sábado, 6 de fevereiro de 2016

A Imunidade Tributária dos Templos - Breves Considerações

Basílica de Nazaré-Essa basílica foi construída no exato lugar onde, há mais de 300 anos, um sertanejo encontrou a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. O lugar, que também é o ponto final da peregrinação do Círio de Nazaré, guarda no topo do seu altar a santa original. Fonte: http://www.guiadoturista.com.br/destinos/belem/

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Façamos um breve escorço histórico, com pretensões meramente introdutórias; tem sido o fenômeno religioso o que de mais persistente existe na história da humanidade, havendo quem defenda "a unidade transcendental das religiões ", expressão que serve de título a uma das mais importantes obras de Fritjof Shuon, renomado estudioso das religiões comparadas.

A religião é fenômeno tão primário que todo o conhecimento humano primeiro surgiu como fruto de revelação divina ou como presente concedido pelas potências celestes ao homem, assim tem sido desde sempre em todas as culturas na sua infância.

O Estado é fruto da laicização do poder religioso, pois antes dos reis se tornarem reis deviam ser consagrados pela autoridade religiosa.

Podemos asseverar que mais importante que as grandes navegações, para a formação das mentalidades da Idade Moderna em que vivemos, foram as guerras de religião, que ensangüentaram a Europa a partir do século XVI, e só atingiram o seu termo em princípios do séc. XIX quando a Revolução Francesa fez surgirem a era das grandes guerras nacionais, e, com suas sangrias, que perduraram por um quarto de século (1789-1815), motivaram as primeiras grandes expropriações contra a Igreja em favor do Estado (As outras grandes expropriações iriam acontecer durante as revoluções mexicana, soviética e outras mais, sempre instaurando um Estado Socialista, em maior ou menor grau de radicalismo anti-religioso.), por motivo de perseguições políticas tendentes a fundar a religião civil preconizada por Rousseau em sua obra capital " Do Contrato Social" , ou seja, propugnou a instauração do culto ao Estado, resultando no nacionalismo chauvinista e guerreiro que proliferou pelo mundo ocidental e culminou nas guerras mundiais verificadas no séc. XX.



A revolução francesa foi um movimento que pretendia instaurar a religião da razão com a exclusão das demais formas de crença ou culto; sendo que o positivismo de Augusto Comte é um subproduto pseudo-filosófico deste processo. Por alguns momentos aquela quadra revolucionária assistiu ao primeiro movimento socialista, especialmente, nos tempos do Terror inaugurado pelos jacobinos de Robespierre, os primeiros terroristas da história.



Na outra margem do Atlântico, a intuição dos constitucionalistas americanos assegurou ao seu povo a liberdade de culto, e consagrou separação do Estado e da Igreja, já preconizada como princípio social desde quando Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Tal exemplo de proteção ao culto popular, ao contrário das perseguições religiosas francesas, estas inovações americanas, consubstanciadas na primeira Constituição Republicana e Democrática da História, cronologicamente anteriores (1787) à insanidade revolucionária francesa, foram se tornando paulatinamente o paradigma de todas as constituições, inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu artigo 18 assim proclama: 
"Todo homem tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela abservância isolada ou coletivamente, em público ou em particular". 


No Brasil, guardada a particularidade de a nossa primeira constituição haver sido monárquica e parlamentarista, e, que havia a religião oficial do Estado, o catolicismo, nem por isso deixou-se de contemplar especial proteção às liberdades alheias, pois, conforme noticia o Douto Pinto Ferreira (Comentários à Constituição Brasileira, 1º vol., Saraiva, São Paulo, 1989, p. 69), em seu artigo 179, n. 5, prescrevia: "Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública" ; prática aperfeiçoada e observada religiosamente por todas as demais constituições posteriores; e, entre as conseqüências práticas da liberdade religiosa está a imunidade dos templos.


Se realizarmos uma paráfrase do Texto Maior Pátrio, inquirindo quais os fundamentos da imunidade dos templos, assim resultará:

Nós, representantes do povo brasileiro, instituímos este Estado Democrático para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais em uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos sob a proteção de Deus. É uma República constituída como Estado Democrático de Direito e fundada, entre outras coisas, na dignidade humana, pois todo o poder emana do povo exercida por meio de representantes eleitos. Neste Estado do Brasil, todos são iguais perante a lei, por isso que é um Estado de Direito, sendo invioláveis a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade dos residentes, seja nacional ou estrangeiro. Livre é a manifestação do pensamento e inviolável a liberdade de consciência e crença. Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. Tendo em vista tais proteções irrevogáveis, pétreas, existem certas limitações ao poder de tributar, em particular, aos entes da federação não compete instituir impostos sobre templos de qualquer culto, e, mais ainda, tal vedação compreende o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com os fins essenciais relacionados ao templo (Cf. Constituição Federal de 1988: Preâmbulo e seus artigos 1º, III e parágrafo único, 5º, IV, VI e VIII, 150, VI, b), §4º).
Finda a citada paráfrase observamos que neste caso o conceito de templo se estende a outros fatos geradores:patrimônio, renda e serviços essenciais ; logo, quando a legislação infraconstitucional regulamentar tal imunidade deverá observar que o conceito de templo muito se assemelha ao de pessoa jurídica.

Além do templo possuir a sua sede em alguma espécie de prédio, e, portanto, titular de um patrimônio físico, de natureza imóvel, também, será titular de renda e serviços imunes, isto quer dizer que o conceito de templo chega a confundir-se com o próprio conceito de religião, culto, seita, que denote convicção religiosa de alguma espécie, e que para a sua manifestação necessite de suportes físicos e exteriores de um lado, imateriais de outro, e, em especial, financeiros, para dar apoio econômico a todos os demais, mais uma vez fica ressaltada a analogia com uma pessoa jurídica.

Não custa nada verificarmos a problematicidade do próprio conceito de templo , que numa rápida retrospectiva histórica, remete a noções as mais amplas, desde o templo como o próprio corpo do fiel do cristianismo, até aos patrimônios móveis e imóveis que guarnecem o próprio prédio destinado ao culto, chegando em certos contextos a abarcar territórios e pessoas circundantes, daí a necessidade da limitação do artigo 150, §4º, da CF, cujo cerne é ao mesmo tempo o de restringir o âmbito da imunidade aplicada ao conceito de templo, e, garantir que o templo não seja somente considerado em seu aspecto predial, mas, sim, na sua amplitude social, de uma entidade que possui patrimônio, presta serviços e aufere rendas.

ratio legis desta imunidade é a sedimentação de uma verdade política popularmente consagrada, qual seja: sobre mulher, futebol e religião não se discute; são assuntos extremamente conflituosos, que merecem o distanciamento respeitoso do Estado, que deve ater-se aos limites consagrados na Ordem Constitucional, para que os seus instrumentos legais não se tornem meios de repressão social, nunca devemos perder de vista que o Estado é composto de homens, portanto, falível, e, que nem sempre seus mecanismos institucionais serão capazes de evitar que seus instrumentos sejam manejados por fanáticos de um destes extremos: daquele que em nome de sua fé exclui as demais, ou dos que por não possuirem fé nenhuma desejam perseguir quem alguma possuir.

O Estado não é o sucedâneo da perfeição, salvo para os que admiram Hegel; logo, como o homem é obra do Criador, e o Estado é obra do homem, pela ordem das precedências ao Estado só cabe, ao menos, manter-se respeitosamente distante, mas bem distante, dos assuntos D´Ele, pois é historicamente provado que toda a vez que o Estado interferiu, positiva ou negativamente, em assuntos que o superam, foram momentos de muita dor, sofrimento, perseguição, e injustiças; portanto, leitores, mantenham o Estado e a Religião em seus devidos lugares, um cuidando dos assuntos terrenos e o outro dos divinos. 


Texto confeccionado por
(1)Werner Nabiça Coelho

Atuações e qualificações
(1)Advogado. Especialista em Direito Tributário e Professor da Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ.
Bibliografia:

COELHO, Werner Nabiça. A Imunidade Tributária dos Templos - Breves Considerações . Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 20 de jun. de 2002.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1171/a_imunidade_tributaria_dos_templos__breves_consideracoes_ >. Acesso em: 06 de fev. de 2016

(Uma versão ligeiramente diferente desta foi publicada na REVISTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS, ano 11,  nº 48, janeiro-fevereiro de 2003, coordenação de Dejalma de Campos, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003, p. 128-130)