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domingo, 16 de outubro de 2016

PETER KREEFT ENSINOU: O MISTÉRIO DO "EU"!


Platão "reencarnou", sabe, aquele negócio de metempsicose (gr. μετεμψύχωσις, meta “alem de”,psique “alma”), e foi batizado Peter Kreeft para criar novos diálogos socráticos, e entre "As melhores coisas da vida", Sócrates dialoga sobre o mistério do "eu", trechinho que agora compartilho:

"PETER: Então, por que devemos falar em "pessoa"? Por que não apenas computadores?

SÓCRATES: Porque para uma tal cadeia de programação precisamos de um primeiro programador não programado, ou um programador que possa questionar sua programação e dar início a novos programas. Alguém deve empurrar a primeira peça do dominó.

PETER: Isso soa como um novo argumento para a existência de Deus.

SÓCRATES: O mesmo princípio funciona tanto num caso como no outro. É o princípio de causalidade, que diz que você não pode dar aquilo que não tem, que efeitos não podem existir sem as causas adequadas, que não pode haver menos na causa total do que no efeito. Esse princípio parece exigir a existência de uma causa primeira, tanto para a natureza como para a inteligência, natural ou artificial.

PETER: Eu não sei quanto a Deus. Vamos falar de algo que nós conhecemos: nós mesmos.

SÓCRATES: Algo que você conhece, talvez. Quanto a mim, eu acho o eu um mistério, do mesmo modo como acho Deus um mistério.

PETER: Eu pensei que o seu lance era justamente o "conhece-te a ti mesmo".

SÓCRATES: E é. E por que você acha que eu ainda estou nessa, passados tantos anos?

PETER: Por que é tão difícil conhecer-te a si mesmo, Sócrates?

SÓCRATES: Porque o eu  é o próprio cognoscente. Como pode o sujeito tornar-se seu próprio objeto? Como pode o eu tornar-se um isto? É por isso também que eu acho Deus um mistério. O eu humano é uma imagem do Eu divino.

PETER: mas a ciência cibernética resolveu esse problema. Sócrates. Agora nós sabemos como pensamos. Os mistérios estão se abrindo à luz da ciência.

SÓCRATES: É mesmo? Então, por favor conte-me, e dê cabo de minha busca infindável: o que é o eu?

PETER: Você não havia dito que o eu era a alma? Foi isso que eu aprendi sobre você na minha aula de filosofia.

SÓCRATES: Sim.

PETER: E a alma é a mente, sim?

SÓCRATES: Não apenas a mente, mas a mente é ao menos o olho da alma, sua luz.

PETER: Tudo bem, vamos aceitar essa qualificação, por enquanto. E a mente é o cérebro. Daí se conclui que o eu é o cérebro. E agora nós sabemos como funciona o cérebro. Assim, nós hoje nos conhecemos graças à ciência cibernética.

SÓCRATES: Opa,  opa. Você foi rápido demais. Você tirou essa última premissa de debaixo da mesa.

PETER: Qual?

SÓCRATES: A de que a mente é o cérebro.

PETER: Qual a diferença entre mente e cérebro, então?

SÓCRATES: A mente usa o cérebro, como um programador usa o computador. Meu computador interno não é mais eu do que qualquer outro de meus computadores externos, ou seja, eu apenas estou mais intimamente conectado a ele.

PETER: Isso está ficando abstrato demais para mim. Você pode dizer a mesma coisa, só que mais concretamente?

SÓCRATES: Hummm. Se o meu argumento simples não o pode ajudar, talvez outra pessoa o consiga. Alguém que complique e force um pouco o assunto.

PETER: Como assim? Como podemos entender o complexo mais facilmente que o simples?

SÓCRATES: A simplicidade é, frequentemente, a coisa mais difícil do mundo, o ponto final a ser alcançar. [...]"
Peter Kreeft


KREEFT, Peter. As melhores coisas da vida: um Sócrates moderno lança seu olhar sobre o poder, o prazer, a verdade e a boa vida. Tradução de Felipe Lesage. Campinas - SP: Ecclesiae, 2016, pp. 58-60.