o que não ocorre, pois o texto é mero auxílio à memória, como já o disse Platão, pela boca de Sócrates:

LX – Sócrates – Logo, quem presume ter deixado num livro uma arte em caracteres escritos, ou quem a recebe, na suposição de que desses caracteres virá a sair algum conhecimento claro e duradouro, revela muita igenuidade e o desconhecimento total do oráculo de Amão, dado que imagine ser o discurso escrito mais do que um meio para quem sabe, a fim de lembrar-se do assunto de que trata o documento.

Fedro – É muito certo.

Sócrates – É que a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto, parecidíssima com a pintura, pois esta, em verdade, apresenta seus produtos como vivos; mas, se alguém lhe formula perguntas, cala-se cheia de dignidade. O mesmo passa com os escritos. És inclinado a pensar que conversas com seres inteligentes; mas se, com o teu desejo de aprender, os interpelares acerca do que eles mesmos dizem, só respondem de um único modo e sempre a mesma coisa. Uma vez definitivamente fixados na escrita, rolam daqui dali os discursos, sem o menor descrime, tanto por entre os conhecedores da matéria como os que nada têm a ver com o assunto de que tratam, sem saberem a quem devam dirigir-se e a quem não. E no caso de serem agredidos ou menoscabados injustamente, nunca prescindirão da ajuda paterna, pois por si mesmos são tão incapazes de se defenderem como de socorrer alguém.

E de fato, o jurista Carvalho, intuitivamente, obedeceu aos ditames dos quatro discursos, e, ao mesmo tempo não ignorou a realidade ao adotar e ter sempre em vista os princípios ontológicos, e, com isso, deslindar uma fundada visão fenomenológica do Direito, ou seja, dosa a viagem teorética com a vivência empírica do direito enquanto fenômeno social.

O Direito, e seu ramo tributário, segundo a ótica do Dr. Paulo de B. Carvalho, como objeto de conhecimento, é o ato de conhecer, segundo este ou aquele critério parcial; isso quer dizer que jamais a Ciência do Direito poderia esgotar todas as perspectivas a serem consideradas, pois não apreendemos a coisa em si, mas, este ou aquele aspecto da realidade, e, assim, também, com o Direito.

Nada mais escorreito e objetivo que a abordagem do referenciado tributarista, que não se arroga dono da verdade absoluta, mas, que nos fornece com o seu método, mescla de retórica e ontologia, lingüística e fenomenologia, um belo e agradável caminho a trilhar pelas sendas jurídicas estando apto para apreender a verdade conforme o método proposto.

Cada método um caminho, e dentro de dado caminho um objetivo, a verdade, ainda que relativa, porque humana, mas suficiente para orientar a ação, porque ação sem a certeza razoável conferida por um parâmetro de verdade, não será ação, será mero evento aleatório e incontrolável. E, em especial, no campo jurídico, toda ação necessita de direção conferida por uma certeza, afinal, se a norma é feita para incidir, uma doutrina é feita para doutrinar, ou seja, incidir sobre o próprio pensamento de quem interpretará o âmbito de incidência de uma norma qualquer.

A lei se aplica mediante um esforço de doutrina, de retórica, de pensamento, de interpretação, tudo entremeado de valores e ideais, em suma; mas, todas estas operações complexas do espírito servem para modificar a realidade, que sempre permanece independente da retórica, da poesia, da dialética e da lógica, enquanto coisa dada, como natureza, mas potencialmente sujeita a sofrer a incidência material da retórica que visa modificá-la mediante a aplicação da lei, enfim, mediante a ação humana, este animal racional que necessita conhecer para ser, e, assim o mundo que o cerca é alterado por ações oriundas de sua racionalidade, de operações de pensamento, de linguagem, pois pensar é falar consigo mesmo, e antes de agir sempre pensamos no mínimo uma vez.

Resultado de imagem para justiça

Em conclusão, tendo em vista a Teoria dos Quatro Discursos, o posicionamento metodológico-retórico adotado por Paulo de Barros Carvalho é somente uma postura inicial que visa delimitar o âmbito de estudo do Direito como linguagem social prescritiva, dentro de um método maior que é o da Teoria Pura do Direito, mas, apesar de haver o axioma da norma hipotética fundamental, base para o estudo do Direito como sistema hierarquicamente concatenado de forma abstrata em vista da metodologia científica, o nosso jurista nunca esquece que o Direito é nada mais que um dos inúmeros fenômenos ontológicos, com princípios ontológicos, e, por assim dizer: as teorias retóricas desempenham o papel de descrever a forma de apresentação do Direito como linguagem social; entretanto, como forma sem conteúdo não existe, as teorias retóricas enquanto forma sempre terão que dialetizar com o conteúdo normativo, com os fatos da realidade social, com a natureza das coisas que sempre precedem as palavras na ordem do ser, pois o mundo não é uma afirmação que procede da linguagem, é a linguagem que procede da auto-referência do mundo, dada a constatação que antes da linguagem humana o descrever, a natureza primeiro descreveu o homem mediante uma linguagem biológica e evolucionista, fazendo-nos passar da condição do intelecto meramente animal para o racional.


Resultado de imagem para doutrinas essenciais tributario  


COÊLHO, Werner Nabiça, TEORIAS RETÓRICAS NA OBRA DE PAULO DE BARROS CARVALHO - UMA INTRODUÇÃO AO TEMA, In: Doutrinas Essenciais - Direito Tributário - Princípios Gerais.1 ed.São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, v.1, p. 541-551. 





 
COELHO, Werner Nabiça. As teorias retóricas e os fundamentos da incidência jurídica na obra de Paulo de Barros Carvalho.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2534>. Acesso em: 1 maio 2016.