Essas crianças eram apanhadas muitas vezes; a polícia prendia montes delas todos os dias. Elas levavam bronca? Sim, e em geral severas. Os seus narizes eram esfregados no que haviam feito? Raramente. Os órgãos de imprensa e do governo em geral mantinham os nomes delas em segredo... Em muitos lugares isso era exigido por lei para criminosos de menos de dezoito anos. Elas apanhavam? De jeito nenhum! Muitas não tinham apanhado nem quando eram pequenas; havia uma crença generalizada de que bater nas crianças, ou aplicar qualquer punição que envolvesse dor, provocava um dano psíquico permanente. (p. 157)
Mesmo que um juiz deva ser benevolente em seus propósitos, suas sentenças devem fazer com que o criminoso sofra, do contrário não há punição... E a dor é o mecanismo básico, incorporado em nós por milhões de anos de evolução, que nos protege, nos avisando quando algo ameaça a nossa sobrevivência. Por que a sociedade iria se recusar a usar um mecanismo de sobrevivência tão altamente aperfeiçoado desses? No entanto, aquela época estava recheava de absurdos pseudopsicológicos pré-científicos.
- Quanto a "incomum", uma punição tem que ser incomum, ou não serve para nada. (p. 158)
[...] Isso quer dizer que é uma punição incomum o bastante para ser significativa, para desencorajar, para ensinar. De volta àqueles jovens criminosos... É provável que não tenham apanhado quando pequenos; sem dúvida não foram açoitados por seus crimes. A sequência habitual era: por um primeiro delito, um aviso; uma bronca, quase sempre sem julgamento. Depois de vários delitos, uma sentença de prisão, mas com a sentença suspensa e o jovem colocado em um período de experiência. Um garoto podia ser preso muitas vezes e condenado várias vezes antes que fosse punido... e então a punição seria o mero confinamento, junto de outros como ele, de quem aprenderia ainda mais hábitos criminosos. Caso não se metesse em maiores confusões enquanto confinado, podia em geral se safar da maior parte dessa punição já suave, e ser colocado em um período de esperiência... "Liberdade condicional", no jargão da época. (p. 158-9)
"Essa incrível série de acontecimentos podia continuar por anos, enquanto os seus crimes aumentavam em frequência e perversidade, sem nenhuma punição a não ser pelos raros confinamentos, que eram aborrecidos, porém confortáveis. Então, de repente, por lei, em geral em seu aniversário de dezoito anos, esse assim chamado 'deliquente juvenil' se tornava um criminoso adulto... e, algumas vezes, em questão de semanas ou meses, acabava numa cela do corredor da morte, esperando a execução por assassinato." [...] (p. 159)
[...] esse método testado pelo tempo de instilar virtude social e respeito pela lei nas mentes dos jovens não agradava a uma classe pré-científica e pseudoprofissional que chamavam a si mesmos de "assistentes sociais" ou, algumas vezes, "psicólogos infantis". Pelo jeito, isso era simples demais para eles, já que qualquer um podia fazê-lo, usando apenas a paciência e a firmeza necessárias para treinar um cachorrinho. Algumas vezes me perguntei se eles nutriam um interesse velado na desordem, mas não devia ser: adultos quase sempre agem pelos "mais elevados motivos" conscientes, não importa qual seja o seu comportamento. (p. 160)
[...] Tinham uma teoria da moral e tentavam viver por ela (eu não devia ter zombado de seus motivos), mas a teoria deles estava errada... Metade dela era um ilusão tonta, a outra metade era charlantanismo racionalizado. Quanto mais seguros dela, mais perdidos ficavam. Veja bem, eles pressupunham que o Homem tem um instituto moral. (p. 160-1)
[...] você tem uma consciência cultivada, muito cuidadosamente treinada. O Homem não tem instinto moral. Ele não nasce com um senso moral. Você não nasceu com um, nem eu nasci... e um cachorrinho não tem nenhum. Nós adquirimos um senso moral, quando o fazemos, por meio de treinamento, experiência e trabalho duro da mente. Aqueles infelizes criminosos juvenis nasceram sem nenhum senso moral, da mesma forma que eu e você, e não tiveram nenhum chance de adquirir um; suas experiências não permitiriam. O que é um "sendo moral"? É uma elaboração do instinto de sobrevivência. O instinto de sobrevivência é a natureza humana em si, e cada aspecto de nossas personalidades deriva dele. Qualquer coisa que entre em conflito com o instinto de sobrevivência faz com que, cedo ou tarde, o indivíduo seja eliminado e, dessa forma, deixa de aparecer em gerações futuras. Essa verdade é matematicamente demonstrável, verificável em qualquer lugar; é o único imperativo eterno controlando tudo o que fazemos. (p. 161)
[...] Uma teoria da moral cientificamente verificável precisa estar enraizada do instinto de sobrevivência do indivíduo... e em nenhum outro lugar!... e precisa descrever corretamente a hierarquia da sobrevivência, apontar as motivações em cada nível e resolver todos os conflitos. (p. 162)
"Esses criminosos juvenis chegaram a um baixo nível. Nascidos apenas com o instinto de sobrevivência, a moralidade mais elevada a que chegaram foi uma duvidosa lealdade a um grupo de seus iguais, uma gangue de rua [...]. (p. 162)
"A base de toda moralidade é o dever, um conceito que tem a mesma relação com o grupo que o interesse próprio tem o indivíduo. Ninguém pregou o dever para essas crianças de um jeito que pudessem entender... Ou seja, com uma sova. Mas a sociedade em que estavam contou a elas inúmeras vezes sobre os seus 'direitos'. (p. 162-3)
"Os resultados deviam ter sido previsíveis, já que o ser humano não tem nenhum tipo de direito natural". (p. 163)
[...] A liberdade nunca é inalienável, ela precisa ser reconquistada constantemente com o sangue dos patriotas, ou ela sempre desaparece. De todos os supostos "direitos humanos naturais" que tenham algumas vez sido inventados, a liberdade é aquele com menor probabilidade de ser barato, e nunca é grátis. (p. 163)
- Eu te disse que "deliquente juvenil" é uma contradição em termos. "Delinquente" significa "o que falhou no dever". Mas dever é uma virtude adulta. De fato, um jovem se torna um adulto quando, e apenas quando, adquire conhecimento dos deveres e se dedica a eles com mais apreço que ao amor-próprio com que nasceu. Nunca houve, não pode haver, um "deliquente juvenil". Mas para cada criminoso juvenil, há sempre um ou mais adultos deliquentes: pessoas de idade madura que ou não sabem o seu dever, ou que, sabendo, falharam em cumpri-lo. (p. 164)
"E esse foi o ponto fraco que destruiu aquilo que foi, em vários aspectos, uma cultura admirável. Os arruaceiros mirins que vagavam pelas ruas eram sintomas de um doença maior; seus cidadãos (todos eles eram considerados como tais) glorificavam a tal mitologia dos 'direitos'... e perderam de vista os deveres. Nenhuma nação, assim constituída, pode perdurar". (p. 164)
(Robert A. Heinlein (1907-1988). Tropas Estelares; tradução Carlos Angelo; São Paulo: Aleph, 2015)