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sábado, 16 de abril de 2016

PLATÃO O CRIADOR DO ARGUMENTO DE “O SENHOR DOS ANÉIS” E O LIBERALISMO EM ESTADO BRUTO.



Estava a ler o Livro II da República de Platão, e, de repente não mais que de repente, dou de cara com o enredo básico do “Um Anel” e com o mito fundador do liberalismo em seu estado mais bruto.


Então quando Glauco questiona Sócrates sobre o conceito da justiça e da injustiça, passa a desenvolver uma hipótese na qual a liberdade de fazer o que bem lhe parecer deveria ser conferida para o homem, e, em seguida, seria possível verificar aonde esta liberdade vai os conduzir “pois é apenas a força da lei que os obriga a respeitar a igualdade” (359c), e, assim, Platão, pela boca de Glauco cria uma parábola, ou mito, do anel da invisibilidade:
A melhor maneira de alcançar a liberdade a que me refiro seria dar-lhes o poder que outrora teve Giges [...] era um pastor a serviço do rei da Lídia. Por ocasião de um grande temporal acompanhado de tremor de terra, o solo se abriu formando-se uma fenda no lugar em que ele levara a pastar o seu rebanho. Ao ver isso, tomado de admiração, penetrou na abertura, tendo percebido, segundo contam, entre outras maravilhas, um cavalo de bronze, oco e provido de pequenas janelas, através das quais, enfiando a cabeça, notou um cadáver que se lhe afigurou de proporções mais do que humanas: inteiramente despido, deixava apenas ver um anel de ouro numa das mãos. Retirando-o, voltou Giges para cima. Na reunião habitual dos pastores, para apresentarem ao rei o relatório mensal do estado do rebanho, compareceu também Giges com o anel no dedo. Como estivesse sentado no meio dos outros, aconteceu de virar casualmente a pedra do anel para a palma da mão, com o que imediatamente se tornou invisível para os circunstantes, que passaram a referir-se a ele como se já não se encontrasse ali presente. Cheio de admiração, tornou a mexer o anel e virou o engaste para o lado de fora, depois do que voltou a ficar visível. Tendo percebido o que se dera, fez várias experiências para ver se, de fato, era o anel dotado de tão extraordinária virtude, e sempre com o mesmo resultado: tornava-se invisível quando a pedra era virada para dentro, voltando a aparecer quando a dirigia para fora. De posse desse conhecimento, trabalhou para ser um dos mensageiros para o rei, e, chegado à corte, seduziu a rainha, com a sua ajuda atacou o rei, assassinou-o e apoderou-se do trono”. (359d-360b)


Glauco prossegue argumentando que este nível de liberdade de ação é capaz de corromper qualquer pessoa, mesmo o homem justo, pois o nível da liberdade seria o de “fazer tudo o mais, tal qual um deus entre os humanos” (360c).


Pois bem, de uma só tacada temos a semente milenar de O Senhor dos Anéis e, também, o argumento definitivo acerca da imoralidade da liberdade sem freios, que é o liberalismo sem moral, que se pretende politicamente correto com base em relativismos que desconsideram os valores que são verdadeiros e devem ser conservados.



Por enquanto é isso pessoal.



WERNER NABIÇA COÊLHO


A REPUBLICA DE PLATÃO: O JUSTO E O INJUSTO PERFEITOS

Platão criou duas hipóteses interessantes sobre o ato de ser justo, uma que antecipou o advento de Cristo, outra que forneceu o argumento da obra "O Príncipe" de Maquiavel.

Estava Sócrates a discutir com Glauco acerca da encarnação da justiça perfeita e de seu contrário, e assim prossegue o diálogo, que transcrevo em diversas linhas separadas para realçar o valor poético do texto:

"Para podermos, agora, formar juízo sobre a vida desses dois tipos de que falamos, o justo e o injusto no grau mais elevado, será preciso isolá-los completamente

...imaginemos cada um deles como perfeito na sua maneira de viver.

Para começar, façamos do homem injusto um profissional completo em sua atividade.

Um hábil piloto ou um médico sabem distinguir perfeitamente o que é ou não possível nas respectivas profissões, empreendendo aquilo e abandonando o resto.

No caso de cometer algum engano são suficientemente hábeis para repará-lo.

Da mesma forma deverá proceder o homem injusto, que praticará com todas as regras da arte as suas malfeitorias, sem nunca se deixar colher em flagrante; caso queira, de fato, apresentar-se como mestre consumado de injustiça, sem de nada privá-lo...

...à prática dos piores crimes alie a mais elevada reputação de justiça; se chegar a dar algum passo em falso, seja capaz de corrigi-lo;

no caso de vir a ser conhecido algum dos seus atos, terá de dispor de dotes oratórios para justificar-se, além de poder decidir-se pela violência, sempre que esta se fizer necessária, ora com o emprego da coragem pessoal e da força, ora com os recursos materiais e a influência de amigos que tenha sabido angariar.

O justo como verdadeiro homem de bem, se for despojado de todas as honrarias e bens materiais com exceção da justiça, para que venha a formar perfeito contraste com o anteriormente concebido:

sem haver cometido a menor falta, passa a ser o tipo acabado do criminoso.

Posta, assim, à prova sua justiça, vejamos se se deixa abalar da má reputação e das suas consequências.

Mostra-se firme até à morte;

sendo justo, pareça injusto enquanto viver, para que, tendo ambos atingido a meta extrema,
um da justiça e o outro da injustiça,

seja possível decidirmos qual deles foi o mais feliz."
(360e-361b)


(Platão, A República, UFPA, p. 97-9)


Como bem se pode observar, com o dito por Sócrates, o homem justo, ao atingir a perfeição da justiça, será tratado como criminoso, sendo levado a enfrentar a morte e a solidão, será execrado em vida e considerado um pária.

O homem injusto, no ápice da maestria de sua arte do mal, terá todos os recursos possíveis em seu favor, terá reputação, amigos, dinheiro e poder, para agir como bem entender, e, assim, iludir a todos ao seu redor com uma boa reputação imerecida, fruto da própria injustiça.

Apesar de a descrição da vítima perfeita também ser aplicável ao próprio Sócrates, com mais razão ainda tal descrição do portador da justiça perfeita se aplica ao Cristo, o cordeiro de Deus, despojado e dotado de mansidão até o amargo fim.

Enquanto que o homem dotado da injustiça, no mais alto grau, é o paradigma daquilo que Maquiavel descreveu, um senhor deste mundo, um sacrificador que lava suas culpas com o sangue alheio e não mede esforços para triunfar sobre o próximo.
WERNER NABIÇA COÊLHO