Um dos primeiros livros de nível universitário que comprei na vida, lá bem no
início dos anos 1990, na agora extinta Livraria Cejup que se localizava à Av. Assis
de Vasconcelos em Belém, Pará, foi
O declínio da cultura ocidental, de Allan Bloom, obra escrita em 1987, que já diagnosticava os efeitos perniciosos do marxismo cultural nos Estados Unidos, e cujo problema poderia ser solucionado mediante o tratamento de reencontrarmos a coerência da vida e da realidade através da leitura dos grandes clássicos, assim, deixo-vos com esta passagem que opera uma síntese geral do problema e apresenta o início da correção:
O que determina a vida de um organismo inteiro é o local onde reside o poder.
E os problemas intelectuais que não são resolvidos no ponto máximo não podem sê-lo ao nível inferior da administração.
A dificuldade está na total carência de unidade das ciências e na falta de vontade e de meios para discutir a questão.
A doença no nível superior causa a doenças no nível inferior [...].
Evidentemente, a única solução séria é que quase todo mundo rejeita: o retorno aos Grandes Livros antigos (negritamos).
Para adquirir uma cultura geral, cumpre ler certos textos clássicos de valor reconhecido,
apenas ler,
deixando que eles ditem as questões e o método para abordá-las -
não os obrigando a entrar nas categorias que nós engendramos,
não os tratando como produtos históricos,
mas procurando lê-los como seus autores gostariam que fossem lidos.
Estou perfeitamente a par e na verdade até concordo com as objeções ao culto dos Grandes Livros:
é amadorísticos e encoraja a presunção dos autodidatas sem competência, não é possível que se leiam detidamente todos os Grandes Livros e, se apenas lemos essa coleção, jamais saberemos o que é uma grande obra por oposição a outra comum;
ninguém sabe quem deve decidir o que é um Grande Livro ou qual é o cânone;
os livros se transmutam em fins, em vez de ser meios;
todo o movimento em prol da sua leitura tem tom de evangelismo grosseiro, contrário ao bom gosto; gera uma intimidade espúria com a grandeza - e assim por diante.
Uma coisa é certa, porém: quando os Grandes Livros constituem uma parte basilar do currículo, os alunos ficam emocionados e satisfeitos, têm a impressão de estar fazendo um trabalho independente em que se realizam, recebendo da universidade algo que não poderiam conseguir fora dela.
O simples fato dessa experiência particular, que não conduz a nada além de si mesma, oferece aos alunos uma nova alternativa a respeito pelo próprio estudo.
Agora, eis as vantagens:
consciência da importância dos clássicos, deveras importante para os calouros;
o conhecimento do que eram as grandes questões, quando ainda havia grandes questões;
modelos, no mínimo, para tentar equacioná-las;
e, o que talvez seja o mais importante de tudo, um fundo de experiências e de pensamentos compartilhados, que serve de fundamento para o estreitamento das amizades.
Programas baseados no uso judicioso dos grandes textos abrem a estrada larga que leva ao coração dos estudantes.
Ao aprenderem sobre Aquiles ou sobre o imperativo categórico, exprimem uma gratidão ilimitada.
Alexander Koyré, o historiador da ciência já falecido, contou-me que sentiu enorme estima pelos Estados Unidos quando um aluno, no primeiro curso que ele ministrou na Universidade de Chicago, no começo de seu exílio, em 1940, se referiu numa prova ao Sr. Aristóteles, o que é impensável para muitos intelectuais.
Um bom programa de cultura geral incute no estudante o amor da verdade e a paixão de viver uma existência feliz.
Seria a coisa mais fácil do mundo programar cursos adaptados às condições particulares de cada universidade, capazes de emocionar quem os siga.
A dificuldade reside em que a faculdade o aceite. (p. 346-7)
Fonte:
Allan Bloom, O declínio da cultura ocidental, 3ª edição, São Paulo, Best Seller, 1989.