Quando somos jovens, ansiamos pela batalha.
Nos salões iluminados pelo fogo, ouvimos canções sobre heróis
- como eles mataram na guerra, romperam a parede de escudos e encharcaram a espada com o sangue dos inimigos.
Nos salões iluminados pelo fogo, ouvimos canções sobre heróis
- como eles mataram na guerra, romperam a parede de escudos e encharcaram a espada com o sangue dos inimigos.
Quando
jovens, ouvimos os guerreiros se vangloriando, ouvimos suas risadas
enquanto se lembram das batalhas e seus gritos de orgulho quando seu
senhor os faz recordar alguma vitória difícil.
E os jovens que não lutaram, que ainda não seguraram os escudos ao lado de outro homem na parede, são menos prezados.
Por isso treinamos.
E os jovens que não lutaram, que ainda não seguraram os escudos ao lado de outro homem na parede, são menos prezados.
Por isso treinamos.
Dia
após dia treinamos com lança, espada e escudo. Começamos na infância,
aprendendo a brandir uma espada com armas de madeira, e hora após hora
somo golpeados e golpeados.
Lutamos contra homens que nos machucam para ensinar, aprendemos a não chorar quando o sangue do couro cabeludo cobre os olhos, e lentamente ficamos mais habilidosos com a espada.
Lutamos contra homens que nos machucam para ensinar, aprendemos a não chorar quando o sangue do couro cabeludo cobre os olhos, e lentamente ficamos mais habilidosos com a espada.
Então
chega o dia em que recebemos a ordem de marchar com os homens, não como
crianças para segurar os cavalos e catar armas depois da batalha, e sim
como homens.
Se tivermos sorte, teremos um elmo velho e amassado e um gibão de couro, talvez até uma cota de malha que pende feito um saco.
Teremos uma espada com mossas no gume e um escudo marcado por armas inimigas.
Somos quase homens, não exatamente guerreiros, e em algum fatídico dia encontramos um inimigo pela primeira vez e ouvimos as canções da batalha, o choque ameaçador das lâminas contra os escudos,
e começamos a descobrir que os poetas estão errados e que as canções que falam de orgulho mentem.
Teremos uma espada com mossas no gume e um escudo marcado por armas inimigas.
Somos quase homens, não exatamente guerreiros, e em algum fatídico dia encontramos um inimigo pela primeira vez e ouvimos as canções da batalha, o choque ameaçador das lâminas contra os escudos,
e começamos a descobrir que os poetas estão errados e que as canções que falam de orgulho mentem.
Mesmo antes de as paredes de escudos se encontrarem, alguns homens se cagam.
Eles tremem de medo. Bebem hidromel e cerveja. Alguns se vangloriam, entretanto a maoiria fica em silêncio até que se juntam num cântico de ódio.
Alguns contam piadas e a risada é nervosa. Outros vomitam.
Eles tremem de medo. Bebem hidromel e cerveja. Alguns se vangloriam, entretanto a maoiria fica em silêncio até que se juntam num cântico de ódio.
Alguns contam piadas e a risada é nervosa. Outros vomitam.
Nossos
líderes de batalha discursam para nós, falam dos feitos dos nossos
ancestrais, da imundície que é o inimigo, do destino das nossas mulheres
e crianças senão vencermos.
E entre as paredes de escudos os heróis se pavoneiam, desafiando-nos ao combate um contra um.
Vemos os campeões do inimigo e eles parecem invencíveis. São homens grandes, de rosto sério, cobertos de ouro, reluzindo em sua cota de malha, confiantes, cheios de desprezo, selvagens.
E entre as paredes de escudos os heróis se pavoneiam, desafiando-nos ao combate um contra um.
Vemos os campeões do inimigo e eles parecem invencíveis. São homens grandes, de rosto sério, cobertos de ouro, reluzindo em sua cota de malha, confiantes, cheios de desprezo, selvagens.
A
parede de escudos fede a merda, e tudo que os homens querem é estar em
casa, em qualquer lugar que não nesse campo, se preparando para a
batalha, mas nenhum de nós vai se virar e fugir, caso contrário será
desprezado para sempre.
Fingimos que queremos estar ali, e, quando enfim a parede avança, passo a passo, e o coração bate ligeiro como as asas de um pássaro, o mundo parece irreal.
Fingimos que queremos estar ali, e, quando enfim a parede avança, passo a passo, e o coração bate ligeiro como as asas de um pássaro, o mundo parece irreal.
E então, pela primeira vez, ouve o trovão das paredes de escudos se encontrando, o clangor das espadas, e começaram os gritos.
Isso nunca vai acabar.
Até o mundo terminar no caos de Ragnarök, lutaremos pelas nossas mulheres, por nossa terra e por nossos lares.
Alguns cristãos falam de paz, do mal que é a guerra, e quem não quer a paz?
Mas então algum guerreiro enlouquecido vem gritando o nome imundo do deus dele na sua cara.
As únicas ambições dele são matar você, estuprar sua esposa, escravizar suas filhas e tomar sua casa, por isso você precisa lutar.
Então
verá homens morrendo com tripas embrenhadas na lama, com o crânio
aberto, sem os olhos, os ouvirá engasgando, ofegando, chorando,
gritando.
Verá seus amigos morrerem, escorregará nas tripas de um inimigo, encarará um homem enquanto enfia a espada na barriga dele, e, se as três senhoras do destino ao pé da Yggdrasil o favorecerem, você conhecerá o êxtase da batalha, o júbilo da vitória e o alívio de sobreviver.
Verá seus amigos morrerem, escorregará nas tripas de um inimigo, encarará um homem enquanto enfia a espada na barriga dele, e, se as três senhoras do destino ao pé da Yggdrasil o favorecerem, você conhecerá o êxtase da batalha, o júbilo da vitória e o alívio de sobreviver.
Então irá para casa e os poetas vão compor uma canção sobre a batalha.
E talvez seu nome seja cantado e você se vanglorie de sua proeza.
Os jovens ouvirão com espanto e inveja e você não falará do horror.
Não dirá como é assombrado pelo rosto dos homens que matou, como no último fôlego eles pediram piedades e você não teve nenhuma.
E talvez seu nome seja cantado e você se vanglorie de sua proeza.
Os jovens ouvirão com espanto e inveja e você não falará do horror.
Não dirá como é assombrado pelo rosto dos homens que matou, como no último fôlego eles pediram piedades e você não teve nenhuma.
Não
vai falar dos rapazes que morreram gritando pela mãe enquanto você
torcia uma lâmina nas tripas deles e rosnava seu desprezo.
Não vai confessar que acorda à noite coberto de suor, com o coração batendo forte, tentando escapar das lembranças.
Não vai falar disso porque esse é o horror, e o horror é contido no baú do coração, é um segredo.
E admiti-lo é admitir o medo, e somos guerreiros.
Não vai confessar que acorda à noite coberto de suor, com o coração batendo forte, tentando escapar das lembranças.
Não vai falar disso porque esse é o horror, e o horror é contido no baú do coração, é um segredo.
E admiti-lo é admitir o medo, e somos guerreiros.
Não tememos. Pavoneamos. Vamos para a batalha com heróis. Federmos a merda.
Mas suportamos o horror porque precisamos proteger nossas mulheres, manter nossos filhos longe da escravidão e guardar nossos lares.
Por isso os gritos nunca irão terminar, até que o próprio tempo acabe.
Mas suportamos o horror porque precisamos proteger nossas mulheres, manter nossos filhos longe da escravidão e guardar nossos lares.
Por isso os gritos nunca irão terminar, até que o próprio tempo acabe.
BERNARD CORNWELL, O portador do fogo, p. 258-260