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domingo, 23 de outubro de 2016

A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS


A articulação do conhecimento é processada de infinitas formas e por meio de inúmeras ferramentas.

Um realista ingênuo como este escriba pode decidir-se a percorrer o caminho da linguagem tal como sugerido por Aristóteles, em especial na forma tão ricamente traduzida por Olavo de Carvalho, num crescendo que sai da raiz fincada no complexo da realidade, um contínuo espaço temporal tornado em realidade discreta pela percepção sensível, que se projeta por meio de imagens em sonhos, que transladam a linguagem poética e sua unicidade estética.

O gosto artístico rompe-se em divergências opinativas, e a política surge das posições retóricas que geram conflitos pelo predomínio de uma das idéias.

A necessidade de auto-conservação permite o estabelecimento de regras normativas à discussão, o que torna a briga em debate, e a discussão em dialética, num torneio desportivo em que o juiz é a razão que a tudo se propõe a igualar.

E, por fim, quando os contendores se dão por satisfeitos estabelece-se o texto que regerá a opinião comum dos doutores, que sob a desculpa de criar teses científicas, acaba por coisificar a linguagem já tornada toda nua de suas roupagens primaveris, mas não menos carregada de mitologia, pois idéia regida pela imaginação permaneceu.


E esta é a Teoria dos Quatro Discursos na qual Olavo de Carvalho definiu o Organon Aristotélico como uma articulação, dinâmica na chave evolutiva e estática na análise descritiva, de Poética, Retórica, Dialética e Analítica, como quatro espécies de linguagem que se justapõem e se entrelaçam no vórtice da comunicação.

Werner Nabiça Coêlho - 02/09/2016

domingo, 1 de maio de 2016

O DIREITO E A TEORIA DOS QUATRO DISCURSOS DE OLAVO DE CARVALHO

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Destaco abaixo algumas passagens de um artigo que publiquei outrora, respeitante à aplicação da Teoria dos Quatro Discursos, do Philosofus brasiliensis Olavo de Carvalho, o artigo pretendeu situar as teorias retóricas aplicadas ao fenômeno jurídico, como parte de uma teoria ontológica mais abrangente que deve levar em consideração as demais dimensões da linguagem (poética, dialética e lógica), que emanam da objetividade do mundo que serve de suporte físico para emitir os dados que compõem a própria linguagem:

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Ou seja, sendo o direito um produto retórico, enquanto sistema de linguagem social, garantido pela sanção e coatividade daí decorrente, e, partindo-se do pressuposto de que o Direito deve ser explicado com base no princípio da auto-referência do discurso, que está no mundo dos bens culturais a manifestar-se como linguagem (idem), teremos, num primeiro relance, uma falsa impressão de divórcio da realidade da norma, de base retórica, da realidade da vida, de base ontológica, e, resta-nos a impressão de que, por alguns momentos, Parmênides e Heráclito estão a discutir, na faculdade de filosofia do Hades, se a norma, como ser, uno e auto-referente, enquanto linguagem, funda a realidade retórica da regra jurídica, como ser auto-referente; ou, se a norma jurídica e sua existência estão no grande fluxo de mudanças do devir da realidade, de uma ontologia jurídica.

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Mas, como é da prudência do estudioso não se fiar em aparências, devemos procurar os verdadeiros fundamentos de tal posicionamento retórico, pois ocorre que além do instrumental retórico imanente da compreensão da linguagem como instrumento fundamental do conhecimento humano, o referido divórcio não se verifica, afinal, como bom discípulo da fenomenologia, fundada por Husserl, o nosso Paulo de B. Carvalho define que "o texto ocupa o tópico de suporte físico, base material para produzir-se a representação mental na consciência do homem (significação) e, também, termo da relação semântica com os objetos significados" (Op. Cit., p.15).

Ou seja, a teoria retórica deverá considerar que o seu objeto, a linguagem, emana de determinados suportes físicos, seja um papel, seja a própria pessoa, que ontologicamente existem, como produtos de atos reais, portanto, se o texto é auto-referente, também, as coisas e as pessoas, enquanto seres, também, são auto-referentes dentre do real.

Pelo exposto, percebemos que o primeiro passo, de natureza retórica, que busca na linguagem, e, na sua correta compreensão, e interpretação, como instrumento do conhecimento, por excelência, é simplesmente um ato preparatório de natureza metodológica para passos mais complexos, que visam atuar sobre a realidade.

Este processo de passagem do retórico, no plano da linguagem, para a ação, no plano da realidade, descreverei tomando por base a Teoria do Quatros Discursos, teoria que é imanente à obra aristotélica, e, que foi decifrada de forma científica pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, in Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos, Ed. Topbooks, Rio de Janeiro, 1996.

Em resumo, citada teoria define o seguinte: a linguagem é uma manifestação do intelecto humano, que pode ser observada por quatro focos distintos, sucessivos do ponto de vista lógico e simultâneos na perspectiva ontológica, que são representados pelas as quatro ciências que têm especificamente a linguagem como seu objeto imediato de estudo: a poética, a retórica, a dialética e a analítica ou lógica.

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Isto posto, percebe-se que todo e qualquer discurso, social ou, principalmente, jurídico, primeiro tem que ser imaginado, depois consolidado em uma doutrina ou tese, ou opinião, que será posta à prova, e, caso seja aprovada como fundada e correta, conforme os critérios de validade postos na discussão dialética, resultando o nível de credibilidade que denominamos de certeza apodíctica, teremos, então, a premissa maior lógica, a certeza que conferirá validade ou não às novas retóricas que venham a surgir e mereçam ser postas à prova, pois o próprio quadro de crenças, que serve de referência para conferir credibilidade a esta ou àquela retórica, compõe-se de premissas dadas como corretas, como axiomas do raciocínio, que são desvendadas socialmente mediante este processo seletivo dos quatro discursos.

Percebe-se que nesta teoria dos quatro discursos está descrito o processo intelectual que permite compreender a linguagem, desde a sua realidade de ideais e sonhos até a frieza de uma verdade científica, passando pelos acalorados debates em que retóricas antagônicas deverão ser postas à prova, pelo processo da triagem dialética.

Mas, reconduzindo este texto ao seu contexto inicial, melhor dizendo, ao seu contexto de teoria do conhecimento aplicado ao Direito; e, retomando o braço do preclaro Paulo de B. Carvalho, encarando de forma honesta a sua obra, fruto de muito esforço, como percebe-se pela clareza e objetividade de suas exposições; e, para maior compreensão de sua doutrina, devemos encarar que a sua postura de aceitação das teorias retóricas, como metodologia que calca-se na realidade da linguagem enquanto instrumento de produção da realidade social, com eficácia e efetividade, atuando de forma concreta, formando e deformando a realidade mesma, visando, portanto, fins ontológicos, pois são idéias e doutrinas que visam conseqüências, jurídicas, de base retórica mas de finalidade material, pois visam influir em tomadas de decisões, citada postura metodológica que visa clarificar, em traços gerais, o sentido, a essência, os métodos, os pontos de vista capitais de uma crítica da razão jurídica, pois o Direito é linguagem vestida de coatividade.

Sob esta perspectiva de interação dialética entre retórica e realidade, verificamos que em torno do conceito de doutrina, como conhecimento racionalmente ordenado visando fins pedagógicos, devemos aferir, antes de mais nada, que toda doutrina é uma retórica, entretanto, nem toda retórica pode ser chamada de doutrina.

Ora, a mera doxa (opinião) só deve converter-se em doutrina após a prova da validade de seus fundamentos, ou seja, retórica dialetizada, e, que passe pela prova de não ser contraditória, possuir identidade num objeto de conhecimento e não causar confusão cognoscitiva, passará a gozar do status de episteme (conhecimento).

Diante do método científico do tributarista P. de B. Carvalho, uma vez submetido à prova dialética do método de interpretação da Teoria dos Quatro Discursos, vislumbra-se por entre os galhos desta floresta de saber a constatação: que a posição retórica é mero ponto de partida para doutrina do Jurista Carvalho.

Pauto de Barros Carvalho, ao adotar a postura retórica diante do Direito, outra coisa não fez que encarar o próprio problema de validade do conhecimento, partindo da mais humilde postura do cientista que não se impõe mediante argumentos de autoridade, mas, mediante operações lógicas, faz prevalecer o a força do espírito, para desvendar o espírito da lei.

A referida postura retórica segue num crescendo de confrontos entre seus pressupostos e suas conseqüências, logo, pondo à prova a sua coerência, e, portanto a sua validade.

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E, que coisa interessante, chega-se, sem sombra de dúvida, através de operações retóricas, mas adotando o processo dialético de confrontação de posições e oposições, segundo um método maiêutico, ou seja, mediante um constante questionar, alcançam-se os fundamentos de validade lingüísticos-ontológicos, isto é, a linguagem não é senhora e dona da realidade, tem-se a todo momento a visão da realidade social mediante a consideração dos princípios que informam o Direito, no caso, em seu ramo tributário, prova desta postura pé-no-chão temô-la em seu Curso de direito tributário. São Paulo, Saraiva, 11.ª edição, 1995, p. 54, quando, ao se questionar em que espécie de veículo normativo se converte a medida provisória, se em lei ordinária ou lei complementar, assim disserta:

não havendo previsão constitucional expressa, tudo ficaria na dependência da matéria disciplinada, de tal modo que, ferido tema de lei ordinária, nesta se converteria; se o assunto for pertinente ao âmbito de competência de lei complementar, nesta espécie de diploma normativo haveria de transformar-se; e assim por diante

Entretanto, o nosso tributarista assevera a imprestabilidade desta interpretação, pois não respeita a reflexão, a filosofia, os valores do sistema, e assim se manifesta (1995, p. 55):

Para objetá-la pensemos nos chamados princípios ontológicos: um se aplica ao direito privado: tudo que não estiver expressamente proibido está permitido; outro, ao direito público: tudo que não estiver expressamente permitido está proibido.

Logo, eis provada a insuficiência da mera teoria retórica como único suporte teórico do autor em estudo, e, salvo melhor juízo, acrescentamos o suporte realístico, por assim dizer, que complementa a metodologia retórica, é a adoção da perspectiva fenomenológica, outra coisa não se está fazendo do que provocar o giro da linguagem como auto-referência, como significado na mente do seu usuário e como significante em relação ao objeto, e, de posse dos conceitos e relações lingüisticamente concertadas, procura-se realizar a comparação destes dados teóricos com a realidade social, pois são teorias que visam a eficácia, e este fenômeno é próprio da realidade social, que por mais que seja fundada na linguagem, é também composta de substância, objeto descrito pela própria linguagem, e, é sobre este substrato que atuam as teorias retóricas.

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A retórica objetiva influenciar a feitura de fatos e atos, que nada mais são que entes materiais ou intelectuais vestidos de linguagem, mas dotados de materialidade, porque existem e resistem no tempo e espaço, independentemente desta ou daquela retórica ou linguagem.

Levar ao extremo a consideração das teorias retóricas como instância única para o julgamento do real, é um erro no qual a lucidez de Paulo de B. C. não o deixa incorrer.

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Uma visão extremada do texto como auto-referente implica numa certa coisificação do texto, como se a realidade dele emanasse, o que não ocorre, pois o texto é mero auxílio à memória, como já o disse Platão, pela boca de Sócrates:

LX – Sócrates – Logo, quem presume ter deixado num livro uma arte em caracteres escritos, ou quem a recebe, na suposição de que desses caracteres virá a sair algum conhecimento claro e duradouro, revela muita igenuidade e o desconhecimento total do oráculo de Amão, dado que imagine ser o discurso escrito mais do que um meio para quem sabe, a fim de lembrar-se do assunto de que trata o documento.

Fedro – É muito certo.

Sócrates – É que a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto, parecidíssima com a pintura, pois esta, em verdade, apresenta seus produtos como vivos; mas, se alguém lhe formula perguntas, cala-se cheia de dignidade. O mesmo passa com os escritos. És inclinado a pensar que conversas com seres inteligentes; mas se, com o teu desejo de aprender, os interpelares acerca do que eles mesmos dizem, só respondem de um único modo e sempre a mesma coisa. Uma vez definitivamente fixados na escrita, rolam daqui dali os discursos, sem o menor descrime, tanto por entre os conhecedores da matéria como os que nada têm a ver com o assunto de que tratam, sem saberem a quem devam dirigir-se e a quem não. E no caso de serem agredidos ou menoscabados injustamente, nunca prescindirão da ajuda paterna, pois por si mesmos são tão incapazes de se defenderem como de socorrer alguém.

E de fato, o jurista Carvalho, intuitivamente, obedeceu aos ditames dos quatro discursos, e, ao mesmo tempo não ignorou a realidade ao adotar e ter sempre em vista os princípios ontológicos, e, com isso, deslindar uma fundada visão fenomenológica do Direito, ou seja, dosa a viagem teorética com a vivência empírica do direito enquanto fenômeno social.

O Direito, e seu ramo tributário, segundo a ótica do Dr. Paulo de B. Carvalho, como objeto de conhecimento, é o ato de conhecer, segundo este ou aquele critério parcial; isso quer dizer que jamais a Ciência do Direito poderia esgotar todas as perspectivas a serem consideradas, pois não apreendemos a coisa em si, mas, este ou aquele aspecto da realidade, e, assim, também, com o Direito.

Nada mais escorreito e objetivo que a abordagem do referenciado tributarista, que não se arroga dono da verdade absoluta, mas, que nos fornece com o seu método, mescla de retórica e ontologia, lingüística e fenomenologia, um belo e agradável caminho a trilhar pelas sendas jurídicas estando apto para apreender a verdade conforme o método proposto.

Cada método um caminho, e dentro de dado caminho um objetivo, a verdade, ainda que relativa, porque humana, mas suficiente para orientar a ação, porque ação sem a certeza razoável conferida por um parâmetro de verdade, não será ação, será mero evento aleatório e incontrolável. E, em especial, no campo jurídico, toda ação necessita de direção conferida por uma certeza, afinal, se a norma é feita para incidir, uma doutrina é feita para doutrinar, ou seja, incidir sobre o próprio pensamento de quem interpretará o âmbito de incidência de uma norma qualquer.

A lei se aplica mediante um esforço de doutrina, de retórica, de pensamento, de interpretação, tudo entremeado de valores e ideais, em suma; mas, todas estas operações complexas do espírito servem para modificar a realidade, que sempre permanece independente da retórica, da poesia, da dialética e da lógica, enquanto coisa dada, como natureza, mas potencialmente sujeita a sofrer a incidência material da retórica que visa modificá-la mediante a aplicação da lei, enfim, mediante a ação humana, este animal racional que necessita conhecer para ser, e, assim o mundo que o cerca é alterado por ações oriundas de sua racionalidade, de operações de pensamento, de linguagem, pois pensar é falar consigo mesmo, e antes de agir sempre pensamos no mínimo uma vez.

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Em conclusão, tendo em vista a Teoria dos Quatro Discursos, o posicionamento metodológico-retórico adotado por Paulo de Barros Carvalho é somente uma postura inicial que visa delimitar o âmbito de estudo do Direito como linguagem social prescritiva, dentro de um método maior que é o da Teoria Pura do Direito, mas, apesar de haver o axioma da norma hipotética fundamental, base para o estudo do Direito como sistema hierarquicamente concatenado de forma abstrata em vista da metodologia científica, o nosso jurista nunca esquece que o Direito é nada mais que um dos inúmeros fenômenos ontológicos, com princípios ontológicos, e, por assim dizer: as teorias retóricas desempenham o papel de descrever a forma de apresentação do Direito como linguagem social; entretanto, como forma sem conteúdo não existe, as teorias retóricas enquanto forma sempre terão que dialetizar com o conteúdo normativo, com os fatos da realidade social, com a natureza das coisas que sempre precedem as palavras na ordem do ser, pois o mundo não é uma afirmação que procede da linguagem, é a linguagem que procede da auto-referência do mundo, dada a constatação que antes da linguagem humana o descrever, a natureza primeiro descreveu o homem mediante uma linguagem biológica e evolucionista, fazendo-nos passar da condição do intelecto meramente animal para o racional.


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COÊLHO, Werner Nabiça, TEORIAS RETÓRICAS NA OBRA DE PAULO DE BARROS CARVALHO - UMA INTRODUÇÃO AO TEMA, In: Doutrinas Essenciais - Direito Tributário - Princípios Gerais.1 ed.São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, v.1, p. 541-551. 





 
COELHO, Werner Nabiça. As teorias retóricas e os fundamentos da incidência jurídica na obra de Paulo de Barros Carvalho.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2534>. Acesso em: 1 maio 2016.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

O MITO DA LEGALIDADE É RAZÃO LIBERTA DO DESEJO!


 

Há quem afirme que a constituição é “a nova morada de Deus(CHAUÍ, apud NADAL, p. 129).

Ao considerarmos a constituição como mito, afirmamos que o próprio princípio da legalidade é um mito, pois simboliza a legalidade em alto grau normativo.

A idéia de constituição torna-se, portanto, um princípio basilar do pensamento jurídico, em seu nível poético, no sentido de fonte criativa de imagens inspiradoras da ação (princípios), ao ser compreendido como norma fundamental, para, em última análise, servir de base de sustentação ao discurso sagrado da legitimidade de uma espécie de religião civil à moda do contrato social iluminista.

A constituição, como símbolo que representa o mito da legalidade, numa perspectiva antropológica girardiana, possui estreita relação com a necessidade humana de prevenção da erupção da violência, e, portanto, é uma condição de possibilidade para a própria existência da vida em sociedade.

A doutrina do Direito Constitucional nos ensina que o Poder Constituinte é fruto de uma Revolução Política, cuja energia seria oriunda do Povo, que tanto pode assumir um caráter de crise violenta e imprevisível, como pode ser pacífica, e criada por meio de uma Assembleia Constituinte, incumbida de fundar uma nova ordem constitucional. 

A linguagem simbólica da ciência política trata o ser humano, vivo, espiritual e carnal, com base em abstrações: "Revolução", "Poder", "Povo" e "Assembleia", que convidam nossa imaginação a vislumbrar panoramas épicos, em que os heróis criam uma sociedade política impessoal e purificada dos males do passado, como se toda mudança política fosse resultado de uma evolução progressiva, para formas mais perfeitas de Estado.

Todavia, por mais mitológica que seja a construção da ideia de lei, tal imagem não é fruto de um processo irracional, pois há uma necessidade humana de estabilidade e segurança, que deve ser atendida, e esta necessidade é suprida pela criação de processos sociais fornecedores de mediação externa nas relações humanas. 

A mediação externa é operada por um terceiro situado simbolicamente acima das partes, superioridade que impõe uma ordem normativa incontestável, esta é a estrutura básica do mito, quando os heróis em conflito são punidos ou agraciados pelos deuses, ordem versus caos, uma vez que a violência é oriunda das mediações internas, em que os contendores estão no mesmo nível de desejo, e são potenciais competidores num processo autodestrutivo de vingança interminável.

Aristóteles renega a irracionalidade da idéia de lei, e, demonstra que o predomínio da emoção será afastado com a aceitação do princípio (mito) da legalidade, nestes termos:


Na verdade, tudo o que a lei parece ser incapaz de resolver, também não pode ser conhecido por um só indivíduo. A lei que formou adequadamente os magistrados, encarrega-os de dividir e resolver “do modo mais eqüitativo possível” as restantes questões. Ademais, concede-lhes o direito de corrigir o que, em resultado da experiência, lhes parece ser melhorável em relação às leis escritas. Assim, exigir que a lei tenha autoridade não é mais que exigir que Deus e a razão predominem; pelo contrário, exigir o predomínio dos homens é adicionar um elemento animal; o desejo cego é semelhante a um animal e o predomínio da paixão transtorna os que ocupam as magistraturas, mesmo se forem os melhores dos homens. A lei é, pois, a razão liberta do desejo. (ARISTÓTELES, 1998, p. 259) (destaques no original)

A mediação externa significa, pois:

Exigir que a lei tenha autoridade não é mais que exigir que Deus e a razão predominem,

porque, de outra forma, somente restará a danosa mediação interna, para a qual:
exigir o predomínio dos homens é adicionar um elemento animal,

pois o predomínio do desejo cego implica em conflitos diretos, num processo de mediação interna, que gera um crescendo de atos de violência nas relações interpessoais, até que estoure um crise de vinganças infinitas, a crise mimética.

Quando os participantes de uma relação social são colocados em conflitos de interesses, suas condutas podem ser transtornadas pela paixão.

Para conter o conflito, resultante da mediação interna inerente às partes, que estão emocionalmente envolvidas, deve-se criar uma situação contrabalanceada pela “razão liberta do desejo”, por meio da mediação externa.

A sacralidade da lei é o fundo mitológico-poético sobre a qual se erige a idéia de legalidade, e seus representantes, os agentes da ordem normativa, permite que o virtual conflito da rivalidade mimética encontre um limite objetivo, interposto entre os interesses subjetivos em conflito, mediante a presença um terceiro em posição simbólica superior.

O mito da legalidade, a idéia de que a lei é sagrada, se impõe para ordenar e mediar o fenômeno da universalidade do desejo, e da violência, existentes na presença de mediação interna, inerente aos conflitos de interesses do cotidiano social.

A universalização do mito da constituição, encarado como o símbolo da legalidade em último grau, que serve de princípio ordenador para toda a ordem legal normativa, gera a possibilidade de mediação externa nas relações sociais, estrutura simbólica que torna o exercício das magistraturas um dever sagrado para com a lei, que neste caso é erigida como a representação de Deus, da Razão e do Povo.

Assim sendo, a imaginação humana considera-se liberta da opressão, quando não mais se encontra sob a sujeição do ódio ou do medo, nem a este ou àquele poder pessoal.

O mito da legalidade é, assim, erigido como a base de sustentação da mediação externa, que opera institucionalmente, sobre os conflitos intersubjetivos, pois se estabelece a simbólica da superioridade e racionalidade da lei, e não da vontade pessoal de outrem, o agente da ordem não age em nome próprio, mas em nome da lei.


 

Maximiliano (1961, p. 20) assevera que:
 
O Direito precisa transformar-se em realidade eficiente, no interesse coletivo e também no individual”; sem esquecermos que “[...] toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não se verificarem com esmero, o sentido e alcance das suas prescrições”(MAXIMILIANO, p. 23)

A partir da prévia aceitação do mito da legalidade desenvolve-se os métodos hermenêuticos e interpretativos, pois sem a expressa aceitação deste pressuposto simbólico não é possível desenvolver o discurso poético fundador da ordem legal.


 

A poética do discurso sacraliza a idéia de constituição, que será o fundamento para estabelecer padrões (mediação externa) para os diversos discursos retóricos (mediação interna).

As retóricas, quando alicerçadas na ordem legal, são operadas pelas partes em conflito, passam a ser mediadas pela superioridade da "vontade da lei" ou "vontade dos legisladores", quando as retóricas não apelam para a superioridade lei, descambam para soluções violentas "fora da lei".

Quando o mito da legalidade está sedimentado socialmente, a legitimidade da ordem social daí decorrente é a condição suscetível de racionalizar o debate necessário ao discurso dialético interpessoal.

A aceitação de um referente externo e objetivo, criador de uma mediação externa a ser dirigida pela autoridade competente, eleita pela ordem legal como mediador, permite a criação do momento decisório típico da linguagem jurídica.

Este momento decisório, com base no princípio da legalidade, implica na dialética do devido processo legal, que se conclui na lógica da decisão jurídica.

Em suma, para que os quatro discursos humanos, interligados no fenômeno comunicacional (Olavo de Carvalho, 1996), sejam operados de forma eficiente pelo cidadão, pelo jurista e pelo político, estes devem sempre afirmar e reafirmar sua fé no mito da legalidade, ao aceitar a prevalência simbólica de seu livro sagrado: a constituição.



REFERÊNCIAS



ARISTÓTELES. Política . Edição bilíngüe. Lisboa: Vega, 1998.



CARVALHO, Olavo de, Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos.Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.



MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito . 7ed., São Paulo: Freitas Bastos, 1961.



NADAL, Fábio. A Constituição como mito: o mito como discurso legitimador da constituição. São Paulo: Método, 2006.