A articulação do conhecimento é processada de infinitas formas e por meio de inúmeras ferramentas.
Um realista ingênuo como este escriba pode decidir-se a percorrer o
caminho da linguagem tal como sugerido por Aristóteles, em especial na
forma tão ricamente traduzida por Olavo de Carvalho, num crescendo que
sai da raiz fincada no complexo da realidade, um contínuo espaço
temporal tornado em realidade discreta pela percepção sensível, que se
projeta por meio de imagens em sonhos, que transladam a linguagem poética e sua unicidade estética.
O gosto artístico rompe-se em divergências opinativas, e a política
surge das posições retóricas que geram conflitos pelo predomínio de uma
das idéias.
A necessidade de auto-conservação permite o
estabelecimento de regras normativas à discussão, o que torna a briga em
debate, e a discussão em dialética, num torneio desportivo em que o
juiz é a razão que a tudo se propõe a igualar.
E, por fim, quando
os contendores se dão por satisfeitos estabelece-se o texto que regerá a
opinião comum dos doutores, que sob a desculpa de criar teses
científicas, acaba por coisificar a linguagem já tornada toda nua de
suas roupagens primaveris, mas não menos carregada de mitologia, pois
idéia regida pela imaginação permaneceu.
E esta é a Teoria dos
Quatro Discursos na qual Olavo de Carvalho definiu o Organon
Aristotélico como uma articulação, dinâmica na chave evolutiva e
estática na análise descritiva, de Poética, Retórica, Dialética e
Analítica, como quatro espécies de linguagem que se justapõem e se
entrelaçam no vórtice da comunicação.
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SUMÁRIO: Intróito – 1. Que é o direito? – 2. Um
breve histórico do direito ocidental – 3. Fato, valor, norma e o direito
natural – 4. Crítica à teoria pura do direito – 5. Sintetizando o que já
foi dito – 6. Continuando a crítica e apresentando uma proposta de solução
– 7. Direito processual e direito material – 8. Que são princípios? – 9.
Normas-princípio e normas-limite – 10. Conclusão – Bibliografia.
Resumo: O direito é um fenômeno social e é objeto de
estudo de uma ciência cultural, a ciência do direito, d’entre os muitos
métodos científicos possíveis vislumbramos a teoria pura do direito,
que consideramos adequada como mero instrumento de análise lógica do direito
positivo numa perspectiva auto-referente, entretanto, tal postura é
insuficiente, pois a auto-referência do texto legal não é uma garantia de que
os direitos humanos serão protegidos segundo os valores e ideais que informam a
idéia de justiça. Propomos a solução desta insuficiência ética mediante a
adoção novos conceitos a respeito de princípios jurídicos estruturados
hierarquicamente: princípios, princípios-norma e princípio-limite; tudo com
fundamento num conceito físico-bio-racional de direitos humanos, partindo de
uma acepção de senso comum a respeito do direito enquanto fenômeno social.
Palavras-chaves: princípios – teoria pura do direito
– direito natural – princípios-norma – princípios-limite – norma
fundamental pressuposta.
Intróito.
Falemos sobre o direito, e antes de tudo, aviso que sempre me
referirei a direito em letra minúscula, e, para realçar, quando me referir ao
direito em suas manifestações – de ciência, norma vigente e válida ou
filosofia, etc. – simplesmente, acrescentarei o adjetivo adequado,
reservando-me a grafar a letra maiúscula somente quando gramaticalmente
necessário.
O estudo do direito enquanto ciência apresenta uma
perplexidade que mais dia menos dia afeta o seu pesquisador, e, é justamente o
fato de que por mais que a atitude do jurista busque uma postura neutral,
entretanto, sempre interferem valores, tais valores recebem o nome de
princípios que se sobrepõem inclusive sobre o texto constitucional quando a
doutrina revela princípios implícitos, como é o caso da segurança jurídica.
O objeto de estudo do direito é o conjunto de normas que
vigem em determinado contexto territorial, histórico e social; por que não
considerar tais princípios como normas, ? E, mais, tais normas não se
reportariam diretamente a princípios primeiros, tais como a vida, a liberdade e
a propriedade?
Portanto, os cognominados princípios seriam
princípios-norma que se reportariam aos verdadeiros princípios informadores do
direito! Sob esta perspectiva devemos prosseguir na tentativa de
melhor fundamentar tal assertiva.
1. Que é o direito?
Direito em acepção comum nos remete à idéia de posse. Posse é pretensão fundada num título, formal ou informal,
real ou imaginário, ou seja, é o produto de uma manifestação de vontade,
livre ou vinculada, sobre algo ou alguém, com a finalidade de usar, gozar,
dispor ou consumir (PIPES, 2001: 32) o bem possuído, isto é, a idéia de
direito é uma idéia de posse e/ou propriedade.
Ora, só há posse de algo se esta pertencer a alguém, e
este só poderá vibrar sua pretensão se a mesma for o objeto de desejo de
outrem, daí a natureza heterônoma do direito, sua natureza social, enquanto
objeto de desejo mimético (GIRARD, 1990), que necessariamente deve ser
condicionado por limites axiológicos e objetivos.
Entretanto, o direito como objeto produzido culturalmente
jamais deve ser encarado como um instinto social, pois não existe direito na
sociedade das abelhas ou numa alcatéia, o direito, além de social é racional,
melhor dizendo: é eminentemente racional, é em verdade a
racionalização da vida social possibilitadora da convivência baseada no
consentimento e na boa-fé recíproca, esta é minha definição de ética a
fundamentar a posse legítima de qualquer direito.
2. Um breve histórico do direito ocidental.
De tanto ler sobre sociedades primitivas e/ou arcaicas
(GIRARD), sobre a Civilização Clássica (COULANGES, 2001), sobre as luzes
medievais (CHESTERTON, 1957) e as trevas modernas (PIPES, 1997), nada é mais
fácil de se perceber que quanto mais primaveril uma sociedade mais se pode
afirmar que todas as normas sociais (morais, religiosas, de meras condutas
sociais ou simplesmente éticas) são eminentemente jurídicas, e jurídicas por
mandamento divino, o próprio direito romano, tão celebrado como o fundamento
do direito ocidental nada mais era, quando em vigor, que uma série de
formalidades rituais originadas na religião arcaica romana, daí a extrema
importância dos ritos e da forma para os habitantes do Lácio.
O cristianismo com seus dogmas da divisão entre o Estado e a
Igreja e sua ética de amor e perdão, associados aos sábios ensinamentos
helenos que demonstram filosoficamente que o direito positivo está submetido à
justiça, e, que esta se fundamenta no direito natural, tais tendências
preencheram de razão e sensibilidade o duro e frio pragmatismo jurídico do
conquistador romano para a formação do direito ocidental, e, com isso,
sedimentar o apogeu do direito ocidental, que fundamenta juridicamente àquele
fenômeno econômico e social que convencionalmente chamamos de globalização.
Assim do caldo das três culturas fundadoras do mundo
ocidental consumou-se após mais de dois milênios de fluxos e refluxos a atual
visão do direito como conjunto de normas jurídicas distintas no universo das
normas sociais.
O direito é composto de normas sociais cuja nota distintiva
é a sanção eficaz em seu grau máximo, ou seja, é a norma imposta pela
força se preciso for, enquanto as demais normas sociais quando possuem
sanções o são em grau de menor eficácia, pois não se operacionalizam pela
imposição mediante o uso da força legítima, pois então seriam jurídicas.
3. Fato, valor, norma e o direito natural.
Logo, para que haja uma norma jurídica basta que a sociedade
atribua valor a determinado objeto e o proteja com mecanismos eficazes
passíveis de atingir, potencialmente, o grau máximo de violência legítima
contra o transgressor dos limites socialmente impostos. Miguel Reale (1988: 103) em sua assertiva filosófica
identifica três dimensões no direito: fato, valor e norma; elementos
estruturados dialeticamente, pois fato sem valor jurídico não é subsumível a
uma norma, norma é fruto de fatos valorados, e fato associado à norma onde se
ausenta a relevância social da conduta é norma em desuso.
O Direito é, portanto, o fenômeno social apreensível
quando pretendemos estudar uma sociedade desde suas estruturas de convivência,
é o conjunto das leis phisicas de uma sociedade, pois phisis é o
mesmo que natureza, ou seja, em outra terminologia podemos dizer que o
Direito é o conjunto das leis naturais que possibilitam a vida social.
As leis da phisica social não são as mesmas leis que
regem os fenômenos físico-biológicos, aquelas são leis que existem com e
sobre estas, as leis naturais que incidem sobre o homem sofrem limitações do
meio físico-biológico, mas, possuem face racional e natureza discursiva, cuja
existência é relacionada com o contexto cultural e cronológico de dada
sociedade (Em oposição às leis físico-biológicas, que são leis sem
história e sem contexto, pois a água sempre terá duas moléculas de
hidrogênio e uma de oxigênio e o ferro sempre pigmentará o sangue de rubro.).
Antes de prosseguir, devo ressaltar que a consciência de um
certo condicionamento histórico relativo aos direitos naturais humanos
é um fato da vida que não pode ser ignorado, mas, esta percepção não é uma
tomada de postura evolucionista em sua versão aplicada às ciências sociais,
ou seja, o historicismo, o que percebo é que o contexto histórico e social
são fundamentais para que o direito seja aplicado, em maior ou menor grau,
conforme as constantes racionais presentes na phisica social, v. g.,
o direito à vida é uma constante que em diversos momentos e contextos
históricos é altivamente ignorada e em outros, como em nossa atual ordem
constitucional é elevada à categoria de cláusula pétrea com a vedação de
pena de morte (art. 5º, inciso XLVII, alínea ‘a’, da CF), salvo
em circunstância bélicas que implicam na suspensão de tal proibição.
Diante deste quadro, pintado em rápidas pinceladas, em que o
direito é encarado como realidade histórica condicionada a leis naturais
físico-biológicas e racionais, pergunto: que leis naturais e racionais são
essas?
Vejamos, quando acima falei num sentido coloquial da palavra
direito, e remeti à idéia de posse, quis frisar uma idéia de senso comum, e,
ainda com base nesse mesmo sentido comum pergunto-me: qual o direito, ou
posse, que pressupõe todos os direitos e posses, sem a qual não se pode
cogitar da posse de qualquer outro direito? Qual o direito que encontra o seu
fundamento na realidade natural físico-bio-racional?
A vida é ao mesmo tempo a posse que pressupõe todas as
posses e o pressuposto ontológico a qualquer posse, é ao mesmo tempo
fundamento material e formal para os demais direitos.
De posse da vida postulamos a liberdade, para usufruir uma e
outra necessitamos de ao menos duas posses ou propriedades fundamentais: a
primeira é posse da própria vida, a segunda é a da liberdade de dispor com
livre arbítrio o próprio destino.
Aqui a vida é tomada naquele sentido impresso por Ortega y
Gasset (1962: 184), de que a vida implica e é implicada por um cabedal de
circunstâncias lógicas e concretas. Nesta perspectiva todos os direitos são humanos, pois todos
estão subordinados à vida, à liberdade e à propriedade, suprima um e farás
ruir os demais.
Diante destas verdadeiras leis naturais (vida, liberdade,
propriedade) é que a ordem jurídico-positiva inteirinha deve se ajoelhar e
reverenciar a idéia de justiça, a idéia de proporção, pois justiça é
proporção direta ou inversa, regressiva ou progressiva, o justo é proporção
qualitativa e quantitativa, dependendo de que bem jurídico valorado seja
material ou intelectual.
4. Crítica à teoria pura do direito.
Quando encaramos o direito como ciência precisamos fazer um
corte metodológico que é puramente formal e abstrato, e, se não tomarmos
todas as contramedidas que nos impeçam de considerar o conceito científico
mais importante que o objeto de estudo, a abstração pela realidade, poderemos
incorrer no equívoco de querer dobrar a realidade viva do direito pela idéia
etérea da ciência do direito.
O método juspositivista em si é meritório ao isolar o
sistema de direito positivo e analisá-lo em suas interações dinâmica e
estática, em possibilitar a análise da ordem vigente e eficaz produzida por
autoridade competente e processo adequado, metodologia que possui muito valor
analítico, mas, em princípio, nenhum valor ético, seria o equivalente a uma
cromatografia que simplesmente separa os elementos constituintes do objeto de
pesquisa.
O diabo tentador vive justamente nesta última parte,
quando o juspositivista se agarra à idéia de processo adequado para a
formação da norma, ou seja, que o direito só é inaugurado por um processo de
enunciação normativa apropriada, passa-se a tomar a parte pelo todo, e,
conseqüentemente, a noção do direito enquanto processo formal acaba
suplantando a sua realidade substancial, que é, em certa medida um processo
concreto existencial cuja forma de constituição é tão livre quanto as
possibilidades de interação social.
O maior vício intelectual produzido pela visão do direito
somente como processo de produção positiva de normas, não obstante as
vantagens analíticas evidentes, proporcionadas pela postura científica aí
inerente, é que a idéia de norma fundamental pressuposta é só uma outra
forma de descrever o imperativo categórico kantiano.;
Kant efetivou uma grande trapalhada conceitual que acabou por
criar uma falsa distinção entre fundamentos ideais e pragmáticos da conduta
humana (CARVALHO, 1998), findou por definir que devemos obedecer a um dever
moral "porque sim", e, assim, quando Kelsen (2000: 221) cria a sua
hipótese científica nos impinge esta mesma noção, devemos pressupor uma
norma fundamental "porque sim", mas, a boa pedagogia ensina que até
para crianças em idade pré-escolar não devemos responder "porque
sim", pois não é resposta adequada para matar a sede de conhecimento
natural ao ser humano quando infante, que dizer para nós que somos quase "doutores".
Portanto, sem negar nem uma vírgula da doutrina kelseniana
naquilo que há de mais fundamental como método hipotético-dedutivo fornecedor
de instrumental teórico válido para analisar o direito positivo como sistema
auto-referente, critico somente o vazio ético inerente à idéia de norma
pressuposta fundamental, nosso Kelsen (2000: 242) tanto criticou a idéia de
direito natural como se fosse um ato de fé, que não se apercebeu que toda a
sua doutrina nada mais é que... um ato de fé; a fé na norma fundamental
pressuposta, num imperativo categórico, num "porque... sim" vazio de
conteúdo e passível de ser utilizado para qualquer finalidade.
Por mais que seja referida a necessidade de que haja uma
escolha política sobre o valor a ser adotado na escolha da finalidade a ser
dada ao direito positivo, a doutrina kelseniana acaba por se recolher numa falsa
neutralidade ao ignorar sistematicamente valores e fatos subjacentes às normas,
para o juspositivismo exagerado a norma é algo vivo e o valor e o fato jazem no
limbo do incognoscível da metafísica.
5. Sintetizando o que já foi dito.
O direito é realidade que se origina na matéria da vida
social, é o processo que possibilita a própria convivência; em suas origens
englobava todas as normas sociais, atualmente, somente aquelas passíveis de uma
valoração tal que implique no extremo do uso da força para sua defesa; é
fruto de processo histórico condicionado a leis naturais físico-bio-racionais;
o princípio fundamental do direito natural é a vida, seguida da liberdade e da
propriedade, toda a ordem jurídica compõe-se de variações sobre estes temas
que são a síntese dos direitos fundamentais.
Diante desta realidade material da vida, da liberdade e da
propriedade, vislumbramos a substância do direito, enquanto que o direito
posto, vigente e eficaz diz respeito à forma de garantir a integridade de tais
matérias.
A crítica que se faz ao juspositivismo extremado, que se
deixa levar pela idéia de que o direito positivo é o único que importa, não
diz respeito ao método e ao objetivo do estudo do direito como ciência, mas,
diz respeito ao perigo que há em se tornar o processo de garantia dos direitos
fundamentais numa forma de supressão destes mesmos direitos fundamentais
mediante uma crescente abstração em que as normas mais disparatadas quanto ao
conteúdo são consideradas legítimas somente em virtude do atendimento das
formas prescritas no processo de produção normativa.
A tendência de abstração do direito é inerente à postura
de kelsen, herdada de Kant, de resolver problemas fundamentais da filosofia
jurídica com a tosca idéia de imperativos categóricos que só se fundamentam
numa afirmação hipotética destituída de valor ou justificativa maior que a
necessidade de conferir um ponto de partida científico ao estudo filosófico ou
jurídico, é como transferir para o direito o fiat lux divino presente
no Gênesis, mas, nem o direito é religião, nem Kelsen foi profeta, logo, a
tentativa de fundar a ciência do direito numa hipótese puramente neutra só
serve como ato de fé vazio de conteúdo, apesar de a teoria pura do direito
ter seu valor metodológico para o estudo analítico e sistemático pretendido
pela ciência do direito em vista do direito positivo como sistema
auto-referente, o seu tendão de Aquiles está justamente em sua
pretendida neutralidade científica.
O direito é uma ciência que estuda a técnica de
determinação deôntica que atua sobre fatos sociais de natureza ôntica e
penetrados de valores, portanto, as limitações inerentes à neutralidade
científica nas análises de fundo kelseniano, e, mesmo os mais formalistas dos
juspositivistas, sempre, têm que se socorrer dos valores e raciocínios da
axiologia jurídica... porque sim.
6. Continuando a crítica e apresentando uma proposta de
solução.
Deve a postura juspositivista ser dosada pela idéia de
direito natural. Somente o direito natural, especificamente partindo da
realidade material e inconteste do direito natural à vida.
O direito natural à vida preenche com sucesso o
conteúdo ético faltante à noção de norma fundamental pressuposta, pois
somente através da existência material da vida se vive o processo existencial
do relacionar-se juridicamente.
O direito em seu sentido mais amplo possível é um reflexo
da realidade, pois quando a norma jurídica, consuetudinária ou escrita, regula
e tutela vida e os seus bens em seus aspectos estático de ser e
dinâmico de dever-ser, situações e relações, então podemos
identificar o direito material e seu corolário que é o princípio-norma da
verdade material.
Quando o direito tutela as relações jurídicas inerentes ao
viver individual e suas interações sociais, definindo os mais diversos
procedimentos, as mais diversas garantias aos direitos materialmente
considerados, quando surgem instrumentos de proteção, prevenção ou
reparação então teremos o direito adjetivo, ou processual, que faz surgir o princípio-norma
do devido processo legal, surge o direito enquanto garantias e mecanismos
efetivos de operacionalização das suas funções preventiva e repressiva de
conflitos sociais.
O ideal está em que verdade material se imponha à verdade
formal, pois o direito é um dever-ser sobre o ser, produto e não produtor,
quando muito indutor.
7. Direito processual e direito material.
Finalmente, esclarecida minha filosofia jurídica, vamos à
doutrina científica, já com base na idéia de direito natural acima expendida,
só me resta fazer o bom e velho corte metodológico e encarar o direito
processual e o direito material pertencentes ao gênero das normas jurídicas,
e, dependendo da perspectiva, as normas processuais podem ser encaradas como
normas de conduta ou de estrutura (BOBBIO, 1989: 45).
São normas de conduta na medida em indicam os limites
objetivos e subjetivos que devem ser atendidos pelos sujeitos passivo e ativo de
dada relação jurídica; de estrutura quando informarem a conduta do agente
público incumbido de julgar o mérito de dado processo, judicial ou
administrativo.
Norma material é a norma de conduta que versa sobre condutas
relativos a determinado bem jurídico, material ou intelectual, objeto de atos e
fatos jurídicos, sem que seja necessária a instauração de outra relação
jurídica em que um terceiro intervenha para solucionar eventual conflito ou
sanar ocasional dúvida.
Uma vez que seja necessária a intervenção de um agente
público para a solução de pretensões oriundas de uma relação jurídica
material, então teremos normas de natureza processual; normas de conduta para
as partes integrantes dos pólos em oposição de interesses, mas que vigerão
como normas de estrutura para o julgador que produzirá uma novel norma
jurídica constituída numa decisão solucionadora da lide, mediante a edição
de uma norma individual e concreta que confirmará, infirmará ou afirmará o
direito material de um dos contendores ou de partes dos interesses recíprocos
em conflito.
Em suma, num linguajar inspirado em Cossio (apud
CARVALHO, 1999: 36), afirmo que o direito material é o conteúdo composto de
bens jurídicos, presentes na endonorma, que sofre a proteção do direito
processual que é a forma de garantir eficazmente aquele mediante a introdução
de uma norma criada processualmente, ou seja, a perinorma, suscetível de
execução forçada, isto é, de coatividade.
8. Que são princípios?
Partindo da premissa maior de que princípios uma vez
fixados, não podem mais "ser questionados por serem auto-evidentes
demais", delimitam "o campo da ciência e as possibilidades do seu
desenvolvimento futuro", e, "tudo aquilo que forma o princípio
fundante de uma ciência não faz parte dela" e que o "desenvolvimento
posterior de uma ciência não mudará esses princípios", e, ainda, que
"o princípio jamais pode ser impugnado" (CARVALHO, 2002: 21).
Passando pela premissa menor de que o direito à vida
é auto-evidente, que sua fruição (liberdade e propriedade) delimitam o campo
de suas possibilidades, que o direito à posse da própria vida está para além
de qualquer consideração juspositiva legítima tendo em vista que o princípio
vital em si não é legislável, e que a sua impugnação é máximo do
arbítrio negador do Direito;
Portanto, concluo que princípio mesmo só o
direito à vida, princípios derivados imediatamente são os direitos à
liberdade e à propriedade, e derivados mediatamente temos normas-princípio
e normas-limite; normas-princípio, indicam limites lógicos
ao aplicador do direito; e, normas-limite determinam as fronteiras
objetivas que devem ser respeitadas pelo jurista.
Diante desta conceituação até admito a terminologia de
Paulo César Conrado (2002: 49 e ss.) de princípios constitucionais e
infraconstitucionais, lato sensu (limites objetivos) e estricto sensu (sobreprincípios),
genéricos e específicos, mas, com um reparo, todos estes princípios ou são
normas de conduta ou normas de estrutura, isto é, ou são limites à conduta
dos sujeitos de uma relação jurídica ou são normas destinadas a regrar a
conduta de um agente competente para produzir normas jurídicas, abstratas e
genéricas ou individuais e concretas. princípios, mesmo, só a fazenda, a
liberdade, e, claro, sobretudo a vida.
9. Normas-princípio e normas-limite:
O que Conrado chama de sobreprincípio, eu prefiro
nominar de normas-princípio, que são normas extraídas expressa ou
implicitamente do sistema positivo, racionalmente reveladas da análise
estrutural do mesmo sistema.
Tais normas-princípio podem até ter qualidades solares ou
de uma lamparina para iluminar a compreensão dos setores normativos (CONRADO,
p. 51), salvo a carga poética ou mesmo de fótons, prefiro dar o parecer de que
são essencialmente normas de estrutura cuja destinação está em orientar a
aplicação do direito, e, aí sim, podem até iluminar as trevas da dúvida
diante de um caso concreto, mas nada mais serão que normas com função
de princípios, ou princípios com função de normas,
normas-princípios, portanto.
Para mim sobreprincípio, ou princípio primeiro, ou
simplesmente princípio é o direito fundamental, cuja origem é natural
e apreensível pelo puro e simples bom-senso, ou seja, o princípio que deve
informar todo os sistema jurídico é a vida, cujas derivações necessárias
são a liberdade e a propriedade.
Para a doutrina tradicional, representada por Conrado, são
os princípios em sentido estrito, ou sobreprincípios que teriam prevalência
hierárquica sobre os princípios delimitadores de limites objetivos cujo
caráter interpretativo possui um caráter axiológico. Ocorre que tais
princípios, ou como prefiro: normas-princípio; são, quando muito, princípios
secundários ou derivados dos princípios pressupostos da vida, liberdade e
propriedade.
Em matéria processual, estas normas-princípio são normas
de estrutura orientadoras da conduta do julgador e garantidoras dos direitos
materiais das partes envolvidas.
Veja-se a norma-princípio do devido processo legal (dues
process of law) que se trata de uma norma orientadora de todo e qualquer
processo que tanto pode inquinar de ineficácia uma sentença que interprete
inadequadamente os dispositivos que garantem a isonomia entre os postulantes do
processo, bem como pode servir para invalidar a própria lei que fira um dos
princípios específicos do processo, como lei que eventualmente suprima o
contraditório e a ampla defesa para desconsiderar administrativamente os atos
jurídicos perfeitos sobre os quais incida uma norma tributária, mesmo que tal
desconsideração se dê sob a égide de uma suposta repressão à evasão
fiscal.
Havendo, ainda, os princípios-limite que Conrado denomina de
princípios em sentido amplo que indicam um limite-objetivo de natureza
instrumental e técnica. ; Patenteia-se, portanto, uma hierarquia tripartite de
princípios jurídicos: princípios, normas-princípio e normas-limite que
sujeitam a interpretação e aplicação estrutural da norma jurídica de
conduta incidente nas relações jurídicas.
10. Conclusão.
A grande conclusão a ser tirada é que o fundamento ético
necessário à norma fundamental pressuposta de Kelsen é o direito
natural fundamental à vida, cuja base físico-bio-racional preenche todos
os requisitos para a definição de um princípio científico, definidor do
âmbito de interesse e dos limites do estudo.
E, tendo em vista que pretendemos somente iniciar um debate
no fecundo âmbito da teoria geral do direito, com especial enfoque no direito
tributário, só nos resta concluir postulando que todo o sobredito é uma
tentativa teórica de fundamentar a norma-limite da verdade real ou material que
se propõe atuar na determinação de limites à sanha arrecadatória do Estado,
pois o direito de tributar é mero direito de confiscar conforme o ordenamento
legal uma parcela razoável do patrimônio do particular, pessoa física ou
jurídica, para sustentar o aparato de serviços públicos destinados a amparar
as garantias e direitos individuais e a Ordem Pública que lhe é vinculada.
Em outros termos, o direito de tributar é uma espécie de
confisco consentido, cujos recursos são destinados ao financiamento do Estado,
cuja finalidade é disponibilizar garantias legais, materiais e processuais, ao
patrimônio jurídico do contribuinte, patrimônio este que principia na posse
de sua própria vida e na livre disposição da mesma.
A estrutura teórica acima descrita, também, tem o sentido
de explicitar o caráter declaratório de toda e qualquer atuação estatal, e,
mais especificamente, quando o Estado efetiva um lançamento tributário jamais
constituirá uma relação jurídica, somente a declarará, quando muito irá
constituir o fundamento jurídico de um título executivo extra-judicial, haja
vista que a obrigação tributária é fruto da incidência abstrata da norma,
enquanto o crédito é necessariamente um produto da incidência concreta da
norma, realizável mediante ato de declaração, a natureza constitutiva será
limitada somente ao crédito, e, sua constituição implicará na interrupção
do prazo decadencial, quando o lançamento é realizado tempestivamente, e, no
início do prazo prescricional, para a propositura da execução fiscal.
Ao nascermos o Estado somente declara que viemos ao mundo com
o atributo da vida, a certidão de nascimento é mera norma individual e
concreta que serve de pressuposto a outras normas individuais e concretas, como
a carteira de identidade, logo, tal qual no lançamento tributário, a vida, e
os fatos econômicos da vida, são mero objeto de declaração, numa de
constituição, o que o Estado constitui são somente normas, abstratas e gerais
ou individuais e concretas.
Quando o Estado se propõe a manipular os conceitos
jurídicos a ponto de ignorar o fundo ontológico do direito, mediante a
edição de leis que definem e punem supostos abusos de direito, criando
ficções jurídicas em que o contribuinte é punido por atuar regular e
licitamente conforme o ordenamento jurídico quando efetiva o seu planejamento
fiscal, então, preparemo-nos porque tal Estado se esqueceu das garantias e
direitos fundamentais do indivíduo, e, no lugar dos direitos humanos de fundo
real e concreto baseado na própria vida, pretende instaurar o totalitarismo
da supremacia do interesse público fundado na abstração jurídica e
formal de uma norma fundamental pressuposta vazia de conteúdo ético.
A norma fundamental pressuposta, mera hipótese
científica, quando tomada não como meio, mais como fim, acaba por ser
passível de servir à velha promessa messiânica de instauração do paraíso
terrestre, projeto que sempre ao ser executado se converte na própria visão do
inferno sobre a Terra.
Bibliografia
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Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
COELHO, Werner Nabiça. Princípios jurídicos e direito natural.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 88, 29 set. 2003.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4361>. Acesso em: 4 jun. 2016.
Destaco
abaixo algumas passagens de um artigo que publiquei outrora,
respeitante à aplicação da Teoria dos Quatro Discursos,
do Philosofusbrasiliensis Olavo de Carvalho, o
artigo pretendeu situar as teorias retóricas aplicadas ao fenômeno
jurídico, como parte de uma teoria ontológica mais abrangente que
deve levar em consideração as demais dimensões da linguagem
(poética, dialética e lógica), que emanam da objetividade do
mundo que serve de suporte físico para emitir os dados que compõem
a própria linguagem:
Ou
seja, sendo o direito um produto retórico, enquanto sistema de
linguagem social, garantido pela sanção e coatividade daí
decorrente, e, partindo-se do pressuposto de que o Direito deve
ser explicado com base no princípio da auto-referência do
discurso, que está no mundo dos bens culturais a manifestar-se
como linguagem (idem), teremos, num primeiro relance,
uma falsa impressão de divórcio da realidade da norma, de base
retórica, da realidade da vida, de base ontológica, e, resta-nos
a impressão de que, por alguns momentos, Parmênides e Heráclito
estão a discutir, na faculdade de filosofia do Hades, se a
norma, como ser, uno e auto-referente, enquanto linguagem, funda a
realidade retórica da regra jurídica, como ser auto-referente;
ou, se a norma jurídica e sua existência estão no grande fluxo
de mudanças do devir da realidade, de uma ontologia jurídica.
Mas,
como é da prudência do estudioso não se fiar em aparências,
devemos procurar os verdadeiros fundamentos de tal posicionamento
retórico, pois ocorre que além do instrumental retórico
imanente da compreensão da linguagem como instrumento fundamental
do conhecimento humano, o referido divórcio não se verifica,
afinal, como bom discípulo da fenomenologia, fundada por Husserl,
o nosso Paulo de B. Carvalho define que "o texto ocupa o
tópico de suporte físico, base material para produzir-se a
representação mental na consciência do homem (significação)
e, também, termo da relação semântica com os objetos
significados" (Op. Cit., p.15).
Ou
seja, a teoria retórica deverá considerar que o seu objeto, a
linguagem, emana de determinados suportes físicos, seja um papel,
seja a própria pessoa, que ontologicamente existem, como produtos
de atos reais, portanto, se o texto é auto-referente, também, as
coisas e as pessoas, enquanto seres, também, são auto-referentes
dentre do real.
Pelo
exposto, percebemos que o primeiro passo, de natureza retórica,
que busca na linguagem, e, na sua correta compreensão, e
interpretação, como instrumento do conhecimento, por excelência,
é simplesmente um ato preparatório de natureza metodológica
para passos mais complexos, que visam atuar sobre a realidade.
Este
processo de passagem do retórico, no plano da linguagem, para a
ação, no plano da realidade, descreverei tomando por base a
Teoria do Quatros Discursos, teoria que é imanente à obra
aristotélica, e, que foi decifrada de forma científica pelo
filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, inAristóteles
em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos,
Ed. Topbooks, Rio de Janeiro, 1996.
Em
resumo, citada teoria define o seguinte: a linguagem é uma
manifestação do intelecto humano, que pode ser observada por
quatro focos distintos, sucessivos do ponto de vista lógico e
simultâneos na perspectiva ontológica, que são representados
pelas as quatro ciências que têm especificamente a linguagem
como seu objeto imediato de estudo: a poética, a retórica, a
dialética e a analítica ou lógica.
Isto
posto, percebe-se que todo e qualquer discurso, social ou,
principalmente, jurídico, primeiro tem que ser imaginado, depois
consolidado em uma doutrina ou tese, ou opinião, que será posta
à prova, e, caso seja aprovada como fundada e correta, conforme
os critérios de validade postos na discussão dialética,
resultando o nível de credibilidade que denominamos de certeza
apodíctica, teremos, então, a premissa maior lógica, a certeza
que conferirá validade ou não às novas retóricas que venham a
surgir e mereçam ser postas à prova, pois o próprio quadro de
crenças, que serve de referência para conferir credibilidade a
esta ou àquela retórica, compõe-se de premissas dadas como
corretas, como axiomas do raciocínio, que são desvendadas
socialmente mediante este processo seletivo dos quatro discursos.
Percebe-se
que nesta teoria dos quatro discursos está descrito o processo
intelectual que permite compreender a linguagem, desde a sua
realidade de ideais e sonhos até a frieza de uma verdade
científica, passando pelos acalorados debates em que retóricas
antagônicas deverão ser postas à prova, pelo processo da
triagem dialética.
Mas,
reconduzindo este texto ao seu contexto inicial, melhor dizendo,
ao seu contexto de teoria do conhecimento aplicado ao Direito; e,
retomando o braço do preclaro Paulo de B. Carvalho, encarando de
forma honesta a sua obra, fruto de muito esforço, como percebe-se
pela clareza e objetividade de suas exposições; e, para maior
compreensão de sua doutrina, devemos encarar que a sua postura de
aceitação das teoriasretóricas, como metodologia
que calca-se na realidade da linguagem enquanto instrumento de
produção da realidade social, com eficácia e efetividade,
atuando de forma concreta, formando e deformando a realidade
mesma, visando, portanto, fins ontológicos, pois são idéias e
doutrinas que visam conseqüências, jurídicas, de base retórica
mas de finalidade material, pois visam influir em tomadas de
decisões, citada postura metodológica que visa clarificar,
em traços gerais, o sentido, a essência, os métodos, os
pontos de vista capitais de uma crítica da razão jurídica,
pois o Direito é linguagem vestida de coatividade.
Sob
esta perspectiva de interação dialética entre retórica e
realidade, verificamos que em torno do conceito de doutrina, como
conhecimento racionalmente ordenado visando fins pedagógicos,
devemos aferir, antes de mais nada, que toda doutrina é uma
retórica, entretanto, nem toda retórica pode ser chamada de
doutrina.
Ora,
a mera doxa (opinião) só deve converter-se em doutrina
após a prova da validade de seus fundamentos, ou seja, retórica
dialetizada, e, que passe pela prova de não ser contraditória,
possuir identidade num objeto de conhecimento e não causar
confusão cognoscitiva, passará a gozar do status de
episteme (conhecimento).
Diante
do método científico do tributarista P. de B. Carvalho, uma vez
submetido à prova dialética do método de interpretação da
Teoria dos Quatro Discursos, vislumbra-se por entre os
galhos desta floresta de saber a constatação: que a posição
retórica é mero ponto de partida para doutrina do Jurista
Carvalho.
Pauto
de Barros Carvalho, ao adotar a postura retórica diante do
Direito, outra coisa não fez que encarar o próprio problema de
validade do conhecimento, partindo da mais humilde postura do
cientista que não se impõe mediante argumentos de autoridade,
mas, mediante operações lógicas, faz prevalecer o a força do
espírito, para desvendar o espírito da lei.
A
referida postura retórica segue num crescendo de confrontos entre
seus pressupostos e suas conseqüências, logo, pondo à prova a
sua coerência, e, portanto a sua validade.
E,
que coisa interessante, chega-se, sem sombra de dúvida, através
de operações retóricas, mas adotando o processo dialético de
confrontação de posições e oposições, segundo um método
maiêutico, ou seja, mediante um constante questionar, alcançam-se
os fundamentos de validade lingüísticos-ontológicos, isto é, a
linguagem não é senhora e dona da realidade, tem-se a todo
momento a visão da realidade social mediante a consideração dos
princípios que informam o Direito, no caso, em seu ramo
tributário, prova desta postura pé-no-chão temô-la em
seu Curso de direito tributário. São Paulo, Saraiva, 11.ª
edição, 1995, p. 54, quando, ao se questionar em que espécie de
veículo normativo se converte a medida provisória, se em lei
ordinária ou lei complementar, assim disserta:
não
havendo previsão constitucional expressa, tudo ficaria na
dependência da matéria disciplinada, de tal modo que, ferido
tema de lei ordinária, nesta se converteria; se o assunto for
pertinente ao âmbito de competência de lei complementar, nesta
espécie de diploma normativo haveria de transformar-se; e assim
por diante
Entretanto,
o nosso tributarista assevera a imprestabilidade desta
interpretação, pois não respeita a reflexão, a filosofia, os
valores do sistema, e assim se manifesta (1995, p. 55):
Para
objetá-la pensemos nos chamados princípios ontológicos: um se
aplica ao direito privado: tudo que não estiver expressamente
proibido está permitido; outro, ao direito público: tudo que não
estiver expressamente permitido está proibido.
Logo,
eis provada a insuficiência da mera teoria retórica como único
suporte teórico do autor em estudo, e, salvo melhor juízo,
acrescentamos o suporte realístico, por assim dizer, que
complementa a metodologia retórica, é a adoção da perspectiva
fenomenológica, outra coisa não se está fazendo do que provocar
o giro da linguagem como auto-referência, como significado na
mente do seu usuário e como significante em relação ao objeto,
e, de posse dos conceitos e relações lingüisticamente
concertadas, procura-se realizar a comparação destes dados
teóricos com a realidade social, pois são teorias que visam a
eficácia, e este fenômeno é próprio da realidade social, que
por mais que seja fundada na linguagem, é também composta de
substância, objeto descrito pela própria linguagem, e, é sobre
este substrato que atuam as teorias retóricas.
A
retórica objetiva influenciar a feitura de fatos e atos, que nada
mais são que entes materiais ou intelectuais vestidos de
linguagem, mas dotados de materialidade, porque existem e resistem
no tempo e espaço, independentemente desta ou daquela retórica
ou linguagem.
Levar
ao extremo a consideração das teorias retóricas como instância
única para o julgamento do real, é um erro no qual a lucidez de
Paulo de B. C. não o deixa incorrer.
Uma
visão extremada do texto como auto-referente implica numa certa
coisificação do texto, como se a realidade dele emanasse, o que
não ocorre, pois o texto é mero auxílio à memória, como já o
disse Platão, pela boca de Sócrates:
LX
– Sócrates – Logo, quem presume ter deixado num livro uma
arte em caracteres escritos, ou quem a recebe, na suposição de
que desses caracteres virá a sair algum conhecimento claro e
duradouro, revela muita igenuidade e o desconhecimento total do
oráculo de Amão, dado que imagine ser o discurso escrito mais do
que um meio para quem sabe, a fim de lembrar-se do assunto de que
trata o documento.
Fedro
– É muito certo.
Sócrates
– É que a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto,
parecidíssima com a pintura, pois esta, em verdade, apresenta
seus produtos como vivos; mas, se alguém lhe formula perguntas,
cala-se cheia de dignidade. O mesmo passa com os escritos. És
inclinado a pensar que conversas com seres inteligentes; mas se,
com o teu desejo de aprender, os interpelares acerca do que eles
mesmos dizem, só respondem de um único modo e sempre a mesma
coisa. Uma vez definitivamente fixados na escrita, rolam daqui
dali os discursos, sem o menor descrime, tanto por entre os
conhecedores da matéria como os que nada têm a ver com o assunto
de que tratam, sem saberem a quem devam dirigir-se e a quem não.
E no caso de serem agredidos ou menoscabados injustamente, nunca
prescindirão da ajuda paterna, pois por si mesmos são tão
incapazes de se defenderem como de socorrer alguém.
E
de fato, o jurista Carvalho, intuitivamente, obedeceu aos ditames
dos quatro discursos, e, ao mesmo tempo não ignorou a realidade
ao adotar e ter sempre em vista os princípios ontológicos, e,
com isso, deslindar uma fundada visão fenomenológica do Direito,
ou seja, dosa a viagem teorética com a vivência empírica do
direito enquanto fenômeno social.
O
Direito, e seu ramo tributário, segundo a ótica do Dr. Paulo de
B. Carvalho, como objeto de conhecimento, é o ato de conhecer,
segundo este ou aquele critério parcial; isso quer dizer que
jamais a Ciência do Direito poderia esgotar todas as perspectivas
a serem consideradas, pois não apreendemos a coisa em si, mas,
este ou aquele aspecto da realidade, e, assim, também, com o
Direito.
Nada
mais escorreito e objetivo que a abordagem do referenciado
tributarista, que não se arroga dono da verdade absoluta, mas,
que nos fornece com o seu método, mescla de retórica e
ontologia, lingüística e fenomenologia, um belo e agradável
caminho a trilhar pelas sendas jurídicas estando apto para
apreender a verdade conforme o método proposto.
Cada
método um caminho, e dentro de dado caminho um objetivo, a
verdade, ainda que relativa, porque humana, mas suficiente para
orientar a ação, porque ação sem a certeza razoável conferida
por um parâmetro de verdade, não será ação, será mero evento
aleatório e incontrolável. E, em especial, no campo jurídico,
toda ação necessita de direção conferida por uma certeza,
afinal, se a norma é feita para incidir, uma doutrina é feita
para doutrinar, ou seja, incidir sobre o próprio pensamento de
quem interpretará o âmbito de incidência de uma norma qualquer.
A
lei se aplica mediante um esforço de doutrina, de retórica, de
pensamento, de interpretação, tudo entremeado de valores e
ideais, em suma; mas, todas estas operações complexas do
espírito servem para modificar a realidade, que sempre permanece
independente da retórica, da poesia, da dialética e da lógica,
enquanto coisa dada, como natureza, mas potencialmente sujeita a
sofrer a incidência material da retórica que visa modificá-la
mediante a aplicação da lei, enfim, mediante a ação humana,
este animal racional que necessita conhecer para ser, e, assim o
mundo que o cerca é alterado por ações oriundas de sua
racionalidade, de operações de pensamento, de linguagem, pois
pensar é falar consigo mesmo, e antes de agir sempre pensamos no
mínimo uma vez.
Em
conclusão, tendo em vista a Teoria dos Quatro Discursos, o
posicionamento metodológico-retórico adotado por Paulo de Barros
Carvalho é somente uma postura inicial que visa delimitar o
âmbito de estudo do Direito como linguagem social prescritiva,
dentro de um método maior que é o da Teoria Pura do Direito,
mas, apesar de haver o axioma da norma hipotética fundamental,
base para o estudo do Direito como sistema hierarquicamente
concatenado de forma abstrata em vista da metodologia científica,
o nosso jurista nunca esquece que o Direito é nada mais que um
dos inúmeros fenômenos ontológicos, com princípios
ontológicos, e, por assim dizer: as teorias retóricas
desempenham o papel de descrever a forma de apresentação do
Direito como linguagem social; entretanto, como forma sem conteúdo
não existe, as teorias retóricas enquanto forma sempre terão
que dialetizar com o conteúdo normativo, com os fatos da
realidade social, com a natureza das coisas que sempre precedem as
palavras na ordem do ser, pois o mundo não é uma afirmação que
procede da linguagem, é a linguagem que procede da
auto-referência do mundo, dada a constatação que antes da
linguagem humana o descrever, a natureza primeiro descreveu o
homem mediante uma linguagem biológica e evolucionista,
fazendo-nos passar da condição do intelecto meramente animal
para o racional.
COÊLHO,
Werner Nabiça, TEORIAS RETÓRICAS NA OBRA DE PAULO DE BARROS
CARVALHO - UMA INTRODUÇÃO AO TEMA, In: Doutrinas Essenciais -
Direito Tributário - Princípios Gerais.1 ed.São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2011, v.1, p. 541-551.