sábado, 7 de janeiro de 2017

ERIC VOEGELIN: REFLEXÕES AUTOBIOGRÁFICAS - 01

Eric Voegelin

Eliz Sandoz, na introdução às Reflexões autobiográficas, diz que Eric Voegelin nesta obra possui a virtude de nos fazer participar da concretude de sua experiência pessoal, e que este filósofo serve-nos de guia no caminho para fora da "confusão do colapso das instituições, do embotamento intelectual e da corrupção pessoal" (p. 14).

Voegelin buscou "recuperar a realidade em um mundo dominado por segundas realidades, sem falar em realidades virtuais" (p. 15), e, neste ponto, Sandoz destaca o conflito entre a percepção da realidade empírica e as percepções ideológicas e metastáticas, pelo que extraímos algumas definições da obra Israel e a revelação a respeito do assunto:


"A fé metastática é uma das grandes fontes de desordem, se não a principal, no mundo contemporâneo; e é uma questão de vida ou morte para todos nós compreender o fenômeno e encontrar remédios para combatê-lo antes que ele nos destrua"
 
"A ideologia é a existência em rebelião contra Deus e o homem. É a violação do primeiro e do décimo mandamentos, se quisermos empregar a linguagem da ordem israelita, é a nosos, a doença do espírito, empregando a linguagem de Ésquilo e Platão. A filosofia é o amor ao ser por meio do amor ao Ser divino como a fonte de sua ordem. O Logos do ser é o objeto próprio da investigação filosófica, e a busca da verdade concernente à ordem não pode ser conduzida sem um diagnóstico dos modos de existência na inverdade" (Eric Voegelin, Israel e a revelação, 3ª edição, São Paulo, Edições Loyola, 2014, p. 31-2)

Se bem que ainda não consegui distinguir a noção de segundas realidades (ideologia?) e realidades virtuais (fé metastática?), este ponto merece alguma pesquisa complementar.



Cronologicamente, o capitulo dois precede o primeiro, pois relata a experiência de Voegelin no ensino médio, seu domínio da matemática, favorecido pelo ensino de seu professor Philip Freud, ao ponto de, já naquela tenra idade, compreender a teoria da relatividade, como ele mesmo relata, e, inclusive, referido docente chamou a atenção para:
"o fato de que, de acordo com a nova teoria dos átomos, quando você serra um pedaço de madeira, está separando estruturas atômicas. A possibilidade de separar estruturas atômicas cm uma serra de mão era para ele a coisa mais intrigante de toda a estrutura da realidade física, Freud vira ali o problema da redução e da autonomia dos vários estratos da realidade do ser." (2007, p. 28)

Voegelin, ainda a propósito do tema da "estratificação da realidade", rememora que, num teste de química, ignorava que o ácido cítrico poderia ser obtido espremendo-se limões, mas, cuja composição conhecia teoricamente,  e,  por conta disso, tirou nota baixa.

Ainda no ensino médio, Voegelin relata como passou um semestre estudando Hamlet, com base nas teorias de psicológicas de Alfred Adler.

Interessante a passagem em que Voegelin afirma que foi marxista por alguns meses, após ler O Capital, por conta do prestígio da Revolução Russa, mas, que o efeito desta conversão durou pouco quando passou a estudar economia.

De tal relato emerge um nível de ensino escolar que hoje julgamos ser digno de pós-graduação, e, então, quando se inicia o ensino superior propriamente dito, temos as influências, entre outros, de Mises e Kelsen, que por meio de seus seminários, tanto na universidade, quanto privados, possibilitaram relações pessoais e intelectuais fecundos, que perduraram por toda a sua vida.

Voegelin relata, ainda, que a instituição da República,  com a queda da monarquia, intensificou-se o antissemitismo na sociedade e no governo, fato que impediu diversos de seus amigos judeus de seguirem carreiras universitárias, fazendo-os enveredar para o mundo dos negócios, enquanto, simultaneamente, continuavam suas vivências intelectuais.
Max Weber
Chegamos, assim, ao terceiro capítulo, em que relata a influência de Max Weber, o que me atiçou curiosidade de ler o texto "Ciência e política: duas vocações", sob a perspectiva apontada por Voegelin, de que Weber compreendeu que os chamados "valores" são ideologias, não proposições científicas (p. 31), e, que o citado sociólogo aplicava a ética da responsabilidade, segundo a qual autor de determinada ação é responsável pelas consequências de seus atos, e que  "A intenção moralizadora não justifica a imoralidade da ação" e a "Ideologia não é ciência, e os ideais não substituem a ética" (p. 32).

Voegelin indica, porém, que a metodologia de Weber errou ao excluir os "juízos de valor", na busca de uma certa neutralidade científica não ideológica, que implicava em não se distinguir valores ideológicos, arbitrários, de juízos de valores éticos, racionais, o que tornava não declarado e "oculto" o próprio fundamento ético-cultural, judaico-cristão e greco-romano, da ética da responsabilidade.

Portanto, Weber, formalmente, por uma questão de metodologia, ignorava as razões empíricas existentes no desenvolvimento histórico e cultural que fundamentam a "a ordem racional da existência" (p. 33) da civilização Ocidental, assim, o desenraizamento de tais fundamentos lança a pessoa e a sociedade na "espiral de aventuras idealistas e ideológicas em que os fins se tornem mais fascinantes que os meios." (idem), e, para concluir, Voegelin considera que:

"Weber comprovou de uma vez por todas que, no campo das ciências sociais e  políticas, não se pode ser um acadêmico qualificado sem conhecer profundamente o assunto. Isso significa adquirir o conhecimento comparado das civilizações - não apenas da civilização moderna, mas também da medieval e da antiga, e não apenas do Ocidente, mas Também do Oriente Próximo e o Extremo Oriente - e, em contato com as diversas especializações científicas, manter atualizado esse conhecimento. Quem assim não procede não tem o direito de dizer-se um cientísta empírico, e decerto deixa a desejar como acadêmico da área." (2007, p. 33)

Fonte:
 

Eric Voegelin, Israel e a revelação, 3ª edição, São Paulo, Edições Loyola, 2014.
 

Eric Voegelin, Reflexões autobiográficas, São Paulo, É Realizações, 2007.

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