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domingo, 18 de dezembro de 2016

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O CONCEITO DE CORPO (cap. 02)

Observações preliminares.

O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).



"O CONCEITO DE CORPO



O que entendemos por corpo é um ser quantitativo, extensista, mensurável, limitado por superfícies, tridimensional, ocupando um lugar e que se dá no tempo, etc. O que é salientado em tal ente são as suas propriedades e os efeitos, que dele podemos conhecer, não propriamente a sua essência.

Como as propriedades são umas estáticas e outras dinâmicas, a Cosmologia, ao estudar os corpos, o faz segundo o seu aspecto estático numa parte, e noutra, segundo o seu dinamismo, a sua acção ou actividade.

O conceito de corpo implica, portanto, superfícies, e se o cosmos, que é o conjunto dos sêres corpóreos, é o único ser existente, e sendo êle corpóreo, será limitado por superfícies, posto num espaço que o cerca, outro que êle, um grande vazio, um vácuo imenso e sem fim. O cosmos seria um conjunto de corpos accidentalmente reunidos, formando uma unidade de ser, nem imenso nada absoluto parcial, que o conteria. As tremendas contradições que decorrem deste pensamento tornam-no absurdo, como ainda veremos. Como, porém, para chegar até este ponto é, mister que previamente examinemos outros, sigamos os caminhos clássicos da Cosmologia, a fim de apresentar os elementos imprescindíveis para realizar, posteriormente, a análise das hipóteses e teorias absurdas, que geraram tremendos erros no filosofar moderno.

Seja de modo fôr que consideremos o corpo, a quantidade será sempre da sua essência, a continuidade de ser, o contínuo. A descontinuidade, o discreto, que implica separação, surgirá da multidão de sêres quantitativos, separados de certo modo uns dos outros.

A quantidade implica partes extra partes, uma parte após outra parte, o ser que continua sendo extensivamente, a tensão que se afasta de si mesmo, ex, que foge de si, centrífuga. Essas partes não ocupam o mesmo espaço, uma não está no mesmo onde que outra.

Costuma-se considerar como essência da quantidade a divisibilidade, a qual também se poderia atribuir à qualidade, pois esta é divisível em graus intensistas. É mister, contudo, distinguir que a divisão, na qualidade, é distinta de a da quantidade, pois esta dá como resultado partes formalmente idênticas, enquanto aquela não, pois, uma gradação, em grau é formalmente distinta de outro, pois 10º de calor é distinto de 1º, enquanto um centímetro, enquanto tal, não se distingue, essencial e formalmente, de outro, mas apenas numericamente.

Qualifica-se a quantidade em continua e descontinua ou discreta. Examinemos a primeira.

São contínuos os sêres cujos extremos são um, aqueles que não apresentam interrupção, nem divisão, nem terminação entre as suas partes.

Contínuo permanente é aquêle cujas partes coexistem simultaneamente; contínuo sucessivo, aquêle cujas partes não são simultâneas, mas uma se coloca após outra, como o movimento.

Dividiam, ainda, os antigos em contínuo matemático ou hipotético, que é o contínuo considerado em sua constituição essencial, e contínuo físico, que é o existente nas coisas físicas considerado, por sua vez, do ângulo matemático.

Há, ainda, o contínuo formal, que é contínuo considerado divisível em partes, que é extenso, e que tem partes extra partes. Contínuo virtual é o constante de entes simples distintos, que embora ocupem um espaço, é todo no todo e todo em suas partes singulares.

O contínuo formal divide-se em linha, superfície e volume. Ponto há na intersecção de duas ou mais linhas, e não tem dimensão, não é medível portanto. A linha tem uma dimensão, a extensibilidade de uma dimensão, a longitude, alonga-se. A superfície, duas dimensões, a longitude e a latitude; o volume, além destas, tem a profundidade. O ponto é o término de uma linha, a linha o término de uma superfície, a superfície o término de volume.

Diz-se que é contígua a quantidade cujos extremos são simultâneos. Assim os corpos, que têm extremidades distintas, mas as quais se tocam, sem que haja entre eles um corpo intermédio, são contíguos. Diz-se que é discreta a quantidade, quando há entre os corpos uma realidade que os separa, e que serve de intermédio, como a que se verifica entre dois homens. Para os que admitem que o espaço é vazio, tais quantidades são separadas por um espaço vazio.

Propriamente a contiguidade e a discreção não são espécies da quantidade, mas multidão de quantidades, as quais são nomeáveis e distinguidas numericamente, de modo que alguns antigos (como Aristóteles) consideravam número a multiplicidade quando medida pela unidade. Dêste modo, o número era uma espécie da quantidade. Contudo, o número, neste sentido, não está na coisa, mas sim em nossa mente, e por meio dele, numeramos, contamos as coisas corpóreas, consideradas descontinuamente. O número, aplicado às coisas corpóreas, consideradas descontinuamente. O número, aplicado às coisas corpóreas, é uma espécie da quantidade, número sensível; quando aplicado às coisas não materiais, é tomado sob a razão da número transcendental.

Na ontologia e na Lógica, enumeram-se diversas propriedades da quantidade:

1)   Não ter contrário. Contrário é o máximo diferente específico dentro da mesma espécie. A quantidade não é um gênero que possua muitas espécies. O maior não é um contrário do menor, mas apenas este afirma uma privação de quantum em relação àquele.
2)   Não receber a quantidade mais nem menos, intensistamente considerados, embora possa ter mais ou menos extensistamente considerados.
3)   A quantidade ou é igual ou desigual. A igualdade é a conveniência na quantidade: e a desigualdade, desconveniência naquela.
4)   A divisibilidade por meio mecânico, ou por introdução de um outro corpo, que separe suas partes.
5)   É finita, e potencialmente infinita, porque a qualquer quantidade não repugna um aumento, ou seja, que esse fosse ainda maior.
***
Dadas essas idéias fundamentais da Cosmologia, pode-se penetrar na problemática que em torno da quantidade é proposta na obra de tantos autores, e visualizar de modo seguro quais os pontos deficientes das diversas posições, e quais os que têm procedência rigorosa, em bases normalmente lógico-ontológicas, e comprováveis pela experiência.

Quando, numa extensão quantitativa, não há interrupção de qualquer espécie, nenhuma divisão, nenhum término, diz-se que ela é contínua. Ora, como vimos, o contínuo pode ser matemático ou hipotético, ou então, físico. O primeiro é a contínuo considerado segundo a sua constituição essencial, cuja existência objectiva não se discute por ora, enquanto o contínuo físico é o que existe a parte rei, mas que essencialmente se funda no contínuo matemático.

Também foi distinguido o contínuo formal de o virtual. O primeiro é o que consta de partes sem interrupção de qualquer espécie, enquanto o virtual é o que consta de entes simples, distintos, que estão todos no todo e todos nas partes singulares do espaço.

Uma parte é integral, quando constituinte de uma substância. Sua retirada não implica o desaparecimento específico do todo, como um pedaço de ferro retirado de uma barra não implica no desaparecimento da espécie ferro à qual pertence o restante. Uma parte é essencialmente, quando retirada, ela implicará a transformação do todo, como a racionalidade no homem, retirada deste, torna-lo-ia não-homem. A parte essencial é constitutiva da essência da coisa. Modernamente chamam alguns autores de contínuo homogêneo o que é constituído de partes totalmente semelhantes, essencial e accidentalmente, como um pedaço de ferro, que é continuamente homogêneo, enquanto tal, e contínuo heterogêneo, quando consta de partes que não têm a mesma espécie, mas diversas. Assim os cristais são contínuos, mas heterogêneos, porque apresentam accidentes diversos, como as experiências físicas podem comprovar. (Itálicos e negritos no original.)


Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, 14-18.

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: O CONCEITO DE COSMOLOGIA (cap. 01)


Observações preliminares.
 
O Filósofo Mário Ferreira dos Santos sempre advertia no início de suas obras a respeito da importância do vocabulário, e, principalmente, de seu elemento etimológico, e, já nos idos dos anos 1960 ele alertava que utilizaria certas consoantes mudas, já em desuso, mas muito importantes para "apontar  étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado", e, em razão desta técnica de exposição, escolhi realizar as transcrições do texto em seu formato gramatical original (com exceção das tremas).







"O CONCEITO DE COSMOLOGIA



Um dos campos do saber onde maior número de erros filosóficos tem surgido é, sem dúvida, o cosmológico.

Inúmeros cientistas, que fazem Filosofia, e filósofos que fazem Ciência, invadem um território para o qual nem sempre se acham devidamente equipados.

Os mais elementares erros de lógica são praticados aí, as confusões mais evitáveis foram perpetradas, e a proposição de sentenças, sem o devido fundamento lógico, dialéctico e ontológico, são constantes, permitindo que, no campo científico, se registrassem maior número de erros filosóficos que em qualquer outro sector.

Se volvermos os olhos para o panorama científico de nossos dias, ver-se-á com que temeridade inúmeras hipóteses foram propostas e tantas teorias foram esboçadas, que viveram um curto espaço de tempo, afagadas com entusiasmo, e esquecidas depois, irremediavelmente.

A observação cuidadosa das diversas doutrinas expostas, facilmente nos mostra quanto de improvisação precipitada houve no campo da formulação de hipóteses.

Tais erros poderiam ser evitados, se um melhor cuidado no emprego lógico e dialéctico fosse aplicado a tais estudos, como veremos.
O termo cosmos, do grego khosmos, dá-se como aplicado à Filosofia por Pitágoras para indicar a ordem, que se opõe ao khaos,

referindo-se, portanto, ao conjunto das coisas existentes na natureza no mundo, termo que lhe corresponde), daí Cosmologia, para os antigos, significar uma parte da Filosofia Natural ou Física, como a chamavam.

A Filosofia Natural dedicava-se ao estudo dos corpos, dividindo-se o campo de suas atividade em dois:

o campo dos corpos inorgânicos e do mundo orgânico,

dedicando-se o primeiro estudo dos caracteres comuns nos sêres inorgânicos,

e a segunda, dedicando-se ao estudo dos corpos vivos.

À primeira chamou-se Cosmologia (Filosofia do Cosmos)

e à segunda, Psicologia.

Dêste modo,

a Cosmologia é a ciência do mundo corpóreo,

é a ciência filosófica do mundo inorgânico,

e dedica-se ao estudo do que pertence a tal mundo.

Nos três graus da abstração, como os estabelecem os filósofos positivos e concretos,

o primeiro prescinde da singularidade

e esquematiza os aspectos sensíveis, as propriedades sensíveis.

É esta abstração que corresponde à Filosofia Natural e, portanto, 

à Cosmologia.

O segundo grau prescinde da singularidade e das propriedades sensíveis,

e o resultado é o objeto da Matemática;

o terceiro grau prescinde de tudo quanto os dois primeiros prescindiram, e ainda de toda materialidade,

para considerar apenas os esquemas dos esquemas, e 

é o objeto da Metafísica.

Consideram os medievalistas a Cosmologia como a ciência filosófica dos entes móveis.

Não confundiam móvel como mutável, porque o primeiro refere-se à mutação física e corpórea.

Os modernos, e entre eles os positivistas e os seguidores de Kant, consideram-na como a sistematização das ciências, tratadas sinteticamente.

A Cosmologia pode e deve ser tratada filosoficamente e dentro do âmbito da Filosofia Especulativa, como o mostramos em nosso “Origem dos Grandes Erros Filosóficos”, pois deve prescindir de todos axioantropológico e, por outro lado, se fôr entendido como deve ser,  

é ela subordinada à Ontologia, porque as leis ontológicas presidem também as leis cosmológicas

como se verá mais adiante, e às leis matéticas, como provamos em nossos livros de Matese.

Grande número de cientistas julgam haver completa incompatibilidade entre a Ciência Natural, 

em sua parte cosmológica, 

com a Metafísica. 

Sofrendo dos preconceitos comuns contra a Metafísica racionalista e a idealista, 

e por ignorância, 

julgando que Metafísica é apenas aquelas, 

opõe-se tenazmente à introdução dos métodos especulativos nesse sector,

preferindo apenas a descrever e medir os fenômenos e estabelecer algumas leis dos factos, fundadas em teorias e hipóteses explicativas.

Contudo, ao penetrar neste sector,  

inevitavelmente, beiram o campo metafísico

e não podem evitar o cometimento de erros graves, que seriam perfeitamente evitáveis.

Passemos, pois, a estudar os principais erros que  neste sector foram perpetrados, e a apontar a sua origem lógico-dialética. (Negritos nossos)

Mário Ferreira dos Santos, Erros na Filosofia da Natureza, Coleção Uma Nova Consciência, Editora Matese, São Paulo, 1967, 11-13.