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domingo, 20 de agosto de 2017

VIRIATO E A LUTA LUSITANA CONTRA ROMA, por Césare Cantú



Na Espanha ulterior, P. Cornélio Cipião, Póstumo e outros mais (195-179) subjugaram os lusitanos, os turdetanos e os vacianos (Portugal, Lião e Andaluzia), e os romanos puderam vangloriar-se de terem subjugado tôda a Península.

Porém um domínio de ferro não permitia que a paz ali durasse um longo tempo. Os romanos consideravam a Espanha como esta, séculos depois considerou a América, isto é, como um país de que se tratava de tirar a maior quantidade de ouro possível. O triunfo mais glorioso era o do general que trazia mais dêste metal em barras. Além disso, os procônsules mandados àquela província para lá conterem êsses leões encadeados, porém não domados, ali saciavam a sua própria avareza, exercendo o monopólio de cereais e causando a fome no país.

Os vencidos encontraram um vingador no lusitano Viriato. A guarda dos rebanhos e a caça tinham feito dêle um excelente chefe de bandos. Êle conhecia tôdas as passagens, a menor sebe, o fôsso mais ínfimo; um instante lhe bastava para reunir sua gente que também ràpidamente dispersava. Apenas acabava de se bater contra o inimigo no fundo de um vale, logo o viam provocá-lo por insulto no alto de alguma montanha. Auxiliado pelos povos da Espanha citerior e principalmente pelos numantinos, êle dirigiu as suas vistas para um ponto mais elevado do que poderia esperar dum chefe de guerrilhas e se decidiu a confederar os lusitanos com os celtíberos, único meio, para a Espanha, de poder fazer frente aos romanos.

Guiando os seus, de vitória em vitória, derrotou sucessivamente cinco pretores. Porém Metelo, o Macedônio, o mesmo que dizia: Se minha túnica soubesse o penso, queimá-la-ia, frase muitas vêzes repetida depois, se lhe opôs com êxito.  Tendo um dos principais cidadãos de Nertobriga, cercada então pelos romanos, saído da cidade para se lhes entregar, os sitiados, para dêle se vingarem, colocaram sôbre a muralha sua mulher e seus filhos, expondo-os aos tiros do inimigo; porém Metelo mandou suspender o ataque e renunciou a uma conquista certa. Êste ato de humanidade atraiu ao seu partido a Espanha terragonesa que se apressou a submeter-lhe. Porém, no meio dos seus triunfos, soube que era chamado a Roma e que lhe davam por sucessor Quinto Pompeu, homem obscuro e seu inimigo particular. Longe de ter a generosidade de sacrificar o seu ressentimento ao interêsse público, êle procurou desanimar o exército, deixando esgotar os armazéns, morrer os elefantes e até mandando quebrar os dardos. Contudo, existia ainda um corpo de exército temível se Pompeu não tivesse comprometido o estado das coisas pela sua temeridade; de tal modo qu Viriato conseguir cercar o procônsul Fábio Serviliano. Êle teria podido passar suas legiões a fio da espada; ofereceu-lhe, contudo, a paz com a única condição de que os romanos, guardando o resto da Espanha, o reconheceriam senhor do país sôbre o qual dominava. O senado confirmou o tratado e Viriato adquiriu assim o que desejava, um reino independente à custa da república romana.

Teria podido tornar-se o Rômulo da Espanha, porém, Servílio Cipião, cônsul sem consideração, solicitou de Roma a permissão de romper a paz; obteve-a e, vendo que não conseguia por meio dos pequenos insultos por êle postos em prática, impelir Viriato a uma ruptura, declarou-lhe abertamente a guerra, sem razão nem pretexto e devastou o país. Depois de diversas alternativas, Viriato viu-se obrigado a pedir a paz. Cipião, exigindo-lhe que entregasse os que tinham excitado certas cidades à revolta, êle se submeteu a essa infame condição, ainda que seu sogro fôsse do número dos exigidos, e sofreu que lhes cortassem a mão direita; porém, quando o cônsul, tornado mais audaz, exigiu que desarmasse as suas tropas, Viriato, retomando a sua cólera varonil, recomeçou as hostilidades. Contudo, como não desesperava de obter a paz, não cessava de enviar ao cônsul oficiais encarregados de se entenderem com êle. Cipião corrompeu alguns dêles que assassinaram o valente lusitano. Voltaram ao campo dos romanos para reclamarem sua recompensa; porém o cônsul lhes respondeu que os generais de Roma estavam pouco dispostos a recompensar os assassinos do seu próprio general, e que o mais que podia fazer era conceder-lhes as vidas. Pela sua vez o senado recusou as honras do triunfo ao infame Cipião.

Césare Cantu, História Universal, vol. 04, São Paulo: Editora das Américas, 1961, p. 435-8